sábado, 10 de maio de 2008

Manos e Minas no horário nobre

Estréia na TV Cultura programa que aborda cena cultural da periferia com criatividade, sem espetacularização e a partir do olhar dos artistas do subúrbio. Iniciativa lembra o histórico Fábrica do Som, mas revela que universo social da juventunde já não é dominado pelos brancos, nem pela classe média

Eleilson Leite

LeMonde - Brasil

Estreou na última quarta-feira, o Programa Manos e Minas na TV Cultura. Transmitido às 19h30, e com duração de uma hora, surge como um dos principais resultados da reformulação geral do canal, após um ano da gestão liderada Paulo Markun, presidente da Fundação Padre Anchieta. Além do Manos e Minas, outras novidades surgirão nos próximos meses, numa estratégia de retomar o público jovem, segundo declarou Markun à imprensa.

Tendo como slogan “TV que faz bem”, a Cultura começou certeira sua nova fase. Apresentado pelo rapper Rappin Hood, que já ancorava o quadro Mano a Mano, no Metrópolis, o Manos e Minas é um gol de placa. Logo em sua primeira edição, o programa mostrou para que veio. Jorge Aragão foi a atração de palco e mandou bem, escolhendo de seu repertório canções que tinham muito a dizer ao público presente ali e no sofá - como o samba Mutirão de Amor. Rappin Hood comandou a cena com uma excepcional desenvoltura e a ginga e simpatia de sempre. No palco, duas crews de dançarinas, uma de manos e outra de minas. Lá no fundo, o veterano Binho, mandava um grafite ao vivo. A animada platéia era composta, na sua maioria, por adolescentes e jovens ligadas a ONGs como a Casa do Zezinho, da Zona Sul, e a movimentos culturais como o Elo da Corrente, de Pirituba.

O programa é dividido em quatro blocos, cada um com uma entrada externa — todas muito interessantes. A primeira foi uma reportagem sobre o rango comercializado na porta de estádio de futebol. Com o microfone na mão e muito dinamismo, a DJ Juju Dendem percorreu várias barracas instaladas nas imediações do estádio do Morumbi, experimentando a culinária que alivia a fome dos torcedores. Na mesma linha futebolística, o próprio Rappin Hood, corintiano assumido, entrevistou Dentinho, atacante do Timão em pleno Parque São Jorge. O jovem craque falou de sua origem humilde na periferia da Zona Oeste e revelou uma curiosidade. Ele tem o nome dos pais tatuado em cada um dos braços, razão pela qual beija-os na comemoração dos gols. “Família é tudo”, arrematou sabiamente Rappin Hood.

Uma esteticista conta como montou, em seu salão, uma biblioteca. Jorge Aragão comenta o que mudou na circulação dos produtos culturais. São cenas de Manos e Minas

No segundo bloco, entra um quadro permanente chamado Busão Circular Periférico — um dos pontos altos do programa. O escritor e agitador cultural Alessandro Buzo percorre uma quebrada acompanhado de uma liderança local que desvenda a cena cultural existente ali. Gostei da pauta dessa primeira inserção. O programa poderia ter começado com o Samba da Vela ou o Sarau da Cooperifa, movimentos já consagrados. Mas Buzo e a DGT Filmes, produtora responsável pelo quadro, fugiram do óbvio. Numa viagem ciceroneada por Michel Ciriaco, as câmeras percorreram os arrabaldes de Pirituba. Buzo conversou com os rappers do grupo RZO e depois visitou um salão de cabelereiro que tem uma biblioteca comunitária, ao invés de das típicas revistas encontradas nesses estabelecimentos. Soninha, dona do salão, conta que a motivação em montar o acervo veio de sua participação no Sarau Elo da Corrente, que rola todas as quintas à noite no Bar do Santista. Buzo foi lá conferir. Bacana. O quadro mostrou a diversidade e a força do sentido de pertencimento do povo periférico. Foi bola num canto e goleiro no outro.

Na volta ao auditório, mais um samba de responsa. O Jorge Aragão é um tipo carismático de fala mansa. Conta que vendeu mais de 3 milhões de CDs como se fosse algo natural. Poderia ser arrogante, presunçoso. Que nada, o sambista, quando é bamba de verdade, não bota salto alto. E o cara é consciente em relação ao que se passa na indústria fonográfica. “Hoje não se vende mais disco; hoje se negocia música”, esclareceu, atento aos novos tempos. Na sua enxuta e afinada banda, destaque para uma mulher muito bamba que toca diversos instrumentos de percussão, entre eles a cuíca, pouco usual entre as minas.

Mais uma intervenção externa. Com um sugestivo nome de Interferência, entra em cena o quadro do escritor Ferréz. O autor de Manual Prático do Ódio, recebeu um convidado para uma entrevista tipo “papo cabeça”, na tradicional Barraca do Saldanha, no Capão Redondo. Surpreendeu-me o entrevistado: Chico César. E a escolha foi ótima. Chico anda sumido das paradas de sucesso e essa questão dominou o agradável bate papo. “Seu afastamento da mídia se dá em função de suas posições políticas?”, perguntou Ferréz. O cantor paraibano aproveitou a deixa para falar de seu engajamento político, que vem desde os tempos de faculdade, em João Pessoa. Lembrou que o GeGê, seu irmão, é um importante líder do movimento por moradia no Brasil e criticou a elite paulistana com muita propriedade, sem perder a serenidade. Ferréz se saiu bem como entrevistador. Ele faz a linha do Abujanra, apresentador do programa Provocações, também na Cultura. Assim como o Buzo, lhe falta um pouco mais de familiaridade com as câmeras, algo que os dois rapidamente desenvolverão tão bem quanto a habilidade que têm na escrita. Pena que o Interferência será apenas quinzenal.

No retorno ao palco, Rappin Hood demonstra todo o seu carisma e habilidade na relação com o público. Anuncia as caravanas, agita a platéia. Bota os B Boys e B Girls para dançarem. Ao anunciar a próxima reportagem, feita pela própria equipe do programa, faz uma enquete entre os presentes: “Quem aqui está desempregado?”, pergunta. Um monte de braços se levanta como se fosse uma ola. O apresentador acaba dando o microfone para um dos poucos adultos ali sentados. Combinado ou não, o depoimento do cara foi crucial. Não anotei o nome, mas o entrevistado, pessoa já por volta de seus 50 anos, relatou seu drama. Ex-presidiário, ativista da Pastoral Carcerária, morador da Cidade Tiradentes, sofre enorme preconceito quando procura emprego, em virtude de sua passagem pela cadeia. Roda o VT e aparece o Fubá, apelido do MC Roberto, jovem da periferia da Zona Sul que fala de seu corre para descolar um trampo.

Assistia às gravações do Fábrica do Som. Vi surgirem bandas como Ultraje a Rigor, Ira! e Paralamas. Mas tirando o Clemente, cantor dos Inocentes, não me lembro de ver negro, no palco, ou na platéia

As câmeras voltam-se novamente para o palco no Teatro Franco Zampari, onde a socióloga Carla Corrochano, da ONG Ação Educativa, analisa o desemprego entre os jovens e acentua que a pobreza e a questão racial aprofundam ainda mais as dificuldades na busca do primeiro emprego. Conclui: “O jovem pobre da periferia não tem que se sentir culpado e baixar a cabeça”. Fechando a discussão, Rappin Hood volta-se para o Jorge Aragão a fim de retomar a música. Aí veio uma surpresa. O sambista ao invés de responder a pergunta feita pelo apresentador, mudou de assunto. Voltou à questão do desemprego juvenil entre os mais pobres. No ato, ele propôs uma parceria com o Manos e Minas. Vai abrir vagas temporárias na sua produção para acolher jovens indicados pelo programa. Olha que louco. Os garotos e garotas vão trampar por dois ou três meses, aprenderão um ofício e terão um pouco da tão exigida experiência. Grande Jorge Aragão! O cara mostrou porque foi a atração de palco do primeiro programa. A periferia é isso. Um ajudando o outro, fortalecendo a comunidade. Chega na quebrada no sábado à tarde pra você ver. Tem sempre um mutirão para encher laje. Concluído o trampo, a galera toma uma birita e a feijoada é servida aos valentes ao som de um bom samba do Aragão e de outros bambas.

Antes de anunciar o encerramento, Rappin Hood chama para conversar o grafiteiro Binho, que durante a gravação pintou um painel. Perguntado se é possível viver de grafite, ele tangenciou, respondendo que é possível viver de arte. Grafite seria outra coisa. Não entendi. Complementavam o cenário do palco alguns trabalhos da dupla de grafiteiros Osgêmeos. Os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo são a prova mais eloqüente de que é possível não só ganhar dinheiro com grafite mas também posicionar essa linguagem como arte, inclusive nas badaladas galerias. Mas é bom ter um pouco de polêmica. Jorge Aragão retoma o microfone e Rappin Hood participa da última música, introduzindo um rap com direito a improvisos de saudação ao grande sambista.

Creio que estamos diante de um marco histórico para a TV brasileira. Manos e Minas, aborda a cena cultural da periferia sem espetacularização, além de colocar os próprios artistas do subúrbio em cena. Buzo, Ferréz, Juju Denden, o próprio Rappin Hood: é tudo gente da quebrada. Isso dá uma autenticidade ao programa que o distingue de outras iniciativas, como o Central da Periferia, da TV Globo, apresentado pela atriz Regina Casé. Este programa, hoje esporádico e inserido como quadro do Fantástico, tem sua importância e várias virtudes, mas não tem o olhar de quem está na periferia. Fica muitas vezes um tanto postiço. Manos e Minas é diferente. É autêntico porque fala a língua dos jovens da periferia, além de ser regular e numa TV pública.

A TV Cultura acertou. Paulo Markun disse, em entrevista ao Estadão, que a estratégia para recuperar o público jovem é oferecer-lhe a faixa nobre da grade. Ele também anda saudoso do programa Fábrica do Som, atração da emissora no início dos anos 80. Quer retomar a atmosfera aguerrida e criativa daqueles tempos. É uma boa referência, o Fábrica. Eu era assíduo telespectador daquele programa, que passava aos sábados à noite. Várias vezes fui ao Sesc Pompéia assistir às gravações nas noites de terça-feira. Vi surgirem ali bandas como Ultraje a Rigor, Ira! e Paralamas do Sucesso. Naquela época não tinha hip hop e nem se falava em periferia com o sentido que temos hoje. Era também um agito de jovens universitários de classe média, quase todos brancos. Tirando o Clemente, cantor da banda punk Inocentes, não me lembro de ver negro, nem no palco, nem na platéia do Fábrica do Som. Agora estamos assistindo à conquista de espaço de uma outra galera que, tributária da geração dos 80, acrescenta um sentido de classe, território e cor à cena cultural urbana. E a TV Cultura está aí, cumprindo novamente sua missão, sacando a dinâmica da juventude e sabendo valorizar o fazer artístico do povo da periferia. Longa vida ao Manos e Minas.


Eleilson Leite é colunista do Caderno Brasil de Le Monde

Senado aprova Filosofia e Sociologia no ensino médio

www.vermelho.org.br


Desde 1971, educadores tentam resgatar o ensino de Filosofia e Sociologia no currículo escolar do país. As disciplinas foram suprimidas pelo regime militar, que governou o país de 1964 a 1985. Nesta quinta-feira (8), finalmente as entidades puderam comemoram a conquista histórica da aprovação no Senado, por unanimidade, do projeto de lei que inclui a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias na LDB (Lei de Diretrizes e Bases).


Com a alteração, as disciplinas de Filosofia e Sociologia serão obrigatórias em todas as escolas, públicas e privadas, de ensino médio. O texto aprovado prevê que a lei entre em vigor na data de sua publicação. Já aprovado pela Câmara, o projeto será submetido agora ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que poderá sancioná-lo ou vetá-lo.

O projeto foi incluído na pauta de votações após aprovação de requerimento de urgência, apresentado pelo senador Valter Pereira (PMDB-MS). A matéria já tinha recebido parecer favorável da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) na última terça (6).

O retorno das disciplinas ao ensino médio, 37 anos depois de serem excluídas do currículo, enterrou o entulho antidemocrático das disciplinas de educação moral e cívica.

Ato de homenagem

Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo (Sinsesp), comemorou a conquista.

“Estamos propondo ao presidente Lula que façamos um grande ato, um evento nacional no Palácio do Planalto, com as presenças de ministros de estados e entidades da área da educação, para homenagear todos aqueles que nos últimos 11 anos defenderam e lutaram por essa bandeira”, disse.

O sociólogo ainda informou que nos próximos dias o sindicato estará empenhado para que o presidente Lula sancione a lei.

“Queremos que todos acompanhem a sanção histórica da lei, por isso vamos pressionar para que haja ampla divulgação do dia e hora da sansão presidencial que irá alterar de forma definitiva a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e Filosofia”, declarou.

A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) frisou, na seção desta quinta, a importância da aprovação da lei.

“As duas disciplinas permitem à juventude acessar todas as matérias do conhecimento, permite que se formem conceitos, caráter moral e que as pessoas tenham uma visão humanista. Fizemos um acordo e votamos por unanimidade. Hoje fizemos um grande benefício à juventude brasileira”, falou.

Impactos na formação

Para Juçara Vieira, diretora da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e vice-presidente da Internacional da Educação, o retorno dessas disciplinas ao currículo escolar é uma grande vitória para a formação da juventude brasileira.

“Essas disciplinas são fundamentais na formação do pensamento crítico da juventude” disse.

Outra entidade a comemorar a aprovação da lei foi a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

''Esse resultado já era esperado, pois a Ubes esteve presente no Conselho de Educação cobrando a votação desta lei e houve unanimidade entre os presentes. Agora esperamos que o presidente Lula sancione a lei o mais rápido possível'', afirmou o presidente da entidade, Ismael Cardoso.

Especialistas da área defendem que a aprovação do projeto será a maior revolução do ensino médio na história do Brasil, pela dimensão que a presença dessas disciplinas terão na estrutura curricular.

“Com a lei 25 mil escolas ensinarão Sociologia e Filosofia para pelo menos 10 milhões de jovens, que poderão finalmente ter acesso a um saber especial que lhes possibilitará uma melhoria substancial de sua capacidade de reflexão e análise da realidade que esse mesmo jovem está inserido”, afirma nota do Sinsesp.

FHC vetou o projeto em 2001

Em 1997, já havia sido apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL 3.178/97), que alterava a LDB incluindo Filosofia e Sociologia como disciplinas obrigatórias no ensino médio.

Porém, quando enviado à sanção presidencial, o projeto foi vetado integralmente em outubro de 2001, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso(PSDB). O sociólogo FHC alegou que a lei traria “ônus para os estados e o Distrito Federal, pressupondo a necessidade da criação de cargos para a contratação de professores de tais disciplinas”.

O debate só foi retomado no Congresso em 2006, quando o CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou uma resolução, que depois foi homologada pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, tornando as disciplinas obrigatórias.

Reforço a resolução do CNE

Segundo o conselheiro do CNE, Cesar Callegari, a resolução foi importante, mas lei que altera a LDB é que efetivará o parecer do conselho já em vigor.

''No meio do ano passado, todas as redes de ensino tinham de mostrar como implantariam as aulas de filosofia e sociologia. Houve contestação do parecer do conselho, que não deveria ter sido contestado. Mas a mudança possibilita menos contestação'', afirma Callegari.

A presidente da CNTE concorda com Callegari. “Essa regulamentação vai garantir a expansão para aos demais estados brasileiros”, destaca Juçara.

Segundo levantamento do CNE, apenas 17 estados implantaram as duas disciplinas no ensino médio. Outras escolas, muitas delas particulares, já oferecem as disciplinas há anos.

Um dos estados a contestar a resolução da CNE foi São Paulo. Conselho Estadual de Educação paulista publicou uma resolução em que negava a obrigatoriedade de seguir a resolução do CNE.

Porém, devido às pressões do Sinsesp, em abril deste ano a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo assinou um termo de compromisso onde as escolas deveriam ter sociologia em um dos três anos do ensino médio --filosofia já estava na grade obrigatória em dois anos do antigo colegial.

Ensino de Psicologia

Durante a seção desta quinta no Senado, o pedido para incluir no PLC 4/08, que institui a obrigatoriedade da disciplina de psicologia no ensino médio, também foi observado.

Segundo entendimento dos senadores, o PL de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), PL 105/07, e do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), PL 6.646/06, está em discussão na Câmara dos Deputados e, portanto, ainda precisa ser apreciado.

A senadora Ideli Salvatti afirmou concordar com o movimento em defesa da inclusão também da psicologia no currículo, mas observou que a mudança do projeto nesse momento - para abranger a terceira disciplina - acabaria contribuindo para retardar a sua aprovação. O mesmo argumento foi utilizado pelo senador Marco Maciel (DEM-PE).

O presidente da Ubes informou ainda que na próxima estará em Brasília para discutir, além deste projeto, um outro que estabelece eleições diretas para diretores nas escolas. Para ele o debate curricular deve estar ligado à democracia, “pois ambos contribuem para a melhoria da educação no país'', disse.


Os sindicatos europeus a deriva....

Na Europa, o inferno neoliberal para sindicatos e trabalhadores


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Derrota – Com um discurso que explora o fantasma do desemprego frente à chegada dos imigrantes e “a falta de segurança” causada por eles, a direta manipula com êxito os humores decepcionados dos setores populares.Depois de 18 anos de governos progressistas, o póst-fascista, Gianni Alemanno derrotou - neste último 28 de abril - o candidato do centro-esquerda a prefeito de Roma, com a diferença de quase 100.000 votos. Um alerta dramático, para toda a esquerda européia, que segundo o jornal britânico Independent não é apenas uma derrota eleitoral. É, antes de tudo, a evidência da ausência dos sindicatos no território, deixando desprotegidos os trabalhadores, diante de um processo de reformulação da sociedade que os “centros de excelências do capital” estão construindo, desde 1990, após a queda do Muro de Berlim.

O ritual do saudosismo fascista nas escadas da Prefeitura de Roma não é uma casualidade eleitoral. É a repetição de vitórias que uma direita reacionária e racista obtém com o voto de trabalhadores decepcionados e populares amedrontados que, anteriormente, votavam os candidatos dos partidos de esquerda conforme as orientações dos sindicatos. Diante disso a questão é a seguinte: porquê os sindicatos não mobilizaram suas bases como antigamente?

A verdade é que 80% dos sindicatos e centrais sindicais européias não exercem mais seu papel político no território, ao lado dos trabalhadores. No local do trabalho, os sindicatos se limitam em representar verticalmente as disputas contratuais, deixando de contextualizar a nova organização das linhas de produção que visam “robotizar” cada vez mais o trabalhador.

“...De fato, um robô não sabe o que é a “autonomia política da classe operária”. Ele executa, apenas, tarefas produtivas, não pensa se as mesmas são ruins para o corpo humano, para o meio ambiente, não reage se o trabalho é alienante. O robô trabalha até ser substituído por outros mais multifuncionais....”

Assim um panfleto distribuído na FIAT-Mirafiori de Torino pelos comitês da Rede 28 de Abril (fórum que reúne a esquerda na central CGIL) criticava o silencio da CGIL e da federação FIOM diante da nova investida da FIAT alertando os operários com o título:” Atenção, companheiro, os robôs não precisam de sindicato!!!”

Crise de identidade

Na União Européia os sindicatos estavam organizados em fortíssimas centrais sindicais, que desde 1945 sustentaram os ideários da esquerda — sejam eles social-democratas ou socialistas-reformistas ou abertamente anti-capitalistas .

Os sindicatos metalúrgicos e químicos, italianos e os franceses, sempre representaram a vanguarda política do movimento sindical cuja força em unificar a classe operária era determinada por dois elementos centrais: 1) o estudo crítico das linhas de produção para contestar a condição de trabalho imposta pelo capital; 2) a organização e a representação sindical na fábrica e no território.

Quando estas duas vertentes históricas foram substituídas com soluções ditadas pelo nascente verticalismo organizativo, os sindicatos e as centrais perderam sua identidade. Consequentemente, importantes setores do mundo do trabalho aceitaram as manipulações da direita e se sujeitaram às novas regras do World Class Manifacturing, isto é: garantir uma qualidade da produção “just in time” passando acima de ritmos de trabalho e das garantias da própria condição de trabalho.

Um comportamento que se alastrou diante da pouca combatividade sindical quando explodiram as privatizações que, em muitos casos, foi determinada pela condescendência de suas lideranças com os governos neoliberais e pela incapacitadas de construir uma resposta alternativa.

Migrantes

Em 1971, o diretor de cinema italiano Elio Petri lançava o filme “A classe operária vai ao paraíso", no qual denunciava a mudança ideológica e organizativa da aguerrida central sindical CGIL (socialista-comunista) quando, em 1966 os centros de excelência do capital industrial começaram a introduzir sistemáticas mudanças estruturais no ciclo de produção do automóvel, chamado de “Processo de Reestruturação Tecnológica Industrial (PRTI)”.

Na verdade, o PRTI ao introduzir as chamadas “ilhas automatizadas” na linha de produção pretendia romper a hegemonia política da dita “aristocracia operária” substituindo o operário especializado (sindicalizado e de esquerda) com o imigrante (nacional ou estrangeiro), na maior parte dos casos sem qualificação técnica e cultural e manipulado pelas entidades que haviam terciarizado seu emprego.

Para quebrar a presencia militante de sindicalistas anti-capitalistas foram terciarizados os trabalhos que na fábrica eram considerados trabalhos inferiores e que as novas gerações de operários recusavam por ser mal pagos..

Assim, nas fábricas alemãs as funções de limpezas das linhas, recolha do lixo, transportes das peças etc. eram realizadas por imigrantes turcos que, hoje, na Alemanha somam os dois milhões. Na França, na Bélgica e na Hollanda foi os imigrantes árabes e africanos que passou a desempenhar a maioria das tarefas pesadas e sujas da produção industrial. A falta de consciência política, as contradições culturais deste pessoal imigrante e o ressurgimento do racismo provocaram a separação e a dissociação das atividades sindicais.

Um processo que, após a queda do Muro de Berlim, inundou a União Européia com imigrantes do Leste Europeu que foram empregados massivamente nas indústrias e nas lojas (mesmo se clandestinos) para romper – do ponto de vista político e salarial - o último bastião de controle social das centrais sindicais.

Assim, em pouquíssimo tempo, os cinturões suburbanos começaram a hospedar uma variedade de imigrantes árabes, africanos, latino-americanos, asiáticos e sobretudo do Leste Europeu criando uma realidade multicultural que sindicatos e partidos da esquerda reformista não conseguiram entender e, sobretudo, organizar.

Um atraso que a nova burguesia neoliberal e a direita logo exploraram, começando a agitar o fenômeno da concorrência salarial da emigração clandestina para sensibilizar o voto dos trabalhadores ameaçados de desemprego, enquanto, em outro território, a direita e a mídia levantavam a bandeira da “falta de segurança” em função dos crimes cometidos por uma nova delinqüência representada por imigrantes.

Miragem pelo Poder

É neste conturbado cenário dos anos 90 que o sindicalismo europeu introduz uma importante mudança estratégica quando as principais centrais sindicais européias (a DGB da Alemanha, a CGT francesa e a CGIL italiana) fizeram a opção pelo poder, que, na prática, implicava o abandono ideológico da terminologia da esquerda (fim do conceito de luta de classe, socialismo etc.), e das vacilantes temáticas da social-democracia. No seu lugar, entrava a lógica americanizante da AFL-CIO, com a participação ou co-gestão de áreas do poder que induz os sindicalistas europeus a aceitar a inserção no social-neoliberalismo achando que para os trabalhadores esta é a única saída em um mundo cada vez mais globalizado.

Uma miragem política que, indiretamente, abriu o caminho a Sarcozy e Berlusconi, visto que a centro-esquerda foi incapaz em administrar o Estado, em termos neoliberais, e, ao mesmo tempo, não conseguiu criar uma hegemonia “progressista” na sociedade, tanto que as centrais sindicais perderam a ligação política com o território social.

A lógica de um sindicalismo americanizante produziu a verticalização dos sindicatos que eliminaram o delegado das bases e as comissões internas de fábricas.

No seu lugar, entrou um funcionário nomeado pela direção do sindicato para garantir em cada fábrica a burocrática renovação contratual nacional. Porém a atrelagem de sindicatos e centrais a governos de centro-esquerda fez com que a negociação contratual nacional caísse no vazio, sobretudo, quando os governos não queriam exacerbar os industriais ou poupar sua reservas. Por exemplo, na Itália a renovação contratual dos servidores públicos sumiu da agenda sindical logo após a posse do Governo Prodi, enquanto os metalúrgicos esperam sua renovação contratual desde novembro de 2006.

Além disso, sindicatos e governo de centro-esquerda não conseguiram criar um sistema de controle para a TV pública capaz de responder às manipulações grosseiras da “grande” mídia ou de defender o próprio governo de centro-esquerda.

Ataque final

Enquanto partidos de esquerda, de centro-esquerdas e centrais sindicais, italianas e francesas sonhavam em se perpetuar no poder, a direita trabalhava os humores decepcionados dos setores populares manipulando as aspirações do mundo do trabalho para formular, após a vitória de Sarcozy, na França, e agora de Berlusconi, na Itália, aquilo que será o novo inferno neoliberal dos trabalhadores europeus.

De fato, se do lado dos trabalhadores temos centrais sindicais claudicantes, interessadas em sobreviver com sua estrutura profissionalizada, que a própria direita chama de “casta”, do outro, temos uma liderança industrial arrogante por ter conseguido quebrar o custo político da força de trabalho e cada vez mais desejosa de impor ao governo de direita suas regras no capitulo Capital versus Trabalho. De fato, segundo o administrado geral da FIAT, Sergio Marchionne “...os novos procedimentos fabris e de organização da qualidade na fábrica não vão contra o sindicato mas sem o sindicato...”

Procedimentos que são: a) fim da greve que deve ser referendada por todos os trabalhadores, caso contrário é declarada ilegal. b) efetiva introdução de “Banco de Horas” alimentados com horas de trabalho extraordinárias devolvidas sob formas de acumulo de férias não pagas; c) aumento das horas extraordinárias até 4 por dia sem taxação governamental; d) definitiva revisão dos atuais modelos de pensão; e) fim das negociações contratuais nacionais com base os parâmetros da OIT, optando por negociações descentralizadas ou até em cada unidade fabril; f) desvinculação do sindicato das linhas de produção; g) reforma sindical para definir os limites do mandato dos delegados e a transparência financeira nas contas de sindicatos e centrais.

Agora, para o trabalhador europeu o problema é saber se este é o primeiro ou o último andar do inferno neoliberal.

(em BRASIL DE FATO – Edição 271 – 08/14 de Maio de 2008)

Achille Lollo é jornalista italiano e diretor do filme-documentário “AMÉRICA LATINA: Desenvolvimento ou Mercado?” em www.portalpopular.org.br

A Honra de ser Inseto




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O mundo burguês, capitalista – mundo sem amor -, roído pelas insanáveis contradições que lhe são inerentes, vai sendo compelido a retirar de sua atmosfera espiritual os derradeiros vestígios de oxigênio vivificante, capazes de garantir a sobre vivência da pessoa humana. E, nesta medida, produz o tipo aberrante, Gregório Samsa, o protagonista de A metamorfose, de Kafka, cuja asfixia progressiva acaba por transformá-lo em inseto. O gradativo enforcamento da pessoa, na figura do pequeno caixeiro-viajante, não se processa, contudo, impunemente. Há um momento em que o condenado estertora. Este estertor, como um clarão, é capaz por instantes de sacudir o mundo, de subverter os pilares da ordem e de lançar por terra a arrogância do bezerro de ouro, expondo a nudez de sua miséria.
Gregório Samsa, de repente, burlando os planos de seus algozes, se transforma num inseto. Sua metamorfose nos clarifica e comove, de maneira exemplar, por ser ela uma terrível denúncia, um grito de autenticidade em meio a um mundo inautêntico, incapaz pelo menos de ter consciência de sua hipocrisia. Gregório Samsa tomba vítima da ordem social burguesa que o anula, uma vez que – submisso até a abjeção – é radicalmente incapaz de lutar para transformá-la. A ordem familiar e social em que vive – e morre – assassinou sua fisionomia originária, triturou-lhe a liberdade, mastigou seus músculos e nervos, poluiu a graça de sua rosa e, por fim, vomitou-o, transmudado em inseto. Sobre seus ossos chupados, usufruídos, lucrados, a dura carapaça quitinosa-saliva sem remorso.
A grandeza da metamorfose de Gregório Samsa reside no fato de não ter ele pretendido ocultá-la, quer aos próprios olhos, quer aos olhos dos outros. Embora aprisionado em seu quarto – a família não o suportava em sua nova e repugnante condição -, Gregório Samsa conservou-se fiel à sua forma de inseto. Mortalmente atingido na mais íntima substância de sua própria identidade e, assim envilecido e degradado, teve a coragem de confessar-se como tal.
Gregório Samsa é um alienado que, no ato de sê-lo, assume sua alienação e a esgota, exprimindo-a toda, ao mesmo tempo que desmascara as forças alienantes que o esmagam. Desta forma, Gregório Samsa é um alienado que se desaliena através da coragem de proclamar-se alienado, pagando o preço de sua alienação. Além disso, assumindo-se como vitimado, destruído, insetizado, revela o caixeiro-viajante uma vocação de integridade pessoal que, vulnerada em sua última raiz, deságua no desastre existencial. A desumanização que pode ser assim descrita: Gregório Samsa, sendo um produto alienado de uma sociedade alienante e alienada, ao mesmo tempo que encarna essa alienação, a denuncia, transcendendo-a no instante mesmo de sua decisão de encarná-la. Gregório Samsa não consegue viver como pessoa, numa estrutura social que nega a pessoa. E não o consegue justamente por ser uma pessoa, por ter a vocação da pessoa.
Ao transformar-se em inseto, Gregório Samsa assume, por um lado, e integralmente, a alienação a que a sociedade o compele. Ele mesmo se destrói como pessoa, aceitando o veredicto alienante do mundo metálico em que vive. Insetizar-se é alienar-se até a derradeira fibra do próprio ser personal. Mas, por outro lado, insetizar-se é dizer – Basta! – a uma estrutura social que, alienando-nos, exige de nós que sejamos, não apenas alienados, mas totalmente insensíveis e inconscientes com respeito à distorção alenadora que nos impõe. Gregório Samsa, através de sua metamorfose, leva às últimas conseqüências a aberração alienadora que o deforma. Ele sai de si, sem apelo, transforma-se vivencialmente em inseto e, como tal, passa a existir numa comunidade de insetos existenciais que, alienando-se da própria alienação que os vitima, compram a este preço o direito de fingir a pessoa que não são.
Gregório Samsa, com unha implacável, raspa a ferrugem dos hábitos psicológicos e sociais sob os quais jazia sepultado e, debaixo dela, aponta par ao cadáver da pessoa sacrificada – inseto no assoalho. Por isso, por ter-se tornado exemplar no vigor de uma denúncia que a todos atinge, é ele estigmatizado, marginalizado pelos outros, que em torno dele estendem um cordão sanitário para torná-lo invisível. Gregório Samsa é expulso do contexto social em que vive exatamente por retratá-lo com fidelidade excessiva. A carga de verdade que carrega sobre sua carapaça de inseto é brutal e explosiva demais para que possam suportá-la. Gregório Samsa, bandeira da inconsciência de todos, resumo da doença do mundo, foi crucificado em silêncio e, em silêncio, é enterrado vivo. Imperioso se torna evitá-lo, voltar-lhe as costas, já que ele representa, na carne, o pesadelo que os outros nem ao menos ousam sonhar.
Gregório Samsa, portanto, no mais alto ponto de sua doença existencial, ao perder a condição humana, consegue fazer desta perda uma desesperada afirmação de humanidade. Sua metamorfose decorre sob o signo da contradição e da espada. Ela é, ao mesmo tempo, perdição e fome de salvação, silêncio e protesto, cumplicidade enlouquecida de denúncia viril. Existe um analogia, embora imperfeita e incompleta, entre o significado existencial da metamorfose de Gregório Samsa e a dialética da situação do proletariado, dentro da sociedade moderna. O proletariado, gerado nas tripas da ordem capitalista, ao mesmo tempo que compõe a sociedade burguesa, como uma secreção dela, está à margem da burguesia e a transcende, constituindo-se na força desalienante por excelência, que irá lutar pela transformação humanizadora de todo o organismo social. O proletariado padece da alienação que lhe é imposta pela ordem capitalista, encarna-a, mas, ao tomar consciência dela, assume-a e passa a representar o seu contrário, isto é, um esforço social de desalienação. O proletariado, como classe, nega a negação que o vulnera e, com isto, representa o fator positivo por excelência de transformação do mundo.
A metamorfose de Gregório Samsa só não chega a simbolizar a degradação coisificadora – ou insetizadora – do proletariado, que a ela é condenado pelo regime capitalista, por ser o caixeiro-viajante, em sentido etimológico, um desclassificado, desvinculado de qualquer classe, sem nenhuma possibilidade de fazer da consciência de sua alienação um instrumento de fraternidade e de esperança. Gregório Samsa, ao insetirzar-se, comete um ato terrorista de desespero individual. Seu protesto, carente de dimensão comunitária, o torna definitivamente emurado em si mesmo, sem mãos para encontrar o companheiro com o qual irmanar-se, numa luta compartilhada.
É esta diferença essencial entre Gregório Samsa e o proletariado, no regime capitalista. O primeiro é um terrorista cuja ação se esgota na explosão da bomba que o explode. Ao destruir-se, confessa o caixeiro-viajante sua impossibilidade de modificar o mundo. Ele o destrói, simbolicamente, através de sua própria destruição e, desta forma, proclama a impossibilidade radical de construir-se como pessoa, construindo ao mesmo tempo um mundo humano. Gregório Samsa encarna a desumanidade crua e bruta das forças alienantes que, no regime capitalista, atentam contra a dignidade da pessoa. Esmagado, denuncia este esmagamento e, através dele, testemunha o peso impiedoso da máquina que o achatou. Roubando de sua condição humana, revela através da metamorfose que o vitima o assassinato geral da pessoa, no mundo em que vivemos. Dá-se em espetáculo, como inseto, expõe cruamente sua abjeção, deixa que ela grite por si mesma. Às forças que o negam, como pessoa, recusa-se ele, de repente, a obedecer – assumindo a negação que o nega.
Sua desobediência ganha, entretanto, a forma contraditória de uma adesão ensandecida. Gregório Samsa desobedece por excesso de obediência. Submete-se, totalmente, às forças que o alienam e, ao afogar-se nelas, dá-lhes uma vitória de tal maneira radical que as desmascara e anula. Na medida em que se transforma em inseto, deixa o caixeiro-viajante de ser o escravo-coisa talhado à imagem e semelhança dos interesses do mercado capitalista. Tais interesses exigem da pessoa que se destrua em seu centro, sem contudo abrir mão de sua aparência de pessoa. O regime capitalista, para prosperar, precisa de insetos apenas simbólicos, de pessoas cuja metamorfose alienadora não chegue ao ponto de nelas destruir, visceralmente, a mecânica da condição humana. Tal regime exige que sejam preservados os ritos formais da pessoa, embora a estes nada venha a corresponder de vivo, original e profundo. A pessoa tem que manter-se utilizável e “livre” para dirigir-se, ao menos, até à fábrica, e lá marcadejar sua força de trabalho, conservando músculos e nervos que lhe permitam servir ao proprietário. Se esta margem de utilitariedade e de “liberdade” é respeitada, tudo o mais pode levar a breca.
A rebelião de Gregório Samsa consiste em que ele se transformou verdadeiramente num inseto e, com este ato de terrorismo, rompeu as regras do jogo social, destruindo-as por tê-las levado às últimas conseqüências. Ao transmudar-se em inseto, encarnando até à loucura as forças sociais que o alienavam, deixou o caixeiro-viajante de servi-las, para delas compor um retrato monstruoso e fiel. Gregório Samsa, até o momento de sua metamorfose, era uma pessoa que padecia de um câncer psicológico, social e existencial. A partir de sua transformação em inseto, passou a ser o próprio câncer, liquidou-se com pessoa, através desse ato de desespero, desobedecer e acusar.
Gregório Samsa, desclassificado, marginalizado e solitário, cometeu um suicídio personal para, com isto, desmascarar o crônico homicídio institucionalizado de que vinha sendo vítima. De um tal homicídio tornara-se ele masoquisticamente co-responsável, na medida em que, anulado como pessoa, fazia deste anulamento consentido uma forma de melhor servir aos seus algozes. Ao converter-se em inseto, deixou Gregório Samsa de estar conivente com a ordem social e psicológica que o negava em sua pessoalidade, e o instrumento desta ruptura foi, exatamente, a aceitação radical da negação que o corrompia em sua essência.
Assumindo-se como inseto, responsabilizou-se o caixeiro-viajante por sua destruição pessoal, tomou dela consciência plena e dramática e, assim, foi capaz de transfigurá-la em decisão de combate. Antes da metamorfose, Gregório Samsa, apesar de existencialmente insetizado, conservava sua fachada de pessoa na justa medida para deixar-se explorar e usar. Ao transformar-se em inseto, publicou de maneira terrível sua condição de vítima e, desta forma, configurou e denunciou o crime longo e minucioso que contra ele se vinha cometendo. Pressionado cronicamente no sentido de sua insetização, Gregório Samsa, num instante crucial de escolha, decidiu não mais nadar contra a corrente, fingindo a pessoa que não era apenas para cumprir, como cúmplice, o jogo inumano e ambíguo ao qual se submetera. De repente, aceitou ser inseto – isto é, submergiu na corrente alienadora que o afogava – mas, ao mesmo tempo, transcendeu tal corrente, tansformou-se carnalmente em inseto, sem valia nenhuma e sem nenhuma possibilidade de tornar-se, para quem quer que fosse, produtor de mais-valia.
Desistindo de ser pessoa, Gregório Samsa conseguiu fazer de sua capitulação esquizofrênica um derradeiro e grande grito de pessoa. Incapaz de opor-se à falência existencial que lhe era imposta, resolveu a ela identificar-se e, de tal forma o fez, que essa identificar-se e, de tal forma o fez, que essa identificação passou a significar luta, condenação, denúncia, protesto. Deixando de alienar-se de sua própria alienação, desfraldando-a toda para expô-la, Gregório Samsa acusou e desonrou as estruturas sociais que o destruíam, através de um pseudoconformismo ensandecido. Pela destruição de si, como pessoa, conseguiu uma última e desesperada afirmação de pessoalidade. Anarquista solitário e humílimo, desumanizou-se, sem remissão – através da metamorfose – para com este gesto terrorista desmascarar a inumanidade do mundo em que vivia – e em que vivemos.
(Texto retirado do Livro de Hélio Pellegrino, publicado pela editora Rocco em 1988, intitulado: A Burrice do Demônio).


Brigada Militar oprime famílias sem terra no RS

por jpereira

“Fizeram processo de revista, humilharam todos. Separaram homens, mulheres e adolescentes, cortaram todos os barracos, jogaram nossa comida fora, botaram terra dentro das nossas coisas, misturaram tudo”, diz a integrante do MST Luciana da Rosa, do acampamento em São Gabriel; área já está negociada com o Incra para virar acampamento


Nesta quinta-feira (08), cerca de 750 policiais da Brigada Militar entraram no acampamento do Movimento Sem Terra (MST) na Fazenda São Paulo II, no município de São Gabriel. Os policiais cumpriam um mandado de busca e apreensão pedido pela própria Brigada Militar e concedido pelo Juizado do município.


De acordo com o subcomandante, Coronel Paulo Mendes, o mandado foi solicitado à polícia pela comunidade, que se sentia insegura com a presença do MST na região. Emissoras de rádio de São Gabriel noticiavam durante o dia que os fazendeiros haviam pedido a revista dos sem-terra. "Eu estou preocupado com a população ordeira aqui, que se sente ameaçada pelo MST. Foi através da população aqui, que nós pedimos o mandado e estamos executando, essa é a maior preocupação da Brigada”, diz.


A ação dos policiais iniciou por volta das 9 horas da manhã. No entanto, a Brigada Militar estava cercando o local desde às 6 horas. Na revista policial, foram apreendidos foices, facões, facas de cozinha e artefatos caseiros. A integrante do MST, Luciana da Rosa, conta que as famílias foram humilhadas pelos policiais.


“Foram cercando até renderem todas as famílias, onde fizeram processo de revista, de identificação, de humilhação de todos, separaram homens, mulheres e adolescentes, e fizeram a revista em todo o acampamento, cortaram todos os barracos, jogaram nossa comida fora, botaram terra dentro das nossas coisas, misturaram tudo”, diz.


O Coronel Mendes afirmou que a advogada do MST, Cláudia Ávila, esteve presente desde o início da ação policial. No entanto, integrantes do movimento afirmam que a advogada não pôde falar com as famílias do acampamento e ficou afastada no momento em que as famílias eram revistadas.


Reforma agrária

Luciana questiona a ação policial, uma vez que a área em São Gabriel já foi negociada pelo Incra para assentamento da reforma agrária. Ela afirma que não existe nada para ser apreendido no acampamento, a não ser as ferramentas do agricultor que vive no campo. Para Luciana, os ruralistas da região não aceitam que o MST tenha ocupado um grande latifúndio de mais de 13 mil hectares que não produz e que está endividado.


“O MST entrou em São Gabriel para ficar, dessa vez, tanto que uma área já está conquistada e já é um assentamento da reforma agrária. Nós não vamos sair daqui. Dessa vez, viemos pra ficar e os grandes latifúndios de São Gabriel vão virar grandes assentamentos da reforma agrária para produzir e não disputar com a celulose a terra e não entregar para os estrangeiros a terra brasileira”, explica.


Em protesto à repressão policial na Fazenda São Paulo II, o MST bloqueou 13 rodovias durante toda a quinta-feira, nas localidades de Piratini, Nova Santa Rita, Santana do Livramento, São Luiz Gonzaga, Arroio Grande, Julio de Castilhos, Lagoa Vermelha, Charqueadas, Hulha Negra, Pontão, Gramado dos Loureiros, Encruzilhada do Sul e Viamão.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

UM CÃO ANDALUZ (Un Chien Andalou, FRA, 1929)



Formato: RMVB
Duração: 16 min
Tamanho: 87 MB
Filme mudo, sem legendas
Servidor: Rapidshare

Créditos: F.A.R.R.A - dylan dog

LINK: http://rapidshare.com/files/88935645/Un_Chien_Andalou_-_Bunuel_Luis__1929_.rar.html

Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Luis Buñuel, Salvador Dalí
Elenco: Simone Mareuil, Pierre Batcheff
Música: Richard Wagner

Sinopse: Com roteiro co-escrito por Salvador Dalí, Luis Buñuel estreou como diretor neste curta-metragem, o marco inicial do surrealismo no cinema. Com clara influência da psicanálise, Buñuel e Dalí exploram o inconsciente humano, numa seqüência de cenas oníricas, incluindo o célebre momento em que um homem, interpretado pelo próprio diretor, corta, com uma navalha, o olho de uma mulher.

Roteiro: http://www.pco.org.br/livraria/programacao/ciclobunuel/roteiro.htm?target=




Resenha: Com apenas 17 minutos de duração, "Um Cão Andaluz" é considerado um dos filmes mais chocantes, surpreendentes e revolucionários da história do cinema. O filme de estréia do cineasta espanhol Luis Buñuel, em parceria com Salvador Dali, foi realizado na França, em 1928 e fez parte da eclosão do movimento surrealista, cujos princípios fundamentais eram a contestação dos valores burgueses, a abolição da lógica cartesiana na produção artística e a denúncia do absurdo das instituições (Estado, Igreja, etc.) que exprimiam preocupações com a moral e as convenções e, ao mesmo tempo, consentiam com o envio de milhares de homens para a morte nos campos de batalha. Esse filme é constituído de uma série de seqüências de cenas absurdas e sem ligação aparente, como em um sonho a se fundir com a realidade. "Un Chien Andalou" é realmente um filme chocante, em que espaço, tempo e acontecimentos confundem-se formando idéias anti-conservadoras e que falam sobretudo de desejo e culpa. Questões ligadas ao machismo, ao feminismo (guerra entre sexos), à ultrapassagem da fase infantil em direção à sexualidade, bem como à repressão sexual, são sempre abordadas entre imagens produzidas pelo subconsciente e a realidade nas complicadas relações entre um casal. Buñuel e o catalão Salvador Dalí, seu amigo de adolescência, combinaram que colocariam em imagens seus delírios criativos, desde que entrassem no roteiro apenas as sugestões que alcançassem um consenso. Em um depoimento, Buñuel diz que "Um Cão Andaluz" nasceu da confluência de um sonho seu com um outro de Dalí. Os dois sonhos não tinham nenhuma relação entre si, mas os dois acharam interessante poder uni-los sem dar satisfação à ninguém . "Escrevemos este roteiro em menos de uma semana e seguimos uma regra muito simples: não aceitar idéia ou imagem alguma que pudesse dar lugar a uma explicação racional, psicológica ou cultural. Abrir todas as portas ao irracional. Não admitir nada além das imagens que nos impressionavam, sem tratar de averiguar os porquês. Em nenhum momento houve desentendimento entre nós. Um sugeria uma idéia que quando era aceita não era discutida e quando não era aceita era esquecida para sempre". (depoimento disponível no site: www.estacaovirtual.com/arquivo/mat1998). "Um Cão Andaluz" propositalmente almejava agredir as normas estéticas e de comportamento vigentes. Entre as seqüências que causaram indignação estão a que exibe uma dupla de padres amarrada a dois pianos sobre os quais estavam colocados asnos mortos e cobertos de sangue, a que mostra um homem acariciando de forma violenta os seios de uma mulher e sobretudo a cena em que o próprio Buñuel mutila com uma navalha um dos olhos, que seriam da atriz Mareuil. Baseado num conceito surrealista, "uma navalhada no olho da sociedade", esta cena clássica de uma navalha cortando o olho de uma mulher logo na primeira parte do filme, marcou época como uma das mais impressionantes do cinema. O filme pretendia questionar mas não responder às questões levantadas. Foi exibido pela primeira vez em Paris para uma platéia de intelectuais - entre eles André Breton, autor do Manifesto do Surrealismo, ao som de "A Cavalgada das Valquírias", de Wagner, executada em um gramofone. O jovem Buñuel temia tanto a reação ao filme que havia levado pedras nos bolsos para revidar uma possível agressão da platéia. Mas ao final da projeção foi aclamado pelo grupo surrealista e por toda a elite cultural parisiense, ficando em cartaz durante oito meses com bastante sucesso, e gerando também protestos e muito escândalo na França de 1928. A boa acolhida inicial não evitou no entanto que o cineasta espanhol tivesse problemas. Sua casa foi alvo de ataques de grupos conservadores, que tentaram sem sucesso, interditar a exibição da obra na França. O vídeo disponível nas locadoras contém duas versões do filme (17 minutos cada). Uma sonorizada em 1960, com músicas de Wagner, Beethoven, e um anônimo e divertido tango, e a outra produzida em 1983 pela TV suíça que inclui música atonal e os sons produzidos por um cão. "Um Cão Andaluz" (referencia à região espanhola da Andaluzia onde Buñuel nasceu) é fascinante, mas não é para qualquer estômago: o bizarro universo dos autores revelava cedo o estranho humor do cineasta que se tornaria célebre com seus trabalhos nas décadas seguintes. Este filme é um bom exemplo das agitações ideológicas do período entre guerras, e um libelo a favor das liberdades estéticas e morais em um mundo prestes a se encher de repressão e intolerância. Celso Branco - www.tempopresente.org

John Coltrane Quartet - Ballads (1962)

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John Coltrane Quartet - Ballads (1962)
MP3 / 320Kbps / RS.com: 75mb


Faixas:
1. Say It (Over and Over Again)
2. You Don't Know What Love Is
3. Too Young to Go Steady
4. All or Nothing at All
5. I Wish I Knew
6. What's New?
7. It's Easy to Remember
8. Nancy (With the Laughing Face)
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quarta-feira, 7 de maio de 2008

A FOME INFAME

Transnacionais de alimentos lucram com aumento da fome

A fome no mundo é a nova grande fonte de lucros do grande capital financeiro e os lucros aumentam na mesma proporção que a fome. Nos últimos meses, os meses do aumento da fome, os lucros da maior empresa de sementes e de cereais aumentaram 83%. Ou seja, a fome de lucros da Cargill alimenta-se da fome de milhões de seres humanos. A análise é de Boaventura de Sousa Santos.

Há muito conhecido dos que estudam a questão alimentar, o escândalo finalmente estalou na opinião pública: a substituição da agricultura familiar, camponesa, orientada para a auto-suficiência alimentar e os mercados locais, pela grande agro-indústria, orientada para a monocultura de produtos de exportação (flores ou tomates), longe de resolver o problema alimentar do mundo, agravou-o.

Tendo prometido erradicar a fome do mundo no espaço de vinte anos, confrontamo-nos hoje com uma situação pior do que a que existia há quarenta anos. Cerca de um sexto da humanidade passa fome; segundo o Banco Mundial, 33 países estão à beira de uma crise alimentar grave; mesmo nos países mais desenvolvidos os bancos alimentares estão a perder as suas reservas; e voltaram as revoltas da fome que em alguns países já causaram mortes. Entretanto, a ajuda alimentar da ONU está hoje a comprar a 780 dólares a tonelada de alimentos que no passado mês de março comprava a 460 dólares.

A opinião pública está a ser sistematicamente desinformada sobre esta matéria para que se não dê conta do que se está a passar. É que o que se está a passar é explosivo e pode ser resumido do seguinte modo: a fome do mundo é a nova grande fonte de lucros do grande capital financeiro e os lucros aumentam na mesma proporção que a fome.

A fome no mundo não é um fenômeno novo. Ficaram famosas na Europa as revoltas da fome (com o saque dos comerciantes e a imposição da distribuição gratuita do pão) desde a Idade Média até ao século XIX. O que é novo na fome do século XXI diz respeito às suas causas e ao modo como as principais são ocultadas. A opinião pública tem sido informada que o surto da fome está ligado à escassez de produtos agrícolas, e que esta se deve às más colheitas provocadas pelo aquecimento global e às alterações climáticas; ao aumento de consumo de cereais na Índia e na China; ao aumento dos custos dos transportes devido à subida do petróleo; à crescente reserva de terra agrícola para produção dos agro-combustíveis.

Todas estas causas têm contribuído para o problema, mas não são suficientes para explicar que o preço da tonelada do arroz tenha triplicado desde o início de 2007. Estes aumentos especulativos, tal como os do preço do petróleo, resultam de o capital financeiro (bancos, fundos de pensões, fundos hedge [de alto risco e rendimento]) ter começado a investir fortemente nos mercados internacionais de produtos agrícolas depois da crise do investimento no sector imobiliário.

Em articulação com as grandes empresas que controlam o mercado de sementes e a distribuição mundial de cereais, o capital financeiro investe no mercado de futuros na expectativa de que os preços continuarão a subir, e, ao fazê-lo, reforça essa expectativa. Quanto mais altos forem os preços, mais fome haverá no mundo, maiores serão os lucros das empresas e os retornos dos investimentos financeiros.

Nos últimos meses, os meses do aumento da fome, os lucros da maior empresa de sementes e de cereais aumentaram 83%. Ou seja, a fome de lucros da Cargill alimenta-se da fome de milhões de seres humanos.

O escândalo do enriquecimento de alguns à custa da fome e subnutrição de milhões já não pode ser disfarçado com as “generosas” ajudas alimentares. Tais ajudas são uma fraude que encobre outra maior: as políticas econômicas neoliberais que há trinta anos têm vindo a forçar os países do terceiro mundo a deixar de produzir os produtos agrícolas necessários para alimentar as suas próprias populações e a concentrar-se em produtos de exportação, com os quais ganharão divisas que lhes permitirão importar produtos agrícolas... dos países mais desenvolvidos.

Quem tenha dúvidas sobre esta fraude que compare a recente “generosidade” dos EUA na ajuda alimentar com o seu consistente voto na ONU contra o direito à alimentação reconhecido por todos os outros países.

O terrorismo foi o primeiro grande aviso de que se não pode impunemente continuar a destruir ou a pilhar a riqueza de alguns países para benefício exclusivo de um pequeno grupo de países mais poderosos. A fome e a revolta que acarreta parece ser o segundo aviso. Para lhes responder eficazmente será preciso pôr termo à globalização neoliberal, tal como a conhecemos.

O capitalismo global tem de voltar a sujeitar-se a regras que não as que ele próprio estabelece para seu benefício. Deve ser exigida uma moratória imediata nas negociações sobre produtos agrícolas em curso na Organização Mundial do Comércio. Os cidadãos têm de começar a privilegiar os mercados locais, recusar nos supermercados os produtos que vêm de longe, exigir do Estado e dos municípios que criem incentivos à produção agrícola local, exigir da União Europeia e das agências nacionais para a segurança alimentar que entendam que a agricultura e a alimentação industriais não são o remédio contra a insegurança alimentar. Bem pelo contrário.


Pola X

Pierre (Guillame Depardieu) vive com sua mãe (Catherine Deneuve) em um enorme castelo na Normandia à margem do rio Sena. Ele está noivo de Lucile, uma jovem que o adora. Mas Pierre é perseguido por um sonho de uma estranha mulher que o atrai de uma maneira inexplicável. No dia em que vai anunciar a data de seu casamento, a mulher dos seus sonhos aparece dizendo ser sua irmã Isabelle (Katerina Golubeva) a muito desaparecida. A princípio Pierre não quer acreditar, mas a pouco e pouco parece convencer-se e se apaixona perdidamente por ela. Revoltado com a situação de abandono que a irmã sofreu ao longo dos anos, Pierre abandona sua família, seus amigos e seu dinheiro e parte com isabelle para os subúrbios de Paris, onde vivem em desordenada e apaixonada miséria. Pola X é um filme intenso e emocionante, é o filme mais perturbador e belo de Leos Carax (Os Amantes de PontNeuf). Baseado na novela Pierre or The Ambiguities de Herman Melville, o filme quebra todos os limites do amor familiar e então prossegue para fazer o mesmo com a psiquê humana.

Gênero: Drama
Diretor: Leos Carax
Duração: 128 minutos
Ano de Lançamento: 1999
País de Origem: França
Idioma do Áudio: Francês
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0152015/

Qualidade de Vídeo:
DVD Rip
Tamanho: 704 Mb
Legendas: No torrent

créditos:makingoff - corisco

Elenco:

Guillaume Depardieu, Catherine Deneuve, Katerina Golubeva, Delphine Chuillot, Petruta Catana, Mihaella Silaghi, Laurent Lucas, Patachou

Premiação:

- Prêmio de Melhor Ator para Guillame Depardieu no Festival de Gijón, 1999
- Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, 1999

Curiosidades:

- A palavra "Pola" nasce das iniciais do título francês do romance de Melville - Pierre ou Les Ambiguïtés.
- O X do título representa o número de rascunhos que o roteiro passou até ser finalizado.

Crítica:

Eis um dos casos em que o DVD nos permite a (re)descoberta de uma referência cinematográfica tão chocantemente esquecida ou marginalizada. Tantas vezes usada de forma gratuita e mais ou menos pitoresca, a noção de filme maldito adequa-se a um objecto como Pola X (1999), de Leos Carax. Basta recordar o modo como a sua apresentação no Festival de Cannes (também em 1999) foi acompanhada por um coro de "desilusões", sobretudo da imprensa francesa, ancorado na ideia segundo a qual Carax estaria a renegar a sua condição de "discípulo" tardio da Nova Vaga, afirmada através de filmes como Boy Meets Girl (1984), Mauvais Sang (1986) e, sobretudo, Les Amants du Pont-Neuf (1991).
De facto, Carax não estava à procura de ilustrar nenhum "estatuto". Bem pelo contrário, ao fazer Pola X a partir de um romance publicado em 1852 — Pierre or the Ambiguities, de Herman Melville —, o seu trabalho consiste em algo mais do que a mera "transposição" para o presente: trata-se de colher em Melville as marcas de um drama em que amor e incesto se cruzam num labirinto que, em última instância, nos coloca face a uma fúria de viver sempre enredada com a nitidez da morte.
A história do jovem escritor cuja existência se transfigura com a descoberta de uma meia-irmã que a sua mãe recusa reconhecer evolui, assim, como uma tragédia que, paradoxalmente, nos seduz para as paisagens mais negras (e a oposição entre claridade e escuridão é um vector vital deste filme) da condição humana. Guillaume Depardieu e Catherine Deneuve são alguns dos actores de um filme que sempre enfrentou preconceitos e, em boa verdade, nunca foi visto pelas suas muitas e fascinantes singularidades.

Crítica de João Lopes retirada do site: http://sound--vision.blogspot.com/2008/04/...-de-pola-x.html


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A Bolívia e o separatismo


O tempo passa e a América Latina ainda carrega, indelével, a marca da colônia. As elites brancas, por mais que ostentem um verniz de modernidade e cosmopolitismo, quando se vêem confrontadas com a possibilidade de ter o poder reduzido, reagem como reagiam os invasores do final do século XV e início do XVI: com violência, truculência, força bruta. Assim é agora na Bolívia, quando a nova Constituição arrebata dos que sempre sugaram as riquezas do estado para seu bel prazer, parte do poder.
Desde que um aymara assumiu a presidência do país e iniciou um processo de nacionalização das riquezas, até então entregues as multinacionais, o poder central vem sofrendo uma série de ataques por parte dos latifundiários e empresários do departamento de Santa Cruz, um dos mais ricos do país. A nacionalização do gás foi o estopim já no início do governo de Evo Morales e as propostas de retomada das minas e de outros setores estratégicos como a comunicação só tem feito acirrar o ódio dos ricos brancos, não só de Santa Cruz, mas de toda a Bolívia. E, na verdade, é esse o motivo da sanha separatista que assola o país, muito bem orquestrada e financiada por Washington, que não quer ver seus parceiros perderem terreno para o que consideram “um bando de índios”. Basta ver nas paredes de Santa Cruz as pichações que gritam o racismo sempre pronto a se expressar: “faça um bem a humanidade, mate um índio por dia”, dizem os muros.
Quem teve a sorte de conhecer a magnitude do centro cerimonial de Tihuanaco, a uns 70 quilômetros de La Paz, sabe o quanto esta frase racista é falsa. Os povos originários da Bolívia, que tem suas raízes desde há 11 mil anos, com uma história riquíssima que muitas vezes ultrapassa em esplendor a do tão conhecido Egito, são os depositários de uma proposta de organização da vida absolutamente atual nestes dias em que o planeta agoniza. Carregam, desde sua memória ancestral, a tradição da cooperação, da solidariedade, da comunhão, da repartição de riquezas. E mais, sabem muito bem que o seu espaço geográfico, ao qual chamam pátria, é o lugar onde sabem e querem viver, ainda que com todas as intempéries da vida no altiplano, na solidão da montanha.
Pois a terra dos Kolla, dos Tihuanaco, Inca, Guarani e Aymara foi um dia invadida por uma gente branca que embandeirava uma cruz. Um povo que em nome de um deus e um reino, matou, destruiu e violentou. Uma gente que, não contente em tomar as terras e as riquezas do povo originário, ainda hoje precisa submeter e depreciar. Primeiro, diziam que aqueles que ali tinham construído um império sequer tinham alma e, agora, passados 500 anos, ainda insistem na tese de que eles não têm capacidade para gerir seus próprios destinos.
Pois talvez fosse bom lembrar que não foram os povos originários que entregaram as riquezas bolivianas ao longo de todos esses anos nas rapinosas mãos estrangeiras. Foi a aristocracia criolla que sugou o guano, o estanho, a prata e agora o gás, sempre usando o povo autóctone como escravo ou mão-de-obra de segunda classe. Eram eles os que morriam nas minas de estanho ou nas cavernas de Potosí. Alguém até pode dizer que o rei do estanho, Patiño, era um aymara e foi um dos que mais usurpou o solo pátrio. Isso é fato, mas ele foi um entre milhões que logrou escapar do destino de escravo e, perdido no mundo branco, se contaminou pela maneira de viver daqueles que dominaram seu povo. A maioria originária vive sob a opressão.
Agora, quando a vida e a riqueza da Bolívia começam a voltar para as mãos do povo, essa pequena parcela racista e anti-nacional, de uma gente cuja única pátria reconhecida é a do capital, principia o processo de desestabilização. Sob o manto do racismo estão, mais que tudo, buscando preservar os recursos da natureza boliviana para as multinacionais, únicos chefes a quem prestam obediência. Não é por mais nada que provocam a cizânia em Santa Cruz e trabalham com a idéia de separação. Muito mais do que garantir esse estatuto, querem envolver as gentes numa guerra que paralise o país. Esse é o plano.
Há quase três séculos um aymara chamado Julián Apaza, conhecido mais tarde como Tupac Katari, conduziu as gentes originárias numa luta de libertação. Tal e qual Tupac Amaru, no Peru, ele não excluiu os brancos dos seus exércitos. Era uma luta para extirpar o jugo espanhol e todos os que queriam liberdade foram convocados. A generosidade aymara incluía os filhos dos invasores, certa de que era possível viver em paz, na liberdade. Mas, naqueles dias, os criollos traíram a causa do povo autóctone e ficaram do lado do poder colonial. Não é à toa que, hoje, toda essa histórica carga de promessas não cumpridas volta à tona, sempre fomentada pelo poder colonial, hoje representado pelos Estados Unidos.
De novo, como previu Tupac Katari, as gentes bolivianas se levantam e, de novo, há os que preferem se aliar com as forças estrangeiras. Essa é a queda de braço que se dá na Bolívia do século XXI. De um lado, os capachos do capital, com seus interesses mesquinhos e do outro, as gentes – originárias ou não – bolivianas que querem o controle das suas riquezas. Santa Cruz é o foco da nova guerra fomentada pelo império, cujo objetivo maior é dividir. Dividir para melhor dominar. Cabe ao povo da Bolívia não cair na armadilha do fundamentalismo, nem branco, nem originário. Mas, a luta pelo direito de compartilhar o poder, precisa ser travada. A Bolívia é de todos os que ali decidiram viver.