Vaz de Carvalho
Neste tema mostraremos como a ideologia capitalista vive de fórmulas alheias à experiência e ao conhecimento de que a insistência no “Menos Estado” representa um regresso ao obscurantismo de tempos há muito ultrapassados nas nossas sociedades, apesar de todas as proezas tecnológicas. Mostraremos por fim como o neoliberalismo é uma regressão civilizacional do próprio sistema capitalista.
I – O “MENOS ESTADO”
O encerramento de escolas, centros de saúde, hospitais, tribunais, redução de Municípios e Freguesias, é um aspeto da regressão civilizacional e de soberania a que se procede sob a égide neoliberal do “Menos Estado”. Acentua-se o vazio do território, a desagregação do poder do Estado, as populações ficam entregues a si próprias ou à mercê de outros poderes.
Por esse mundo fora (e em Portugal também) os lucros da finança e dos grandes grupos sobem, os impostos que efectivamente pagam, descem. Apesar das crises os 1 200 multimilionários da listagem da Forbes tinham em 2011 aumentado as suas imensas fortunas, acumulando 4,5 milhões de milhões de dólares. (1) No entanto a fome e a pobreza alastram, os Estados endividam-se. Eis o resultado do “Menos Estado”. O neoliberalismo é a sua expressão doutrinária na atualidade.
O processo não tem nada de original nem de “modernidade”; pelo contrário é uma constante das sociedades desde a criação do que se designou por “Estado” baseado em classes sociais de interesses contraditórios e antagónicos.
A História mostra-nos um processo que em linhas gerais se repete, seja no Egipto faraónico (30 séculos de civilização!), na Grécia, em Roma, no feudalismo ou no capitalismo. Em todos os períodos e sistemas políticos e económicos se registam sucessivas oscilações de concentração e difusão do poder do Estado que muito simplificadamente resumimos.
A partir de uma fase inicial de poder disperso, em povos que partilham territórios e hábitos idênticos, por força dos interesses comuns ou das armas, as comunidades são reunidas sob uma mesma liderança. É o princípio da formação ou da reorganização do Estado. O Estado estabelece-se com base na constituição de forças armadas e de um corpo de funcionários, para submeter e controlar territórios e populações e para a cobrança de impostos.
De início, na fase de expansão e consolidação do Estado o seu chefe detém grandes poderes, mas a gestão local, tem de ser exercida por uma camada social que controla o poder armado, judicial e mesmo o sistema produtivo, cria-se uma aristocracia ou oligarquia que em breve fará reverter em seu benefício as riquezas produzidas.
Para se estabelecer e consolidar, este poder aristocrático necessita de uma forte autoridade central que é consagrada pela manipulação religiosa e ideológica. A partir do objectivo original de gerir e garantir a produção material, acentua-se divisão da sociedade entre senhores e dominados, proprietários e proletários. O poder desta oligarquia ou “aristocracia” consolida-se, deixa de ser um poder delegado e dependente do central, assume-se cada vez mais autónomo; passando a ser a expressão efectiva do poder, a rapina das populações submetidas é cada vez maior.
Simultaneamente, a parte do rendimento nacional em despesas improdutivas aumenta de forma desmedida, nobres ou oligarcas competem no luxo; acumulam riquezas, são também a causa das misérias, das desgraças e das revoltas do povo. É o esteio da crise económica e social enquanto o Estado deixa de cumprir as suas funções e obrigações de defesa dos interesses colectivos.
O mais curioso é que este processo é cíclico. No Egipto torna-se nítido dada a constância do contexto civilizacional durante tão longo período, mas de formas semelhantes observamos estas mutações nos mais diversos lugares e épocas: China, Japão, Roma, Europa.
Sendo o Estado entregue aos interesses privados e imediatos surgem os germens da crise e da desagregação social. O processo histórico mostra-nos como a degradação das funções do Estado conduz ao enfraquecimento do espírito colectivo, à decadência civilizacional e à crise. À medida que enfraquece o poder do Estado aumenta a autoridade despótica da dita aristocracia ou dos oligarcas.
Segundo Platão nos seus “Diálogos”, Sócrates analisando a política da grega refere o governo aristocrático como gerando a discórdia. “Subjugam-se os cidadãos, os homens livres são tratados como servidores e perdem seus direitos”. “Tais homens (os oligarcas) são ávidos de riquezas, adoram o ouro e a prata, furtam-se aos olhos da lei, têm tesouros e riquezas escondidas, habitações rodeadas de muros, verdadeiros ninhos privados nas quais gastarão à larga”. Quanto à oligarquia: “ (é) um governo cheio de vícios inumeráveis, onde o rico manda e o pobre não participa no poder (…) Quanto mais a riqueza e os ricos são honrados menos estima se tem pela virtude e pelos virtuosos, por consequência o governo não é entregue aos mais capazes e virtuosos, mas aos ricos ou aos que melhor defendam os seus interesses. (…) Resta ainda uma liberdade: a de uns serem excessivamente ricos e outros serem excessivamente pobres e indigentes.”
Trata-se de um exemplar retrato das sociedades neoliberais.
Os antagonismos sociais criados pelas oligarquias que controlam as riquezas e o poder retiram aos governos na sua dependência capacidade de agir. A corrupção, as contradições internas, as intrigas dessa camada cada vez mais arrogante e impune consagram a desagregação social.
Para proteger os seus interesses as oligarquias não hesitam em buscar apoio externo. Sob o controlo das oligarquias, são feitas sucessivas concessões ao estrangeiro. Os países caiem na completa dependência, não podem seguir políticas autónomas, pouco lhes resta de soberania, com chefes de Estado e governantes fantoches, uma imagem de ilusório poder que se mantém para garantir a manipulação ideológica e a repressão sobre as camadas exploradas, o que nos faz lembrara a retórica da “mais Europa”.
Para manter o poder e defender os seus interesses a aristocracia ateniense submeteu-se ao arqui-inimigo Esparta no designado governo dos “30 tiranos” - o senado oligárquico que destruiu a democracia ateniense. Os “30 tiranos” são as hoje as megaempresas financeiras e transnacionais.
A História mostra-nos também que em resultado da crise económica e social, do caos estabelecido ou da sua ameaça, sob a acção de um grupo e do seu líder, colocando-se ao lado das aspirações populares é restabelecida a autoridade e a unidade. Há de novo o fortalecimento da organização do Estado e a expansão económica. O povo sente-se protegido, o nível de vida aumenta, as actividades produtivas desenvolvem-se, o prestígio dos Chefes de Estado é grande. O povo proclama: “grandes são os desígnios de Sesóstris” – faraó do Médio Império.
Contudo no período seguinte, após este impulso, as contradições da sociedade dividida em classes antagónicas mantêm-se. O poder muda de mãos, mas a sociedade no essencial continua a funcionar da mesma forma. A ambição do enriquecimento individual, o aumento do poder das camadas privilegiadas sobrepõe-se às necessidades coletivas. Há um acentuar das diferenças, há uma insensibilidade e egoísmo das camadas privilegiadas e dos que vivem na sua órbita, desprezando a situação cada vez mais difícil das populações trabalhadoras submetidas à exploração.
Sendo o rendimento nacional absorvido de forma crescente por estas camadas, o Estado deixa de poder fazer face às suas tarefas. As necessidades sociais não satisfeitas provocam a instabilidade social, a revolta do povo que se vê cada vez mais sujeito a arbitrariedades e sobrecarregado de impostos.
A clique neoliberal instituiu um sistema semelhante ao da França antes da Revolução. A nobreza, apropriava-se do excedente social por via das rendas e pelo peso dos impostos. Porém desde os anos 70 do sec. XVIII que os rendimentos agrícolas baixavam; a crise agravou-se nos anos 80, levando a nobreza a aumentar a exploração com mais impostos e prestações e a apropriar-se de bens comunais.
No século XVIII, os designados “déspotas esclarecidos”, reconheceram de uma forma geral a inutilidade social e a acção nefasta ao Estado da alta nobreza. Podemos dizer a desprezavam em alto grau, procurando o desenvolvimento e o predomínio da burguesia. José I em Portugal, José II na Áustria, Carlos III em Espanha, Frederico II na Prússia, tentaram o reforço do papel do Estado e a melhoria da situação das classes oprimidas pelos poderes feudais, com êxitos muito relativos e desiguais, como se sabe, pois continuavam a basear a estrutura social numa hierarquia de classes tradicional.
Luís XV e Luís XVI são em França exemplos destas contradições. Para resolver o problema dos défices do Estado e da crise económica, pretenderam aplicar impostos à nobreza e ao clero cujos gastos sumptuários levavam o Estado à bancarrota. Foram, chamados ministros que para a época se poderiam considerar progressistas, como Necker e Turgot – discípulo de Quesnay, o autor de Reflexões sobre a Formação e Distribuição das Riquezas – mas tiveram de ser demitidos por pressão da nobreza e do alto clero. As suas reformas foram abolidas. A cedência às camadas exploradoras que lançava o povo na miséria, precipitou a Revolução.
As aristocracias de hoje são as financeiras, o seu papel perante as estruturas governativas é idêntico. A sua prática baseia-se no axioma seguinte: “tudo o que nos é prejudicial prejudica toda a sociedade”. Assim, fazem dos seus interesses privados os interesses gerais, consideram-se intocáveis e acima das críticas. Aos escribas ao seu serviço compete estabelecer a dogmática, criando ficções teóricas para mascarar a ganância e a usura, de que a forma como funcionam a UE, o BCE, a zona euro, são evidentes expressões.
Assumindo cada vez maior poder social efectivo recusam os consensos e cedências feitas em períodos anteriores às outras classes. O seu objectivo é liga-las de pés e mãos ao seu sistema, torna-las incapazes de pensamento e acção autónoma de forma significativa e determinante. Actualmente, a consagração mediática das oligarquias, faz o seu caminho neste sentido.
Dizia Ignácio Ramonet, acerca da “opinião pública fabricada pelos grandes grupos mediáticos”: “Criticam aos políticos, mas nenhum critica o grande poder financeiro, ninguém critica os verdadeiros donos do planeta”.(2)
Menos Estado - Mais Estado é uma questão que nada tem que ver com as liberdades e direitos democráticos: tem que ver em benefício de que classes e camadas sociais o poder é exercido. Ditaduras execráveis eram afinal a expressão dos interesses monopolistas e latifundiários, em completa subordinação a interesses neocoloniais e imperialistas.
O “Menos Estado” deixa o campo livre ao poder financeiro para manobrar à sua vontade, soltando as peias às forças mais maléficas. O dinheiro sujo penetra por todos os poros da sociedade, pois o Estado não tem meios de controlar a economia sem nela interferir. Os pobres são deixados à sua sorte, o Estado deixa de fazer face ao crime organizado, as leis não são eficazes porque têm de permitir que a classe privilegiada escape.
O “Menos Estado” nunca significou na História progresso, mas prelúdio da queda de civilização. A decadência dos povos dá-se quando o Estado fica dominado por interesses privados. As oligarquias estabelecem o aumento das desigualdades, confiscam em seu proveito os frutos do esforço colectivo. O progresso verifica-se quando o Estado é capaz de concretizar as aspirações colectivas e satisfazer as necessidades sociais. O progresso corresponde ao reforço da consciência colectiva e só o Estado, pode congregar o colectivo, desde que objectivamente proceda nesse sentido.
Por esse mundo fora (e em Portugal também) os lucros da finança e dos grandes grupos sobem, os impostos que efectivamente pagam, descem. Apesar das crises os 1 200 multimilionários da listagem da Forbes tinham em 2011 aumentado as suas imensas fortunas, acumulando 4,5 milhões de milhões de dólares. (1) No entanto a fome e a pobreza alastram, os Estados endividam-se. Eis o resultado do “Menos Estado”. O neoliberalismo é a sua expressão doutrinária na atualidade.
O processo não tem nada de original nem de “modernidade”; pelo contrário é uma constante das sociedades desde a criação do que se designou por “Estado” baseado em classes sociais de interesses contraditórios e antagónicos.
A História mostra-nos um processo que em linhas gerais se repete, seja no Egipto faraónico (30 séculos de civilização!), na Grécia, em Roma, no feudalismo ou no capitalismo. Em todos os períodos e sistemas políticos e económicos se registam sucessivas oscilações de concentração e difusão do poder do Estado que muito simplificadamente resumimos.
A partir de uma fase inicial de poder disperso, em povos que partilham territórios e hábitos idênticos, por força dos interesses comuns ou das armas, as comunidades são reunidas sob uma mesma liderança. É o princípio da formação ou da reorganização do Estado. O Estado estabelece-se com base na constituição de forças armadas e de um corpo de funcionários, para submeter e controlar territórios e populações e para a cobrança de impostos.
De início, na fase de expansão e consolidação do Estado o seu chefe detém grandes poderes, mas a gestão local, tem de ser exercida por uma camada social que controla o poder armado, judicial e mesmo o sistema produtivo, cria-se uma aristocracia ou oligarquia que em breve fará reverter em seu benefício as riquezas produzidas.
Para se estabelecer e consolidar, este poder aristocrático necessita de uma forte autoridade central que é consagrada pela manipulação religiosa e ideológica. A partir do objectivo original de gerir e garantir a produção material, acentua-se divisão da sociedade entre senhores e dominados, proprietários e proletários. O poder desta oligarquia ou “aristocracia” consolida-se, deixa de ser um poder delegado e dependente do central, assume-se cada vez mais autónomo; passando a ser a expressão efectiva do poder, a rapina das populações submetidas é cada vez maior.
Simultaneamente, a parte do rendimento nacional em despesas improdutivas aumenta de forma desmedida, nobres ou oligarcas competem no luxo; acumulam riquezas, são também a causa das misérias, das desgraças e das revoltas do povo. É o esteio da crise económica e social enquanto o Estado deixa de cumprir as suas funções e obrigações de defesa dos interesses colectivos.
O mais curioso é que este processo é cíclico. No Egipto torna-se nítido dada a constância do contexto civilizacional durante tão longo período, mas de formas semelhantes observamos estas mutações nos mais diversos lugares e épocas: China, Japão, Roma, Europa.
Sendo o Estado entregue aos interesses privados e imediatos surgem os germens da crise e da desagregação social. O processo histórico mostra-nos como a degradação das funções do Estado conduz ao enfraquecimento do espírito colectivo, à decadência civilizacional e à crise. À medida que enfraquece o poder do Estado aumenta a autoridade despótica da dita aristocracia ou dos oligarcas.
Segundo Platão nos seus “Diálogos”, Sócrates analisando a política da grega refere o governo aristocrático como gerando a discórdia. “Subjugam-se os cidadãos, os homens livres são tratados como servidores e perdem seus direitos”. “Tais homens (os oligarcas) são ávidos de riquezas, adoram o ouro e a prata, furtam-se aos olhos da lei, têm tesouros e riquezas escondidas, habitações rodeadas de muros, verdadeiros ninhos privados nas quais gastarão à larga”. Quanto à oligarquia: “ (é) um governo cheio de vícios inumeráveis, onde o rico manda e o pobre não participa no poder (…) Quanto mais a riqueza e os ricos são honrados menos estima se tem pela virtude e pelos virtuosos, por consequência o governo não é entregue aos mais capazes e virtuosos, mas aos ricos ou aos que melhor defendam os seus interesses. (…) Resta ainda uma liberdade: a de uns serem excessivamente ricos e outros serem excessivamente pobres e indigentes.”
Trata-se de um exemplar retrato das sociedades neoliberais.
Os antagonismos sociais criados pelas oligarquias que controlam as riquezas e o poder retiram aos governos na sua dependência capacidade de agir. A corrupção, as contradições internas, as intrigas dessa camada cada vez mais arrogante e impune consagram a desagregação social.
Para proteger os seus interesses as oligarquias não hesitam em buscar apoio externo. Sob o controlo das oligarquias, são feitas sucessivas concessões ao estrangeiro. Os países caiem na completa dependência, não podem seguir políticas autónomas, pouco lhes resta de soberania, com chefes de Estado e governantes fantoches, uma imagem de ilusório poder que se mantém para garantir a manipulação ideológica e a repressão sobre as camadas exploradas, o que nos faz lembrara a retórica da “mais Europa”.
Para manter o poder e defender os seus interesses a aristocracia ateniense submeteu-se ao arqui-inimigo Esparta no designado governo dos “30 tiranos” - o senado oligárquico que destruiu a democracia ateniense. Os “30 tiranos” são as hoje as megaempresas financeiras e transnacionais.
A História mostra-nos também que em resultado da crise económica e social, do caos estabelecido ou da sua ameaça, sob a acção de um grupo e do seu líder, colocando-se ao lado das aspirações populares é restabelecida a autoridade e a unidade. Há de novo o fortalecimento da organização do Estado e a expansão económica. O povo sente-se protegido, o nível de vida aumenta, as actividades produtivas desenvolvem-se, o prestígio dos Chefes de Estado é grande. O povo proclama: “grandes são os desígnios de Sesóstris” – faraó do Médio Império.
Contudo no período seguinte, após este impulso, as contradições da sociedade dividida em classes antagónicas mantêm-se. O poder muda de mãos, mas a sociedade no essencial continua a funcionar da mesma forma. A ambição do enriquecimento individual, o aumento do poder das camadas privilegiadas sobrepõe-se às necessidades coletivas. Há um acentuar das diferenças, há uma insensibilidade e egoísmo das camadas privilegiadas e dos que vivem na sua órbita, desprezando a situação cada vez mais difícil das populações trabalhadoras submetidas à exploração.
Sendo o rendimento nacional absorvido de forma crescente por estas camadas, o Estado deixa de poder fazer face às suas tarefas. As necessidades sociais não satisfeitas provocam a instabilidade social, a revolta do povo que se vê cada vez mais sujeito a arbitrariedades e sobrecarregado de impostos.
A clique neoliberal instituiu um sistema semelhante ao da França antes da Revolução. A nobreza, apropriava-se do excedente social por via das rendas e pelo peso dos impostos. Porém desde os anos 70 do sec. XVIII que os rendimentos agrícolas baixavam; a crise agravou-se nos anos 80, levando a nobreza a aumentar a exploração com mais impostos e prestações e a apropriar-se de bens comunais.
No século XVIII, os designados “déspotas esclarecidos”, reconheceram de uma forma geral a inutilidade social e a acção nefasta ao Estado da alta nobreza. Podemos dizer a desprezavam em alto grau, procurando o desenvolvimento e o predomínio da burguesia. José I em Portugal, José II na Áustria, Carlos III em Espanha, Frederico II na Prússia, tentaram o reforço do papel do Estado e a melhoria da situação das classes oprimidas pelos poderes feudais, com êxitos muito relativos e desiguais, como se sabe, pois continuavam a basear a estrutura social numa hierarquia de classes tradicional.
Luís XV e Luís XVI são em França exemplos destas contradições. Para resolver o problema dos défices do Estado e da crise económica, pretenderam aplicar impostos à nobreza e ao clero cujos gastos sumptuários levavam o Estado à bancarrota. Foram, chamados ministros que para a época se poderiam considerar progressistas, como Necker e Turgot – discípulo de Quesnay, o autor de Reflexões sobre a Formação e Distribuição das Riquezas – mas tiveram de ser demitidos por pressão da nobreza e do alto clero. As suas reformas foram abolidas. A cedência às camadas exploradoras que lançava o povo na miséria, precipitou a Revolução.
As aristocracias de hoje são as financeiras, o seu papel perante as estruturas governativas é idêntico. A sua prática baseia-se no axioma seguinte: “tudo o que nos é prejudicial prejudica toda a sociedade”. Assim, fazem dos seus interesses privados os interesses gerais, consideram-se intocáveis e acima das críticas. Aos escribas ao seu serviço compete estabelecer a dogmática, criando ficções teóricas para mascarar a ganância e a usura, de que a forma como funcionam a UE, o BCE, a zona euro, são evidentes expressões.
Assumindo cada vez maior poder social efectivo recusam os consensos e cedências feitas em períodos anteriores às outras classes. O seu objectivo é liga-las de pés e mãos ao seu sistema, torna-las incapazes de pensamento e acção autónoma de forma significativa e determinante. Actualmente, a consagração mediática das oligarquias, faz o seu caminho neste sentido.
Dizia Ignácio Ramonet, acerca da “opinião pública fabricada pelos grandes grupos mediáticos”: “Criticam aos políticos, mas nenhum critica o grande poder financeiro, ninguém critica os verdadeiros donos do planeta”.(2)
Menos Estado - Mais Estado é uma questão que nada tem que ver com as liberdades e direitos democráticos: tem que ver em benefício de que classes e camadas sociais o poder é exercido. Ditaduras execráveis eram afinal a expressão dos interesses monopolistas e latifundiários, em completa subordinação a interesses neocoloniais e imperialistas.
O “Menos Estado” deixa o campo livre ao poder financeiro para manobrar à sua vontade, soltando as peias às forças mais maléficas. O dinheiro sujo penetra por todos os poros da sociedade, pois o Estado não tem meios de controlar a economia sem nela interferir. Os pobres são deixados à sua sorte, o Estado deixa de fazer face ao crime organizado, as leis não são eficazes porque têm de permitir que a classe privilegiada escape.
O “Menos Estado” nunca significou na História progresso, mas prelúdio da queda de civilização. A decadência dos povos dá-se quando o Estado fica dominado por interesses privados. As oligarquias estabelecem o aumento das desigualdades, confiscam em seu proveito os frutos do esforço colectivo. O progresso verifica-se quando o Estado é capaz de concretizar as aspirações colectivas e satisfazer as necessidades sociais. O progresso corresponde ao reforço da consciência colectiva e só o Estado, pode congregar o colectivo, desde que objectivamente proceda nesse sentido.
1 - Em 2012 na lista da Forbes Magazine o número de bilionários ascende a 1226, aumentando o total para 4,6 milhões de milhões. Nos 50 primeiros concentra-se 25% do total.
2 - Fidel Castro Con Los Intelectuales – Havana - 10 fevereiro 2012
Nota - Na segunda parte deste tema mostraremos como o neoliberalismo em vigor na UE se assemelha a uma forma de feudalismo, sob a suserania dos poderes financeiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário