Maria Mello* blog da Reforma Agrária
A abordagem estigmatizada da mídia corporativa sobre as ações do
movimento sindical, que crescem na medida em que o país se desenvolve
economicamente, e do movimento social, com destaque negativo para as
ações organizadas em torno da luta por reforma agrária, alerta a classe
trabalhadora para a urgência do avanço na consolidação de formas de
comunicação próprias, que encontram cada vez mais espaço e respaldo na
blogosfera.
A oficina autogestionada que uniu os debates sobre sindicalismo na
era da internet e perspectivas de comunicação no âmbito da reforma
agrária, realizada no último sábado (18/6), durante o 2o Encontro
Nacional de Blogueiros Progressistas, em Brasília, apontou a necessidade
de produção de conteúdo e da apropriação de novas ferramentas de
comunicação frente à cobertura hegemônica da mídia convencional sobre as
agendas das organizações.
Guilherme Delgado, pesquisador aposentado do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) e colunista do informativo digital Correio da
Cidadania, apresentou aos participantes aspectos da questão agrária no
país e relacionou a marginalização da atuação dos movimentos sociais de
luta por reforma agrária na mídia à opção dos governos recentes pelo
modelo do agronegócio, caracterizado pela tríade concentração fundiária,
foco em cadeias agroindustriais e produção de matérias-primas voltadas
à exportação. Para ele, o modelo do agronegócio não é uma ação
singular, mas integra o pacto de economia política que envolve a
primarização do comércio exterior “com total adesão e aderência” da
política financeira do Estado brasileiro.
“A reforma agrária está à margem da agenda política, embora a questão
agrária tenha se agravado nos últimos anos por conta de exacerbada
prioridade ao agronegócio. Verifico que alguns temas que estão bombando
na agenda política nacional, como o Código Florestal, muitas vezes são
abordados sem explicação mais adensada por parte da mídia”, aponta. “Há
vários elementos novos na questão agrária, mas infelizmente esse
conjunto de novos conflitos não está devidamente assimilado no mundo da
representação política e nos meios de comunicação”.
Na avaliação do jornalista e blogueiro Rodrigo Vianna (www.rodrigovianna.com.br),
que também participou da atividade, o movimento sindical vem avançando
na utilização de novas ferramentas de comunicação. Ele destacou o
incentivo que os sindicatos têm dado às iniciativas de comunicação
contra-hegemônicas, principalmente na internet. “Como os sindicatos não
se veem representados pela mídia tradicional, começam a investir em
parcerias desse tipo. Este encontro, por exemplo, tem bastante apoio de
organizações de trabalhadores”.
O distanciamento entre os profissionais de comunicação da grande
mídia e o movimento sindical pode originar o ocultamento e o
enviesamento das lutas, avalia Vianna. “O jornalista é um dos
profissionais com menor índice de sindicalização no Brasil, fruto da
influência do discurso liberal dos anos 90. A estigmatização é enorme, e
talvez só não seja maior do que a feita em relação aos movimentos de
luta pela reforma agrária”. Ao tocar nesse ponto, Vianna comentou ainda
como se dá a orientação editorial na chamada “grande imprensa” quando os
assuntos estão relacionados aos movimentos de luta pela terra. “As
organizações de comunicação usam o termo invasão de terra, em lugar de
ocupação, como forma de criminalizar. Eles também obrigam o jornalista a
substituir o termo ‘liderança’ do movimento, tido como positivo, pelo
termo ‘chefe’ do movimento, em tom pejorativo”, exemplificou.
Agrotóxicos: “Extrapolamos o limite do imaginável”
Atores considerados essenciais ao cenário que prioriza o modelo de
expansão da produtividade comandada pelo agronegócio, os agrotóxicos
crescem no país e já não preocupam apenas os agricultores que lidam
diretamente com esses venenos. “Já é um problema que impacta todas as
classes sociais e os consumidores nas cidades”, ressaltou Letícia Silva,
gerente de normatização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa).
A especialista falou da influência do mercado sobre as políticas de
Estado de controle de agrotóxicos. “As empresas pressionaram para
impedir publicação de normas técnicas, por exemplo. A Anvisa conseguiu
concluir a reavaliação de seis substâncias com cinco ações judiciais. A
lentidão é enorme”, avalia.
Uma das razões, segundo a especialista, está no poder econômico
alcançado por esses grupos. Nada menos do que “90% do mercado mundial de
agrotóxicos, em todo o mundo, são controlados por 13 grandes empresas”,
que utilizam toda sorte de expediente político para pressionar a
desregulamentação do setor.
O Brasil é, atualmente, o país que mais consome agrotóxicos no mundo.
“Com as proibições de algumas substâncias na China, União Europeia e
EUA, vimos as curvas de importação de agrotóxicos para o Brasil
aumentaram vertiginosamente. A sociedade precisa se apropriar do tema.
Além da questão agrária e fundiária, o tema extrapolou o debate no
campo. O leite materno está sendo contaminado. Extrapolamos os limites
do imaginável”, acrescentou. Segundo Letícia, entre 2000 e 2010, a
produção agrícola brasileira cresceu 20%, enquanto o uso de agrotóxicos,
no mesmo período, subiu mais de 100%.
Sindicatos ampliam visibilidade na rede
Marcos Verlaine, jornalista do Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar (Diap), acredita que a internet tem conseguido
erodir o monopólio da palavra dos jornais que disputam a opinião da
população brasileira. Para ele, o uso da rede por parte do movimento
sindical possibilita maior visibilidade à sua atuação. “Pelo baixo
custo, é mais abrangente e mais capilar. Ampliamos o público e olhamos
para essa atuação com perspectiva alvissareira”, afirmou.
Segundo Verlaine, o movimento sindical tem avançado nas lutas
relacionadas a temas importantes como salário mínimo e terceirização, e a
amplificação desses debates no conjunto da sociedade deve ter
prioridade na estratégia das lutas. “A deturpação da mídia é cotidiana
em relação ao movimento sindical. A mediação do sindicato foi
fundamental para a greve dos metalúrgicos de Curitiba, por exemplo, e
tratada com preconceito pelos veículos convencionais”. A ampliação do
volume de informação gerada com o aumento de fontes de notícias,
acredita Verlaine, também oferece mais subsídios para a tomada de
decisões. “Sem imprensa, não conseguimos organizar o trabalhador”.
Desafios
Ao final das exposições, os participantes apontaram limites do
formato da oficina – que, ao unir os dois temas, diminuiu o tempo para
debate – e avaliaram os cenários do movimento sindical e da luta por
reforma agrária na era digital a partir de seus espaços de atuação.
Para o mediador do debate, Igor Felippe dos Santos, do setor de
Comunicação do MST e da Rede de Comunicadores pela Reforma Agrária, na
atual conjuntura política e econômica, o tema da comunicação ganha
centralidade tanto para o mundo do trabalho quanto na questão agrária.
Ele citou as crises ambiental e alimentar, que pressionam a disputa pela
terra em todo o planeta, e a necessidade de problematizar essa questão
junto à sociedade, por meio de processos alternativos de comunicação. No
Brasil de hoje, segundo Igor, o crescimento econômico deslocou o eixo
de luta social para o campo das relações de trabalho, onde o papel dos
sindicatos “ganha mais importância estratégica no enfrentamento direto
do capital financeiro”.
Como tornar o conteúdo das informações divulgadas pelos sindicatos
mais palatável aos jovens trabalhadores, para além da mera utilização
das redes sociais? Como aglutinar e potencializar iniciativas no âmbito
da luta por reforma agrária, como a Rede de Comunicadores pela Reforma
Agrária e o blog www.reformaagraria.blog.br, para mostrar que a democratização da terra dá certo?
*Colaborou Pedro Ferreira
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