Há 2.500 anos, quando os antepassados de George Bush habitavam as florestas da Europa, vestindo peles de animais e comendo carne crua, o Irã (o império dos persas) era a mais poderosa nação do mundo. Conquistado pelos árabes no século 7, o Irã adotou a religião deles e integrou-se no império islâmico como uma parte importante, distinguindo-se nas ciências, literatura, filosofia e arquitetura, daquela que foi a principal civilização da Idade Média. A dinastia Safavida, que reinou no Irã depois que ele se separou do império muçulmano, foi outro momento de glória do país. Estes fatos criaram uma identidade nacional e tornaram o povo iraniano orgulhoso de seu país. Mas, a partir do século 19, líderes corruptos permitiram que durante muitos anos a Rússia e a Inglaterra dominassem o Irã e explorassem sua economia. O povo iraniano sempre se rebelou contra as concessões feitas a essas potências e, em 1906, uma revolução constitucional tornou o Irã uma monarquia parlamentarista. Mas os russos e os ingleses não se tocaram. Em 1907 assinaram um tratado que dava à Inglaterra o controle do sul e à Rússia, do norte. Nessa época, descobriu-se que o Irã tinha muito petróleo e uma empresa inglesa, a Anglo-Iranian Oil Company, assenhorou-se de sua exploração. Em 1919,os ingleses impuseram o Acordo Anglo-Iraniano que dava a eles o controle do exército, do tesouro, dos transportes e das comunicações do país. Novamente o povo iraniano revoltou-se e dois anos depois foi revogado o Acordo. Assumiu o poder Reza Shá que procurou modernizar o Irã. Suas boas relações com a Alemanha foram pretexto para os russos e ingleses invadirem o país, em 1941, e forçarem Reza Shá a abdicar em favor de seu sobrinho, Reza Palevi. Depois da guerra, o nacionalismo empolgou os iranianos. Em 1951, seu parlamento elegeu o primeiro-ministro Mohamed Mossadegh, com a proposta de nacionalizar a indústria petrolífera. Ele declarou ser inaceitável que o Irã fosse um dos povos mais miseráveis do mundo enquanto a Anglo-Iranian ganhava fortunas, explorando as imensas reservas de petróleo do país. Os ingleses reagiram, aliados aos americanos. E a CIA promoveu a "Operação Ájax", um golpe de Estado contra Mossadegh, tendo o xá Reza Pahlevi assumido poderes ditatoriais. Sem demora, ele devolveu o petróleo às companhias estrangeiras. Reprimiu violentamente a oposição, com sua polícia secreta, a Savak, matando e torturando. Os adversários do regime só podiam reunir-se nas mesquitas, o que deu força política aos clérigos. Nos anos subseqüentes, os Estados Unidos apoiaram o xá, enviando imensos carregamentos de armas e equipamentos militares. Com isso, o anti-americanismo, nascido na crise que destruiu Mossadegh e a democracia iraniana, radicalizou-se. Em 1979, o descontentamento contra o governo do xá provocou uma insurreição popular que levou ao poder o aiatolá Komeini e os fundamentalistas xiitas. 30 dias depois de sua posse, houve o episódio em que estudantes seqüestraram 465 pessoas na embaixada dos Estados Unidos. Komeini não apoiou, mas também não fez nada e o governo americano rompeu relações com Teerã. Em 1980, o governo Ronald Reagan ajudou Sadam Hossein quando ele atacou o Irã, fornecendo helicópteros e informações de satélites para localizar os pontos a serem bombardeados. Nessa guerra, morreu 1 milhão de iranianos. Para o povo: com a cumplicidade dos Estados Unidos. Estas intervenções americanas condensaram-se numa herança de ódio que tornou o Irã hostil aos Estados Unidos. Eleito em 1998, o moderado presidente Khatami defendeu a liberdade de expressão, os direitos humanos e uma política econômica que atraísse capitais estrangeiro. Tentou melhorar as relações com os Estados Unidos, mas desistiu quando Bush colocou o Irã no "eixo do mal". Diante da fúria nacional, as eleições seguintes foram ganhas pelo ultra-conservador Ahmadinejad. Parece estranho que os Estados Unidos tenham sido responsáveis ou co-responsáveis pela queda de um regime democrático (Mossadegh) e de um governo reformista (Khatami). Mas tem lógica, considerando-se os objetivos estratégicos de sua política externa. Como império, eles não podem admitir governos que não aceitem sua hegemonia (Eisenhower: "Quem não está conosco está contra nós"). Sobretudo no caso do Irã que ocupa uma posição geográfica favorável para controlar o fluxo do petróleo dos produtores da península arábica, podendo cortar os fornecimentos necessários à economia americana. Além disso, as reservas do Irã, na OPEP só suplantadas pelas da Arábia Saudita, são extremamente apetitosas para as petrolíferas americanas. Ora, tanto Mossadegh quanto Khatami defendiam uma política externa independente e a exploração do petróleo pelos iranianos. Eram inaceitáveis, portanto. Ahmadinejad também é. A Casa Branca tem um plano para derrubá-lo: agravar cada vez mais as sanções contra o Irã até levar sua economia a um ponto próximo do colapso, o que forçaria o governo iraniano a interromper a produção de urânio puro. Derrotado e com o país afundado em problemas econômicos profundos, o regime dos aiatolás perderia apoio popular e poderia ser derrubado. Caso o Irã não cedesse, restaria sempre a opção militar. Há evidências de que o Irã não pretenda produzir bombas nucleares. O próprio serviço secreto americano já admitiu que isso atualmente não acontece. E o governo iraniano atendeu a quase todas as solicitações feitas pela agência atômica da ONU. De outro lado, ele se recusa a admitir certas inspeções. Tem justificativas aceitáveis: teme que os inspetores informem aos Estados Unidos segredos militares. Há precedentes históricos para o Irã desconfiar do Ocidente. Mas se o Irã não pretende ter bombas atômicas por que não aceita importar urânio puro, em vez de produzi-lo? Aí entra uma questão de orgulho nacional. O Irã é um grande país, com 72 milhões de habitantes e uma indústria em fase de expansão, além de sua liderança na área do petróleo. Tem uma rica herança cultural e um passado glorioso. Seu povo não aceita que os Estados Unidos e Israel desenvolvam programas nucleares enquanto isso lhes seja proibido. Washington alega que, tendo Ahmenadabad declarado que Israel seria varrido do mapa, não seria surpresa se ele usasse bombas atômicas para isso. Na verdade, o presidente do Irã esclareceu que não pretende fazer nada contra o povo de Israel. Somente acha que seu regime racista acabará desaparecendo, sendo substituído por uma sociedade, sem distinções de religião ou raça. E, convenhamos, os iranianos nunca seriam tão loucos de atacar um país que já tem 200 bombas, mais o apoio dos Estados Unidos e seu arsenal nuclear. Como os iranianos não devem mesmo pedir água, restaria a opção militar. A crise econômica que assola o mundo a inviabilizou, por agora. Bombardeado, o Irã fecharia o estreito de Ormuz, bloqueando a passagem do petróleo das nações da Arábia e levando seu preço às alturas. Quando o furacão passar, talvez o novo presidente americano terá condições para encarar uma guerra. Pelas palavras dos candidatos, estão dispostos. "Bomb, bomb, bomb", é a palavra de ordem de McCain. Já Obama fala em mais pressões diplomáticas, "sem tirar da mesa" a opção militar. Como ele deve vencer, resta esperar que suas ameaças não passem de demagogia para ganhar os votos de um público que a mídia convenceu a temer o Irã. Luiz Eça é jornalista. |