Por Osvaldo Bertolino no GRABOIS
Há
exatos 67 anos, à meia-noite de 8 para 9 de maio de 1945, os canhões
silenciaram fogo na Europa pela primeira vez desde 1939. Estava
encerrada a mais sangrenta guerra de todos os tempos. A grande vítima e o
grande vitorioso do conflito foi o socialismo.
Não deixarei o Volga! Não sairei de lá! Os gritos de Adolf Hitler,
tomado por um acesso de cólera, eram a expressão do desastre causado
pela sua ordem de manter o 6º Exército ao redor da simbólica cidade
soviética de Stalingrado. A derrota nazista naquele local representou
uma reviravolta na Segunda Guerra Mundial e um êxito incalculável dos
comunistas em todo o planeta.
A reviravolta se consolidaria em janeiro de 1942, quando o Exército
Vermelho lançou a ofensiva geral em uma ampla frente e em alguns setores
avançou mais de 400 quilômetros para o ocidente, afastando a fera
nazista que rugia às portas de Moscou. Os comunistas soviéticos,
artífices da vitória, ganharam enorme prestígio internacional. A
importância militar e política fora gigantesca — pela primeira vez
durante toda a guerra o exército nazista sofria uma derrota séria.
Poucos meses antes, em 7 de novembro de 1941 — 24º aniversário da
revolução socialista de 1917 —, o líder revolucionário Josef Stálin
dissera ao Exército Vermelho e aos guerrilheiros comunistas que o mundo
via neles “a força capaz de destruir as hordas rapaces dos invasores
alemães”. Adolf Hitler, o senhor absoluto de Berlim, determinara que em 2
de outubro seria desencadeada a grande ofensiva. Tufão era o seu nome
em código, um verdadeiro ciclone que devia abater-se sobre os
soviéticos, destruindo as últimas forças combatentes diante de Moscou e
fazendo desmoronar a pátria do socialismo.
Tudo para frente, tudo para a vitória!
Os soviéticos, com o lema “Tudo para frente, tudo para a vitória!”,
estavam conscientes do que representava aquela guerra. Em muitos locais
os combatentes deixaram inscrições de loas à pátria gravadas nas ruínas.
Eram exemplos do elevado moral comunista, que levaram os Estados Unidos
e a Inglaterra a declarar, em 22 de junho de 1941, que estavam
dispostos a prestar ajuda à União Soviética. Havia, até então, uma
passividade das potências ocidentais. Para as velhas senhoras da Europa e
seu aliado norte-americano, o problema de Adolf Hitler era com os
soviéticos.
Em janeiro de 1933, quando se tornou chanceler alemão, Adolf Hitler já havia publicado sua plataforma política. Era o livro Mein Kampf (Minha Luta),
um best-seller que naquele tempo contava com mais de um milhão de
exemplares vendidos. Nele, estavam claras as idéias do novo chanceler
alemão: ódio aos comunistas, aos judeus, aos eslavos, aos proletários,
etc. Logo, a venda da obra nazista explodiria. "Com exceção da Bíblia,
nenhum outro livro foi tão vendido durante o regime nazista", escreveu
William L. Shirer no livro Ascensão e Queda do 3° Reich, parcialmente traduzido para o português pelo histórico dirigente do Partido Comunista do Brasil, Pedro Pomar.
Na obra, Hitler expôs com clareza o modelo de governo que ele queria
implantar na Alemanha. A "nova ordem" que o líder nazista pretendia
impor ao mundo tinha no Estado de seu país — que um dia se tornaria "o
soberano da terra" — o alicerce para uma ditadura absoluta. A "nova
ordem" nazista também teria uma "ideologia universal". Para tanto,
segundo Minha Luta, a Alemanha deveria ajustar contas com a
França, "o inexorável e mortal inimigo do povo alemão". Hitler
considerava esse passo decisivo como meio para mais tarde "dar ao nosso
povo a expansão que venha a ser possível alhures".
Estratégia nazista
Ele
estava dizendo que a Alemanha tinha como alvo final a União Soviética.
"A Alemanha deve expandir-se para o Leste, em grande medida às custas da
Rússia", escreveu. No primeiro volume de Minha Luta, Hitler discorreu longamente sobre o problema do "espaço vital" — Lebensraum,
em alemão. "Se na Europa de hoje falarmos em terras, haveremos de ter
em mente apenas a Rússia e as nações vizinhas a ela subordinadas",
afirmou o líder nazista. Ele perseguiria esse objetivo até à morte. Para
Hitler, o destino tinha sido generoso ao entregar a região à direção
dos comunistas — o que, segundo sua teoria, era o mesmo que entregá-la
aos judeus.
A estratégia nazista estava clara. Primeiro, era preciso aniquilar a
França apenas como condição para o avanço de seus exércitos rumo ao
Leste. No decorrer da guerra, essa promessa foi fielmente executada.
Hitler tomou a Áustria, a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, e a
parte ocidental da Polônia. Em setembro de 1938, os líderes da Alemanha,
Inglaterra e França assinaram o "Pacto de Munique", permitindo ao
exército alemão iniciar sua marcha para a Tchecoslováquia. A ameaça à
União Soviética estava mais perto do que nunca.
Segurança coletiva
Logo
depois da ocupação nazista da Tchecoslováquia, a União Soviética propôs
uma conferência das seis potências (Alemanha, Itália, França,
Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética) para debater formas de
evitar futuras agressões. Mas a proposta foi considerada "prematura". Os
movimentos no xadrez político ocidental deixavam claro a intenção de
manter a União Soviética fora do concerto das potências européias.
Moscou voltou a acenar, em vão, com um pacto de assistência mútua com a
França e a Inglaterra. Esses movimentos evoluíram para a aproximação
entre União Soviética e Alemanha.
Discursando no VIII Congresso do Partido Comunista da União Soviética,
em março de 1939, Josef Stálin disse que Inglaterra e França haviam
abandonado o princípio da segurança coletiva, com a finalidade de
orientar os Estados agressores para "outras vítimas". Stálin advertiu
que os países ocidentais estavam empurrando os alemães ainda mais para o
Leste, prometendo-lhes uma presa fácil. Segundo o líder soviético, os
princípios orientadores do país socialista eram o de seguir uma política
de paz, de fortalecimento das relações econômicas com todos os países e
não permitir que a União Soviética fosse arrastada para conflitos pelos
provocadores de guerra.
O recado foi entendido em Berlim. A Alemanha tinha interesse em atacar a
Polônia sem temer uma intervenção soviética. As conversações evoluíram
para o pacto de não-agressão mútua. Quando Hitler invadiu a Polônia, a
União Soviética movimentou suas tropas para os Estados Bálticos. A etapa
principal do pacto estava vencida. A Alemanha nazista preparava "uma
campanha rápida" para "esmagar a União Soviética". Em junho de 1941, um
ano depois da queda da França, as tropas nazistas atacaram o país
socialista. Um general alemão disse que a guerra estaria ganha em
catorze dias.
Chegada da reviravolta
A batalha de Stalingrado representou a chegada da reviravolta. Dali
para diante, o poder de Hitler declinaria, minado pela crescente
contra-ofensiva soviética. Um representante do "Ministério para os
Territórios Ocupados do Leste", criado pelo governo nazista, disse na
ocasião que os soviéticos "estavam lutando com excepcional bravura e com
espírito de renúncia, nada mais visando que o reconhecimento da
dignidade humana". O resultado seria o esmagamento da máquina de guerra
criada por Hitler.
Em junho de 1944, as forças anglo-americanas atacaram na frente
ocidental. A muralha nazista foi rompida em poucas horas. À meia-noite
de 8 para 9 de maio de 1945, os canhões silenciaram fogo na Europa pela
primeira vez desde 1939. O fim da contenda entre nazistas e soviéticos
chegou quando as tropas motorizadas do Exército Vermelho capturaram o
coração da cidadela nazista — Berlim. Um soldado anônimo hasteou a
bandeira vermelha no topo do Reichstag. Em 2 de setembro de 1945, os
japoneses renderam-se a bordo do encouraçado norte-americano Missouri,
ancorado na baía de Tóquio. Era o fim de uma luta que se iniciara em
meados de 1937, na China, expandindo-se mais tarde para praticamente
todo o Pacífico.
A bandeira da liberdade e da democracia passou a flutuar por toda a
Europa e em boa parte do mundo. O resultado da guerra fez com que o
socialismo ganhasse muito respeito. Na luta pela existência, os povos
aprendem a conhecer seus amigos e a reconhecer os seus inimigos. O
socialismo bateu de frente com a Alemanha nazista e foi a principal
barreira ao III Reich sonhado por Adolf Hitler. No combate, emergiu a
União Soviética na sua verdadeira estatura e significação, com seus
líderes, sua economia, seu exército, seus povos e, segundo o então
secretario de Estado norte-americano, Cordell Hull, “a quantidade épica
de seu fervor patriótico”.
A ordem de Adolf Hitler
Quando
o Exército Vermelho empurrava as tropas nazistas para fora do
território soviético, em fevereiro de 1942, o general Douglas Mac
Arthur, que assinaria a rendição dos japoneses, disse: “Durante a minha
vida eu participei de numerosas guerras e testemunhei outras tantas,
assim como estudei pormenorizadamente as campanhas dos principais cabos
de guerra do passado. Em nenhuma delas observei tão eficiente
resistência (…). A escala e grandeza desse esforço assinala-o como o
maior feito militar em toda a história.”
Segundo William L. Shirer, o tratamento aos prisioneiros de outros
países, especialmente britânicos e americanos, era relativamente mais
suave. “Havia, vez por outra, casos de assassínios e massacre deles, mas
isso, geralmente, era devido ao excessivo sadismo e crueldade de certos
comandantes”, escreveu ele. Quando a maré da guerra começou a virar
contra Hitler, com a contra-ofensiva soviética iniciada na batalha de
Stalingrado, o líder nazista ordenou o extermínio dos “comandos” aliados
capturados, especialmente no ocidente. “Doravante, todos os inimigos em
missões denominadas ‘de comando’, na Europa e na Ásia, (…) devem ser
mortos até ao último homem”, dizia a ordem de Hitler.
Canhões de grande calibre
A guerra começou numa época em que os exércitos ainda usavam cavalos.
Quando terminou, os caças a jato já voavam. No final da década de 30, as
armas mais destrutivas ainda eram os canhões de grande calibre. Meia
dúzia de anos mais tarde o planeta tomava contato com as armas nucleares
e com os mísseis balísticos. O mundo não poderia ser o mesmo após o
término da Segunda Guerra Mundial.
O julgamento de Nuremberg
Em agosto de 1945, os aliados reuniram-se em Londres para assinar o
acordo que criou o TMI e acertar as regras do julgamento. O documento,
conhecido como “Carta de Londres”, tem uma característica salutar: a
ausência de palavras como “lei” ou “código”, num esforço para lidar com
aquela questão delicada de forma eficiente.
A “Carta de Londres” criou as regras dos processos de julgamento e definiu os crimes a serem tratados: assassínio, extermínio, escravização, deportação, atos inumanos cometidos contra alguma população de civis antes ou durante a guerra e perseguição política, racial, ou religiosa. Os réus foram acusados de exterminar milhões de pessoas e espalhar a guerra na Europa.
A “Carta de Londres” criou as regras dos processos de julgamento e definiu os crimes a serem tratados: assassínio, extermínio, escravização, deportação, atos inumanos cometidos contra alguma população de civis antes ou durante a guerra e perseguição política, racial, ou religiosa. Os réus foram acusados de exterminar milhões de pessoas e espalhar a guerra na Europa.
O julgamento de Nuremberg
Logo no início dos trabalhos, o juiz norte-americano Robert Jackson,
que atuou como promotor-chefe da acusação, declarou: “Não devemos
esquecer que os parâmetros pelos quais julgamos hoje estes acusados são
os parâmetros pelos quais a história nos julgará amanhã. Passar a estes
acusados um cálice envenenado é pôr esse cálice em nossos próprios
lábios. Devemos observar em nossa conduta tal imparcialidade e
integridade que a posteridade possa elogiar este julgamento por ter
cumprido as aspirações da humanidade de que se faça justiça”. A duras
penas, o mundo chegava a um ponto decisivo: o que fazer depois daquele
conflito gigantesco?
Fenda no governo brasileiro
No
Brasil, a Segunda Guerra Mundial abriu uma fenda no governo, que se
estendeu depois que, em 7 de dezembro de 1941, realizou-se na cidade do
Rio de Janeiro a Conferência de Chanceleres das Américas em apoio à
entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ali se
descortinaram caminhos políticos para o progresso do movimento
patriótico e antifascista.
O país estava chocado com o torpedeamento de vários navios da Marinha
brasileira por submarinos alemães e o governo reagia timidamente devido
às suas diferenças internas — o ministro da Guerra, general Eurico
Gaspar Dutra — que viria a ser o sucessor de Getúlio Vargas na
Presidência da República e aliado incondicional dos Estados Unidos no
nascedouro da “Guerra Fria” —, e o aparelho repressivo chefiado por
Filinto Muler eram abertamente a favor da Alemanha. Mas a pressão
popular levaria, finalmente, o governo a declarar guerra ao Eixo
nazi-fascista no dia 22 de agosto de 1942.
Manifestação organizada pelo Partido Comunista do Brasil na Praça da Sé, em São paulo, comemora derrota do nazi-fascismo
Outra manifestação da divisão no governo ocorreu quando os estudantes
organizaram uma “passeata antitotalitária” no dia da Independência dos
Estados Unidos, 4 de julho, que contou com o apoio do ministro das
Relações Exteriores, o chanceler Osvaldo Aranha, e a repulsa de Filinto
Muller. O chefe da repressão tentou impedir a passeata, desacatou o
ministro da Justiça interino, Vasco Leitão da Cunha, foi preso e
demitido. Em consequência do episódio, foram demitidos também Francisco
Campos, ministro titular da Justiça, e Lourival Fontes, diretor do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Felisberto Batista
Teixeira, diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), foi
outro afastado.
Organização da FEB
Os
avanços das forças soviéticas, que impulsionavam a luta democrática em
todo o mundo, refletiram fortemente no Brasil. O Partido Comunista do
Brasil se empenhou com tenacidade na luta anti-fascista e propôs a
organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaria em
Nápoles, Itália. Com essa finalidade, o Partido abriu duas frentes de
trabalho — reforçou a União Nacional dos Estudantes (UNE) e relançou a
Liga da Defesa Nacional, entidade fundada em 1916 no Rio de Janeiro
pelos intelectuais Olavo Bilac, Pedro Lessa e Miguel Calmon, sob a
presidência de Rui Barbosa.
No dia 28 de novembro de 1943, o governo decidiu organizar a FEB.
“Fomos os primeiros a reivindicar a participação militar do Brasil e o
fizemos de maneira consequente”, segundo o histórico dirigente comunista
João Amazonas. As Comissões de Ajuda, criadas às centenas em todo o
território nacional, angariaram donativos, realizaram conferências e
promoveram comícios populares. Todo esse trabalho foi coroado com a
organização da FEB.
O desembarque do primeiro escalão da FEB em Nápoles, Itália, em 17 de
julho de 1944, coroou o trabalho abnegado daqueles brasileiros que
olhavam para o futuro e imaginavam o país livre da ditadura do Estado
Novo e das ameaças nazi-fascistas. O Partido Comunista do Brasil
mobilizou forças e organizou grandes ações em favor desse objetivo. E,
após o término da guerra, enfrentaria seus efeitos.
Denúncia de Maurício Grabois
No
dia 9 de outubro de 1946, o líder da bancada do Partido Comunista do
Brasil na Assembléia Constituinte, Maurício Grabois, ocupou a tribuna
para denunciar o perigo que a guerra ainda representava. Ele reagiu,
indignado, às palavras de Gilberto Freyre (UDN-PE) que, “em nome da
consciência universal cristã”, protestou contra a pena de morte imposta
aos criminosos nazista julgados em Nuremberg. Grabois disse: “A
clemência para com esses bandidos nazistas em Nuremberg poderá
significar, para o futuro, a morte de milhões de homens livres.”
O líder da bancada comunista também denunciou a proibição da entrada de
judeus no Brasil pelo governo do general Dutra. “Ainda ressoa o eco das
bombas da última conflagração e os mesmos preconceitos, as mesmas
perseguições, ainda persistem no cenário mundial”, disse Grabois. “Hoje,
após a derrota do nazi-fascismo, vemos se levantar as tentativas dos
imperialistas norte-americanos e seus aliados para reacender a fogueira
ateada por Hitler”, afirmou.
Nascimento da “Guerra Fria”
Eram acontecimentos anunciados como o fim dos tempos, obras de uma
“conspiração moscovita”. O mundo capitalista, que se debatia nas garras
da crise antes do início da Segunda Guerra Mundial enquanto a União
Soviética embarcava em uma era de progresso, armava-se febrilmente para
impedir o avanço do socialismo. O mito-propaganda da “ameaça comunista”
trazia de volta o rame-rame dos velhos chavões que inundaram o mundo
pelas ações do nazi-fascismo no entreguerras. Era o surgimento da nova
face do anticomunismo, a “Guerra Fria”.
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Editor do Portal Grabois
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