sábado, 12 de setembro de 2009

Afeganistão: uma bomba na eleição alemã

Por Flavio Aguiar

Na sexta-feira, 4 de setembro, o comandante das tropas alemãs no Afeganistão, na região de Kunduz, pediu, autorizou ou ordenou o bombardeio aéreo, pelas forças da Otan, de dois caminhões-tanque, carregados com combustível, que estavam atolados num banco de areia do rio que tem o mesmo nome.

Aviões norte-americanos, que já estavam sobrevoando o local, e que providenciaram imagens telvisionadas para orientar o reconhecimento por parte do pessoal em terra, bombardearam o alvo. O resultado trágico provocou, em primeiro lugar, uma crise internacional sobre o que, de fato, aconteceu.

Para o comandante alemão, general George Klein, tratava-se de dois caminhões sequestrados pelos Talibãs, cercados por militantes que retiravam o combustível com sifões. Para organizações não-governamentais, tratava-se dos mesmos caminhões, mas cercados por civis atraídos pela perspectiva de obter combustível de graça.

As estimativas de mortos variam entre 56 e 150, conforme a organização que divulga os dados. Uma coisa é certa, até o momento: houve mortes de civis, em número ainda não identificado, cuja variação vai de 24 a 120. O caso jogou uma outra bomba, dessa vez na anunciada política do general norte-americano Stanley McChristal, comandante-geral das tropas da Otan no Afeganistão, para evitar mortes de civis. E provocou também um jogo de empurra-empurra entre alemães e norte-americanos sobre quem, de fato, teria responsabilidade pelo episódio.

Um esclarecimento: Kunduz é uma província bem ao norte do Afeganistão, perto da fronteira com duas repúblicas ex-soviéticas, o Uzbequistão e o Tadjiquistão, e próxima também da Índia e da China. Até três anos atrás era considerada uma região menos belicosa, mas de lá para cá as coisas mudaram, e ataques contra a presença dos alemães da Otan tem se avolumado.

A outra bomba que o episódio lançou estourou na Alemanha, onde se realizam eleições gerais para o Parlamento (e consequentemente o governo) em 27 de setembro próximo. Até agora a campanha vinha se processando, apesar da crise econômica e seus efeitos problemáticos na Alemanha, num clima de mornidão. Os casos mais espetaculares da campanha tinham sido levantados pelos uso de imagens consideradas provocantes sexualmente em cartazes de diferentes partidos: uma foto de uma candidata da União Democrata Cristã (CDU) na companhia da chanceler Ângela Merkel, ambas com decotes generosos, dizendo: "nós temos mais a oferecer", e um outro, do Partido Verde, sobre tolerância cultural, racial e sexual, em que duas mulheres, uma branca e outra negra, agarram os respectivos traseiros numa clara sugestão erótica.

Entretanto a tragédia do episódio afegão fez ferver o ambiente eleitoral. Até o momento o que se esperava era um desempenho seguro da CDU, mais fraco dos social-democratas (SPD), um pouco mais forte por parte do Partido Verde e da direita, o Partido Democrata Livre (FDP), ligado ao empresariado. Além disso, previa-se um desempenho medianamente fraco do novo partido A Esquerda (Die Linke), embora este tenha sido reforçado por bom desempenho em algumas eleições regionais no passado recente.

Ocorre que até o momento apenas a Linke declarou sua oposição aberta à presença de tropas alemãs no Afeganistão – uma presença, diga-se de passagem, que não é nada popular, por trazer à lembrança antigas ocupações militares por parte da Alemanha e por estar provocando mortes entre os enviados (já são 38). O incidente trágico no Afeganistão pode – e já está provocando – catapultar a popularidade da Linke, o que deixa os demais partidos de cabelos em pé, inclusive o Partido Verde, que, embora tradicionalmente pacifista, apoiou a participação do exército alemão no devastado Afeganistão.

Tudo isso lembra, e muito bem, que quem semeia bombas pode muito bem colher tempestades, e trouxe à tona a velha bandeira da paz que, no caso alemão e em muitos países da Europa, sempre foi tradicionalmente de esquerda desde pelo menos a Primeira Guerra Mundial. Os Verdes tinham sido reforçados por uma grande manifestação em Berlim (50 mil pessoas) no sábado, 6 de setembro, contra o uso da energia atômica na produção de eletricidade. Agora, porém, estão sendo diretamente questionados por sua posição dúbia, para dizer o mínimo, no Afeganistão. A imprensa alemã divulgou fotos da ocorrido, o que contribuiu para aumentar o impopularidade de uma ocupação cada vez mais difícil de defender.

DIONISIA DÍAZ, A AVÓ DA RESISTENCIA E DA DEMOCRACIA DE HONDURAS

“Derecha, izquierda; golpistas a la mierda”, exclama com um alto-falante uma mulher de 75 anos, vestida de azul, que marcha com os partidários do deposto presidente Manuel Zelaya: é Dionisia Díaz, veterana das lutas operárias em Honduras.

“Estive na greve de 54 e agora contra estes malditos golpistas que roubaram, seqüestraram a democracia”, disse a mulher à AFP, colocando o alto-falante embaixo do braço, antes que inicie a mobilização.

Nas marchas da Frente de Resistência contra o Golpe de Estado de 28 de junho de Honduras se vê com freqüência a mesma gente: não só os dirigentes, mas também entre a grande massa que está a meses nas ruas da capital. Uma que não falta é Dionisia Díaz.

“Na greve de 54 perdi meu esposo. Para fugir da repressão, a gente se refugiava nas montanhas e ele se foi à montanha e nunca mais regressou”, relata a mulher que nessa época tinha 20 anos.

A greve de 1954 é reconhecida como a maior proeza da luta popular em Honduras. Foi um movimento ocorrido na costa norte do país contra as transnacionais bananeiras que colocavam e tiravam presidentes e que acabou como uma das maiores conquistas dos trabalhadores.

“Não vamos parar esta luta até que este golpista Roberto Micheletti deixe a presidência ao verdadeiro presidente que elegemos nós os hondurenhos, que é Jo-sé Ma-nuel-Ze-la-ya-Ro-sa-les”, disse com ênfase em cada sílaba.

“Conheço bem a Micheletti. É de origem italiana. Era motorista de ônibus, depois teve uma empresa de ônibus e agora é um grande empresário, que fez o pior: participar em um golpe de Estado”, se queixa a mulher, natural da mesma cidade do presidente de fato.

“Desde 28 (de junho) andamos aqui e não vamos parar, não vamos parar”, sentencia a mulher, que ganha a vida com a venda de sapatos e roupa como comerciante informal.

E 55 anos depois, esta mulher originaria de El Progreso, departamento de Yoro, uma cidade rodeada ainda pelas plantações de bananeiras e situada a 240 km ao norte de Tegucigalpa, levanta novamente a bandeira da luta dos trabalhadores.

Todos os dias, Díaz, que tem 5 filhos, 18 netos e 7 bisnetos, é das primeiras a chegar à Universidade Pedagógica Nacional, a leste de Tegucigalpa, onde começa a motivar com seu alto-falante aos outros manifestantes para a mobilização.

Traduzido por Rosalvo Maciel

Original em Habla Honduras

Alimentação saudável...



Sistemas agroecológicos: Transgênicos não são solução para a agricultura




AFSSA *Adital -

Segundo estudo francês, orgânicos são mais nutritivos.

Um novo relatório da Agência Francesa para a Segurança dos Alimentos (AFSSA) concluiu que alimentos orgânicos são melhores para a saúde e contêm menos pesticidas e nitratos, que têm sido ligados a uma série de problemas de saúde incluindo diabetes e mal de Alzheimer.

Andre Leu, Presidente da Federação Orgânica da Austrália, disse que a avaliação crítica, exaustiva e atualizada sobre a qualidade nutricional dos alimentos orgânicos indica que eles têm taxas mais elevadas de minerais e antioxidantes.

"O estudo da AFSSA foi publicado na revista científica Agronomy for Sustainable Development, uma publicação reconhecida cujos conteúdos são revisados por pares, o que assegura que ele apresenta padrões científicos rigorosos", disse Leu.

Os principais apontamentos do estudo da AFSSA são os seguintes:

1. Produtos de plantas orgânicas contêm mais matéria seca (maior densidade nutricional)

2. Têm níveis mais altos de minerais;

3. Contêm mais antioxidantes como os fenóis e o ácido salicílico (conhecido por proteger contra cânceres, doenças do coração e muitos outros problemas de saúde);

4. Há poucos resultados documentados sobre níveis de carboidratos, proteínas e vitaminas;

5. 94-100% dos alimentos orgânicos não contêm nenhum resíduo de agrotóxicos;
6. Vegetais orgânicos contêm muito menos nitratos, cerca de 50% menos (altos teores de nitrato estão ligados a uma série de problemas de saúde incluindo diabetes e mal de Alzheimer)

7. Cereais orgânicos contêm níveis similares de micotoxinas em relação aos convencionais.

Em 2001, a AFSSA estabeleceu um grupo de especialistas para desenvolver uma avaliação crítica e exaustiva da qualidade nutricional e sanitária dos alimentos orgânicos.

A AFSAA diz que seu objetivo foi alcançar os mais altos padrões de qualidade científica em sua avaliação. Os artigos científicos selecionados para análise se referem a práticas agrícolas bem definidas e certificadas, e apresentaram as informações necessárias sobre desenho da metodologia, parâmetros de medidas válidos e amostragens e análises estatísticas válidas.

Depois de mais de dois anos de trabalho envolvendo cerca de 50 especialistas de todas as áreas específicas incluindo a agricultura orgânica, o consenso final do relatório foi publicado em língua francesa em 2003.

O relatório publicado na revista científica, em inglês, é na verdade um resumo deste estudo, e outras partes relevantes têm sido publicadas desde 2003.

As conclusões deste estudo são diferentes das que foram recentemente apresentadas pela Agência de Qualidade de Alimentos do Reino Unido, que foi amplamente criticado por especialistas internacionais pelo uso de metodologia falha e conclusões que contradizem seus próprios dados (ver Boletim 452 - 1. Pesquisadores concluem que orgânicos não trazem benefícios à saúde. Será mesmo?).

O relatório completo da AFSSA pode ser encontrado em:
http://swroc.cfans.umn.edu/organic/ASD_Lairon_2009.pdf

[Publicado Food Magazine, 03/09/2009. Reproduzido no Boletim da AS-PTA]


* Agência Francesa para a Segurança dos Alimentos

Morte de um revolucionário cubano...

Morre histórico comandante da revolução de Cuba‎

Juan Almeida Bosque, um dos poucos que ostentavam o título de "Comandante da Revolução Cubana" e que mostrou lealdade ferrenha a Fidel Castro no calor do campo de batalha, morreu nesta sexta-feira (dia 11), após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e vice-presidente da ilha, ele tinha 82 anos. O Conselho de Estado decretou luto nacional, ordenando que todas as bandeiras fossem hasteadas a meio mastro.

 Juan Almeida

Vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba, Juan Almeida Bosque chegou a ser considerado o terceiro homem da ilha.

"O nome do comandante da Revolução Juan Almeida Bosque permanecerá para sempre no coração e na mente de nossos compatriotas, como paradigma de firmeza revolucionária, convicções sólidas, valentia, patriotismo e compromisso com nosso povo", expressou um comunicado oficial. O comandante foi ainda um colaborador próximo e amigo pessoal de Fidel e Raúl Castro, este último atual presidente após substituir seu irmão enfermo.

"É com profunda dor que a direção do Partido e do Estado informa ao nosso povo que o comandante da revolução Juan Almeida Bosque, membro do Escritório Político e vice-presidente do Conselho de Estado, faleceu nesta capital, às 11h30 (horário local) da noite desta sexta-feira, como consequência de uma parada cardiorrespiratória", informou uma nota oficial.

O comunicado observou que não haveria cerimônia pública de velório, atendendo ao desejo do dirigente. Autoridades cubanas estavam organizando uma cerimônia para este domingo no monumento do herói cubano José Martí, na Praça da Revolução, em Havana, assim como em outros locais, como na Ilha da Juventude, onde Almeida ficou preso com os irmãos Castro, após participarem do assalto ao quartel Moncada, em 1953.

Almeida integrou-se à luta contra o regime ditatorial de Fulgêncio Batista, em março de 1952, quando era um estudante de Direito na Universidade de Havana, onde conheceu Fidel Castro, então um advogado formado e aspirante a promotor.

Almeida esteve ao lado de Castro em 26 de julho de 1953, quando o futuro presidente cubano liderou um ataque ao quartel de Moncada, uma força militar de Batista na cidade de Santiago de Cuba. A investida foi um fracasso e Almeida, assim como os irmãos Castro, foram presos e levados para a Isla de los Pinos, renomeada, posteriormente, de Isla de la Juventud (Ilha da Juventude). Mas aquele fracasso foi o primeiro passo importante rumo à Revolução Cubana, cinco anos e meio depois daquela data.

Almeida e os outros sobreviventes do ataque ao quartel foram libertados em maio de 1955, favorecidos por uma anistia dada a outros jovens revolucionários. Após a libertação, ele acompanhou os irmãos Castro no exílio no México, onde formaram uma guerrilha armada. Eles retornaram a Cuba em dezembro de 1956 no iate americano "Granma", que transportava um total de 82 combatentes, e lançaram batalhas da ilha de Sierra Maestra. Almeida, os irmãos Castro e Ernesto "Che Guevara" estiveram entre os 16 sobreviventes dos confrontos na ilha, nos quais vários rebeldes morreram nos confrontos com as tropas governamentais.

Após Batista fugir de Havana no Ano Novo de 1959, Almeida ocupou diversos postos militares, desde chefe das unidades motorizadas até chefe da Força Aérea do Exército Revolucionário. Mais tarde, ele foi nomeado vice-ministro e chefe do staff das Forças Armadas Revolucionárias.

Almeida era integrante do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba desde a sua criação em outubro de 1965. Tinha como tarefa receber novos embaixadores estrangeiros e dar as boas vindas a dirigentes estrangeiros visitantes. Ele desligou-se das atividades públicas em dezembro de 2003, após anunciar que sofria de problemas cardíacas. Almeida também compôs diversas músicas cubanas tradicionais e escreveu sobre seus anos na prisão e nas montanhas.

No sitio www.vermelho.org.br

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Couro, Cordas & Cantos [1983]



Intérprete: Couro, Cordas & Cantos
Álbum: Couro, Cordas & Cantos
Ano: 1983
Selo/Gravadora: Independente
Nº de catálogo: S/N
Créditos: VinilVelho-Vinicius


01. Amor Menina
02. Quando Nós
03. Blue-Bye
04. Beijo Instrumental
05. Despeito
06. Esperança
07. Verdade
08. Contas Do Adeus
09. Canto Brasileiro
10. Chorinho Encabulado que Ficou

OUVIR

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A jovem pirata sueca


"Creio que o Partido Pirata terá um papel importante ao dar forma ao futuro digital, tanto online como offline. A sociedade digital é algo que estará impregnado na estrutura da nossa vida cotidiana, e até agora o único partido que se deu conta disso, na Suécia ou em qualquer outro lugar, foi o Partido Pirata."

Por Thalita Pires, de Londres, pra revista Fórum

Reforma das leis de copyright, o fim do sistema de patentes e a garantia à privacidade online e offline a todos os cidadãos. Com essa plataforma e objetivos bem definidos, o Partido Pirata sueco cresceu vertiginosamente, especialmente entre pessoas com menos de 30 anos, e tornou-se o terceiro partido político da Suécia, com mais de 50 mil membros. Nas eleições do ano passado, os piratas ficaram muito próximos de chegar ao parlamento. Mas foi nas eleições europeias que eles conseguiram as primeiras vitórias.

Hoje, a coordenadora internacional do partido e estudante de economia Amelia Andersdotter, 21 anos, está próxima de ser a segunda representante da agremiação no Parlamento Europeu. A confirmação de sua vaga depende do plebiscito irlandês programado para outubro, que decidirá se o país aceita os termos do Tratado de Lisboa. Essa brecha jurídica é no mínimo curiosa. Os países membros da União Europeia mudaram, com o Tratado de Lisboa, as regras que definem o número de representantes de cada país no Parlamento continental. O único país que ainda não ratificou o Tratado é a Irlanda. O problema é que não houve medidas transitórias entre uma regra e outra, e até agora os 16 deputados que estariam eleitos pela nova regra esperam em seus gabinetes. Foram apelidados de “deputados fantasmas”.

Amelia, uma das fantasmas do Parlamento, não se importa com a indefinição. “É de certa forma divertido que seja possível a existência de ‘deputados fantasmas’”, brinca. Ela continua se dividindo entre a universidade e a militância política. Na entrevista abaixo, ela explica melhor as pretensões de seu partido.

Fórum - O Partido Pirata nasceu com o intuito de preencher um vazio nos programas de partidos tradicionais no que diz respeito a questões levantadas pela internet. De que maneira essas forças políticas falharam em temas como copyright, troca de arquivos, privacidade online e outros?
Amelia Andersdotter - Os outros partidos se dividiram na resposta às mudanças legislativas da sociedade e da economia digitais. Eles têm algumas opiniões favoráveis a mudanças, mas a parte deles que realmente governa sempre acaba defendendo visões conservadoras em relação aos direitos digitais e à propriedade intelectual.
Nosso partido está unido em busca de uma visão benéfica e adequada ao futuro em relação à sociedade digital, à economia digital e às leis que serão ou não necessárias. Portanto, o que queremos fazer, basicamente, é reformar drasticamente a propriedade de direitos intelectuais e garantir acesso pleno à internet e serviços online relacionados, assim como exigir um tratamento balanceado às informações dos cidadãos, que devem ter a privacidade garantida.

Fórum - O Partido também tem no programa o fim das patentes, especialmente na indústria farmacêutica. Qual é a alternativa sugerid0a ao modelo atual de pesquisa?
Amelia - É bastante claro que o sistema de patentes não funcionou como um sistema de incitamento. Essa é uma idéia sustentada largamente por pesquisas independentes. Em vez de encorajar a inovação, o atual sistema estimula os inovadores a contornar as patentes. Isso acontece em todas as indústrias, mas é especialmente prejudicial à sociedade no caso da indústria farmacêutica. Enquanto temos 15 medicamentos ligeiramente diferentes para a síndrome das pernas inquietas (cada uma com apenas uma molécula diferente da substância original), ainda há falta de drogas para, por exemplo, a malária.
Nós defendemos um sistema alternativo de financiamento. Talvez um fundo para dar prêmios, no qual o inventor ganha uma quantia fixa pela invenção. Cada fundo teria um critério específico (“fabrique um remédio contra a malária e ganhe US$ 10 mil”, por exemplo). Esse tipo de premiação era bastante popular na era pré-patentes, e poderia funcionar outra vez. Há variações nesse modelo de prêmios. O cientista poderia receber uma quantia fixa por algum tempo depois de ter realizado a sua descoberta. Qualquer pessoa que desenvolva essa descoberta no futuro (mudando algo da fórmula, por exemplo) teria que pagar uma pequena quantia em royalties para o primeiro cientista, para mostrar respeito ao seu trabalho. Mas deveria, também, ganhar uma quantia, pois fez com que a descoberta anterior evoluísse.

Fórum - As novas redes podem também criar novos modelos econômicos?
Amelia - Certamente, embora ainda não seja possível saber de que modo. Na internet tudo é possível. Já vimos diversas inovações nas atividades online, e isso continuará ocorrendo.

Fórum – Outro problema enfrentado nessa área é o receio de os artistas terem piores condições de trabalho e serem menos remunerados num ambiente disperso como a internet. Como você vê esse debate?
Amelia - Talvez possamos esperar um fortalecimento da cena local (performances ao vivo ou em lugares próximos do próprio artista), mas ao mesmo tempo uma base de fãs global, já que a tecnologia possibilita a difusão do trabalho criativo ao redor do mundo. Isso pode levar ao desenvolvimento de divisões mais especializadas da indústria do entretenimento, para atender a necessidades que serão muito mais pessoais do que geográficas. Em relação à remuneração, uma alternativa é aumentar o número de apresentações ao vivo, em que, além dos ingressos, o artista possa vender seu material.

Fórum - A internet de fato propicia uma liberdade de comunicação antes impensável. Mas, hoje, são poucas as empresas que controlam a rede física da internet. Isso não é um risco à liberdade de informação? Como essa concentração pode ser resolvida?
Amelia - Estranhamente, isso não é um problema na Suécia. Temos um mercado muito competitivo aqui, onde muitas empresas têm redes. E essas empresas não são as mesmas que proveem o acesso à internet. Além disso, nossa legislação responsabiliza claramente as empresas em caso de falhas na rede. Acredito na eficácia de uma lei que garanta a competição para balancear a propriedade desigual da rede e dos servidores, e talvez ainda uma regulação que deixe claro quais são as responsabilidades e deveres dos proprietários da infraestrutura e dos servidores.

Fórum - Vocês já alcançaram alguma mudança na legislação da Suécia? E com outros países, como é a interação com grupos políticos semelhantes?
Amelia - Nós já incomodamos em grandes debates, mas até agora o único avanço foi tornar menos invasiva uma proposta em relação à vigilância de dados. Penso que temos ótimas relações com muitos atores diferentes, em vários países. Existe uma rede internacional de partidos piratas, bem como conexões com grupos ativistas autônomos, com quem fizemos algumas campanhas.

Fórum - A rede, apesar de suas várias possibilidades, tem também os seus gigantes, especialmente o Google, que parece estar presente em cada uma das atividades online. Isso pode ser danoso ao espírito da internet?
Amelia - Sim e não. O Google oferece uma série de bons serviços, e isso é bom por definição. Ao mesmo tempo, a internet se orgulha de ser muito descentralizada. Mas assim como vemos a Microsoft ser lentamente substituída pelo Ubuntu Linux, veremos o Google ser superado pelo mercado.

Fórum - Você acredita que ainda haverá espaço para grandes empresas de entretenimento num futuro sem copyright?
Amelia - É uma pergunta difícil para mim. Mas acredito que pode haver espaço para essas empresas se elas desenvolverem modelos de negócios online. De outra forma, não.

Fórum - O presidente francês Nicolas Sarkozy tentou aprovar a proibição do peer to peer. No Brasil, há uma proposta de lei que exige que os provedores guardem informações sobre todos os usuários, para futuras investigações. Como você encara a tentativa de alguns países de criminalizar a troca de arquivos e de instalar uma vigilância online?

Amelia - No limite, isso é contraproducente. Isso prejudica tanto os servidores como os cidadãos e desestimula a cooperação com a lei. Seria melhor que o Estado, na luta contra o crime, focasse nos indivíduos que são de fato suspeitos do que ter carta branca para vigiar toda a população. E quando os dois lados – cidadãos e empresas – são afetados, pode se instalar um clima de não-cooperação que certamente prejudicaria investigações.

Fórum - Apesar de a luta contra o copyright ser difícil, o futuro aponta para um mundo com menos controle sobre bens culturais. Se e quando isso acontecer, qual será o papel do Partido Pirata? Vocês têm uma agenda alternativa?
Amelia - Creio que o Partido Pirata terá um papel importante ao dar forma ao futuro digital, tanto online como offline. A sociedade digital é algo que estará impregnado na estrutura da nossa vida cotidiana, e até agora o único partido que se deu conta disso, na Suécia ou em qualquer outro lugar, foi o Partido Pirata.

Fórum – Como classificar seu partido dentro da divisão ideológica direita e esquerda?

Amelia - Nós nos movemos em uma área nova, ainda cinzenta. A divisão entre direita e esquerda é remanescente dos antigos conflitos da época da industrialização. O Partido Pirata age no espaço que concerne à digitalização. É um campo completamente diferente, que vai requerer novas escalas.

Fórum - Alcançar o Parlamento Europeu significa que o Partido Pirata é reconhecido como uma força real na Suécia. Você esperava que isso acontecesse tão rápido?
Amelia - Para ser honesta, talvez não. Até há pouquíssimo tempo (abril deste ano) nós não parecíamos ter muito sucesso, mas então vieram as eleições e chegamos ao Parlamento. Foi uma surpresa muito agradável.

Fórum - Como você encara a falha jurídica que colocou você e outros candidatos na posição de parlamentares fantasmas?
Amelia - É de certa forma divertido o fato de que é possível que haja parlamentares fantasmas. Sinto-me estranha nessa situação, mas ao mesmo tempo é fácil. Continuo estudando nesse semestre, a vida continua a mesma. Então me parece que minhas atividades políticas e pessoais continuarão praticamente do jeito que eram antes.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto. Nas bancas.

Thalita Pires, de Londres


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Um pouco de nossa historia....

1822: a Independência escravizada





Escrito por Mário Maestri

Em janeiro de 1821, no Rio Grande do Sul, Auguste de Saint-Hilaire anotava em seu diário que o Brasil perigava ser "perdido pela casa de Bragança" e que "suas províncias" podiam explodir em nações independentes, "como as colônias espanholas", considerando-se a tamanha diferença entre elas. Escrevia enfaticamente o arguto naturalista: "Sem falar do Pará e de Pernambuco, a capitania de Minas e do Rio Grande, já menos distanciadas, diferem mais entre si que a França da Inglaterra".

Desde sua origem, a América portuguesa foi mosaico de regiões semi-autônomas, de frente para a Europa e África, de costas umas para as outras. As diversas colônias exportavam seus produtos e importavam os manufaturados e cativos que consumiam pelos portos da costa. Eram muito frágeis os contatos entre as capitanias e, mais tarde, as províncias, inexistindo o que hoje definimos como mercado nacional.

Nas diversas regiões, os grandes proprietários controlavam o poder local e viviam em associação subordinada às classes dominantes portuguesas metropolitanas. Os proprietários luso-brasileiros sentiam-se membros do império lusitano, possuíam laços de identidade regional e desconheciam sentimentos ‘nacionais’, impensáveis devido à inexistência de entidade nacional .

Quando do projeto recolonizador da Revolução do Porto, em 1820, as classes dominantes provinciais mobilizaram-se por independência restrita aos limites das regiões que controlavam. O Brasil seguia sendo entidade sobretudo administrativa, sem laços econômicos e sociais objetivos e subjetivos. A construção do Estado-nação brasileiro esboçou-se no II Império e foi sobretudo produto do ciclo nacional-industrialista dos anos 1930.

Nas províncias atuavam as mesmas forças centrífugas que explodiram a América espanhola em constelação de repúblicas independentes, mesmo tendo, ao menos as classes exploradoras, o espanhol como a mesma língua; o catolicismo como a mesma religião; a Espanha como a mesma metrópole. Porém, todas as províncias do Brasil emergiram da Independência coeridas por monarquia centralizadora e autoritária.

Quando da crise de 1820, as classes dominantes provinciais desejavam pôr fim ao governo absolutista lusitano, nacionalizar o comércio português, resistir às pressões abolicionistas do tráfico inglesas e imperar plenamente sobre suas províncias. No relativo à ordem política, dividiam-se em monarquistas e republicanos; quanto à conformação nacional, eram federalistas ou separatistas.

No Norte, Nordeste, Centro-Sul e Sul, eram fortíssimas as tendências republicanas e independentistas. Como assinalado, tudo levava a crer que o Reino do Brasil explodiria em repúblicas, como as possessões espanholas, que sequer mantiveram os laços dos antigos vice-reinados – Nova Espanha; Nova Granada; Peru; Prata.

Um grande problema angustiava os grandes proprietários de todo o Brasil. Realizar a independência e não comprometer a escravidão, base da produção e da sociedade de todas as províncias. Fortes choques militares entre as classes proprietárias provinciais e as tropas metropolitanas, na luta pela independência, e entre as primeiras, na luta pelas novas fronteiras, colocariam em perigo a submissão dos cativos e a manutenção do tráfico.

As classes proprietárias do Brasil sabiam que a guerra levaria ao alistamento e à fuga de cativos, como ocorrera durante a guerra anti-holandesa, em 1630-1654, e em diversas outras ocasiões. Tinham em mente o exemplo aterrorizador da grande sublevação dos cativos, vitoriosa no Haiti, em 1804. Os Estados luso-brasileiros que abolissem a escravidão, por não dependerem da instituição, acolheriam cativos fujões. As pequenas nações negreiras vergariam-se ao abolicionismo britânico do tráfico.

O comerciante inglês John Armitage, que chegou ao Brasil com 21 anos em 1828, registrou em sua perspicaz História do Brasil os temores das classes proprietáriaslocais: "Quaisquer tentativas prematuras para o estabelecimento da república teriam sido seguidas de uma guerra sanguinolenta e duradoura, na qual a parte escrava da população teria pegado em armas, e a desordem e a destruição teriam assolado a mais bela porção da América Meridional."

O Estado monárquico, autoritário e centralizador brasileiro foi partejado e embalado pelos interesses negreiros. A Independência deu-se sob a batuta conservadora dos grandes escravistas. Os ideários republicano, separatista e federalista provinciais foram reprimidos.

A independência do Brasil foi a mais conservadora das Américas. Os proprietários brasileiros romperam com o Estado e o absolutismo português e entronizavam o autoritário herdeiro do reino lusitano. Cortavam as amarras com a ex-metrópole e transigiram com os seus interesses mercantis e de sua casa real. Mantiveram-se unidos para garantir, por mais seis décadas, a exploração escravista.

Mário Maestri é historiador, professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.

E-mail: maestr@via-rs.net

Pela imediata privatização da revista Veja


No blog do miro, por ele mesmo

Numa conversa descontraída no aeroporto de Brasília, o irreverente Sérgio Amadeu, professor da Faculdade Cásper Libero e uma das maiores autoridades brasileiras em internet, deu uma idéia brilhante. Propôs o início imediato de uma campanha nacional pela privatização da Veja. Afinal, a poderosa Editora Abril, que publica a revista semanal preferida das elites colonizadas, sempre pregou a redução do papel do Estado, mas vive surrupiando os cofres públicos. “Se não fossem os subsídios e a publicidade oficial, as revistas da Abril iriam à falência”, prognosticou Serginho.

As “generosidades” do governo Lula

Pesquisas recentes confirmam a sua tese. Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo, descobriu no Portal da Transparência que “nos últimos cinco anos, o Ministério da Educação repassou ao grupo Abril a quantia de R$ 719.630.139,55 para compra de livros didáticos. Foi o maior repasse de recursos públicos destinados a livros didáticos dentre todos os grupos editoriais do país... Nenhum outro recebeu, nesse período, tanto dinheiro do MEC. Desde 2004, o grupo da Veja ficou com mais de um quinto dos recursos (22,45%) do MEC para compra de livros didáticos”.

Indignado, Carlos Lopes criticou. “O MEC, infelizmente, está adotando uma política de fornecer dinheiro público para que o Civita sustente seu panfleto – a revista Veja”. Realmente, é um baita absurdo que o governo Lula ajude a “alimentar cobras”, financiando o Grupo Abril com compras milionárias de publicações questionáveis, isenção fiscal em papel e publicidade oficial. Não há o que justifique tamanha bondade com inimigos tão ferrenhos da democracia e da ética jornalística. Ou é muita ingenuidade, ou muito pragmatismo, ou muita tibieza. Ou as três “virtudes” juntas.

A relação promiscua com os tucanos

Já da parte de governos demos-tucanos, o apoio à famíglia Civita é perfeitamente compreensível. Afinal, a Editora Abril é hoje o principal quartel-general da oposição golpista no país e a revista Veja é o mais atuante e corrosivo partido da direita brasileira. Não é de se estranhar suas relações promiscuas com o presidenciável José Serra e outros expoentes do PSDB-DEM. Recentemente, o Ministério Público Estadual acolheu representação do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e abriu o inquérito civil número 249 para apurar irregularidades no contrato firmado entre o governo paulista e a Editora Abril na compra de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola.

A compra de 220 mil assinaturas representa quase 25% da tiragem total da revista Nova Escola e injetou R$ 3,7 milhões aos cofres do “barão da mídia” Victor Civita. Mas este não é o único caso de privilégio ao grupo direitista. José Serra também apresentou proposta curricular que obriga a inclusão no ensino médio de aulas baseadas nas edições encalhadas do “Guia do Estudante”, outra publicação da Abril. Como observa do deputado Ivan Valente, “cada vez mais, a editora ocupa espaço nas escolas de São Paulo. Isso totaliza, hoje, cerca de R$ 10 milhões de recursos públicos destinados a esta instituição privada, considerado apenas o segundo semestre de 2008”.

O mensalão da mídia golpista

Segundo o blog NaMariaNews, que monitora a deterioração da educação em São Paulo, o rombo nos cofres públicos pode ser ainda maior. Numa minuciosa pesquisa aos editais publicados no Diário Oficial, o blog descobriu o que parece ser um autêntico “mensalão” pago pelo tucanato ao Grupo Abril e a outras editoras, como Globo e Folha. Os dados são impressionantes e reforçam a sugestão de Sérgio Amadeu da deflagração imediata da campanha pela “privatização” da revista Veja. Chega de sugar os cofres públicos! Reproduzo abaixo algumas mamatas do Grupo Civita:

- DO de 23 de outubro de 2007. Fundação Victor Civita. Assinatura da revista Nova Escola, destinada às escolas da rede estadual de ensino. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 408.600,00. Data da assinatura: 27/09/2007. No seu despacho, a diretora de projetos especial da secretaria declara “inexigível licitação, pois se trata de renovação de 18.160 assinaturas da revista Nova Escola.

- DO de 29 de março de 2008. Editora Abril. Aquisição de 6.000 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 2.142.000,00. Data da assinatura: 14/03/2008.

- DO de 23 de abril de 2008. Editora Abril. Aquisição de 415.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 30 dias. Valor: R$ 2.437.918,00. Data da assinatura: 15/04/2008.

- DO de 12 de agosto de 2008. Editora Abril. Aquisição de 5.155 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 1.840.335,00. Data da assinatura: 23/07/2008.

- DO de 22 de outubro de 2008. Editora Abril. Impressão, manuseio e acabamento de 2 edições do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 4.363.425,00. Data da assinatura: 08/09/2008.

- DO de 25 de outubro de 2008. Fundação Victor Civita. Aquisição de 220.000 assinaturas da revista Nova Escola. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 3.740.000,00. Data da assinatura: 01/10/2008.

- DO de 11 de fevereiro de 2009. Editora Abril. Aquisição de 430.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 2.498.838,00. Data da assinatura: 05/02/2009.

- DO de 17 de abril de 2009. Editora Abril. Aquisição de 25.702 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 608 dias. Valor: R$ 12.963.060,72. Data da assinatura: 09/04/2009.

- DO de 20 de maio de 2009. Editora Abril. Aquisição de 5.449 assinaturas da revista Veja. Prazo: 364 dias. Valor: R$ 1.167.175,80. Data da assinatura: 18/05/2009.

- DO de 16 de junho de 2009. Editora Abril. Aquisição de 540.000 exemplares do Guia do Estudante e de 25.000 exemplares da publicação Atualidades – Revista do Professor. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 3.143.120,00. Data da assinatura: 10/06/2009.

Para não parecer perseguição à asquerosa revista Veja, cito alguns dados do blog sobre a compra de outras publicações. O Diário Oficial de 12 de maio passado informa que o governo José Serra comprou 5.449 assinaturas do jornal Folha de S.Paulo, que desde a “ditabranda” viu desabar sua credibilidade e perdeu assinantes. Valor da generosidade tucana: R$ 2.704.883,60. Já o DO de 15 de maio publica a compra de 5.449 assinaturas do jornalão oligárquico O Estado de S.Paulo por R$ 2.691.806,00. E o de 21 de maio informa a aquisição de 5.449 assinaturas da revista Época, da Globo, por R$ 1.190.061,60. Depois estes veículos criticam o “mensalão” no parlamento.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Artigo de Sara Robinson sobre os USA...

A ascensão do fascismo nos Estados Unidos

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Obama, na versão apocalíptica: Socialista, autoritário, Grande Irmão e presidente ilegítimo (nasceu na África)

Estados Unidos fascistas: Já chegamos lá?

por Sara Robinson, no Blog For Our Future

Publicado no blog viomundo de Luiz Carlos Azenha


Através da escuridão dos anos do governo Bush, os progressistas assistiram horrorizados ao sumiço das proteções constitucionais, à retórica nativista, ao uso do discurso de ódio transformado em intimidação e violência e a um presidente dos Estados Unidos que assumiu poderes só exigidos pelos piores ditadores da história. Com cada novo ultraje, o punhado de nós que tinha se tornado expert na cultura e na política da extrema-direita ouvia de novos leitores preocupados: Chegamos lá? Já nos tornamos um estado fascista? Quando vamos chegar lá?

E cada vez que essa pergunta era feita, gente como Chip Berlet e Dave Neiwert e Fred Clarkson e eu mesma olhava para o mapa como o pai que faz uma longa viagem e respondia com um sorriso confortador. "Bem... estamos numa estrada ruim, se não mudarmos de caminho poderíamos acabar lá em breve. Mas há muito tempo e oportunidades para voltar. Fique de olho, mas não se preocupe. Pode parecer ruim, mas não, ainda não chegamos lá".

Ao investigar a quilometragem nesse caminho para a perdição, muitos de nós nos baseávamos no trabalho do historiador Robert Paxton, que é provavelmente o estudioso mais importante na questão de como os países adotam o fascismo. Em um trabalho publicado em 1998 no Jornal da História Moderna, Paxton argumentou que a melhor forma de reconhecer a emergência de movimentos fascistas não é pela retórica, pela política ou pela estética. Em vez disso, ele afirmou, as democracias se tornam fascistas por um processo reconhecível, um grupo de cinco estágios que identificam toda a família de "fascismos" do século 20. De acordo com nossa leitura de Paxton, ainda não estávamos lá. Havia certos sinais -- um, em particular -- em que estávamos de olho, e ainda não o reconhecíamos.

E agora o reconhecemos. Na verdade, se você sabe o que procura, repentinamente vê isso em todo lugar. É estranho que eu não tenha ouvido a pergunta por um bom tempo; mas se você me fizer a pergunta hoje, eu diria que ainda não chegamos, mas que já entramos no estacionamento e estamos procurando uma vaga. De qualquer forma, o futuro fascista dos Estados Unidos aparece bem grande diante do vidro do automóvel -- e os que dão valor à democracia dos Estados Unidos precisam entender como chegamos aqui, o que está mudando e o que está em jogo no futuro próximo se permitirmos a essa gente vencer -- ou mesmo manter o território.

O que é fascismo?

A palavra tem sido usada por tanta gente, tão erroneamente, por tanto tempo que, como disse Paxton, "todo mundo é o fascista de alguém". Dado isso, sempre gosto de começar a conversa revisitando a definição essencial de Paxton:

"Fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio".

Em outro lugar, ele refina o termo como "uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa".

Não considerando Jonah Goldberg, é uma definição básica com a qual a maioria dos estudiosos concorda e é a que usarei como referência

Do proto-fascismo ao momento-chave

De acordo com Paxton, o fascismo surge em cinco estágios. Os dois primeiros estão solidamente atrás de nós -- e o terceiro deveria ser de particular interesse para os progressistas nesse momento.

No primeiro estágio, um movimento rural emerge em busca de algum tipo de renovação nacionalista (o que Roger Griffin chama de palingenesis, o renascimento das cinzas, como a de fênix). Eles se reúnem para restaurar uma ordem social rompida, como sempre usando temas como unidade, ordem e pureza. A razão é rejeitada em favor da emoção passional. A maneira como a história é contada muda de país para país; mas ela sempre tem raiz na restauração do orgulho nacional perdido pela ressureição dos mitos e valores tradicionais da cultura e na purificação da sociedade das influências tóxicas de estrangeiros e de intelectuais, aos quais cabe o papel de culpados pela miséria atual.

O fascismo somente cresce no solo revolto de uma democracia madura em crise. Paxton sugere que a Ku Klux Klan, que se formou em reação à Restauração pós-Guerra Civil, pode ser o primeiro movimento autenticamente fascista dos tempos modernos. Quase todo país da Europa teve um movimento proto-fascista nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (quando o Klan experimentou um ressurgimento nos Estados Unidos), mas a maior parte deles empacou no primeiro estágio -- ou no próximo.

Como Rick Perlstein documentou em seus dois livros sobre Barry Goldwater e Richard Nixon, o conservadorismo moderno dos Estados Unidos foi construído sobre esses mesmos temas. Do "Despertar nos Estados Unidos" [tema de campanha de Ronald Reagan] aos grupos religiosos prontos para a Ruptura [os milenaristas], ao nacionalismo branco promovido pelo Partido Republicano através de grupos racistas de vários graus, é fácil identificar como o proto-fascismo americano ofereceu a redenção dos turbulentos anos 60 ao promover a restauração da inocência dos Estados Unidos tradicionais, brancos, cristãos e patriarcais.

Essa visão foi abraçada tão completamente que todo o Partido Republicano agora se define nessa linha. Nesse estágio, é abertamente racista, sexista, repressor, excludente e permanentemente viciado na política do medo e do ódio. Pior: não se envergonha disso. Não se desculpa para ninguém. Essas linhas se teceram em todo movimento fascista da História.

Em um segundo estágio, os movimentos fascistas ganham raízes, se tornam partidos políticos reais e ganham um lugar na mesa do poder.

Interessantemente, em todo caso citado por Paxton a base política veio do mundo rural, das partes menos educadas do país; e quase todos chegaram ao poder se oferecendo especificamente como esquadrões informais organizados para intimidar pequenos proprietários em nome dos latifundiários.

A KKK lutava contra os pequenos agricultores negros [do sul dos Estados Unidos] e se organizou como o braço armado de Jim Crow. Os "squadristi" italianos e os camisas-marrom da Alemanha reprimiam greves rurais. E nos dias de hoje os grupos anti-imigração apoiados pelo Partido Republicano tornam a vida dos trabalhadores rurais hispânicos nos Estados Unidos um inferno. Enquanto a violência contra hispânicos aumenta (cidadãos americanos ou não), os esquadrões da direita estão obtendo treinamento básico que, se o padrão se confirmar, poderão eventualmente usar para nos intimidar.

Paxton escreveu que o sucesso no segundo estágio "depende de certas condições relativamente precisas: a fraqueza do estado liberal, cujas inadequações condenam a nação à desordem, declínio ou humilhação; e a falta de consenso político, quando a direita, herdeira do poder mas incapaz de usá-lo sozinha, se nega a aceitar a esquerda como parceira legítima".

Paxton notou que Hitler e Mussolini assumiram o poder sob essas mesmas circunstâncias: "Paralisia do governo constitucional (produzida em parte pela polarização promovida pelos fascistas); líderes conservadores que se sentiram ameaçados pela perda de capacidade para manter a população sob controle num momento de mobilização popular maciça; o avanço da esquerda; e líderes conservadores que se negaram a trabalhar com a esquerda e que se sentiram incapazes de continuar no governo contra a esquerda sem um reforço de seus poderes".

E, mais perigosamente: "A variável mais importante é aceitação, pela elite conservadora, de trabalhar com os fascistas (com uma flexibilidade recríproca dos líderes fascistas) e a profundidade da crise que os induz a cooperar".

Essa descrição parece muito com a situação difícil em que os congressistas republicanos estão nesse momento. Apesar do partido ter sido humilhado, rejeitado e reduzido a um status terminal por uma série de catástrofes nacionais, a maior parte produzida pelo próprio partido, sua liderança não pode nem imaginar governar cooperativamente com os democratas em ascensão. Sem rotas legítimas para voltar ao poder, sua última esperança é investir no que restou de sua "base dura", dando a ela uma legitimidade que não tem, recrutá-la como tropa de choque e derrubar a democracia americana pela força. Se eles não podem vencer eleições, estão dispostos a levar a disputa política para as ruas e assumir o poder intimidando os americanos a se manterem silenciosos e cúmplices.

Quanto esta aliança "não santa" é feita, o terceiro estágio -- a transição para um governo abertamente fascista -- começa.

O terceiro estágio: chegando lá

Durante os anos do governo Bush, os analistas progressistas da direita se negaram a chamar o que viam de "fascismo" porque, apesar de estarmos de olho, nunca vimos sinais claros e deliberados de uma parceria institucional comprometida entre as elites conservadoras dos Estados Unidos e a horda nacional de camisas-marrom. Vimos sinais de flertes breves -- algumas alianças políticas, apoio financeiro, palavras-de-ordem doidas da direita na boca de líderes conservadores tradicionais. Mas era tudo circunstancial e transitório. Os dois lados mantiveram uma distância discreta um do outro, pelo menos em público. O que acontecia por trás das portas, só dá para imaginar. Eles com certeza não agiam como um casal.

Agora, o jogo de advinhação acabou. Nós sabemos sem qualquer dúvida que o movimento do Teabag foi criado por grupos como o FreedomWorks do Dick Armey e o Americans for Prosperity do Tim Phillips, com ajuda maciça de mídia da Fox News [a TV de Rupert Murdoch, o magnata da mídia, é porta-voz da extrema-direita dos Estados Unidos].

Site da FreedomWorks

Site do Americans For Prosperity

[Nota do Viomundo: O movimento do Teabag foi um protesto em escala nacional, organizado pelos republicanos, com ampla cobertura da Fox, em que eleitores protestaram contra a cobrança de impostos e o tamanho do governo federal. Uma tentativa de trazer de volta a rebelião contra a cobrança de impostos que esteve na origem do movimento de independência dos Estados Unidos. Ver Boston Tea Party]

Vimos a questão dos birther [aqueles que acreditam que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, mas no Quênia] -- o tipo de lenda urbana que nunca deveria ter saído da capa do [jornal sensacionalista] National Enquirer -- sendo ratificada por congressistas republicanos.

Vimos os manuais produzidos profissionalmente por Armey que instruem grupos de eleitores republicanos na arte de causar distúrbios no processo de governo democrático -- e as imagens de autoridades públicas aterrorizadas e ameaçadas a ponto de requererem guarda-costas armados para sair de prédios [os protestos aconteceram durante audiências públicas para debater o novo sistema de saúde].

Um dos protestos aparece aqui

Vimos o líder da minoria republicana John Boehner aplaudindo e promovendo um vídeo de manifestantes e esperando por "um longo e quente agosto para os democratas no Congresso".

Este é o sinal pelo qual estávamos esperando -- o que nos diria que sim, crianças, chegamos. As elites conservadoras dos Estados Unidos jogaram abertamente seu futuro com o das legiões de descontentes da extrema-direita. Elas deram apoio explícito e poder às legiões para que ajam como um braço político nas ruas americanas, apoiando ameaças físicas e a intimidação de trabalhadores, liberais e autoridades que se neguem a defender seus [das elites] interesses políticos e econômicos.

Este é o momento catalisador em que o fascismo honesto, de Hitler, começa. É nossa última chance de brecá-lo.

O ponto decisivo

De acordo com Paxton, esse momento da aliança do terceiro estágio é decisivo -- e o pior é que quando se chega a esse ponto, é provavelmente tarde para pará-lo. Daqui, há uma escalada, quando pequenos protestos se tornam espancamentos, mortes e a aplicação de rótulos em certos grupos para eliminação, tudo dirigido por pessoas no topo da estrutura de poder. Depois do Dia do Trabalho [Labor Day], quando senadores e deputados democratas voltarem a Washington, grupos organizados para intimidá-los vão permanecer na cidade e usar a mesma tática -- aumentada e aperfeiçoada a cada uso -- contra qualquer pessoa cuja cor, religião ou inclinação política eles não aceitem. Em alguns lugares, eles já estão tomando nota e preparando listas de nomes.

Qual é a linha do perigo? Paxton oferece três rápidas perguntas que nos ajudam a identificar:

1. Estão os neo ou proto-fascistas se tornando arraigados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?

2. O sistema econômico ou constitucional está congestionado, de forma aparentemente insuperável, pelas autoridades atuais?

3. A mobilização política rápida está ameaçando sair do controle das elites tradicionais, ao ponto que elas poderiam buscar ajuda para manter o controle?

Pela minha avaliação, a resposta é sim. Estamos muito perto. Muito perto.

O caminho adiante

A História nos diz que uma vez essa aliança [entre a elite e a tropa de choque] é formada, catalisada e tem sucesso em busca do poder, não há mais como pará-la. Como Dave Neiwert escreveu em seu livro recente, The Eliminationists, "se apenas podemos identificar o fascismo em sua forma madura -- os camisas-marrom com passos de ganso, o uso de táticas de intimidação e violência, os comícios de massa -- então será muito tarde para enfrentá-lo".

Paxton (que anteviu que "um autêntico fascismo popular nos Estados Unidos será crente e anti-negros") concorda que se uma aliança entre as corporações e os camisas-marrom tiver uma conquista -- como a nossa aliança tenta agora [barrando a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama] -- pode rapidamente ascender ao poder e destruir os últimos vestígios de um governo democrático. Assim que ela conseguir algumas vitórias, o país estará condenado a fazer a feia viagem através dos dois últimos estágios, sem saída ou paradas entre agora e o fim.

O que nos espera? No estágio quatro, quando o dueto assumir o controle completo do país, lutas políticas vão emergir entre os crentes do partido dos camisas-marrom e as instituições da elite conservadora -- igreja, militares, profissionais e empresários. O caráter do regime será determinado por quem vencer a disputa. Se os membros do partido (que chegaram ao poder através da força bruta) vencerem, um estado policial autoritário seguirá. Se os conservadores conseguirem controlá-los, um teocracia tradicional, uma corporocracia ou um regime militar podem emergir com o tempo. Mas em nenhum caso o resultado lembrará a democracia que a aliança derrubou.

Paxton caracteriza o estágio cinco como "radicalização ou entropia". Radicalização é provável se o novo regime conseguir um grande vitória militar [Nota do Azenha: sobre a Venezuela, por exemplo], o que consolida seu poder e dá apetite para expansão e uma reengenharia social em grande escala (Veja a Alemanha). Na ausência do evento radicalizador, podemos ter a entropia, com a perda pelo estado de seus objetivos, o que degenera em incoerência política (Ver a Itália).

É fácil neste momento olhar para a confusão na direita e dizer que é puro teatro político do tipo mais absurdamente ridículo. Que é um show patético de marionetes. Que esse povo não pode ser levado a sério. Com certeza, eles estão com raiva -- mas eles são minoria, fora do poder e reduzida a ataques de nervos. Os crescidos devem se preocupar com eles tanto quanto se preocupam com uma menina de cinco anos, furiosa, que ameaça segurar a respiração até ficar azul.

Infelizmente, todo o barulho e as ameaças obscurecem o perigo. Essa gente é tão séria quanto uma multidão linchadora e eles já deram os primeiros passos para se tornar uma. Eles vão se sentir mais altos e mais orgulhosos agora que suas tentativas de desobediência civil estão contando com apoio integral das pessoas mais poderosas do país, que cinicamente os usam numa última tentativa de garantir suas posições de lucro e prestígio.

Chegamos. Estamos estacionados exatamente no lugar onde nossos melhores especialistas dizem que o fascismo nasce. Todos os dias que os conservadores no Congresso, os comentaristas de extrema-direita e seus barulhentos seguidores conseguem segurar nossa capacidade de governar o país, é mais um dia em que caminhamos em direção à linha final, da qual nenhum país, mostra a História, conseguiu retornar.

Cruzada midiática contra reforma agrária


Altamiro Borges

Desde a decisão do governo Lula de atualizar os índices de produtividade rural, cedendo à forte pressão da jornada de luta do MST em agosto, os barões do agronegócio, sua mídia venal e sua bancada ruralista deflagraram agressiva cruzada contra a reforma agrária. A Rede Globo acionou seus “especialistas” para bombardear a medida. Já a TV Bandeirantes, da família Saad, dona de 16 fazendas e 4.500 hectares de terras em São Paulo, estrebuchou em editorial. Entre os jornais, o oligárquico Estadão foi o mais histérico. A Folha manteve sua linha de futricas, estimulando a cizânia entre governo e movimentos sociais, e a asquerosa Veja demonizou novamente o MST.

A correção dos índices é uma exigência legal e não deveria gerar tanto histerismo. Segundo João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do MST, “a lei determina que os índices sejam atualizados. Atualmente, o Incra usa dados defasados do IBGE de 1975 como parâmetros para as desapropriações. A Constituição Federal estabeleceu que a propriedade da terra é um bem da natureza, que a rigor pertence aos brasileiros. Por isso, está condicionada pela sociedade a cumprir função social. Se o uso da terra não cumpre a função social, ela deve ser desapropriada pelo Estado. A sociedade será beneficiada porque a atualização obriga o latifundiário atrasado a aumentar a produção ou entregar suas terras ao governo”.

Ainda segundo o líder dos sem-terra, “a atualização dos índices dará mais agilidades e condições para o governo cumprir a lei e desapropriar fazendas que são improdutivas, mas que se escondem atrás dos números de 1975. Mesmo assim, serão utilizados dados de 1996, ou seja, ainda com dez anos de atraso. Os ruralistas que têm medo da atualização não produzem e usam as terras para especulação ou reserva de valor. Aqueles que estiveram produzindo, nada precisam temer. Se o governo aumentar as desapropriações para a reforma agrária, é evidente que vai diminuir a pobreza e a desigualdade no campo e, com isso, diminuem os conflitos”.

CPT elogia Lula e critica o latifúndio

Diante da pressão dos ruralistas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou uma nota bastante elucidativa, assinada por seu presidente nacional, Dom Ladislau Biernaski. Reproduzo-a abaixo:

O anúncio pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva de atualização dos índices de produtividade da terra desencadeou uma furiosa campanha da bancada ruralista contra a medida, apoiada pela grande maioria da poderosa mídia e pelo ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, usando da mentira e de argumentos falaciosos, destinados a enganar a opinião pública e a derrubar a iniciativa governamental. A CPT Nacional vem, pois, a público mostrar o outro lado da moeda.

Está de parabéns o senhor presidente por este gesto histórico que trará um grande e benéfico desenvolvimento para todo o nosso povo. Ao assinar esta atualização, atrasada há mais de 30 anos, Lula estará simplesmente cumprindo a Lei Agrária 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 que no artigo 11 determina o seguinte: “Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional”.


Recordes de produtividade e concentração

Ora, o estudo “Fontes e Crescimento da Agricultura Brasileira” divulgado em julho de 2009 pelo próprio Ministério da Agricultura revela que, de 1975 a 2008, a taxa de crescimento do produto agropecuário foi de 3,68 % ao ano. No período de 2000 a 2008, o crescimento foi de 5,59% como média anual. Em 1975 produziam-se 10,8 quilos de carne bovina por hectare; hoje são 38.6 quilos; a produção de leite por hectare multiplicou-se por 3,6 e a de carne e aves saltou de 372,7 mil toneladas em 1975, para 10.18 milhões em 2008, segundo o mesmo estudo.

A comparação com outros países demonstra que, no Brasil, o crescimento do PTF (Produtividade Total dos Fatores) foi o mais elevado: 4,98% entre 2000 e 2008. Na China, de 2000 a 2006 foi de 3,2%. Nos Estados Unidos, entre 1975 e 2006, foi de 1,95%. Na Argentina, de excepcionais recursos naturais, foi de 1,84%, entre 1960 a 2000. A conclusão óbvia a que se chega é que por trás desta guerra da bancada ruralista, teimando em manter os velhos índices de produtividade de 1975, está o intento de preservar o latifúndio improdutivo das empresas nacionais e estrangeiras, desconsiderando a função social da propriedade, estabelecida na nossa Constituição Federal, continuando o Brasil, assim, o campeão mundial do latifúndio depois de Serra Leoa.


Os argumentos mentirosos

Eles levantam repetidamente o número de 400 mil propriedades rurais que seriam afetadas pela medida, inviabilizando assim toda a produção agrícola no país. Na realidade este número corresponde a apenas 10 % das propriedades rurais, embora ocupem 42,6% das terras. Com efeito, das 4.238.447 propriedades cadastradas pelo Incra, 3.838.000, ou seja, 90 % não seriam afetadas pela medida. São estas propriedades as que garantem 70% do alimento que é posto na mesa dos brasileiros. Ao passo que essas outras 400 mil, com o ferrenho apoio da bancada ruralista, são as que recorrem ao governo para adiar indefinidamente o pagamento de suas dívidas com os bancos, como a imprensa tem noticiado com freqüência.

À crítica à anunciada medida juntou-se também uma raivosa criminalização dos movimentos de trabalhadores no campo, da forma mais generalizada e iníqua. Entretanto o que se vê no nosso campo é o deprimente espetáculo da multiplicação dos acampamentos de sem-terra que se sujeitam, por anos a fio, a condições inumanas de vida na fila da realização, um dia, do sonho da terra prometida de viver e trabalhar.

Os dados de ocupações de terra e de acampamentos, registrados pela CPT e divulgados anualmente mostram um quadro preocupante. Onde há maior concentração de sem-terra é onde o número de assentamentos é menor. E isso justamente ao lado de áreas improdutivas, que a atualização dos índices poderia facilmente disponibilizar para assentamento das famílias. Em 2007, no Nordeste se concentraram 38,3% das ocupações e acampamentos envolvendo 42,5% das famílias, No Centro-Sul, aconteceram 49,5% das ações envolvendo 43,5% das famílias. Porém os assentamentos promovidos pelo governo aconteceram na sua maioria na Amazônia, onde há mais disponibilidade de terras públicas, distantes dos centros habitados.


“Uma exigência de justiça social”

Fica claro, pois, que onde há mais procura por terra, no Nordeste e no Centro-Sul, há menos disponibilidade de terras. E um dos fatores que limita esta disponibilidade são os índices defasados de produtividade. Ao lado disso, no Sul, onde foram assentadas somente 2,6% das famílias, estas tiveram uma participação de 42,06% do total da produção nacional de grãos. Portanto a atualização dos índices de produtividade poderá disponibilizar muito mais áreas em regiões mais propícias ao cultivo de grãos, onde há mais busca por terra e onde a tradição agrícola é mais forte.

Diante de tudo isso, a CPT Nacional declara que a alvissareira atualização dos novos índices de produtividade da terra, tantas vezes protelada, é uma exigência de justiça social. Mas a superação da secular estrutural injustiça social no campo e do resgate da dívida social para com os excluídos da terra, vítimas da nefasta política do sistema corrupto e violento que defende a ferro e fogo a arcaica estrutura agrária alicerçada no latifúndio, só se concretizará quando se colocarem em nossa Constituição limites para a propriedade da terra. Então, a partir disso, será possível uma real democratização ao acesso a terra.