Inês do Amaral Büschel no CORREIO DA CIDADANIA |
Esse é o nome do cargo do chefe do Ministério Público
Estadual. Entretanto, é muito comum as pessoas, em geral, confundirem
essa denominação com a do chefe da Procuradoria-Geral do Estado, que é o
nome do cargo da chefia do quadro dos Procuradores do Estado. Ambos são
cargos de âmbito estadual, todavia, esses profissionais exercem funções
públicas bem distintas. O Procurador-Geral de Justiça é membro do
Ministério Público, portanto não exerce a advocacia pública, que lhe é
vedada. O Procurador-Geral do estado, por sua vez, é um advogado
público, integrante da carreira de Procuradores do Estado. Ambos
ingressam em suas carreiras por intermédio de concursos públicos, porém
diferentes.
Para melhor entendimento dessas funções públicas, é
sempre bom lembrar que o Ministério Público é uma instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal).
Saliente-se aqui que o MP tem o monopólio da ação penal pública, podendo
processar criminalmente a todos nós e às autoridades constituídas,
inclusive. Seus membros têm a garantia da vitaliciedade, inamovibilidade
e irredutibilidade de subsídios, além de terem assegurada,
constitucionalmente, a independência funcional.
Quanto à Procuradoria do Estado (advogados públicos),
diz a Constituição Federal em seu artigo 132 que esses profissionais
exercem a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas. Têm assegurada a estabilidade.
Quero aqui abordar a regra constitucional que determina a
forma pela qual um membro do Ministério Público Estadual conquista o
cargo de Procurador-Geral de Justiça. Trata-se do artigo 128, II, § 3º
(CF): "Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na
forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será
nomeado pelo chefe do Poder Executivo para mandato de dois anos,
permitida uma recondução".
Essa mesma redação acima citada veremos repetida na Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público, nº 8.625/93, artigo 9º, que no
seu § 1º diz: "A eleição da lista tríplice far-se-á mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira". Faz-se importante mencionar também que o § 2º desse mesmo artigo diz: "A
destituição do Procurador-Geral de Justiça, por iniciativa do Colégio
de Procuradores, deverá ser precedida de autorização de um terço dos
membros da Assembléia Legislativa".
A partir da regra constitucional e da regra legal
federal acima citadas, cada estado da República Federativa brasileira
tem sua própria Constituição Estadual e fará editar sua lei estadual,
regulamentando tal eleição. Tomarei aqui como exemplo o estado de São
Paulo. A Constituição Estadual paulista determina em seu artigo 20,
XXIII, que compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa "destituir o Procurador-Geral de Justiça, por deliberação da maioria absoluta de seus membros"; e, no artigo 94 manda que "Lei Complementar, cuja iniciativa é facultada ao Procurador-Geral de Justiça, disporá sobre [...] II - elaboração
de lista tríplice, entre integrantes da carreira, para escolha do
Procurador-Geral de Justiça pelo Governador do Estado, para mandato de
dois anos, permitida uma recondução".
Pois bem, dando seqüência, a Lei Complementar Estadual
de São Paulo acima mencionada é a de nº 734/93. O artigo 10 dessa lei
diz: "O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo chefe do Poder
Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista
tríplice elaborada na forma desta lei complementar, para mandato de dois
anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento". Logo em seguida, no § 1º desse artigo 10, lemos: "Os
integrantes da lista tríplice a que se refere este artigo serão os
Procuradores de Justiça mais votados em eleição realizada para essa
finalidade, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal de todos
os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira".
O § 2º desse mesmo art. 10, por sua vez, determina que: "Caso
o chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Procurador-Geral
de Justiça nos quinze dias que se seguirem ao recebimento da
lista-tríplice, será investido automaticamente no cargo o membro do
Ministério Público mais votado, para exercício do mandato".
Vê-se que não há regra jurídica que obrigue o governador
do estado a nomear o candidato mais votado na lista tríplice composta
pelos membros do MP. Ao chefe do Poder Executivo é assegurada a livre
escolha de qualquer um dos componentes da referida lista, mesmo que este
venha a ser o terceiro colocado.
Daí surge a pergunta: por que, então, realizar-se a
eleição interna com voto obrigatório? Parece-nos à primeira vista uma
exigência ilógica. Bem, mas teremos que raciocinar com o seguinte dado
de realidade: a) o MP não é, formalmente, um poder constituído de nossa
República Democrática, que adotou a tripartição do poder em Legislativo,
Executivo e Judiciário; b) os membros do MP - tais quais os juízes de
direito - não são eleitos, mas sim concursados, e são vitalícios.
Portanto, considerando-se que todo o poder emana do povo soberano, quem
detém a legitimidade do poder popular é o governador eleito. Estaria aí a
razão para somente o chefe do Executivo ter o poder de escolha do PGJ, e
de sua nomeação.
Mas não nos parece estranho que o governador possa
escolher, sozinho, dentre os componentes da lista tríplice formada por
eleição, o seu possível acusador de crimes que, por desventura, venha a
cometer? Isso não fere a autonomia funcional do MP? Afinal, nem os
governadores são santos e nem os membros do MP são anjos. É fato que,
sendo pessoas de carne e osso, bem instruídas formalmente, costumam
pautar-se pelo bem comum. Todavia, não estão a salvo de praticar crimes.
Os meios de comunicação nos informam, vez ou outra, da má conduta de
alguns agentes públicos. Portanto, todo cuidado é pouco. O povo precisa
acautelar-se com os desmandos praticados tanto por burocratas, como por
juízes de direito, legisladores e governantes.
O atual perfil constitucional do Ministério Público
surgiu na época da reconquista do regime democrático pelo povo
brasileiro, após duas décadas de vigência de uma ditadura civil-militar
que governou com pleno arbítrio. No transcorrer da elaboração de nova
Carta Magna, na Assembléia Nacional Constituinte (1986-1988), debateu-se
como deveria compor-se a instituição que, no futuro, viesse a defender
toda a sociedade de qualquer ameaça de arbítrio. Era preciso que seus
membros tivessem garantias institucionais para poder enfrentar
interesses escusos de poderosos. Mas, por outro lado, a cidadania exigia
que houvesse uma forma de contrapeso e/ou accountability dessa
instituição. Nos embates políticos entre os parlamentares conservadores
e progressistas da época, restou entendido que melhor seria o
governador do Estado escolher o PGJ em lista tríplice, que lhe seria
oferecida após eleição interna.
Nesse período da Assembléia Nacional, ainda no âmbito da
Comissão de Organização dos Poderes e Comissão de Sistematização, entre
os meses de junho-julho de 1987, havia a sugestão de que caberia ao
próprio MP a eleição de seu Procurador-Geral e ponto final. Porém, logo
no mês de agosto seguinte, já aparece a menção à feitura de uma lista
tríplice. Por fim, com a formação do famigerado "Centrão" (núcleo de
parlamentares conservadores) é que surge a idéia de eleição de uma lista
tríplice pelos membros da carreira do MP, para ofertá-la ao chefe do
Poder Executivo que teria livre escolha. Esta sugestão foi a que
prevaleceu e consta do texto da atual Constituição Federal de 1988.
Passados mais de vinte anos da vigência de nossa
Constituição, percebemos a incoerência dessa regra. O chefe do Poder
Executivo não pode concentrar tal poder político sobre o seu eventual
acusador criminal. Já basta que é o governador quem tem a "chave do
cofre público". Essa situação incoerente fomenta, a cada eleição de PGJ,
a realização de nefastos lobbies, tanto de grupos internos como externos, visando obter o beneplácito do governador.
É um tanto ridículo tudo isso. O povo trabalhador - que
detém todo o poder - está afastado dessas ingerências e, em geral, nada
sabe sobre esses fatos. Nem mesmo a sociedade civil organizada – por
exemplo, os movimentos sociais – sabe ao certo o que faz o
Procurador-Geral de Justiça. Mas é preciso que todo o povo saiba disso.
Não só a escola, mas também os meios eletrônicos de comunicação de massa
deveriam ter a iniciativa de instruir a população sobre isso, fazendo
uma eficiente divulgação.
Aos integrantes do MP que, a cada época de eleição do
PGJ se revoltam com a não nomeação do candidato mais votado, seria
importante que se mobilizassem politicamente pela mudança da regra
constitucional. Nesse sentido já existe uma Proposta de Emenda
Constitucional tramitando no Senado Federal: a PEC 31/2009.
Enquanto essa luta se trava no Congresso Nacional, será
preciso que os membros do MP prestem muita atenção ao eleger seu
governador. E, por outro lado, também é necessário que se aproximem mais
do povo trabalhador que, via de regra, é desrespeitado pelo Poder
Público. Eu só tenho a lamentar que uma expressiva maioria de Promotores
e Procuradores de Justiça esteja, a cada dia, distanciando-se dos
cidadãos pobres deste país. Já não se ocupam tão bem do atendimento ao
público, ao menos com o rigor que se exigiria de um ombudsman.
Nem mesmo o Ouvidor do MP é eleito pela sociedade civil organizada, mas
sim é designado pelo PGJ - após eleição interna ou não - entre
integrantes da própria carreira. Um absurdo.
Penso que cada membro do Ministério Público deveria
indignar-se com a obscena desigualdade social brasileira e, diante
disso, adotar como meta a exigência de primorosa eficiência nos serviços
públicos de relevância, tais como: acesso à justiça, segurança pública,
transporte, saúde, educação e moradia. Isso já proporcionaria bem-estar
para a população pobre e de classe média. Os cidadãos abastados também
merecem proteção, todavia, já têm dinheiro e meios suficientes para
suprir suas necessidades básicas.
Por último, com relação à forma de escolha do PGJ,
gostaria de sugerir o seguinte: a) vimos que, legalmente, cabe à
Assembléia Legislativa a eventual destituição do PGJ; b) por outro lado,
sabemos que o MP detém muito poder político-jurídico, e isso impõe a
necessidade de contrapeso/accountability; c) seria, então,
muito melhor que tirássemos do Poder Executivo a faculdade de escolha do
PGJ e o transferíssemos à Assembléia Legislativa, que é a verdadeira
Casa do Povo. Teria então a Assembléia a possibilidade de aprovar por
maioria absoluta o candidato mais votado na lista tríplice. A luta
política se daria no campo parlamentar e seria mais legítima, difusa e
representativa.
Inês do Amaral Büschel é Promotora de Justiça de São Paulo, aposentada; associada do Movimento do Ministério Público Democrático.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Procurador-Geral de Justiça do estado
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário