terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A hipocrisia americana e o Irã

 Luiz Eça - Correio da Cidadania

As visitas de Shimon Peres e Mahmoud Abbas ao Brasil não mereceram reparos nem da grande imprensa, nem dos intelectuais que passaram pelas mesas redondas e noticiários da TV. Mesmo os políticos de esquerda que vimos na emissora de TV do Senado trataram-nos com todo respeito.
 
Já com Ahmadinejad as coisas foram diferentes. Os meios de comunicação emitiram reprimendas ao governo por recebê-lo, além de veicularem acusações pesadas ao Irã da fina flor do conservadorismo americano e seus clones brasileiros.
 
Alguns comentaristas e políticos, no máximo, admitiram que a relação com o Irã pode trazer vantagens econômicas ao Brasil. Mas sempre insistindo na necessidade do governo Lula deixar bem clara sua oposição aos "graves desvios" iranianos, especialmente para manter-se fiel à amizade e aos princípios do nosso grande vizinho do norte.
O interessante, porém, é que uma breve análise mostra que os EUA praticam o mesmo tipo de ações que no Irã rotulam como demoníacas e ameaçadoras da paz mundial. A diferença é que, quando são de autoria americana, o Ocidente as vê com benevolência, sem nada de criticável.
 
Leia e tire suas conclusões
 
Torturas - Parece inegável que a polícia iraniana torturou participantes dos protestos contra as eleições. Só que nesse quesito os americanos ganham de dez a zero. Em Guantánamo, relatórios de ONGs e até do FBI provaram torturas aos detentos. Em Abu Ghraib, as brutalidades cometidas por soldados americanos chocaram o mundo. E os raptos de suspeitos no estrangeiro pela CIA para serem levados a países onde se tortura livremente foram flagrados em diversas ocasiões. Recentemente, um tribunal italiano condenou a penas de prisão agentes italianos e americanos que seqüestraram suspeito islamita e o levaram ao Egito onde foi devidamente torturado.
 
Eleições desonestas - No Irã continuam merecendo a indignação mundial. Mas não se deve esquecer que a primeira eleição de George Bush foi ganha no tapetão – não nas urnas.
 
Armas nucleares – Segundo El Baradei, chefe dos inspetores da ONU e Prêmio Nobel da Paz, não há sequer indícios de que o programa nuclear iraniano tenha objetivos militares.
 
Por outro lado, é de pleno conhecimento que Israel está muito avançado nesse setor, já dispondo de 150 a 200 artefatos nucleares, com capacidade de produzir 20 por ano, na base secreta de Dimona. Os EUA têm negado esse fato devido à emenda Symington, que proíbe ajuda americana a países que desenvolvam programas de enriquecimento nuclear fora do controle internacional. Por esta emenda, Obama teria de acabar com o envio anual de 2,5 bilhões de dólares a Israel.
 
Direitos Humanos - É fato que foram desrespeitados pelo exército e as milícias iranianas na repressão aos protestos contra as eleições presidenciais. Nesse assunto, de Direitos Humanos, as violações em Gaza foram muito mais graves: 1.500 árabes mortos, a maioria civis, inclusive centenas de crianças.
 
Investigando o que aconteceu no ataque, a comissão da ONU, presidida pelo juiz judeu Goldstone, respeitado internacionalmente, concluiu que o exército israelense cometeu crimes de guerra e contra a humanidade. Novamente os EUA defenderam o governo de Telaviv.
 
Contestaram o relatório final, sem fornecer um único argumento, e agora impedem que ele seja discutido no Conselho de Segurança da ONU. Apóiam o governo israelense que se nega a atender ao apelo, inclusive da França e da Inglaterra, para fazer uma investigação isenta sobre as acusações, identificando os culpados.
 
Outro desrespeito aos Direitos Humanos pelo governo dos EUA foi revelado na apresentação dos motivos para não fecharem Guantánamo no prazo dado por Obama: a necessidade de manter presos, sem julgamento, indivíduos considerados perigosos, pois não há provas capazes de condená-los.
 
Apoio ao terrorismo – Os EUA acusam o Irã de apoiar o Hizbollah e o Hamas, que consideram movimentos terroristas. Na verdade, ambos abandonaram o terrorismo há muitos anos. São hoje partidos políticos legais.
 
O Hizbollah defendeu o Líbano durante a última invasão israelense que causou a morte de 1.500 libaneses e destruiu parte da infra-estrutura do país. Recentemente, recebeu do governo libanês (apoiado pelo Ocidente) o direito de manter armas para proteger o país.
 
O Hamas governa Gaza e só começou a lançar foguetes sobre território israelense depois que o Telaviv fechou as fronteiras, causando uma verdadeira crise humanitária na região, que ficou privada de alimentos, medicamentos e materiais essenciais à sua economia.
 
Na verdade, quem ajudou terroristas foram os EUA. O governo George Bush supriu com recursos financeiros o movimento Jundalá, integrante da lista de terroristas dos próprios americanos e que atua na fronteira iraniana praticando atentados contra soldados, funcionários públicos e camponeses. Seu líder, Abdel Malik Regi, é assim descrito por Aléxis Debat, expert em contra terrorismo do Nixon Center: "Ele é parte traficante, parte talibã e parte ativista sunita".
 
Julgamentos de oposicionistas – Os acusados de liderar os protestos contra as eleições iranianas estão, de fato, sendo alvo de processos sumários com penas pesadas (cinco foram condenados à morte) e injustas.
 
Israel faz algo semelhante com acusados de ações terroristas. Muitos deles foram julgados secretamente (sem direito a advogados, portanto), não por tribunais, mas pelo Mossad. Tendo havido a aprovação do primeiro-ministro, seguiram-se as execuções dos presumíveis culpados, em casa ou na rua, através de mísseis disparados por aviões ou por raids de forças especiais, muitas vezes com a morte de pessoas que tiveram o azar de estar próximas. Trata-se, sem dúvida, de um rito processual mais próprio de Gengis Khan do que de um país civilizado. E que tem sido defendido pelos EUA como "direito de defesa" de Israel.
 
Além desses tipos de transgressões, compartilhados por Irã, EUA e Israel, algumas acusações, pautadas pela Casa Branca, foram repetidas à saciedade pelos seus seguidores no Brasil.
 
Assim, a negação do Holocausto é mostrada como algo criminoso. Eu diria que é absurda, que não faz honra à inteligência de Ahmadinejad. É mais uma afirmação demagógica, para agradar ao público islâmico de setores iletrados, indignado com o que os judeus fazem aos árabes na Palestina.
 
Como foi também a frase, "Israel deve ser varrido do mapa", a qual, porém, Ahmadinejad esclareceu. Disse que não pretende jogar os israelenses no mar... É, sim, contra o caráter racista do país, expresso, aliás, no início da sua Constituição: "Israel é um Estado democrático e judaico". Atacar o país seria uma loucura. Que chances teria contra as 200 bombas nucleares de Israel, sem falar do avassalador apoio militar americano? O que Ahmadinejad quis dizer é que a História tornará inviável o regime sionista e a Palestina (Israel + Cisjordânia) acabará se tornando um Estado de todos: judeus, islamitas e cristãos.
 
Acho que Israel não vai mudar. É um país que já existe há 41 anos como "lar nacional judaico", suas instituições estão plenamente consolidadas. Mas, defender a tese da injustiça e do fim inevitável de um Estado sionista e sua substituição por um país leigo e sem caráter racial é um direito, não um crime.
 
A criminalização do homossexualismo e a restrição aos direitos femininos no Irã são tristes realidades que vêm sendo paulatinamente ofuscadas pelo progresso da sociedade iraniana. São cada vez mais raros os casos de punições por questões de sexo, enquanto que as mulheres ganham cada vez mais espaços. Por exemplo: hoje existem mais universitárias do que universitários no Irã.
 
Não devemos esquecer que até os anos 70 havia até leis racistas nos Estados Unidos. Mesmo depois, o racismo sobreviveu, custando a desaparecer da sociedade americana, ainda que não completamente.
 
Não é preciso gastar muitas páginas para demonstrar que tudo que se critica no Irã é ou foi praticado pelos EUA, até mesmo com maior intensidade. No entanto, é tal o poder da hegemonia ianque que a maioria dos nossos jornais, intelectuais e políticos fazem vistas grossas a esta realidade. E competem entre si para imitar os grupos mais reacionários da terra do Tio Sam através da repetição das teses que interessam ao país do Norte, ainda que sejam contrárias a nós.
 
No caso da disputa com o Irã, a hipocrisia americana manifesta-se de uma maneira muito clara. E continua imperturbável, pois raros são aqueles detentores de poder no mundo que ousam denunciá-la.
 
Luiz Eça é jornalista.
 

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Ato unificado amanhã em Porto Alegre....


 ASSEMBLÉIA GERAL DO CPERS-SINDICATO DIA 09 DE DEZEMBRO NO GIGANTINHO


Como Israel ganhou a batalha dos colonatos... outra vez.

Ramzy Baroud  - Portal do PSOL


PalestinaQuando o Ministro dos Negócios Estrangeiros, David Miliband, proferiu algumas palavras sobre a ilegalidade dos colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada, muitos quiserem acreditar que Londres estaria a tomar uma dura atitude para com as continuas violações do direito international por parte de Israel. Infelizmente, estavam errados.
O facto é que a declaração de Miliband, feita durante a conferência de imprensa que se seguiu às conversações com o rei da Jordânia, Abdullah II em Amã, foram meramente tácticas, dirigidas de forma a diminuir o impacto da fraca posição assumida por Washington sobre o mesmo assunto,
Isto foi o que Miliband disse: "Os colonatos são ilegais e, do nosso ponto de vista, são um obstáculo ao estabelecimento da paz na Cisjordânia e em Jerusalém Orientar. Os colonatos desafiam o coração de... um Estado palestiniano."
De seguida acrescentou: "É tão importante para aqueles que se interessam pela segurança e pela justiça social nesta região que as discussões sobre fronteiras e território recomecem de forma séria, porque se se conseguir fazer progressos nestas questões, pode resolver-se o problema dos colonatos."
Isto é clássico de Miliband. Embora as suas afimações claras e decisivas acerca da ilegalidade dos colonatos e o facto de estes constituirem um obsctáculo à paz sejam bem-vindas, não é possível decifrar declarações de políticos sobre detalhes; para serem verdadeiramente apreciados, têm de ser compreendidos como um todo.
O perigo reside na afirmação seguinte na qual ele mudou propositadamente a ordem da solução proposta para a crise do Médio Oriente para centrá-la "na retoma das discussões sobre fronteiras e território de forma séria", o que significa negociações sem condições porque "o progresso" nessa vertente "iria resolver o problema dos colonatos".
Mas não é precisamente este o tipo de diálogo que Israel deseja tomar parte: conversações de paz sem condicionantes, sem prazos, sem um fim determinado, enquanto persiste na construção de colonatos ilegais constituindo uma violação flagrante do direito internacional? Mais, não foi isto que os palestinianos, todos os palestinianos, rejeitaram veementemente?
A liderança palestiniana percebe que negociações incondicionais trará aos palestinianos, a parte mais franca em qualquer negociação, nada mais do que humilhação, enquanto que a parte forte determinará a solução, qualquer solução, que achar adequada aos seus interesses.
Tendo em conta que Israel não está sob uma pressão séria, apenas sob uns discursos verbais sobre o processo de paz proferidos ocasionalmente or Washington e Londres, o governo de direita de Benjamin Netanyahu não tem razão para parar ou até abrandar os seus projectos de colonatos ilegais e a consequente limpeza étnica dos palestinianos.
Miliband é um político esperto. Não obstante as suas palavras federem a constradições, estão dispostas de tal maneira que dão a impressão que está a construir-se um mudança significativa nas políticas.
As declarações supostamente fortes de Miliband acerca dos colonatos surgiram numa altura em que a política da administração Obama, uma pequena tentativa de se apresentar como a antítese o legado odiado de George Bush, está a desfazer-se.
Em Maio, no seguimento do primeiro encontro entre Obama e Netanyahu, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, quis não deixar dúvidas sobre as novas políticas americanas acerca dos colonatos. Os EUA "querem que os colonatos parem - não alguns colonatos, nem postos avançados, nem excpeções de crescimento natural."
Isto soa muito bem, melhor que as afirmações de Miliband. Mas desde então, a administração Obama obviamente descobriu os limites da "audácia da esperança": um lóbi israelita forte, unido; um gorveno de direita israelita decisivo; países árabes e muçulmanos fragmentados e tudo o resto.
Portanto, não foi uma surpresa ver a senhora Clinton, durante a sua recente visita ao Médio Oriente, retroceder em todas as promessas que o seu governo fez. Segundo o Times (de 1 de Novembro), ela "alegou que a construção de colonatos nunca foi um pre-condição para retomar as conversações."
Pior, não apenas falhou em convencer Netanyahu da posição dos EUA, que mais ou menos consitente com o direito internacional, como elogiou-o por falhar na concretização daquilo que foi considerado como uma forte exigência norte-americana.
A mudança aconteceu durante a sua visita de um dia a Jerusalém. "Aquilo que o primeiro-ministro (de Israel) tem oferecido em termos de restrições às políticas dos colonatos... não tem precedentes," disse ela sobre a promessa de Netanyahu para abrandar a expansão de colonatos na Cisjordânia.
Há mais de 500 mil colonos judeus na Cisjordânia e Jerusalém ocupados que vivem em vários colonatos que são considerados ilegais de acordo com a IV Convenção de Genebra e numerosas resoluções das Nações Unidas
Para acrescentar o insulto, a senhora Clinton continuou, em casa paragem, a exigir aos árabes e aos muçulmanos que estendam a sua mão e Israel. Que é que este fez para merecer uma normalização com os árabes e muçulmanos, mercados abertos e o estabelecimento de relações diplomáticas? Por que é que Israel deve ser compensado pelos seus massacres em Gaza, pela sua ocupação militar da Cisjordânia e Jerusalém Oriental, pelos contínuos ataques à Mesquita al-Aqsa e outras?
Simultaneamente, a Autoridade Palestiniana estará talvez a aperceber o erro que cometeu ao confiar que a determinação da administração Obama prevaleceria sobre a obstinação de Israel.
O alto representante da AP, Nablil Abu Rudeinah, afirmou que "as negociações estão em estado paralítico," cupando tanto "a intransigência israelita como o retrocesso americano."
"Não há esperança para futuras negociações," Abu Rudienah acrescentou.
Contudo, as palavras de chefe das negociações palestiniano, Saeb Erekat, na conferência de imprensa em Ramallah no dia 4 de Novembro, foram ainda mais pessimistas. Talvez seja a altura de o presidente palestiniano Mahmoud Abbas "dizer ao seu povo a verdade que devido à continuação da expansão dos colonatos, a solução de dois Estados já não é uma opção," disse ele.
Ele disse o que muitos não querem ouvir, incluindo o próprio Miliband que insiste em manter viva uma 'solução' expirada enque nada faz para a tornar realidade.
"É importante que não percamos de vista a importância da solução de dois Estados para todos os povos da região. Penso que as alternativas são obscuras e mal-vindas por todas as partes," declarou Miliband.
Todavia, ele falhou em demonstrar-nos como é que a sua solução 'brilhante e bem-vinda' vai ser concretizada à medida que Israel continua a capturar Jerusalém e a Cisjordânia centímetro por centímetro, à vista dos media internacionais e com o conhecimento e com o acordo tácito dos políticos em regredir, incluindo a senhora Clinton e ele próprio.

Publicado em Palestine Chronicle

Tradução: Ana Sofia Gomes

domingo, 29 de novembro de 2009

Eleições no Uruguai II




Nesse momento através de transmissão da TELESUR, o pronunciamento do candidato Lacalle, do Uruguai, dá por perdida as eleições, reconhecendo  triunfo do candidato José "Pepe" Mujica da Frente Ampla. Reconhecendo o civismo do povo oriental, Lacalle pede a todos os derrotados que cumpram seus deveres como cidadãos, participando ativamente desse governo que se instalará no pais a partir de março de 2010. 

Eleições no Uruguai




Os últimos informes que chegam das rádios uruguaias, dão conta de que a Frente Ampla, com seu candidato Jose "Pepe" Mujica, poderá vencer as eleições com 51% dos votos. Essa eleição, teve uma caracteristica essencial de que mais de 92% do leitorado compareceu as urnas, sendo que existem 10% de uruguais morando fora do país, configurando uma atuação histórica dos eleitores em uma eleição democrática, como ocorreu por lá.Espera-se que Mujica, antigo militante da esquerda uruguaia, durante a ditadura militar, defendendo a bandeira do grupo "tupac amaro"(tupamaros) como eram chamados, concretize seu ideário socialista, promovendo uma gestão encima de geração de empregos, principalmente para a juventude, e de uma participação ativa junto aos paises que formam o "bloco socialista latino americano", na defesa de nossos interesses e de  nosso povo.

BLUES: A VOZ DO BLUES

Blues, o que é isto? 
Texto de : Hamilton Coragem



Uma definição completa e exata do Blues é difícil, pois, se ele é, claro, um gênero musical, foi também muito mais que isso para o povo negro americano que o criou. E, se os especialistas analisam (freqüentemente com certa dificuldade) o Blues em termos musicais, os criadores dessa arte só falam dela de forma lírica. Mas escutemos uns e outros. Veja então uma interessante definição musicológica e histórica: "A escala do Blues nasce da contaminação da escala diatônica ocidental pelo sistema africano. As melodias se organizam no interior de um sistema pentatonal que ignora o semitom, compreendendo uma escala de cinco tons inteiros que coincidem com cinco dos intervalos da escala diatônica e não concordam com dois deles, o terceiro e o sétimo, que são semitons na escala diatônica e são, dessa forma, estranhos ao ouvido africano.
Quando colocado em contato com uma música de um tom maior diatônico, o africano tem tendência a não mais saber onde se encontra. Todas as vezes em que aproxima do terceiro e do sétimo em qualquer acorde, ele terá tendência a distorcê-los por violentos efeitos de vibrato até que entrem em sua escala alterando por sustenido ou por bemol. 0 tempo passa, e tais modificações tendem a cristalizar-se sob a forma de novas escalas que não devem ser consideradas muito tempo como fantasias... De uma dessas escalas saiu toda a tradição do jazz americano. Essa escala, que é a maior adicionada de terceiras e de sétimas menores, foi algumas vezes chamada de "escala Blues". A escala Blues apresenta, por conseguinte, dois pontos de ambigüidade: a nota do terceiro grau - a mediante é de bom grado desviada de semitom, determinando assim, com a tônica, um intervalo de terça menor; o mesmo ocorre com a do sétimo grau - a sensível - determinando assim um intervalo de sétima menor. São essas notas - que fazem com que a escala Blues hesite constantemente entre o modo maior e o modo menor e gere, com isso, seu clima expressivo característico - que chamamos de Blue notes... Essa escala, através do significado equívoco que instaura, comanda toda a música negro-americana autêntica..." Mas que pensam os criadores negros? Destaquemos os títulos de alguns Blues mais conhecidos:
Blues is a feeling, I'm drinking my Blues away, Blues, stay away from me, The Blues will never die. Robert Johnson, no célebre Walkin' Blues, vai mais longe e define: Some people tells you the worried Blues ain't so bad/But it's the worst feelin' a good man' most ever had, que só podemos grosseiramente traduzir por: "Alguns lhes dirão que este Blues atormentado não é tão terrível / mas é o pior sentimento que um homem pode jamais experimentar". E o pianista-cantor Little Brother Montgomery descreve seu encontro com o Blues, magnificamente personalizado em First time I met the Blues: "The first time I met the Blues, I was walking through the woods / He knocked at my house and done me all the harm he could / Now the Blues got after me Lord and run me from tree to tree / You should have heard me begging: `Mister Blues, don't murder me' / Good morning, Mr. Blues, what are you doing here so soon? / You be's with me in the morning and every night and noon".

Como a abordagem artístico-psicológica do Blues feita por seus criadores aparece assim tão diferente de sua definição musicológica feita pelos especialistas exteriores, tentamos dar conta dessa dualidade no pequeno artigo "Blues" da Enciclopédia do Blues: "Define-se em geral o Blues através de diversas características técnicas: e uma parte cantada poética de 12 compassos segundo o esquema A-A-B... mas esses compassos são muito irregulares, deixando lugar a uma resposta do instrumento: essa interação entre o canto e a parte instrumental é uma outra característica do Blues (e estendeu-se a toda a música negra americana): o instrumento prolonga ou imita a voz humana. 0 Bluesman não se acompanha ao violão, ele o faz responder a sua voz; desde então, a exatidão métrica, as notas trocadas corretamente ou a melodia do conjunto contam menos que as inflexões tiradas do instrumento, a sonoridade que se lhe dá e a intensidade da emoção do músico no momento em que toca (feeling)... o Blues é uma música relativamente rígida e limitada, o que freqüentemente dá a impressão a um ouvinte menos advertido de que 'todos os Blues são iguais'. É claro que isso não é verdade, mas um Blues difere de outro segundo a qualidade do swing e do feeling transmitido pelo artista, e o amador julga o músico a partir de sua aptidão em comunicar seus sentimentos. Em nossa opinião, ainda que cômoda, não podemos nos limitar à definição técnica do Blues.

Pois, música de origem africana, o Blues desempenhou um papel considerável na história do povo negro americano, sendo que o Bluesman ocupou na América, com toda evidência, o lugar ocupado pelo feiticeiro da África, que era também simultaneamente poeta e músico. A comunidade negra pedia ao Bluesman que fosse compositor, improvisador, poeta, coletor e arranjador de temas tradicionais, cantor, virtuose de seu instrumento, animador público, sociólogo, e ele era julgado por seus contemporâneos pela extensão de seus talentos em todos esse campos... Além disso, o Bluesman também desempenhava um papel psicoterápico para si mesmo e para seu auditório. Juntos, encontravam no Blues um efeito catártico para seus tormentos. Aliás, o termo 'Blues' mal-definido é geralmente sinônimo de fossa... Melhor que uma longa exegese, o título de um Blues célebre resume bem tudo o que é essa música:

The Blues ain't nothing but a good man feeling bad (0 Blues não é nada além de um bom homem se sentindo mal)". A partir desses pontos de vista diferentes mas complementares, agora compreende-se sem dúvida que o Blues foi, no sentido amplo do termo, uma música étnica: a criação espontânea do povo negro-americano que, condenado ao isolamento e ao desespero, carregou de toda emoção a única forma de arte que lhe foi verdadeiramente aberta na África: a música. Então o Blues, para ser compreensível, deve ser recolocado em seu contexto real: o itinerário histórico, psicológico, sociológico do povo negro em terra americana, do qual foi a expressão privilegiada, seguindo sua evolução e desposando seus contornos.


Tracks


1. A.C. REED, M. J.Vaughn - A.C.Reed & M.J. Vaughn - Help Me Spend My Gold (6:03)

2. Albert Cummings - Barrelhouse Blues (7:18)

3. Buddy Guy - Girl You´re Nice & Clean (4:41)

4. Buddy Guy & Junior Wells - Poor Man's Plea (3:10)

5. John Cephas and Phil Wiggins - John Henry (5:38)

6. Chephas and Wiggins - Richmond BLues (3:59)

7. Vargas Blues Band feat. Chris Rea - Do You Believe In Love (5:18)

8. Bill Wyman's Rhythm Kings feat. Chris Rea - Rollin' & Stumblin' (3:47)

9. Cream - Strange Brew (2:52)

10. Erasmo Carlos - Voce Me Acende (2:57)

11. Eric Sardinas - Flames of Love (3:42)

12. Freddie King - Play It Cool (3:45)

13. Janis Joplin - Kozmic Blues (4:24)

14. Janis Joplin - Summertime (4:02)

15. Jimi Hendrix Experience - Red House (3:44)

16. Johnny Winter - I'll Drown In My Tears (4:46)

17. Luiz Melodia - Maravilhas Conteporâneas (2:07)

18. Roberto Carlos - Lobo Mau (The Wanderer) (2:48)

19. Ry Cooder - Paris, Texas

20. Ry Cooder - The Bourgeois Blues

21. Solon Fishbone Y Los Cobras - Licks From Heaven

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O golpe em Honduras...

Hondurenhos não pretendem legitimar o golpe

Neste domingo (29), 4,6 milhões de hondurenhos estão convocados para as eleições mais controversas de sua história. Do total de eleitores, estima-se que 50% devam comparecer às urnas, de acordo com os índices habituais de abstenção. Em 2005, não votaram 44% do eleitorado, e amanhã o número pode ser ainda maior,  já que muitos se negam a participar de um pleito organizado sob uma ditadura. Eles não pretendem ajudar a legitimar o golpe que tirou do poder o presidente que elegeram, Manuel Zelaya.

A Frente Nacional Contra o Golpe de Estado fez um chamado para que a população boicote as eleições golpistas . A maioria da comunidade internacional mantém a mesma postura, assegurando que não há garantias democráticas para a disputa e que não se pode concorrer ao cargo sem que o último presidente eleito, Manuel Zelaya, tenha sido restituído ao poder.

Da mesma maneira, a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos) negaram-se a enviar observadores internacionais às eleições.

Apesar do repúdio ao golpe de 28 de junho ter sido uma posição inicialmente unificada da comunidade internacional, no decorrer destes cinco meses o consenso foi se alterando e alguns países - Estados Unidos e os subalternos Panamá, Peru e Costa Rica -  já recuaram e agora contradizem sua própria posição, afirmando que reconhecerão o governo eleito.

Segundo o analista político hondurenho Héctor Soto, estas eleições significam a “reciclagem do golpe de Estado”. A opinião dele é compartilhada por muitos compatriotas, como a Frente de Resistência e o próprio Zelaya, que já avisou que impugnará os resultados.

Na quinta-feira (26), o presidente deposto voltou a pedir à ONU e à OEA a formação de um tribunal internacional contra a perseguição política em Honduras, no qual ele seria o primeiro a se submeter. Na carta, ele insiste que "as eleições neste regime não serão, de nenhuma maneira, a solução da crise, senão o seu aprofundamento e perpetuação”.

Ainda assim, a não ser que a pressão internacional seja mais contundente, o partido que ganhar o pleito formará o governo a partir de 27 de janeiro. Entretanto, para o economista Gustavo Irías, este será um governo “debilitado”, pois “terá sobre suas costas o espectro do golpe, eleições ilegítimas e fraudulentas e com baixo consenso nacional e internacional”. Neste sentido, ele destaca que as eleições “não garantem a governabilidade democrática do país”.

A farsa eleitoral

Zelaya acompanhará as eleições gerais a partir da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, aonde chegou de surpresa em 21 de setembro, após quase três meses de exílio desde o golpe de Estado realizado pelos militares em 28 de junho.

O governante de fato, Roberto Micheletti, ausentou-se do poder desde quarta-feira, mas sem renunciar ao cargo, em uma tentativa de dar ares de legalidade à disputa.

Nas ruas, contudo, continuam as denúncias contra o atentado à democracia e a violação de direitos e é difícil imaginar o futuro de um governo eleito a partir desse cenário que a resistência chama de "farsa eleitoral".

O candidato independente, Carlos Reyes, um reconhecido dirigente sindical de esquerda, renunciou a três semanas das eleições, porque Zelaya não foi restituído no poder.

O minoritário partido Unificação Democrática (UD), confirmou sua participação nas eleições até o último dia 21, em uma assembleia realizada em Tegucigalpa e na qual apoiou seu candidato César Ham.

As outras legendas que participam da disputa são o Partido Liberal de Honduras, no poder; o Partido Nacional de Honduras, principal força de oposição; e os minoritários Partido Democrata-Cristão de Honduras e Partido Inovação e Unidade/Social-Democrata.

Observadores

As eleições se realizarão no domingo sob o olhar de 250 observadores, conforme informou o Tribunal Supremo Eleitoral. Entretanto, não haverá supervisão de organismos internacionais.

No total, são 250 observadores vindos de 70 países – muitos deles foram por conta própria a Honduras, já que são poucos os governos que reconhecem as eleições – para supervisionar 5.300 colégios eleitorais que teriam de atender 4,6 milhões de pessoas.

Os observadores são empresários, funcionários eleitorais e políticos, a maioria destes filiada a partidos de direita. Da América Latina, destacam-se as visitas de ex-presidentes, como o boliviano Jorge Quiroga e o salvadorenho Armando Calderón. De brasileiro, estará lá o deputado federal Raul Jungmann, do PPS-PE, convidado pelo Parlamento local, que deve chegar hoje a Honduras.

O ministro da Economia do governo de Zelaya, Nelson Ávila, disse ao Opera Mundi que, com esse número de observadores, não será possível documentar fraudes nas eleições. “Necessitaríamos de milhares de pesquisadores independentes perto de cada urna, aferindo a intenção de voto, para contrastar com os resultados finais”, explica. Ele acredita que haverá fraude no próximo domingo, tal e como já anunciou o presidente deposto.

Entretanto, o Tribunal Supremo Eleitoral se diz convencido que os 250 observadores “são mais do que suficientes” para garantir eleições que sejam “as mais transparentes e técnicas” da história de Honduras.

A postura frente às eleições hondurenhas e as conseguintes tensões se transferiram para fora do país centro-americano. O Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil) lamentou o apoio dos Estados Unidos ao processo eleitoral hondurenho e considera que "causa um gravíssimo dano à credibilidade da Administração do presidente Barack Obama", e "afetará seriamente as relações e as políticas americanas no continente".

Na Guatemala, o envio de observadores pelo Tribunal Supremo Eleitoral, algo que finalmente não acontecerá, levou o presidente guatemalteco, Álvaro Colom, a advertir que desautorizaria sua representatividade em nome do país.

A Unasul também declarou enfaticamente que não aceitará o resultado do pleito. "A Unasul não vai respaldar os resultados das eleições presidenciais de Honduras," disse o equatoriano Rafael Correa numa entrevista coletiva em Bruxelas.

"Também pediria (à União Europeia) que não aceite (o resultado) porque isso seria aceitar um golpe de Estado dos mais grosseiros," acrescentou.

O Parlamento Europeu se mostrou dividido sobre a legitimidade das próximas eleições, com o grupo majoritário na câmara, o Partido Popular Europeu, junto com conservadores e reformistas, a favor do envio de observadores. Já os socialistas, liberais, verdes e da Esquerda Unitária são contra.

O secretário de Estado espanhol para a região ibero-americana, Juan Pablo de Laiglesia, afirmou que o pleito não será "democraticamente aceitável" sem Zelaya no poder.

Direitos humanos

Também está no país uma delegação de 20 representantes norte-americanos e canadenses de organizações sociais e sindicais para vigiar possíveis violações aos direitos humanos. Uma das observadoras, Sidney Frey, assegura que “não há condições necessárias para eleições livres e democráticas depois de cinco meses de graves violações aos direitos humanos: suspensão das garantias individuais e coletivas, Exército nas ruas, hostilidade, repressão e assassinatos de membros da Resistência”.

Ela assegura que a repressão pode se intensificar amanhã, com os 35 mil efetivos dos corpos de segurança mobilizados em todo o país. Esta comissão se dividirá por diferentes cidades para evitar que haja enfrentamentos entre a polícia e a Resistência, embora Sidney reconheça que 20 pessoas é pouco e que o Exército poderá atuar impunemente na maioria das colônias e municípios, se houver algum tipo de protesto.

As Forças Armadas hondurenhas convocaram 5.000 reservistas para "reforçar a segurança das eleições", uma medida inédita. O esquema conta ainda com 14 mil soldados e 12 mil policiais.
A ONG Anistia Internacional relatou nesta sexta que o governo interino comprou 10 mil granadas de gás lacrimogêneo, 5.000 projéteis para granadas de gás lacrimogêneo e um tanque de água. A organização teme que o material seja usado de forma "excessiva e desproporcional".

Nos últimos meses, Honduras registrou cerca de 30 ataques de bombas caseiras ou granadas contra locais públicos e instituições contrárias ao presidente deposto, Manuel Zelaya. Na madrugada de ontem, quatro bombas de pequena potência explodiram em escolas -que serão centro de votação- de San Pedro Sula, a segunda cidade do país, provocando danos materiais leves. Nesta semana, uma granada atingiu a Corte Suprema (sem deixar mortos ou feridos graves).

Por esse motivo, a Frente de Resistência decretou um “toque de recolher popular”, pedindo para que as pessoas permaneçam em suas casas no domingo.

O recuo servil de Árias

O presidente da Costa Rica, Óscar Árias, admitiu que sua gestão como mediador na crise política hondurenha foi um fracasso e decidiu agora que reconhecerá as polêmicas eleições organizadas pelos golpistas que ele condenava até pouco tempo.

A surpreendente decisão de Árias se contrapõe ao discurso adotado por ele até então. Em 2 de julho ele afirmou categoricamente: "Espero que o mundo inteiro não reconheça o governo de fato de Honduras. Estamos chamando de volta nosso embaixador e veremos a possibilidade de rom per relações diplomáticas se não for restituído Zelaya na presidência".

Essas palavras, reproduzidas por inúmeros sites se opõe ao que o costarriquenho agora defende: "Ao final tem que reinar a cordura e a cordura diz que, se tudo transcorrer bem, normalmente", nas eleições deste domingo, "a grande maioria dos países do mundo deve reconhecê-las (as eleições)".

Cenário pós-eleições ilegítimas

Os candidatos favoritos são Porfirio Lobo, do Partido Nacional, e Elvin Santos, do Partido Liberal, ambos conservadores e pertencentes a duas instuições com mais de um século de história. Lobo, perdedor diante de Zelaya em 2005, disputa a Presidência pela segunda vez, enquanto Santos era vice-presidente do deposto governante, mas renunciou em 2008 ao cargo para apresentar sua candidatura.

Qualquer candidato que vencer assumirá os destinos de um país órfão de reconhecimento internacional e suspenso como membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde 4 de julho. 

Um dos desafios para o próximo Governo de Honduras será a falta de apoio financeiro para uma nação com 7,8 milhões de habitantes que está entre as mais pobres do continente americano, junto com Bolívia, Haiti e Nicarágua.

Sitio do vermelho Com agências




sábado, 28 de novembro de 2009

MST: a luta continua....

Os vencidos não se entregam

Luana Lila, de Iaras - Carta Capital

No acampamento Rosa Luxemburgo, como em tantos outros ligados ao MST, as condições de vida são precárias. As lonas esquentam em demasia durante o dia, falta água e energia elétrica. Mas o que mais incomoda as 180 famílias acampadas nos arredores de Iaras, no sudoeste de São Paulo, são as tempestades. “Você nunca sabe se vai deitar e amanhecer em pé ou não. Tudo sai voando, eu tenho um medo terrível. Se cai granizo é pior ainda, porque você vê que a lona não vai resistir. Depois que passa, a gente sai para ver o que sobrou, todo mundo tem de se ajudar para reconstruir”, afirma Rosalina Beatriz de Oliveira, acampada há cerca de um ano.

A fazenda Agrocentro, que dá lugar ao acampamento, foi declarada improdutiva pelo Incra e aguarda a conclusão do processo de desapropriação. Para chegar lá, depois de três horas pelas modernas estradas do estado, o progresso do agronegócio se faz mais tímido e grandes buracos no asfalto dificultam a circulação dos veículos. Em seguida, o carro segue derrapando na areia grossa, ao longo de 32 quilômetros de estrada de terra cercada de plantações de eucalipto e cana.

Na fazenda o pasto deu lugar aos barracos de lona que surgem no horizonte. Com o sol forte na cabeça e a terra fervendo sob os pés, o olhar insiste na busca por um abrigo, mas são poucas as árvores que sobraram. No interior dos barracos a temperatura é insuportável.

Na varanda improvisada com um puxadinho de lona está Marta Pereira da Silva, que mora há oito meses no acampamento. Marta parece ter bem menos idade do que os 40 anos que sua certidão de nascimento aponta, mas está doente. Tem pressão alta e diabetes e toma mais de vinte comprimidos por dia.
Quando vai ao pronto-socorro, em Bauru, sempre ouve que a primeira coisa a fazer, se quiser continuar viva, é deixar o acampamento o mais rápido possível. Os médicos sabem que, da próxima vez que passar mal, ela pode não chegar a tempo ao hospital. Dependerá da boa vontade de um companheiro de carro ou da polícia, que já foi acionada em momentos de emergência e não apareceu. Marta prefere correr o risco: “Os médicos falam para eu sair daqui, mas e a minha terra, e a minha luta? ”

O acampamento Rosa Luxemburgo não está ali por acaso. Na região existem 50 mil hectares de terras públicas indevidamente ocupados por particulares. A história começou em 1920, quando a União adquiriu a área, que abrange os municípios de Águas de Santa Bárbara, Iaras, Borebi, Lençóis Paulista e Agudos, para a colonização de famílias de imigrantes. O problema é que as terras não foram discriminadas regularmente e, com o passar do tempo, particulares começaram a tomar conta e registrar as áreas em cartório.

Foi só a partir de 1994 que o Incra começou a fazer um levantamento da área pública total, conhecida como Núcleo Colonial Monção. Em 2002, o Instituto passou a identificar os ocupantes irregulares, concluindo que os atuais proprietários não são os mesmos que tomaram as terras originalmente, pois, ao longo dos anos, elas foram vendidas diversas vezes. Isso acaba dando bases para longas disputas judiciais, enquanto o Incra solicita a devolução das terras à União, mediante indenização. Ele se baseia em artigo da Constituição que determina que as terras públicas devem ser prioritariamente direcionadas à reforma agrária.

Para complicar ainda mais, além das terras públicas, existem na região onze fazendas, cerca de 15 mil hectares, que já foram vistoriadas e consideradas improdutivas pelo Incra, mas aguardam uma certidão de uso e ocupação do solo da prefeitura de Agudos para que o processo de desapropriação tenha início. Mas o prefeito Everton Octaviani, que por enquanto concedeu o documento apenas para a fazenda Agrocentro, afirma que, dos onze imóveis, ao menos quatro proprietários entraram com ações na Justiça contra o laudo de improdutividade. Quanto aos outros, o prefeito explica a demora na emissão do documento: “Eu ainda não emiti porque não quero que venham para o município essas famílias de outras localidades, que são do MST. Eu tenho negociado com o Incra e exijo que sejam colocadas ali famílias da minha cidade, famílias de trabalhadores que vão fazer um bom uso da terra, que vão produzir. Eu não posso dizer que só quero agudenses, mas preferencialmente de Agudos, e que não sejam do MST”.

No meio desse entroncamento de interesses estão centenas de pessoas que, após uma história de despejos violentos e promessas não cumpridas, aguardam um lote para se estabelecer. Rosalina é uma delas. Aposentada, ela trabalhou em Bauru durante muitos anos como atendente de enfermagem. Sua experiência é útil ao acampamento, assim como os ensinamentos familiares sobre o uso de ervas medicinais. “O tradicional do hospital não serve para nada aqui.”

Enquanto as famílias vivem no acampamento, as pequenas hortas pipocam lá e cá, fartas. São plantações de mandioca, abóbora, chuchu, almeirão e alface. Mesmo com a situação indefinida, eles já podem se alimentar do que plantaram, mas não expandem o cultivo por medo de ser expulsos a qualquer momento, como aconteceu diversas vezes com Francisca Ângela dos Santos: “Quando acontece o despejo, a gente tem de levar a casa inteira nas costas. A minha casa está toda aqui, você já pensou se for para sair dentro de 24 horas, o que vou fazer com isso? Eu tenho de levar os animais, o que não puder ir fica”.

As primeiras ocupações do MST na região datam de 1995, quando o movimento percebeu a complexidade agrária do local e vislumbrou uma possibilidade para o assentamento de suas famílias. Desde então, a disputa judicial entre o Incra e os fazendeiros rendeu alguns frutos aos trabalhadores. Segundo o superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires Silva, entre Iaras e Bauru existem cerca de mil famílias assentadas. Algumas empresas preferiram fazer acordos de permuta nos quais cedem à União uma área equivalente à que ocupam, mas em outro local, para não perder as benfeitorias já instaladas. O mesmo tipo de acordo foi discutido durante seis meses com a Cutrale, mas ela decidiu continuar o processo judicial.

Para Paulo Beraldo, dirigente regional do MST, isso explica a ação do movimento na fazenda Santo Henrique, no início de outubro: “Ocupamos em 2008 em busca de um acordo para passar uma área equivalente para que a Cutrale não tivesse de mexer nas laranjas. Tendo o acordo, a gente respeitava aquela área como deles, só queríamos saber onde seria a nossa”.

O MST alega ainda que as acusações de depredação das benfeitorias da empresa e o roubo de funcionários não foram ações efetuadas por eles, e, sim, nas palavras de Paulo, por “alguém que se aproveitou da situação e, como estava lá, saiu na conta do movimento”. Segundo ele, alguns tratores destruídos estavam danificados na própria oficina da fazenda.

Enquanto as investigações sobre o caso não são concluídas, o superintendente do Incra critica a ação do MST na fazenda da Cutrale: “A reforma agrária não é um processo de revolução para fazer o socialismo. A reforma agrária implica um debate sobre a nossa dívida social. Estamos empregando uma família, dando condições de vida, de cidadania”.

Literatura Palestina....



My Happiness Bears No Relation to Happiness tem como título secundário “Vida de um poeta no século palestiniano”. Mas para melhor se entender a biografia do poeta palestinano Taha Muhammad Ali redigida por Adina Hoffman, é quase preferível dizer: “Um século palestiniano na vida de um poeta”. Esta escorregadela sintáctica não pretende desacreditar o trabalho de Hoffman, já que, ao empilhar no topo das empoeiradas pedras da história uma série de lembranças fluidas, a obra de Hoffmann constitui um marco literário. Porque é a primeira biografia de um escritor palestiniano escrita em língua inglesa. Porque oferece uma biografia que evoca a Palestina anterior a 1948.
O elenco de lugares desaparecidos começa com a vila de Saffurriyya, plantada no cimo de uma colina na Galileia. A infância de Ali passada nesse espaço foi difícil mas idílica. O seu pai foi atingido pela poliomielite e tornou-se por isso incapaz de trabalhar, o que levou a família a viver na pobreza. Ali, nascido em 1931, frequentou a escola apenas por 4 anos, antes de começar a trabalhar para o sustento dos pais e família. Na altura em que devia estar a aprender matemática, Ali trabalhava como negociante, vendendo ovos em Haifa.
Por fim, Ali, um empresário inteligente, passou a gerir um quiosque na sua casa de família. Construiu assim um pequeno mas activo negócio, mas de olhos postos na sua noiva, Amira, que lhe fora prometida desde o nascimento, e cujo riso e porte gracioso, escreve Hoffman, «tinham entrado na sua corrente sanguínea tão profundamente que ela parecia quase fazer parte dele».
A presença de Amira, juntamente com a suave Galileia, amaciou os duros contornos dos primeiros tempos da vida de Ali. A paisagem mais tarde evocada pela sua poesia e recreada no livro de Hoffman, vibra com vida e parece de certo modo diferente, quase magicamente, do mundo circundante. Hoffman escreve: «Os próprios espinhos pareciam ali emanar um odor doce, e apesar de não conseguir saber que perfume pertencia a cada uma das plantas, ou explicar como se apercebia da diferença entre a fragrância de um arbusto de Nazaré e a de um arbusto cujas raízes mergulhavam no solo de Saffuriyya, o rapaz estava convencido de que, fiando-se no seu nariz, sabia perfeitamente quando passara a orla [da sua aldeia]…»
Saffuriyya estava situada numa terra fértil que rendia colinas de frutas, incluindo as romãs mais procuradas de toda a Galileia. Saffurriyya era uma «aldeia do Corão, de contos épicos e de heróis de tonalidades damasquinas ou cairotas». E acima de tudo, Saffurriyya era um fio que prendia Ali e a sua família ao tecido da Palestina.
Mas o pano foi rasgado numa noite de Julho de 1948 quando as forças israelitas bombardearam a aldeia. Ali e a sua familia fugiram para o Líbano. Aí, o jovem Ali furtava bens num campo de refugiados até à primavera de 49, quando ele e a sua família regressaram ao recém baptizado Israel. Depois de passarem furtivamente a fronteira a coberto da noite, estabeleceram-se em Nazaré, a menos de 10 kms dos vestígios da sua aldeia. Ali abriu o quiosque que mais tarde se transformou numa das duas lojas de recordações que hoje possui.
Apesar da sua carreira como poeta ter começado tarde, a loja de Ali em Nazaré era ponto de encontro de importantes figuras literárias palestinianas, incluindo Michel Haddad. Neste ponto, o livro torna-se, segundo Hoffman «numa espécie de retrato de grupo». Hoffman explica: «Taha não é o único artista nesta história. Para entender Taha e o seu lugar nas letras palestinianas e árabes, é fundamental ter a consciência do tipo de personalidades com quem foi contactando ao longo dos anos».
Muito embora o leitor possa perder ocasionalmente Ali de vista em My Happiness, este livro compele-o a procurar a sua poesia, que está disponível traduzida para inglês e compilada numa antologia intitulada: So What: New and Selected Poems 1971-2005 (tradução de Peter Cole, Yahya Hijazi and Gabriel Levin)
Esta terra é uma prostituta
Estendendo a mão aos anos…
A nossa terra faz amor com os marinheiros
E despe-se perante os recém-chegados…
Parece não haver nada que a ela nos una
E eu – não fora a madeixa do teu cabelo,
Trigueiro como o néctar da alfarroba…
A tua trança
É a única coisa
Que me liga, como um nó, a esta prostituta.
Neste poema, o cabelo acorrenta o narrador a uma terra que o irá trair e sufocar. Mas em “O lugar ele mesmo, ou Espero que não possas digeri-lo”, também publicado na antologia, a imagem do cabelo ganha outro sentido, desta vez como algo reconfortante:
E vim então ao lugar ele mesmo…
Onde estão as ovelhas balindo
E as romãs da noite
O cheiro do pão
E o tetraz?
Onde estão as janelas
E a tranquilidade da trança de Amira?
Quer na poesia de Ali, quer na biografia de Hoffman (que o Booklist considera como uma das melhores biografias de 2009), a profunda e complexa relação de Ali com a terra é posta em evidência. Hoffman tem o cuidado de explicar as circunstâncias históricas de onde nasce esta ambivalência. My Happiness Bears No Relation to Happiness deve ser considerada como um complemento fundamental, embora não um substituto, para a obra de Ali. Do mesmo modo que há uma sintonia entre os poemas de Ali, também a obra de Hoffman convive harmoniosamente com a escrita de Ali, com a sua vida e com o seu tempo.
 
Créditos:  Todos por Gaza.
 

República Tcheca: 20 anos depois da Revolução de Veludo

  Jonas Lunardon - Correio Internacional



PRAGA, capital da República Tcheca – Essa semana a República Tcheca deu início às comemorações do 20º aniversário da Revolução de Veludo. Naquela época, foram os estudantes tchecoslovacos que tomaram a liderança do processo. Hoje em dia, a juventude do país é ambígua em relação à democracia ao estilo de Praga.
Na Tchecoslováquia, tudo começou com os estudantes.
No final do outono de 1989, o Muro de Berlim já havia caído, a fronteira entre Hungria e Áustria tornava-se porosa e na Polônia, há tempos, já eram realizadas eleições livres. Porém, na Tchecoslováquia o governo comunista ainda fazia o que podia para se manter firme nas rédeas do poder. Não iria durar muito.
Em 17 de novembro, milhares de estudantes tomaram as ruas de Praga. O protesto era pacífico – mas, mesmo assim, foi brutalmente reprimido por centenas de policiais equipados com armas de guerra. Dois dias depois, a multidão aumentou de tamanho e, em 20 de novembro, 500 mil tchecos e eslovacos se juntaram numa marcha pacífica pela cidade. A Revolução de Veludo – duas semanas de demonstrações não-violentas que derrubaram o regime comunista – tinha começado.
Das inúmeras revoluções anti-comunistas que ocorreram ao redor do leste europeu duas décadas atrás – durante um ano em que Timothy Garton Ash chamou de “o melhor da história européia” – a derrubada do governo comunista tchecoslovaco chega perto, talvez, do ideal de revolução democrática. Centenas de milhares de cidadãos querendo ser livres distribuíam flores a soldados e balançavam chaves como símbolo de liberdade: o que pode ser mais igualitário que isso?
“Escrava do capitalismo”
Essa semana, a República Tcheca está celebrando o 20º aniversário da Revolução de Veludo. Muitas das demonstrações estão sendo recriadas, milhares acenderam velas no centro de Praga em comemoração e Václav Havel, que se tornou o herói da Revolução, está onipresente. Mas como a juventude da nação, cujos antecessores foram unânimes na derrubada do governo comunista, se sente sobre isso hoje?
“Ser escrava do capitalismo não é diferente do que ser escrava do comunismo”. É o que a mãe de Jana Kajnarová lhe diz. Kajnarová, que vive hoje em Berlim, diz que existe uma nostalgia forte pela época do sistema comunista, principalmente nas gerações mais velhas.
“Minha mãe – que está doente e não recebe tratamento suficiente do Estado – era mais feliz 20 anos atrás”, ela afirma. “E muitos dos pensionistas de Varnsdorf, minha cidade natal, concordam com ela. Sob o comunismo as pessoas trabalhavam com a certeza de que um dia não precisariam mais” a jovem de 25 anos diz. “Agora, você simplesmente não tem mais esse tipo de segurança”.
Kajnarová também admite estar decepcionada com o governo atual, afirmando que, no momento, ela acredita que a República Tcheca não tem uma democracia real. “Simplesmente não há partido bom o suficiente para ameaçar (o atual presidente tcheco) Václav Klaus”, diz ela. Kajnarová descreve o presente governo como uma “farsa”.
“Eu posso viajar o quanto quiser”
No entanto, mesmo que Kajnarová entenda o ponto de vista dos pensionistas de sua cidade e esteja decepcionada com o governo tcheco, ela ainda acredita que as coisas estão melhores do que eram antes da Revolução. “Eu lembro constantemente (minha mãe) que agora somos livres, que eu posso viajar o quanto quiser”.
Esse pensamento é comum entre muitos outros estudantes tchecos neste século, como demonstra um recente estudo feito pela agência de pesquisas tcheca CVVM, publicado no jornal Aktuálne. A juventude tcheca vê a queda do comunismo como uma evolução muito positiva, de acordo com a pesquisa. Um estudo sobre o fim do comunismo lançado pela empresa Pew Global Attitudes Project, localizada em Washington, no início do mês, indica que quase 90% dos tchecos entre 18 e 29 anos aprova o sistema político multipartidário. 80% aprova a economia de livre mercado.
Ondrej Odehnal, 21 anos, estudante de Brno, uma cidade no sudeste do país, está certo de que a vida melhorou em todos os aspectos. Ele disse que, dentre outras coisas, suas instalações sanitárias são muito melhores agora e que crê que a corrupção no regime durante o qual seus pais sofreram muito também distorceu as mentes dos cidadãos e suas atitudes em relação ao Estado.
Perguntado sobre o que achava de seus compatriotas, aqueles que ainda sentem falta da Cortina de Ferro, ele disse: “Talvez sejam os velhos comunistas que sentem falta, não? As pessoas dizem muita besteira”.
Seu amigo Michal Jež, um garoto de 17 anos também de Brno, concorda com ele. “Hoje em dia, existem pessoas idosas que gostam do comunismo por que ocupavam uma boa posição no sistema e eram contentes”, Jež diz. Bem Skála, um rapaz de 24 anos formado pela University of Southern Bohemia em Ceske Budejovice tem pouco a acrescentar: “comunistas são porcos”, afirma.
“Cansadas dos nossos políticos”
Ainda assim, poucos jovens têm a ilusão de que estão vivendo em um tipo de democracia sonhada por todo mundo que a Revolução de Veludo fez parecer possível. Radys Kovaík, um estudante de 19 anos de Brno, acompanha a política, mas não tem tempo para o que ele vê como pequenas engrenagens do parlamento de seu país. Ele disse: “Sou interessado por política, mas somente por coisas importantes. Os políticos no nosso país geralmente agem como crianças brigonas”. Radys também acredita que a vida no país é imensamente melhor agora, mas lamenta o fato de que o cidadão comum tcheco perdeu o engajamento político por que as pessoas estão “cansadas de nossos políticos”.
É um pensamento que se espalhou nesse outono. Uma pesquisa feita pelo grupo STEM relatou, no início deste mês, que, enquanto dois terços da população viam a Revolução de Veludo como um dos momentos mais importantes da história tcheca, menos da metade – somente 43% – está satisfeita em como o país progrediu dali em diante. Uma pesquisa do mesmo grupo lançada na última sexta-feira descobriu que 87% do povo tcheco está descontente com a situação política do país.
Na terça-feira, milhares de pessoas se reuniram no centro de Praga para comemorar o início da Revolução de Veludo. A multidão refez o percurso que aqueles esperançosos estudantes que mudaram os rumos da história tcheca fizeram, e nesta multidão havia tanto jovens quanto velhos. De fato, muito dos que falaram com o SPIEGEL ONLINE (tchecos vivendo na Alemanha) voltaram para casa para a celebração.
Mas nem todos. Alguns preferiram ficar em Berlim para ir ao show de Marilyn Manson. “Quase todos nós somos completamente diferentes”, Odehnal diz. “(Minha geração) é livre – mas indiferente e interessada em outras coisas. Nosso estilo de vida mudou completamente. E estamos interessados com o futuro, não com o passado”.

Sarah Karacs


Tradução: Jonas Lunardon

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