Gabriel Bonis na CARTA CAPITAL
A crise financeira está destruindo a dívida pública da Grécia e os
líderes do país sofrem forte pressão da União Europeia e do Fundo
Monetário Internacional (FMI) para adotar intensas medidas de
austeridade. Em troca, o país receberia dois pacotes de resgate de cerca
de 240 bilhões de euros para continuar a tentativa de salvamento de sua
economia. O problema é que os líderes políticos não conseguem criar um
consenso para formar um novo governo, após as eleições legislativas do
último domingo 6.
Alexis Tsipras, líder do Syriza – partido da esquerda radical segundo
colocado nas eleições legislativas -, não conseguiu formar uma
coalisão, assim como Antonis Samaras, chefe da legenda conservadora Nova
Democracia, vencedora do pleito. A tarefa recai sobre Evangelos
Venizelos, do Pasok, que terá três dias para tentar sessar a intensa
polarização de correntes políticas, a favor e contra o acordo de resgate
financeiro do país, enquanto uma nova eleição se torna cada vez mais
provável.
Um cenário de incerteza que, segundo analistas ouvidos por CartaCapital, deve
levar ao bloqueio de novos empréstimos internacionais, recolocando a
falência grega e a possibilidade de saída do euro em discussão – é bom
lembrar que o país depende de ajuda externa para pagar seus credores.
A Grécia deveria receber nesta quinta-feira 10 uma parcela de 5,2
bilhões de euros do acordo, mas os governos europeus retiveram 1 bilhão
da quantia em um movimento que demostra insatisfação. “O bloqueio deve
permanecer até a formação de um governo minimamente a favor dos
princípios básicos do plano de resgate. Mas isso já atrasa o processo
político em andamento para implementar as medidas de austeridade”, diz
Elena Lazarou, doutora em estudos internacionais e especialista em
Grécia, a CartaCapital.
Em 15 de maio, o país deve devolver cerca de 450 milhões de euros de
obrigações que seus credores se negaram a trocar em uma grande operação
realizada em março. Analistas apontam que a Grécia tem reservas apenas
até o final de junho. Logo, caso o embargo se confirme, o governo deve
enfrentar dificuldades para manter serviços básicos, como escolas e
hospitais, o que deve provocar uma piora dos índices sociais e novos
protestos.
Centro-direita e centro esquerda punidas nas urnas
Neste cenário, os gregos votaram contra os socialistas do Pasok
(centro-esquerda) e o ND (centro-direita), adversários políticos que se
uniram em novembro passado em um movimento inédito para formar um
governo de coalisão comprometido com o corte de gastos e benefícios
sociais.
Após o pleito, o ND saiu de 33,5% nas eleições de 2009 para menos de
19%, ou 108 cadeiras no Parlamento. O Pasok despencou de 43% para 13%
dos votos e elegeu apenas 41 deputados, enquanto o Syriza conquistou 52
representantes e tornou-se a segunda força política grega, defendendo a
revogação das medidas de austeridade implementadas e a investigação do
sistema bancário do país.
Conciliar os interesses e visões destes partidos em um momento de
crise é uma tarefa complexa, pois as legendas antiausteridade que
ganharam espaço também possuem outros questionamentos sobre a UE. “Esses
grupos criticam a maneira como a Grécia se inseriu no grupo e ao
paradigma da liberalização financeira e da mobilidade de capital no
bloco, mas sem uma política unificada em direitos trabalhistas ou de uma
rede de proteção social entre os 27 países membros”, explica Mauricio
Santoro, doutor em Ciências Políticas e professor de Relações
Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Por isso, Lazarou acredita que as chances de se formar um governo de
coalisão com maioria absoluta no Parlamento são remotas. “Mesmo a ND e o
Pasok não conseguiram um acordo sobre o plano da UE. Não vejo como
formar um governo de salvação nacional”, vaticina Kai Enno, PhD em
Relações Internacionais e professor da Universidade de São Paulo.
Segundo ele, uma provável nova eleição fortaleceria ainda mais os
partidos extremos da esquerda e direita, “porque a incapacidade [da
atual coalisão] em formar um governo evidencia os problemas do país.”
Santoro, no entanto, acredita que uma coalisão instável e sujeita a
pressões externas deve se formar. Mas em um novo pleito, diz, as
correntes mais afastadas do centro ganhariam espaço, embora seja
improvável a formação de um governo contra austeridade entre extrema
direita, esquerda e centro-esquerda. “Nunca houve uma coalisão assim,
pois mesmo que as visões econômicas sejam semelhantes, há uma diferença
grande em outros valores destes partidos.”
A retórica da renegociação do resgate econômico grego proposta pelo
Syriza, entre outros partidos menores, vai de encontro às pressões de
diversas autoridades europeias, segundo as quais a austeridade é
necessária. Não há espaço para uma visão distinta. “Deve ficar claro
para a Grécia que não há alternativa ao programa de consolidação
acordado, caso queira continuar a ser membro da Eurozona”, alertou Jörg
Asmussen, membro da diretoria do Banco Central Europeu no início da
semana.
Mas os analistas ouvidos por CartaCapital acreditam que a
possibilidade da saída do euro ainda não está posta, embora o cenário
possa mudar rapidamente. O fator chave para a manutenção da moeda única
na Grécia, apontam, seria o resultado de um acordo entre França, que tem
em seu novo presidente, François Hollande, um defensor de estímulos ao
crescimento, e a Alemanha de Angela Merkel, pró-austeridade.
“Há uma mudança de visão, temos a ascenção do Hollande na França e
talvez a UE vai reconsiderar a forma de enfrentar os problemas. Além
disso, os três partidos que ganharam as eleições e parte de legendas
menores são a favor do euro”, comenta a professora da FGV.
Santoro também destaca o posicionamento fraco-alemão como fundamental
para a Grécia, mas aventa a possibilidade de uma nova moratória do
país. “A saída do euro ainda não chegou à mesa.”
Mas a demora para a definição do novo governo também pode forçar a
Grécia a deixar o euro, diz Enno. “É possível que a Grécia siga o
exemplo da Bélgica, que ficou mais de um ano sem um líder eleito, mas
isso seria péssimo. Neste cenário, o país estaria em falência, uma vez
que depende de empréstimos, e teria que sair da moeda única. Isso
significa que a Zona do Euro enfrentaria um temor de contágio, pois o
que impediria a Itália ou outros países de fazer o mesmo?.”
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