terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ABU - NÃO - DA - BI

Por estar arrasado, indignado e para não escrever besteiras faço minhas as palavras de Marco Weisseimer, no seu blog RsUrgente

O preço da soberba: o Inter “preservou” tanto seu time que ele ficou em Porto Alegre


Havia algo de estranho no ar. Um certo aroma de anti-clímax. Milhares de colorados atravessaram mares e continentes para chegar aos Emirados Árabes. A confiança era grande. Muito grande. Mas havia algo de estranho no ar. Diferente do que ocorreu no Japão. Uma coisa chamou-me a atenção nos últimos dias. As entrevistas de jogadores, dirigentes e do técnico do Inter falavam do “nervosismo da estreia”, do “frio na barriga”, dos terríveis “minutos iniciais”. Não era a primeira vez que o Colorado participava de uma competição desse porte. Esses discursos pareciam dizer o contrário. Já entre a torcida o clima era de máxima confiança e esperança, razão que levou milhares de pessoas a viajar milhares de quilômetros.
No fim, o problema não foi o “frio na barriga” ou os “minutos iniciais”. Ao final do jogo, os comentaristas esgrimiam suas primeiras teses classificando a derrota do Inter para o Mazembe de “fiasco”, “vexame”. O Inter perdeu para um time ruim, repetiam em coro. O Mazembe pode até ser um time ruim. Mas, nos 90 minutos, o time ruim foi o Internacional. O Mazembe teve um goleiro que defendeu todas as bolas chutadas pelos atacantes colorados. Já o goleiro colorado não defendeu as duas que os africanos dispararam. A pontaria dos atacantes africanos funcionou. Já a do “ataque” colorado…A defesa e o ataque do Inter foram muito ruins. O time da República Democrática do Congo esbanjou força, confiança e eficiência. Não tiveram frio na barriga em nenhum momento do jogo.
Pior é ouvir, ao final do jogo, o inabalável Alecsandro dizer que fez uma boa partida no primeiro tempo e que só não fez um gol porque Tinga o atrapalhou. Aí podem ser encontradas algumas razões para a derrota. A permanência desse rapaz na equipe, após meses de repetidas atuações medíocres, é indicativo de uma certa soberba que aposta no valor de alguns supostos “medalhões”. Especialista em auto-promoção e em entrevistas sempre generosas consigo mesmo, o centroavante colorado saiu de campo repetindo o mesmo mantra de sempre: joguei bem. Imagine quando jogar mal.
Mas certamente ele não é o único responsável pela derrota. Os maiores responsáveis são os dirigentes do Inter e o técnico Celso Roth que passaram o segundo semestre repetindo que era preciso poupar o time para o Mundial. Após ganhar a Libertadores, o Inter arrastou-se pelo Campeonato Brasileiro, repetindo medíocres atuações, mais ou menos como a de hoje. Maior tempo de posse de bola e absoluta incompetência ofensiva. Toca pra cá, toca pra lá. Bola para Kleber. Chuveirinho pra área. Alecsandro sempre escondido atrás dos zagueiros, esperando uma falha da defesa. Na saída do jogo, um torcedor definiu bem esse quadro: o Inter passou seis meses sem jogar e acreditou que, num passe de mágica, voltaria a jogar bem em um jogo decisivo. Jogou exatamente o que vinha jogando.
Foi um fiasco, é verdade. Mas isso não é o principal. A derrota do Inter para o Mazembe mostrou que o futebol tem sua racionalidade própria. Na imensa maioria das vezes, vitórias e derrotas não são fruto do acaso, tem boas razões a explicá-las. O problema do Inter não foi o frio na barriga ou o nervosismo da estreia. O problema foi uma decisão equivocada de sua direção e de sua comissão técnica que desprezaram a ideia de que a qualidade no futebol tem a ver, entre outras coisas, com repetição, com a atitude de mudar o que não está funcionando. Não foi o nervosismo da estreia que derrotou o Colorado. Foi a soberba dos senhores Fernando Carvalho, Vitória Pífero e Celso Roth que acreditaram que o futebol apareceria num estalar de dedo, após meses guardado no armário, para se preservar. O Inter preservou tanto o futebol que foi campeão da Libertadores que ele acabou ficando em Porto Alegre. Agora é tarde. É enfiar a viola no saco e aguentar a flauta dos gremistas que não esperavam um Natal tão generoso. Resta o consolo (pequeno para um torcedor, é verdade) de que o futebol tem algo a nos dizer sobre a vida, seus acertos e erros. Os fiascos e os sucessos não caem do céu. Eles são cuidadosamente tecidos no dia-a-dia.

Wikiliquidação do Império?

  Por Boaventura de Sousa Santos - no CorreioDoBrasil

WikiLeaks
WikiLeaks

A divulgação de centenas de milhares de documentos confidenciais, diplomáticos e militares, pela Wikileaks acrescenta uma nova dimensão ao aprofundamento contraditório da globalização. A revelação, num curto período, não só de documentação que se sabia existir mas a que durante muito tempo foi negado o acesso público por parte de quem a detinha, como também de documentação que ninguém sonhava existir, dramatiza os efeitos da revolução das tecnologias de informação (RTI) e obriga a repensar a natureza dos poderes globais que nos (des)governam e as resistências que os podem desafiar. O questionamento deve ser tão profundo que incluirá a própria Wikileaks: é que nem tudo é transparente na orgia de transparência que a Wikileaks nos oferece.
A revelação é tão impressionante pela tecnologia como pelo conteúdo. A título de exemplo, ouvimos horrorizados este diálogo – Good shooting. Thank you – enquanto caem por terra jornalistas da Reuters e crianças a caminho do colégio, ou seja, enquanto se cometem crimes contra a humanidade. Ficamos a saber que o Irã é consensualmente uma ameaça nuclear para os seus vizinhos e que, portanto, está apenas por decidir quem vai atacar primeiro, se os EUA ou Israel. Que a grande multinacional famacêutica, Pfizer, com a conivência da embaixada dos EUA na Nigéria, procurou fazer chantagem com o Procurador-Geral deste país para evitar pagar indenizações pelo uso experimental indevido de drogas que mataram crianças. Que os EUA fizeram pressões ilegítimas sobre países pobres para os obrigar a assinar a declaração não oficial da Conferência da Mudança Climática de Dezembro passado em Copenhague, de modo a poderem continuar a dominar o mundo com base na poluição causada pela economia do petróleo barato. Que Moçambique não é um Estado-narco totalmente corrupto mas pode correr o risco de o vir a ser. Que no “plano de pacificação das favelas” do Rio de Janeiro se está a aplicar a doutrina da contra-insurgência desenhada pelos EUA para o Iraque e Afeganistão, ou seja, que se estão a usar contra um “inimigo interno” as táticas usadas contra um “inimigo externo”. Que o irmão do “salvador” do Afeganistão, Hamid Karzai, é um importante traficante de ópio. Etc., etc, num quarto de milhão de documentos.
Irá o mundo mudar depois destas revelações? A questão é saber qual das globalizações em confronto— a globalização hegemônica do capitalismo ou a globalização contra-hegemônica dos movimentos sociais em luta por um outro mundo possível— irá beneficiar mais com as fugas de informação. É previsivel que o poder imperial dos EUA aprenda mais rapidamente as lições da Wikileaks que os movimentos e partidos que se lhe opõem em diferentes partes do mundo. Está já em marcha uma nova onda de direito penal imperial, leis “anti-terroristas” para tentar dissuadir os diferentes “piratas” informáticos (hackers), bem como novas técnicas para tornar o poder wikiseguro. Mas, à primeira vista, a Wikileaks tem maior potencial para favorecer as forças democráticas e anti-capitalistas. Para que esse potencial se concretize são necessárias duas condições: processar o novo conhecimento adequadamente e transformá-lo em novas razões para mobilização.
Quanto à primeira condição, já sabíamos que os poderes políticos e econômicos globais mentem quando fazem apelos aos direitos humanos e à democracia, pois que o seu objectivo exclusivo é consolidar o domínio que têm sobre as nossas vidas, não hesitando em usar, para isso, os métodos fascistas mais violentos. Tudo está a ser comprovado, e muito para além do que os mais avisados poderiam admitir. O maior conhecimento cria exigências novas de análise e de divulgação. Em primeiro lugar, é necessário dar a conhecer a distância que existe entre a autenticidade dos documentos e veracidade do que afirmam. Por exemplo, que o Irã seja uma ameaça nuclear só é “verdade” para os maus diplomatas que, ao contrário dos bons, informam os seus governos sobre o que estes gostam de ouvir e não sobre a realidade dos fatos. Do mesmo modo, que a táctica norte-americana da contra-insurgência esteja a ser usada nas favelas é opinião do Consulado Geral dos EUA no Rio. Compete aos cidadãos interpelar o governo nacional, estadual e municipal sobre a veracidade desta opinião. Tal como compete aos tribunais moçambicanos averiguar a alegada corrupção no país. O importante é sabermos divulgar que muitas das decisões de que pode resultar a morte de milhares de pessoas e o sofrimento de milhões são tomadas com base em mentiras e criar a revolta organizada contra tal estado de coisas.
Ainda no domínio do processamento do conhecimento, será cada vez mais crucial fazermos o que chamo uma sociologia das ausências: o que não é divulgado quando aparentemente tudo é divulgado. Por exemplo, resulta muito estranho que Israel, um dos países que mais poderia temer as revelações devido às atrocidades que tem cometido contra o povo palestiniano, esteja tão ausente dos documentos confidenciais. Há a suspeita fundada de que foram eliminados por acordo entre Israel e Julian Assange. Isto significa que vamos precisar de uma Wikileaks alternativa ainda mais transparente. Talvez já esteja em curso a sua criação.
A segunda condição (novas razões e motivações para a mobilização) é ainda mais exigente. Será necessário establecer uma articulação orgânica entre o fenómeno Wikileaks e os movimentos e partidos de esquerda até agora pouco inclinados a explorar as novas possibilidades criadas pela RTI. Essa articulação vai criar a maior disponibilidade para que seja revelada informação que particularmente interessa às forças democráticas anti-capitalistas. Por outro lado, será necessário que essa articulação seja feita com o Foro Social Mundial (FSM) e com os media alternativos que o integram. Curiosamente, o FSM foi a primeira novidade emancipatória da primeira década do século e a Wikileaks, se for aproveitada, pode ser a primeira novidade da segunda década. Para que a articulação se realize é necessária muita reflexão inter-movimentos que permita identificar os desígnios mais insidiosos e agressivos do imperialismo e do fascismo social globalizado, bem como as suas insuspeitadas debilidades a nível nacional, regional e global. É preciso criar uma nova energia mobilizadora a partir da verificação aparentemente contraditória de que o poder capitalista global é simultaneamente mais esmagador do que pensamos e mais frágil do que o que podemos deduzir linearmente da sua força. O FSM, que se reune em Fevereiro próximo em Dakar, está precisar de renovar-se e fortalecer-se, e esta pode ser uma via para que tal ocorra.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Torneiras fechadas e torneiras abertas

  Frei Marcos Sassatelli   no Correio da Cidadania
 
O ministro da Fazenda Guido Mantega afirmou que o novo governo terá "torneiras fechadas" e repetiu várias vezes que é necessário "frear gastos públicos". Acrescentou que "todos os ministérios terão de dar a sua contribuição". Declarou também que negociar um salário mínimo superior aos R$ 540 previstos no projeto de Orçamento-2011 é "uma ameaça à consolidação fiscal".
 
Disse ainda "ser fundamental que não sejam aprovados projetos em tramitação no Congresso, como a PEC 300, que eleva salários na área de segurança". Além de "cortar despesas de custeio e aumentar a poupança pública", o ministro "se comprometeu a economizar o suficiente para reduzir a dívida pública de 41% para 30% do PIB em 2014" (Folha de S. Paulo, 25/11/10, p. A6).
 
Como se pode perceber pela fala do ministro, está claro que - embora mudando algumas pessoas - a política econômica continua a mesma. Ela está voltada para os interesses do grande capital. "Mudança, mas sem virada de mesa. Executivos do mercado de capitais viram na indicação da equipe econômica da presidenta eleita, Dilma Rousseff, um esforço de renovação, porém, conservando o status quo longamente testado e aprovado" (Ib., p. A8).
 
O povo empobrecido, oprimido e excluído continuará recebendo do poder público "esmolinhas" para que não se revolte e para que continue alimentando o "populismo" dos nossos governantes, tão necessário para fins político-eleitoreiros.
 
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar fechadas para o desvio de verbas, para o superfaturamento nas licitações públicas, para os mensalões, para a barganha política na distribuição de cargos, para a prática da corrupção e para todos os gastos desnecessários, como, por exemplo, a compra do Aerodilma.
 
Quem leu a notícia "governo negocia a compra de novo avião presidencial" e tem um mínimo de senso de justiça deve ter ficado profundamente indignado. É um acinte que subestima a inteligência do nosso povo. Não dá para entender como um governo que pretende ser "dos trabalhadores" (mas que, de fato, traiu "os trabalhadores") se preocupe tanto com posturas ostensivas e luxuosas. Parece que os nossos governantes estão se lambuzando com o poder às custas do povo sofrido. Lembrem-se de que não é o cargo que dá valor e dignidade à pessoa humana, mas é a pessoa humana que dá valor e dignidade ao cargo.
 
O Aerodilma "custa até cinco vezes os US$ 56,7 milhões (…) pagos em 2005 pelo Aerolula, um Airbus-A319 em versão executiva". Que vergonha! As próprias autoridades estão escondendo a cara. "Justificar tal despesa seria complicado, como foi em 2005, e seria fonte certa de desgaste para Dilma (…) Assim, juntou-se a fome com a vontade de comer, e a nova compra está sendo camuflada por uma necessidade real" (Folha de S. Paulo, 29/11/10, p. A12). Vejam só a preocupação do nosso governo. É realmente ridículo. É realmente assustador ver tanta irresponsabilidade.
 
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar abertas para implementar políticas públicas que criem condições permanentes de vida digna para o nosso povo (isso não se faz com "esmolinhas"); que defendam e promovam os direitos humanos; que implantem um sistema de educação pública de qualidade, um sistema de saúde com atendimento respeitoso e competente, um verdadeiro sistema de segurança (sem violência policial); um transporte coletivo eficiente; enfim, políticas públicas voltadas para a geração de empregos com salário justo para todos, principalmente para os jovens, tirando-os do mundo da violência e das drogas (não com salário mínimo de R$ 540, que é uma afronta aos trabalhadores(as)). Isso, sim, significa "virar a mesa" e pôr em prática uma política econômica diferente, uma política econômica humana e a serviço do bem comum.
 
Infelizmente, no sistema capitalista neoliberal, as relações econômicas, internacionais e nacionais, são estruturalmente criminosas e assassinas. Matam os pobres paulatinamente. Basta lembrar que, em 2009, o governo gastou 36% do orçamento da União (380 bilhões de reais) para pagar os juros da dívida pública, enquanto gastou 4,8% para a saúde e 2,8% para a educação. Trata-se de uma verdadeira sangria, que torna os ricos sempre mais ricos à custa dos pobres sempre mais pobres.
 
Por que o governo, dito "popular" e "dos trabalhadores" (não "dos capitalistas"), não promove uma auditoria a respeito da dívida pública, interna e externa, como seus membros sempre defenderam antes de chegar ao poder? A própria Constituição Federal de 1988, a respeito da dívida externa, diz que o governo deve fazer a auditoria, no prazo de um ano, a partir da data de sua promulgação. Não o fez. Por quê?
 
Se o governo promovesse a auditoria da dívida pública, descobriria quem fez a dívida, como o dinheiro foi usado, quem se beneficiou (não foi, certamente, o povo) e, talvez, descobriria que, na realidade, a dívida já foi paga muitas vezes e que o credor é o próprio povo. Isso poderia justificar, legal e moralmente, o cancelamento e o não pagamento da dívida pública e o PIB poderia ser usado integralmente para implementar políticas públicas em benefício do povo.
 
Mas, mesmo admitindo a hipótese que, depois da auditoria, sobrassem algumas dívidas (o que é muito improvável), o governo teria a obrigação moral de pagar a dívida só depois de resolver os problemas sociais básicos do nosso povo e depois que todos tivessem uma vida humana digna. Isso justificaria a moratória.
 
Graças a Deus, ainda tem muita gente que acredita num "outro mundo possível" e num "outro Brasil possível". E é por isso que continua lutando para que o "sonho" se torne realidade. "Vem, Senhor, não tardes mais, és o anseio das nações! Vem curar os nossos 'ais' e expulsar as opressões!" (Canto litúrgico do Advento).
 
Frei Marcos Sassatelli, Frade Dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e membro da Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO, Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia e administrador paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra.

A fraude bilionária no Banco Panamericano

A Verdade - 131210_silvio_pan [Lula Falcão] É comum ouvirmos ou lermos nos grandes meios de comunicação burgueses que a empresa privada é eficiente, à prova de corrupção, lucrativa e possui uma gestão profissional.
A fraude bilionária de R$ 2,5 bilhões no banco Panamericano, propriedade privada da família Silvio Santos, é mais um exemplo do quanto é falsa essa tese da eficiência da empresa privada.
De acordo com o Banco Central (BC), a fraude foi descoberta entre julho e agosto deste ano, mas só foi revelada no dia 9 de novembro, por coincidência no mesmo dia em que o principal acionista do banco, Silvio Santos, recebeu, com aval do próprio BC, um empréstimo de R$ 2,5 bilhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGG), associação criada pelas instituições financeiras para socorrer bancos em dificuldade.
Várias foram as manipulações utilizadas para praticar a fraude pelos diretores do banco, executivos que recebiam salários de 90 mil reais por mês e mais bônus.
A principal, segundo o BC, era a venda de carteiras de créditos para outros bancos sem dar baixa, passando a ideia de que tinha mais recursos do que possuía na realidade. No setor de cartão de crédito, o esquema funcionava da seguinte maneira: um cliente tinha uma dívida no cartão de crédito do banco de R$ 1.000,00, pagava R$ 200,00 e financiava o restante. A dívida era só R$ 800,00, mas ela era duplicada e se transformava em R$ 1.600,00. O banco pagava R$ 1.000,00 aos lojistas e R$ 600,00 restantes eram desviados. Como o banco tem milhares de clientes com cartões de crédito, calcula o BC que nesse setor a fraude foi de R$ 400 milhões.
Há também casos de cartões e de empresas fantasmas, ou seja, de pessoas inexistentes. No total, oito diretores do Banco Panamericano abriram 11 empresas nos últimos três anos, consideradas pela investigação como fantasmas e que serviam para legalizar a fraude. Também há caso de um único cliente do banco receber R$ 120 milhões de rendimento por uma aplicação, graças a taxas muito superiores às do mercado.
De acordo com o jornal Valor Econômico, o principal envolvido na fraude é o ex-presidente do banco, Rafael Palladino, primo de primeiro grau de Íris Abravanel, mulher de Silvio Santos. Palladino é também sócio de Silvio Santos em várias empresas, como o Baú Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários, a Liderança Capitalização S.A., a TV Stúdios Anhanguerra e o próprio Banco Panamericano. (Valor, 15/11/2010)
Mas, para o presidente do Banco Central Henrique Meirelles, o apresentador e empresário Silvio Santos é o maior responsável, pois como principal dono deveria saber o que se passava no banco: "O responsável número 1 é o acionista majoritário", declarou Meirelles.
Após a divulgação do crime, descobriu-se que vários diretores do banco transferiram seus novos bens para parentes e enviaram dinheiro para o exterior. Rafael Palladino, o ex- nº 1 do banco, remeteu quatro meses antes da fraude ser divulgada US$ 2 milhões para os EUA. O dinheiro foi enviado por uma das empresas de Palladino para uma outra empresa sua e da esposa Ruth Palladino, sediada em Miami.
O ex-diretor financeiro do banco, Wilson de Aro, também realizou operações para proteger seu patrimônio nos meses de setembro e outubro. Entre essas ações, está a criação da empresa M2GW com capital de R$ 3,1 milhões, que foi doada aos filhos.
O diretor jurídico Luiz Augusto de Carvalho Bruno e uma sócia, Joyce de Paula, adquiriram a Antillas Emprreeendimentos com capital de apenas R$ 100. Elinton Bobrik, diretor de novos negócios, comprou a Razak Empreendimentos em 9 de dezembro. Ambas as empresas foram criadas como holdings, geralmente usadas para a lavagem de dinheiro em paraísos fiscais. (FSP, 16/11/10)
Gente fina é outra coisa
Silvio SantosApesar de ser um dos maiores roubos já acontecidos no sistema financeiro nacional, cerca de R$ 2,5 bilhões, nenhum alto executivo do banco ou do grupo Silvio Santos foi preso ou mesmo convocado para depor na polícia.
Pelo contrário, o Grupo Silvio Santos recebeu um empréstimo bilionário com condições privilegiadas para pagar, condições tão especiais que nenhum cidadão que tem uma dívida de cartão de crédito ou no cheque especial encontra no mercado. São dez anos para pagar e o primeiro pagamento só começa depois de três anos. O empréstimo não terá juros, mas reajustes de acordo com a inflação medida pelo IGPM. "Eu disse que juros eu não pagaria. Aceitei apenas corrigir o desgaste inflacionário em cima do dinheiro. Tenho dez anos para pagar, com três de carência", declarou o empresário à imprensa após fechar o negócio.
Nesses dez anos, Silvio Santos poderá achar um bom comprador para o banco ou, com suas empresas capitalizadas graças ao empréstimo bilionário, voltar a ter lucros e assim evitar uma nova falência e salvar suas 44 empresas avaliadas em R$ 2,7 bilhões e dadas em garantia do empréstimo. Mas há um detalhe: as ações da emissora de televisão SBT, por se tratar de uma empresa concessionária de radiodifusão, não foram efetivamente entregues em garantia ao empréstimo. Foi feita uma cláusula onde Silvio Santos se compromete a vender o SBT, caso não pague o empréstimo. Mas apenas as TVs de São Paulo, Rio e Brasília estão em seu nome. As outras TVs do SBT estão em nome de sua filha, do irmão, da cunhada e da irmã.
Tem mais. Em primeiro de dezembro de 2009, a Caixa Econômica Federal (CEF) comprou 35,54% do banco (49% das ações com direito a voto) por R$ 739,3 milhões. Na ocasião, não havia evidências públicas de que o banco estaria em dificuldades, embora toda venda de banco sempre esconda alguma incapacidade financeira da instituição em questão. Acontece que essa compra das ações do banco pela Caixa só foi aprovada pelo Banco Central em novembro deste ano, no mês em que a fraude foi divulgada e o empréstimo de 2,5 bilhões de reais obtido. A CEF poderia ter cancelado a compra das ações, pois foi lesada pelo Panamericano, mas não o fez. Manteve o negócio, alegando que tinha interesse na carteira dos clientes do banco.
O grupo Silvio Santos é um exemplo clássico de como funciona uma empresa privada. Nele, esposa, irmãos, filhas, sobrinhos e primos ocupam altos cargos para receberem salários milionários. Sua mulher, Iris Abravanel, é a autora de telenovelas do SBT. As filhas têm cada uma um alto cargo no grupo: Cintia Abravanel dirige o Teatro Imprensa; Patricia Abravanel é diretora executiva da Abravanel Incorporações; Daniela Abravanel é diretora e presidente do  SBT; Rebeca Abravanel dirige a unidade de negócios de moda e beleza do grupo e Renata Abravanel é a diretora de projetos de novas mídias e do site do SBT. Henrique Abravanel, irmão, é diretor de operações do grupo Silvio Santos; Leon Abravanel, sobrinho, é diretor de produção do SBT; Guilherme Stoliar, sobrinho, é atual presidente do grupo Silvio Santos e Fernando Abravanel, também sobrinho, é diretor artístico do SBT. Todos eles com capacidade comprovada, como revela o sobrenome que ostentam.
Como os ricos enriquecem
A fraude bilionária no banco de Silvio Santos deixa bem claro como os ricos constroem suas fortunas, a quem serve a propriedade privada, e como eles se mantêm ricos mesmo quando devem a deus e o mundo.
Diz a lenda que Silvio Santos fez fortuna como vendedor e trabalhando muito, além de ser um  bom patrão. Porém, em 2009, com a queda nos lucros das suas empresas, a primeira medida de Silvio Santos não foi investigar o balanço do banco ou das outras empresas, mas demitir de uma tacada só 1,2 mil funcionários.
Aliás, o próprio Silvio Santos deixou claro numa carta enviada em janeiro de 2000 aos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que sua fortuna não teria tido alcançada se não tivesse o apoio da ditadura militar. Na carta, publicada pela primeira vez no jornal Tribuna da Imprensa pelo jornalista Hélio Fernandes, Silvio Santos confessa que ganhou a televisão do presidente General Ernesto Geisel, que para montar a rede SBT foi ajudado pelo presidente General Figueiredo, e que o governador Orestes Quércia "arranjou" para ele 10 milhões no Banespa, banco do Estado. Vejamos trechos da carta de Silvio Santos ao TRF:
"... em 1976, os homens que governavam o pais, achavam que o BRASIL deveria ter, uma rede  de televisão, que fosse capaz de dividir a audiência e a opinião pública com a REDE GLOBO.  Fui convidado para esta tarefa e ganhei do Presidente GEISEL a concessão de uma emissora de televisão no Rio de Janeiro, a TV CORCOVADO. Na época os meus recursos financeiros eram pequenos, mas com muito trabalho, me saí bem no Rio, passei no "TESTE" e o Presidente FIGUEIREDO achou que eu teria condições pessoais e profissionais para assumir o controle de uma rede, que começou com 4 estações, e que hoje tem 99 afiliadas. (...)
Pedi 10 milhões de dólares adiantados para fazer publicidade do BRADESCO, o LAZÁRO BRANDÃO me ajudou, confiou em mim, penhorei os meus bens e graças ao governador ORESTES QUÉRCIA, consegui mais 10 milhões no BANESPA e, logo após, vendi para o JOSÉ MARTINEZ por 15 milhões de dólares a TV CORCOVADO DO RIO. A situação estava tão ruim que eu ia fechar o BAÚ e entregar a Rede ao Governo. Era muito difícil, quase impossível, conseguir anúncio no mercado publicitário, em razão da concorrência da primeira Rede.
Tentando encontrar uma solução, eu lancei no BRASIL o (CLAM) primeiro plano de saúde com CAPITALIZAÇÃO, que oferecia assistência médica e hospitalar, com a devolução integral do dinheiro capitalizado, após 20 anos. Foi um sucesso de vendas." (Tribuna da Imprensa, 29 de maio de 2007)
Assim, sem as constantes ajudas e favores do Estado, empréstimos em condições privilegiadas e a proteção de órgãos oficiais para promover jogos de azar dizendo que era capitalização para enganar a boa-fé de milhões de pessoas, Silvio Santos já teria falido há muito tempo.
Agora, Silvio Santos recebe uma nova mega-ajuda do Banco Central, que manteve a sete chaves a fraude no seu banco, aguardando a negociação com Fundo Garantidor de Crédito e dando aval ao empréstimo de R$ 2,5 bilhões, e da própria Caixa Econômica que comprou uma massa falida.
Pelo menos por mais dez anos, a família Silvio Santos continuará vivendo no mesmo luxo e riqueza e com todos os seus bens preservados. Afinal, "o crime do rico a lei o cobre". Passados esses dez anos, terá mais uma nova ajudinha, isso se não houver uma transformação profunda neste sistema econômico e político que serve unicamente para sustentar uma minoria de parasitas e para espalhar desemprego e miséria para a imensa maioria da população. Enquanto isso, 11,2 milhões de brasileiros passarão neste Natal mais um dia com fome, como revelou pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre segurança alimentar divulgada em 26 de novembro.

(Lula Falcão é diretor de Redação de A Verdade e membro do comitê central do PCR)

A democracia cultural

Emir Sader no Carta Maior

O modelo econômico social - com as adequações que já começaram a ser colocadas em prática –, que claramente deu certo, deverá continuar a ser a referência fundamental para o próximo governo. Questões fundamentais passarão as vinculadas aos valores que devem predominar em uma sociedade que tem se transformado aceleradamente em toda a década que termina.

Uma expressão da importância dessa esfera foi dada pela campanha eleitoral, em que a comparação entre os governos FHC e Lula era avassaladoramente favorável a este, o que levou a oposição a buscar um atalho de deslocamento para explorar preconceitos no plano dos valores de setores da classe média, mas também se setores populares. Daí a diferença entre o índice de popularidade do governo Lula e a votação que a Dilma conseguiu.

Os valores predominantes na sociedade brasileira, produto das transformações que o neoliberalismo impôs, foram provenientes do “modo de vida norteamericano”, assentado na competição individual no mercado de todos contra todos. Uma visão segunda a qual “tudo tem preço”, “tudo se vende, tudo se compra”, tudo é mercadoria. Uma visão que incentiva o consumidor em detrimento do cidadão, o mercado às custas dos direitos , a esfera mercantil contra a esfera pública.

Os avanços econômicos e sociais geram a base para que os valores predominantes na sociedade brasileira possam mudar nos seus fundamentos. O apoio do povo brasileiro ao governo Lula é resultado do papel essencial que o governo passou a dar aos direitos de todos, independentemente do nível de renda, governando para todos e não apenas para aqueles que têm poder de renda, aqueles que conseguem ter acesso ao consumo por meio do mercado.

Os valores implícitos no modelo econômico e social do governo Lula são os da preponderância do direito sobre a competição, são os direitos de todos e não apenas dos que possuem poder de renda adquirida no mercado. São os dos direitos para todos, do governo para todos, da cidadania estendida a todos. O da reestruturação do Estado em torno dos interesses públicos e sua desmercantilização, sua desfinanceirização.

Os valores que deveriam nortear os novos contornos da sociedade brasileira, de uma sociedade mais justa, deveriam ser os de solidariedade, justiça social, desenvolvimento econômico e social, soberania política, cidadania, direitos para todos. O neoliberalismo buscou mercantilizar tudo, concentrando aceleradamente as riquezas, atentando gravemente contra a democracia, contra o acesso aos direitos para todos.

A construção dos valores de uma nova solidariedade é decisiva para consolidar os avanços econômicos e sociais dos últimos anos, porque é no plano da consciência, dos valores, das ideias, dos costumes e hábitos que regem as vidas das pessoas, que se constroem as formas de sociabilidade. Desmercantilizar é democratizar, é superar o filtro do mercado, que seleciona os que têm poder de acesso a bens, para estender esse direito a todos. É privilegiar a esfera dos direitos em oposição à esfera mercantil.

Na esfera mercantil triunfa quem tem maior poder aquisitivo, uma esfera centrada no consumidor. Na esfera pública todos têm direitos, uma esfera centrada no cidadão. Essa a grande transformação que o Brasil precisa viver nos próximos anos, para se tornar uma democracia não apenas nos planos econômico e social, mas também no plano cultural.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Stiglitz: Ou mandamos os banqueiros para a prisão, ou a economia não vai se recuperar"



Como não se cansaram de repetir o economista James Galbraith e o economista e penalista William Black, não podemos resolver a crise econômica, a menos que ponhamos na cadeia os delinquentes que cometeram atos fraudulentos. E o ganhador do prêmio Nobel de Economia, George Akerlof demonstrou que a negligência em castigar os delinquentes de colarinho branco e, a fortiori, resgatá-los, cria incentivos para que se cometam mais delitos econômicos e para que se proceda a uma destruição futura da economia. Outro Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, acaba de dizer a mesma coisa.

No dia 20 de novembro, Stiglitz declarou o que se segue ao Yahoo’s Daily Finance:

É um assunto realmente importante e nossa sociedade deve compreender cabalmente. Supõe-se que o sistema jurídico é a codificação de nossas normas e de nossas crenças, do que temos de fazer para que nosso sistema funcione. Se se percebe o caráter explorador em nosso sistema jurídico, então a confiança em todo o sistema começa a erodir. E esse é na verdade o problema que temos agora.

Uma multidão de práticas predatórias estão em vias de continuar como se nada tivesse ocorrido no sistema de crédito para a compra de automóveis. Por que está tudo bem para os maus empréstimos no setor automobilístico e não no mercado hipotecário? Há alguma razão de princípio? Todos sabemos a resposta: não. Não há razões de princípio, há razões de dinheiro. São as contribuições para as campanhas eleitorais, a troca de favores, as portas giratórias entre a política e os negócios, todas essas coisas.

O sistema está neste momento desenhado para estimular esse tipo de prática, apesar das multas [a referência é o ex-executivo da Countrywide, Angelo Mozillo, que acaba de pagar 10 milhões de dólares de multa, uma ínfima parte do que ganhou fradulentamente, porque ganhou centenas de milhões de dólares].

Conheço muita gente que diz: é um escândalo que tenhamos tido mais supervisão, controle e prestação de contas nos anos 80, quando se deu a crise de crédito e o arrocho, do que agora. Sim, aplicamos multas neles. E qual é a grande lição que se tira disso? Comporta-te mal, e o governo ficará com 5% ou 10% dos lucros mal havidos, que estarás muito tranquilo em casa, com várias centenas de milhões de dólares que ainda restarão para ti, depois de pagares umas multas que parecem enormes, mas que na verdade são muito pequenas em relação à quantidade de dinheiro que conseguiste embolsar.

O sistema está configurado de tal modo, que mesmo que te peguem, o castigo é apenas uma ínfima parte do que levas para a tua casa. A multa é apenas um custo a mais do negócio. É como uma multa de estacionamento. Às vezes decides estacionar mal sabendo que levarás uma multa, porque começar a dar voltas ao redor do estacionamento leva muito tempo.

Eu acredito que deveríamos fazer o que fizemos nos anos 80, com a crise de crédito e o com o arrocho, e pôr na cadeia um bom número destes tipos. Acredito nisso absolutamente. Não são apenas delitos de colarinho branco, ou pequenos incidentes. Há vítimas reais. É disso que se trata. Houve vítimas no mundo inteiro.

Ou acreditamos que esses tipos que nos meteram no atual estado de coisas mudaram realmente de atitude? Muito pelo contrário. Escutei alguns discursos que diziam: “Na verdade, não fez nada de realmente errado. Não fizemos as coisas muito bem. Mas nossa compreensão desses assuntos é bastante razoável”. Se pensam de verdade isso, estamos numa confusão realmente tremenda.

[A dissuasão do delito] tem aspectos distintos. Os economistas se concentram inteiramente na ideia dos incentivos. Às vezes as pessoas têm incentivos para se comportarem mal, porque podem ganhar mais dinheiro se dão calote ou se metem em atividades fraudulentas. Se queremos que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que o ganho com a fraude seja anulado pelo sistema de castigos e multas.

Por isso, no caso de nossa legislação anti-oligopólica, amiúde não detemos as pessoas quando elas se comportam mal, mas quando o fazem e podemos dizer que há danos constatáveis. Então, pagam três vezes o dano que causaram. É uma forma muito radical de dissuasão.

Desgraçadamente, o que estamos fazendo agora no caso desses delitos financeiros recentes são muitas frações – frações! – do dano direto causado, e uma fração ainda menor do dano social total. Quer dizer, o setor financeiro levou verdadeiramente o a economia global à bancarrota, e se levarmos em conta todos os danos colaterais, estamos falando já realmente de bilhões de dólares.

Mas se pode falar num sentido ainda mais amplo de dano colateral, ao qual não se tem prestado atenção. É a confiança em nosso sistema jurídico, no império da lei e do Estado de Direito, em nosso sistema de justiça. Quando se faz o Juramento de Lealdade [constitucional nos EUA], diz-se “justiça para todos”. Pois bem: as pessoas não têm segurança de que tenhamos justiça para todos. Alguns são detidos por algum delito menor de droga, e dão com os ossos no cárcere por muito tempo; mas quando se trata dos chamados delitos do colarinho branco, que não deixam de ter vítimas, quase nenhum dos sujeitos que os perpetram acaba atrás das grades.

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Permita-me um outro exemplo que ilustra até que ponto nosso sistema jurídico descarrilhou, contribuindo para a crise financeira.

Em 2005 aprovamos uma reforma do processo de falência. Foi uma reforma defendida pelos bancos. Foi concebida para permitir legalmente o empréstimo – o mal empréstimo – a pessoas que não entendiam do assunto e basicamente destinada a estrangulá-las. A espoliá-las. E poderíamos tê-la chamado com justiça de “a nova lei de servidão permanente”. Porque é o que era, na realidade.

Permita-me que conte brevemente o quanto má era essa reforma. Não acredito que os estadunidenses entendam até que ponto era tão má. Ela realmente torna muito difícil que as pessoas consigam liberarem-se da dívida. O princípio básico nos EUA do passado era as pessoas terem o direito de começar bem a vida. As pessoas cometem erros. Especialmente quando são presas de espólio. E então têm direito a voltar a começar bem. Apaga-se a conta e se começa uma nova. Paga o que pode e volta a começar. Agora, se o fazes mais de uma vez, então é outra coisa. Mas ao menos, enquanto andam soltos esses emprestadores predadores, deverias conservar o direito de voltar a começar sem encargos.

No entanto, os bancos dizem: “Não, não e não; não podes liberar-te de tua dívida”, ou não podes livrar-te dela tão facilmente.

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Essa é a servidão permanente. E criticamos os outros países por permitirem esse tipo de servidão duradoura, o trabalho escravo. Mas nos EUA instituímos isso em 2005, sem sequer promover um debate público sobre as consequências. O que essa lei fez foi animar os bancos a realizarem empréstimos ainda piores.

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Os bancos pretendem que acreditemos que não fizeram empréstimos ruins. Negam-se a aceitar a realidade. É um fato que alteraram os critérios contábeis, de modo que os empréstimos prejudicados pela incapacidade dos devedores de pagarem o que devem se contabiliza da mesma maneira que as hipotecas que são pagas em bom prazo e sem mora.

De modo que toda a estratégia dos bancos consistiu em esconder as perdas, seguir enganando e em conseguir fazer com que o governo mantenha os taxas de juros realmente baixas.

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Resultado: se toleramos essa estratégia, terá de se passar muito tempo antes que a economia se recupere.

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 12 de dezembro de 2010

Pensamento Social Espírita e Economia Solidária



Escreve: Sinuê Neckel Miguel no sitio PENSE
Em: Novembro de 2010

INTRODUÇÃO

Em princípio, a muitos pode causar alguma estranheza abordar conjuntamente economia e Espiritismo (1). Em parte, o objetivo desse artigo é desfazer esta impressão mais ou menos generalizada, mostrando as conexões entre os dois conhecimentos e avançando, assim, na proposição fundamental que pretendemos tornar patente: a de que o pensamento social espírita pode ir ao encontro da economia solidária.

Importa frisar que o objetivo deste breve ensaio, caracterizado como um esboço argumentativo, não é sustentar um argumento científico – deseja-se, isto sim, ensaiar filosoficamente a conexão conceitual entre pensamento social espírita e economia solidária.

Dentre outras possibilidades, o pensamento social espírita pode ser entendido como a aplicação das Leis Morais (expostas e refletidas na 3ª Parte d’O Livro dos Espíritos) ao conjunto da sociedade, encarando a vida dos indivíduos na sua permanente conexão com o todo social (2). Partindo do pensamento social espírita pode-se erigir ainda uma ação social espírita.

De outra parte, a economia, na sua origem etimológica, é “o cuidado, a gestão da casa” e por consequência daqueles que nela habitam (3). Nesse sentido, o seu fim último é o bem comum. Por isso economia deve ser a gestão da riqueza para o bem comum, abarcando tanto uma teoria quanto uma prática para realizar tal objetivo.

Como o Espiritismo proclama a máxima cristã de “amar ao próximo como a si mesmo”, parece-nos evidente, portanto, que o bem comum é (ou deveria ser) um ponto de contato fundamental com a economia. Aliás, numa acepção moral absoluta, o bem, em última análise, só pode ser comum (4), pois todo o bem promovido em favor de si tem por consequência um benefício dos que estão próximos, sendo um acréscimo ao progresso da humanidade, enquanto todo o bem promovido em favor do próximo é, pela mesma razão, um benefício para si. Assim, a expressão “bem comum” visa apenas o reforço a uma característica fundamental à ideia de “bem”.

Já a economia solidária pode ser definida de diversos modos. Optamos porém pela seguinte: é
um sistema socioeconômico aberto, fundado nos valores da cooperação, da partilha, da reciprocidade e da solidariedade, e organizado de forma autogestionária a partir das necessidades, desejos e aspirações da pessoa, comunidade, sociedade e espécie, com o fim de emancipar sua capacidade cognitiva e criativa e libertar seu tempo de trabalho das atividades restritas à sobrevivência material, de modo a tornar viável e sustentável seu desenvolvimento propriamente humano, social e de espécie. (ARRUDA, 2003, p. 237).

Os seus princípios são: cooperação, autogestão, viabilidade econômica e solidariedade. Destacamos a autogestão como elemento central de contraposição ao capitalismo (5) (uma condição necessária, porém não suficiente para a sua superação) e a solidariedade como um elo importante com o Espiritismo. Marcos Arruda (ARRUDA, 2003, p. 233) entende que existe na humanidade uma solidariedade ontológica (a de seres da mesma espécie) que, contudo, não é suficiente para estabelecer a solidariedade como lógica predominante na totalidade das relações sociais. Por isso é preciso promover uma solidariedade consciente, o que exige um trabalho de transformação cultural baseado no imperativo racional de que só a solidariedade nos satisfaz plenamente (6). Em outras palavras, só a solidariedade nos leva à felicidade. Portanto, para alcançarmos as condições de felicidade geral, é necessário construir uma sociedade solidária.

Agora, voltemo-nos para o outro princípio destacado na economia solidária, o da autogestão. Mencionamos que este princípio constitui a economia solidária como uma alternativa ao capitalismo. Por quê? Basicamente porque a autogestão solidária prima pela valorização do trabalho acima do capital (7), relação inversa àquela estabelecida pela economia capitalista. Num empreendimento econômico solidário a remuneração deve ser totalmente baseada no fator trabalho, já numa empresa capitalista quem investiu capital é quem terá a maior remuneração.

Mas se a economia solidária é, idealmente, uma alternativa ao capitalismo, devemos responder a uma questão central: por que optar pela economia solidária? A nossa resposta, que pretendemos articular nesse pequeno texto, é: porque o capitalismo é injusto.

A INJUSTIÇA DO CAPITALISMO

Examinemos as razões — ao menos, as que nós consideramos principais — pelas quais o capitalismo deve ser considerado um sistema social injusto.

Em primeiro lugar oferecer capital não vale mais do que oferecer trabalho. Na empresa capitalista, os donos da empresa, por serem os proprietários dos meios de produção (8), têm o poder de se apropriar da riqueza produzida pelos trabalhadores. Essa riqueza tem um valor que é criado pelo trabalho.

Deste valor, que corresponde ao produto social, uma parte tem de ser paga aos trabalhadores, sob a forma de salários. O que resta constitui o lucro bruto, parte do qual os capitalistas redistribuirão como juros, aluguéis, renda da terra e tributos respectivamente a prestamistas, a proprietários de imóveis ou terras e ao Estado. (SINGER, 2008, p. 93)

O restante pode ser em parte reinvestido na empresa e em parte apropriado pelo capitalista para usufruto pessoal. Evidentemente, os capitalistas, por deterem os meios de produção, terão sempre mais riqueza que os assalariados. A relação de troca entre aqueles que oferecem o capital e aqueles que oferecem o trabalho é portanto extremamente desigual e por isso injusta. Afinal, por que deveríamos considerar a posse do capital como mais valorosa do que o exercício do trabalho? (9) Em suma, a repartição da renda no modo de produção capitalista, por se basear na partilha do produto social entre capital e trabalho, é eminentemente injusta, pois o primeiro é sempre mais remunerado que o segundo, sem qualquer justificativa moral para isso.

Neste momento, é importante lembrar o ensino dos Espíritos acerca da relação entre necessário/supérfluo. No capitalismo, os proprietários dos meios de produção (nas grandes empresas, os acionistas majoritários), ou os que detêm o poder de gerência dos meios de produção (a chamada “burguesia gerencial”, ricamente remunerada), têm a permanente possibilidade e inclusive o estímulo ao acúmulo pessoal, visando o gozo de supérfluos que lhes dá a visibilidade de um “status superior”, contribuindo para a manutenção das mesmas relações de poder que lhes conferem privilégios na hierarquia social. Pode-se argumentar que esse comportamento egoísta pode ser transformado pela livre-vontade dos próprios capitalistas, que passariam a utilizar a sua riqueza acumulada para finalidades altruísticas. Entretanto, levando em consideração que este comportamento egoísta prejudica enormemente a imensa maioria da população na Terra, devemos simplesmente aguardar pela transformação moral da elite econômica do planeta, ainda que apelando para a sua consciência? Penso que este raciocínio falha por ignorar o princípio democrático de regulação social. Quando alguém comete qualquer crime (reconhecido social e legalmente como tal) deve ser penalizado de acordo com a legislação vigente. Não nos limitamos a esperar que os criminosos transformem-se moralmente fazendo apenas apelos a sua consciência. Enquanto sociedade, procuramos, isto sim, coibir e punir o crime. Da mesma maneira entendemos a questão social. A apropriação desigual da riqueza com base no regime da propriedade privada dos meios de produção afeta toda a sociedade de modo desigual e injusto, portanto cabe a sociedade organizada dar uma resposta coletiva e democrática — inclusive juridicamente — a tal problema.

Com base nas questões 711 e 717 d’O Livro dos Espíritos, podemos dizer que aqueles que se apropriam dos bens da Terra para além do que deviam, acumulando supérfluos e impondo a escassez do necessário para multidões, “desconhecem a lei de Deus e terão de responder pelas privações que ocasionaram”. Se considerarmos que o capitalismo estimula a concentração do supérfluo para poucos e a escassez do necessário para muitos, então este sistema social deve ser condenado.

Em segundo lugar, a origem do capital não tem relação necessária com o mérito. Isto porque em grande medida o capitalista herda parte do seu capital. E, conforme os estudos históricos e O Livro dos Espíritos, a origem do capital encontra-se frequentemente na astúcia e no roubo (LE 808 e 808a). Portanto, embora seja possível a aquisição meritória de capital, esta modalidade não explica a totalidade e sequer a maioria do montante da distribuição de capital no planeta. Lembrando o quanto é importante a noção de mérito para a Doutrina Espírita, vale destacar que um sistema social que produz desigualdade para além das consequências da desigualdade de mérito, é essencialmente injusto. Para ilustrar o raciocínio, citemos por extenso as questões 806 e 806-a d’O Livro dos Espíritos:

806. A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?
- Não; é obra do homem e não de Deus.
806-a. Essa desigualdade desaparecerá um dia?
- Só as leis de Deus são eternas. Não a vês desaparecer pouco a pouco, todos os dias? Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão-somente a desigualdade de mérito. Chegará um dia em que os membros da grande família dos filhos de Deus não mais se olharão como de sangue mais ou menos puro, pois somente o Espírito é mais puro ou menos puro, e isso não depende da posição social.


Excetuando os progressos no sentido de diminuir a essencialização da desigualdade social (noções como “pureza de sangue”, associadas à de “nobreza”, estão praticamente em desuso na maior parte do globo terrestre), cumpre destacar que estamos longe de uma sociedade em que reste “tão-somente a desigualdade de mérito”.

Outra razão pela qual o capitalismo deve ser considerado injusto é que esse sistema social se alimenta e fomenta a desigualdade. De certo modo já trouxemos esse argumento, porém importa destacar o ciclo vicioso da desigualdade inerente ao capitalismo. Nesse modo de produção é necessária a existência de uma desigualdade básica: a de classes – isto é, a existência dos proprietários dos meios de produção e os proletariados (por definição, os que não possuem meios de produção). Esta desigualdade fundamental inviabiliza qualquer tentativa de promoção da igualdade social, a exemplo da transferência de renda via tributação. Isto por uma razão: quem detém os meios de produção detêm o poder econômico e quem detém o poder econômico, cedo ou tarde, detêm o poder político. Esta equação é demonstrada pela história da humanidade. Além disso, se o capitalismo se alimenta da desigualdade social, ele também a fomenta com a tendência à acumulação e concentração do capital. Por um lado, os capitalistas não podem permitir a igualdade na repartição da renda, pois isso significaria a sua ruína enquanto detentores do monopólio dos meios de produção, já que os assalariados poderiam todos se tornar empreendedores a lhes fazer concorrência, abandonando o posto de assalariado e tornado-se também proprietários de meios de produção.

Por outro, as empresas mais fortes tornam-se vitoriosas no mercado concorrencial, em detrimento das mais fracas. Sendo mais fortes, tendem a vencer e permanecer vencendo e derrubando cada vez mais empresas, à medida que se expandem. No limite, só restam gigantescos conglomerados empresariais, que se fundem rumo aos monopólios, deixando baixíssima possibilidade de empreendedorismo para os micros e pequenos empresários. Esta é a conhecida tendência monopolística do capitalismo.

Quanto à questão igualdade/desigualdade, lembremos mais uma vez O Livro dos Espíritos. Se já vimos que a desigualdade das condições sociais deve desaparecer, é oportuno verificar, em particular, a posição dos espíritos, na obra supracitada, quanto à desigualdade das riquezas. Apesar da igualdade absoluta das riquezas não ser possível, em função da diversidade das faculdades e dos caracteres dos indivíduos (LE 811), o bem-estar é relativo e cada um poderia gozá-lo, se todos se entendessem bem... Porque o verdadeiro bem-estar consiste no emprego do tempo de acordo com a vontade, e não em trabalhos pelos quais não se tem nenhum gosto. Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. O equilíbrio existe em tudo e é o homem quem o perturba. (LE 812; grifo nosso)

Destaquemos dois aspectos da questão. Primeiro: não existe bem-estar na vida dos encarnados sem um mínimo de condições materiais (10). Portanto, a busca por equiparações na renda, na justa distribuição da riqueza, continua sendo fundamental para gerir os recursos, os bens da Terra, no sentido de atender às necessidades de todos, mesmo que uma igualdade absoluta seja inviável e mesmo oposta à justiça baseada no mérito. Segundo: o bem-estar está diretamente ligado ao trabalho. Este aspecto remete ao nosso último argumento para a condenação moral ao capitalismo.

Então, por fim, mas não menos importante, afirmamos que o capitalismo não permite a evolução integral dos espíritos. No capitalismo, para a manutenção do poder dos proprietários dos meios de produção, é importante manter a divisão entre gestão e execução do trabalho, ou entre trabalho intelectual e trabalho manual, ou entre trabalho criativo e trabalho repetitivo, mecânico. Os trabalhadores assalariados não devem dominar a totalidade do processo produtivo, pois isso, acrescido de algum capital (o que pode ser obtido com a soma de diversos pequenos capitais ou mesmo através do Estado), lhes daria o poder de produzirem autonomamente a sua riqueza, o seu sustento, sem a necessidade do “patrão”.

Como vimos, é fundamental para o capitalista manter a mão-de-obra assalariada. E, além disso, é fundamental ainda manter uma mão-de-obra assalariada desempregada, o chamado “exército industrial de reserva”, para o controle dos salários pelos capitalistas, já que se todos estivessem empregados, os trabalhadores assalariados poderiam barganhar livremente o seu salário, buscando a sua elevação, sem o risco de demissão, pois não haveria trabalhadores desempregados para os substituírem (sendo crucial a sua manutenção no quadro das empresas para a manutenção do mesmo nível de produção). De tudo isso concluímos dois problemas para examinarmos à luz da Doutrina Espírita: no capitalismo o desemprego é estrutural (nunca acabará) e o trabalho é intelectualmente limitado e limitante no que concerne a imensa maioria da população mundial.

Em razão desses problemas, cabe tratarmos da questão buscando n’O Livro dos Espíritos a Lei do Trabalho. Sabemos que o trabalho é conceituado como sendo toda ocupação útil (LE 675) e que é imposto ao ser humano encarnado em consequência da sua natureza corpórea, funcionando como uma expiação e um meio de aperfeiçoar a sua inteligência (LE 676). A ideia de trabalho como ocupação útil é de caráter social, pois se trata de sermos úteis aos nossos semelhantes (LE 679). Portanto, não basta uma utilidade egoísta, é necessário beneficiar o próximo, e o próximo inclui toda a humanidade (ou mesmo toda a criação de Deus). Lembrando, é claro, que o trabalho que se caracteriza como um aperfeiçoamento de si (LE 679), por extensão é também um bem para o próximo. Em suma, o trabalho é um fator de desenvolvimento importantíssimo para o Espírito; sem trabalho não há evolução. Sendo assim, um sistema social que necessita do desemprego para se estruturar não pode atender plenamente a uma demanda fundamental do ser humano para a sua evolução.

Não obstante, resta notar que “a natureza do trabalho é relativa à natureza das necessidades” (LE 678). N’O Livro dos Espíritos esta questão (678) parece indicar apenas que quanto menor forem as nossas necessidades materiais, menos material será o trabalho. A ideia de “necessidades”, nesse contexto, parece mesmo estar restrita às necessidades de consumo, de uso de produtos e serviços. Porém, gostaríamos de tentar extrapolar esta noção para provocarmos uma reflexão sobre um dos problemas colocado mais acima, a saber, o da característica limitada e limitante do trabalho assalariado da imensa maioria da população. Já vimos que o trabalho serve ao aprimoramento da inteligência e agora, ainda, pretendemos fazer notar que diante de uma necessidade, de uma demanda, por um maior desenvolvimento intelectual, a organização social deve atribuir às pessoas a consecução de um trabalho menos material, isto é, um trabalho mais intelectual. Portanto, interpretando a noção de necessidade na questão 678 como significando não apenas uma “necessidade de consumo”, mas também uma “necessidade de exercício”, de um fazer intelectual, podemos avançar a tese de que o tipo de trabalho ofertado no capitalismo está aquém das necessidades evolutivas dos seres humanos.

Os seres humanos precisam, para a sua evolução integral, de um trabalho que lhes tragam bem-estar (LE 812) e que lhes favoreçam o aprimoramento da inteligência e da moral, na base dos valores da solidariedade, da cooperação e da autogestão. A possibilidade de exercer plenamente estes valores no campo do trabalho encontra-se na economia solidária.

EM DEFESA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Terminada enfim a argumentação contra a opção capitalista, chegamos à defesa da alternativa da economia solidária. A economia solidária estabelece a centralidade do trabalho frente ao capital. Todos que trabalham recebem integralmente a sua parte da riqueza produzida. O trabalho é a base da remuneração e não o capital. Quem mais trabalha, mais recebe, e quem decide não trabalhar não pode continuar num empreendimento econômico solidário. A solidariedade, entretanto, torna o trabalho um empreendimento “familiar”, no qual todos se ajudam, compreendendo as possibilidades e necessidades particulares; o caráter do trabalho, animado pela solidariedade, ganha em democracia e libera-se das relações hierárquicas.

A economia solidária também promove a propriedade coletiva dos meios de produção, baseando-se em modelos associativistas e cooperativistas. Se verificarmos o que é dito sobre a propriedade n’O Livro dos Espíritos, mais uma vez encontraremos interessantes subsídios para a nossa reflexão. Da questão 880 a 885, Kardec insiste no ponto de vista liberal que defende firmemente o direito à propriedade privada. As respostas dos espíritos, entretanto, relativizam o direito à propriedade, subordinando-o ao critério de justiça. A propriedade só é legítima quando “foi adquirida sem prejuízo para os outros” (LE 884) e o que for acumulado como fruto de um trabalho honesto deve servir ao próximo, já que a intenção deve ser a de “auxiliar o seu semelhante” (LE 883-a). Na questão 881 fala-se ainda em ajuntar o que necessitamos para viver e repousar através de um trabalho honesto, “em família, como a abelha” e não “como um egoísta”. Ora, a propriedade privada dos meios de produção, por alijar o próximo (que não a possui) do direito a usufruir da riqueza que produz como fruto do seu próprio trabalho, não preenche os requisitos morais que a Doutrina Espírita prescreve para a legitimação da propriedade. Isto é, já que a propriedade privada dos meios de produção traz em última instância um “prejuízo para os outros” (os que não detêm essa propriedade), ela, a nosso ver, enquadra-se na categoria de propriedade ilegítima. Por mais consagrada que seja na nossa sociedade esta categoria de propriedade, devemos ter muito cuidado para não absolutizá-la como inevitável e como a mais justa das formas legais. Nesse sentido citamos a questão 885 para nossa meditação:

885. O direito de propriedade é sem limites?
- Sem dúvida, tudo o que é legitimamente adquirido é uma propriedade, mas, como já dissemos, a legislação humana é imperfeita e consagra frequentemente direitos convencionais que a justiça natural reprova. É por isso que os homens reformam suas leis à medida que o progresso se realiza e que eles compreendem melhor à justiça. O que num século parece perfeito, no século seguinte se apresenta como bárbaro.


Com a autogestão, temos a possibilidade de um desenvolvimento integral do Espírito, pois a todos cabe a atividade eminentemente intelectual de gerência e direção além da atividade eminentemente material do trabalho manual. Para isso estabelece-se o rodízio das funções (uma diretoria pode manter-se por um ou dois anos, devendo ser substituída por novos membros, perfazendo idealmente a totalidade dos associados ou cooperados) e a polivalência de todos, dando o conhecimento de todo o processo produtivo, necessário para uma ideal coordenação de esforços. O processo decisório na condução do empreendimento econômico solidário se completa com a assembleia dos trabalhadores (na qual cada “cabeça” vale um voto) e outras instâncias que se mostrem eficazes na gestão democrática. Com tudo isso oferta ainda a possibilidade crescente de adoção de trabalhos que atendam às necessidades específicas de gosto e aptidão (inclusive com o horizonte aberto de desenvolvimento de novos gostos e aptidões), o que deve levar ao almejado bem-estar (LE 812).

Recordemos que o trabalho estrito, para a produção de valor, cobre quase um terço da vida adulta dos seres humanos, já que a maioria das pessoas trabalha cerca de oito horas diárias, subtraindo folgas semanais e férias remuneradas. Se excetuarmos ainda o tempo reservado ao sono, necessário ao descanso do corpo físico, que idealmente fica em torno de oito horas diárias, o trabalho para a produção de valor responde pela metade da ocupação do nosso tempo de encarnação. É muito! Em razão disso acreditamos que esta esfera da vida social deva receber maior atenção de todos, pois muito contribui para a qualidade da nossa existência.

A autogestão no trabalho deve concorrer também para a promoção de uma cultura política autogestionária. Isto é, uma sociedade que inclua a todos, enquanto cidadãos, na atividade de gerir a si mesmos, em todas as esferas da vida. Trata-se de assumirmos uma responsabilidade solidária perante nós mesmos e perante toda a humanidade, construindo coletivamente direitos e deveres, tomando decisões que afetam a si e ao outro. Uma cultura autogestionária e solidária corresponde, a nosso ver, à aplicação social da máxima cristã: “ama ao próximo como a ti mesmo” ou “faça aos outros aquilo que quer para si”. Nessa perspectiva, o modelo atual de Estado deve ser substituído paulatinamente por uma estruturação política radicalmente democrática, pautada pela livre associação, com ênfase na tomada de decisão direta e na representação organicamente ligada aos interesses coletivos, definidos do particular ao geral, com o envolvimento de todos. É claro que isto tudo exige um imenso trabalho cultural de educação para a autogestão solidária, ao qual ninguém pode se furtar se desejar contribuir para a realização de uma sociedade mais justa e amorosa.

No momento, já é possível notar que a economia solidária preenche, idealmente, o requisito moral de não cometer injustiças (o que a economia capitalista não consegue). Além disso, num sentido positivo, a economia solidária promove a justiça e o amor, conectando na sua prática os valores da cooperação, da autogestão e da solidariedade.

A essa altura, também, muitos já devem ter se questionado se a economia solidária equivaleria ao socialismo. De fato, a economia solidária pode ser considerada uma forma de socialismo, o socialismo autogestionário (NASCIMENTO, 2003, p. 226-232). Para Paul Singer, por exemplo, a economia solidária é, na sua idealidade, o socialismo por excelência, considerando as demais tentativas de implantação do socialismo como experiências pseudossocialistas, já que não passariam de economias centralmente planejadas (a exemplo da ex-URSS) ou de arremedos de autogestão numa economia de mercado (a exemplo da ex-Iugoslávia). Para os espíritas, vale considerar a idéia de um socialismo cristão (11), humanista e espiritualista, que não impõe, que não subvaloriza a criatividade e a vontade individual, mas que almeja a justiça, a solidariedade e o pleno desenvolvimento da humanidade. A este socialismo cristão consideramos equivalente ao que hoje se convencionou chamar de economia solidária (12).

AÇÃO SOCIAL ESPÍRITA

Para finalizarmos este pequeno artigo, faremos uma breve reflexão sobre a ação social espírita e a transformação da sociedade. Sabemos da complexidade do assunto que traz à tona a discussão acerca do papel do Espiritismo no mundo. Não pretendemos fechar opinião ou apresentar qualquer síntese de pensamento. Nem nos sentimos capazes para tanto. Trata-se apenas de esboçar algumas questões e sugestões para encaminharmos a proposta de inclusão da economia solidária como pauta da ação social espírita.

Fundamentalmente, a ação social espírita se justifica a partir de um diagnóstico sobre as demandas por melhorias que a nossa sociedade apresenta. Intervir na sociedade para contribuir com o progresso (13), eis o objetivo mais geral da ação social espírita. Existem muitas formas legítimas de intervenção, já que as necessidades, as carências existentes no nosso planeta são múltiplas. Queremos, no entanto, enfatizar a necessidade de contribuirmos, enquanto espíritas, para uma mudança na organização da sociedade. Defendemos o princípio de que só podemos superar definitivamente os problemas existentes se atuarmos nas suas causas, não tratando meramente de minorá-los enquanto efeitos. O raciocínio é análogo ao que se pode aplicar às doenças: tratar das causas das doenças é o único modo de nos vermos livres delas, enquanto que o tratamento sobre os sintomas serve apenas para aliviarmo-nos temporariamente da dor.

A resposta à questão 930 d’O Livro dos Espíritos resume e exemplifica bem esta relação entre um problema e a sua causa estrutural: “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome” (grifo nosso). Está claro aí que o problema da fome só pode encontrar solução numa mudança organizacional da sociedade. E quando falamos de uma proposta de aderirmos à economia solidária, estamos falando justamente de uma mudança organizacional da sociedade.

Comumente, porém, pensa-se que o Espiritismo prescreve que a mudança da sociedade ocorre exclusivamente a partir da reforma ou transformação (14) dos indivíduos, numa relação causal linear e unidirecional. Todavia, diversas passagens d’O Livro dos Espíritos nos sugerem que a relação entre transformação individual e transformação social é bidirecional, uma influenciando a outra recíproca e incessantemente. No próprio comentário de Kardec à questão 930 acima citada esse raciocínio se evidencia:

Com uma organização social previdente e sábia o homem não pode sofrer necessidades, a não ser por sua culpa. Mas as próprias culpas do homem são frequentemente o resultado do meio em que ele vive. Quando o homem praticar a lei de Deus disporá de uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e com isso ele mesmo será melhor.

Em reforço, podemos citar ainda uma passagem da resposta de Fénelon à questão 917, que faz referência às instituições sociais e à sua força influenciadora sobre a ação dos indivíduos:

(...) É o contato que o homem experimenta do egoísmo dos outros que o torna geralmente egoísta, porque sente a necessidade de se pôr na defensiva. Vendo que os outros pensam em si mesmos e não nele é levado a se ocupar de si mesmo mais que dos outros. Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais, das relações de povo para povo e de homem para homem, e este pensará menos em si mesmo quando vir que os outros o fazem; sofrerá assim a influência moralizadora do exemplo e do contato.

Transformar as instituições é um modo eficaz de concorrer para a obra geral da criação – uma das finalidades da encarnação – e assim progredir (LE 132). Portanto, devemos nos dedicar a promoção do progresso geral para progredirmos individualmente. Precisamos “fazer o bem no limite das próprias forças, pois cada um responderá por todo o mal que tiver ocorrido por causa do bem que deixou de fazer” (LE 642). Neste particular, na questão 932 encontrarmos um alerta:

932. Por que, neste mundo, os maus exercem geralmente maior influência sobre os bons?
- Pela fraqueza dos bons. Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos. Estes, quando quiserem, assumirão a preponderância.


A educação aparece como a chave da transformação das instituições que sustentam e provocam os valores inferiores (LE 914). E, além disso, parece ser consenso que o Espiritismo encontra na educação o seu papel central de coadjuvante do progresso da humanidade, em consonância com o raciocínio exposto por Kardec n’A Gênese, cap. 18, itens 24 e 25.

Não obstante, educação não é somente escola, e evangelização não é apenas o ensino livresco de matéria cristã ou espírita. É neste sentido que queremos propor que as instituições espíritas assumam uma atividade educativa voltada para a autogestão e o cooperativismo. Diversas instituições espíritas já promovem em seus espaços ações educativas de cunho profissionalizante, visando à inclusão social para o mercado de trabalho. Por que não adotarmos então ações educativas que promovam a economia solidária, com o trabalho cooperativista e os valores da autogestão e da solidariedade? Esta prática seria ao mesmo tempo uma educação através do trabalho e uma educação do próprio trabalho, tornando-o solidário. Ao invés de inserir as pessoas num mercado de trabalho repleto de injustiças próprias ao capitalismo – solução apenas paliativa do problema da exclusão – poderíamos contribuir para a promoção de um novo tipo de trabalho, de num novo tipo de economia e de um novo tipo de sociedade, fundada nos valores da solidariedade, da autogestão e da cooperação, estreitamente relacionados ao ideal revolucionário francês (o qual Kardec referendou, como se pode verificar em Obras Póstumas) da tríade: liberdade, igualdade e fraternidade.

Para encerrarmos esse breve ensaio, uma última observação parece-nos crucial. Todos queremos a paz, o entendimento fraterno entre todas as pessoas. Porém, só atingiremos este ideal através da justiça:

812-a. É possível que todos se entendam?
- Os homens se entenderão quando praticarem a lei da justiça.


NOTAS

(1) Como podemos notar em alguns textos na Revue Spirite, Allan Kardec objetava que fossem discutidos assuntos como economia, política e religião nas sociedades espíritas, alegando que este tipo de assunto traria divisionismos que obstariam a unidade fraternal em torno dos princípios do Espiritismo. Assim, seria pertinente apenas a explanação genérica em torno de princípios morais amplos fundamentais à Doutrina Espírita. Entretanto, na prática Kardec imiscuiu-se nesses assuntos, opinando de acordo com o seu arcabouço cultural em temas como a desigualdade das riquezas (temática da economia), a igualdade de direitos e a liberdade de consciência (temas da política), e ainda diversos temas religiosos, como as doutrinas do céu e do inferno. De nossa parte, acreditamos que o Espiritismo, como corpo de conhecimento filosófico, toca em todos estes assuntos. O alcance e desenvolvimento das relações entre princípios morais gerais e suas consequências teóricas e práticas nos diversos campos do conhecimento e da ação humanos deve se efetivar através de um trabalho de reflexão e experimentação coletivos que parta de possíveis inferências de princípios básicos até a constituição de proposições mais complexas que permitam o teste na prática, tanto nas experiências individuais quanto coletivas. Sobre a relação entre política e Espiritismo, ver O Espiritismo e a Política para a Nova Sociedade: Reflexão e Ação para Espiritualizar o Social, de Aylton Paiva (PAIVA, 1996).

(2) Sobre o pensamento social espírita, ver Anais do I Encontro Nacional Sobre a Doutrina Social Espírita (1985) e Espiritismo e Sociedade, publicado em 1986 para o II Encontro Nacional Sobre o Aspecto Social da Doutrina Espírita (1987) em: http://www.viasantos.com/pense/livros.html.

(3) Esta definição etimológica de economia é usualmente utilizada por autores ligados ao movimento da economia solidária, que visam uma revisão crítica da própria ciência econômica de um modo geral.

(4) O bem exclusivamente para si, egoísta, em realidade não existe, não passa de uma ilusão. Os que pensam estar fazendo o bem para si, por exemplo, ao gastar grandes quantias de dinheiro para viver luxuosamente, na verdade estão fazendo o mal para si, por viciarem-se em prazeres egoístas que os afastam da relação amorosa com a humanidade.

(5) Entendo capitalismo como sendo, basicamente, um sistema socioeconômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, encerrando uma contradição fundamental entre o caráter social da produção e o caráter privado da apropriação.

(6) Esta afirmação de Arruda é extremamente importante. A este respeito, o autor elabora engenhosamente uma reflexão filosófica utilizando-se de alguns dados científicos. Insiste, por exemplo, que o diferencial evolutivo do ser humano não é a agressividade nem a competitividade, mas sim a sociabilidade, a cooperação e a solidariedade. Para conhecer em detalhe estas proposições de Marcos Arruda ver Humanizar o Infra-humano: A Formação do Ser Humano Integral: Homo Evolutivo, Práxis e Economia Solidária (ARRUDA, 2003b).

(7) Capital, conforme Karl Marx, é uma relação social que, no capitalismo, assume o caráter de exploração do trabalho pelos capitalistas para a obtenção do lucro através da extração da mais-valia (o valor do trabalho não pago àquele que trabalha) da força de trabalho dos proletários (aqueles que não possuem os meios de produção). Com isso, além da produção de bens e serviços, obtêm-se o lucro e a manutenção do capital. O capital assume materialmente a forma de meio de produção.

(8) Meios de produção é tudo aquilo que serve à consecução da produção, incluindo terra, matéria-prima, instalações, ferramentas e mão-de-obra.

(9) É comum a muitos economistas alegar-se o fator “risco do negócio” como a contrapartida do empresário na relação capital-trabalho com o empregado. Entretanto, devemos indagar: risco equivale a trabalho? E ainda, o risco do investimento do capital em um dado negócio justifica moralmente o fato de o empregador ser mais bem remunerado que o empregado? Contudo, essa seria uma discussão válida, do ponto de vista prático e moral, somente se todos tivessem condições econômicas de optar por esse risco. Não obstante, mesmo no caso hipotético de uma igualdade econômica que desse a todos a condição de optar entre correr o risco do negócio ou trabalhar, ainda não percebo qualquer justificativa moral para dizermos que correr o risco do negócio é mais meritório do que trabalhar. Importa ainda a constatação de que, no mundo do trabalho, quem corre mais riscos em termos de sobrevivência ou de manutenção do atendimento a necessidades básicas para uma vida digna, é o operário e não o dono de empresa fartamente remunerado.

(10) Veja-se a resposta à questão 922 d’O Livro dos Espíritos, acerca da existência de uma medida comum de felicidade para todos os homens: “– Para a vida material, a posse do necessário; para a vida moral a consciência pura e a fé no futuro” (LE 922, grifo nosso).

(11) Um socialismo de tipo “cristão”, a ser adotado pelos espíritas, só é pertinente se o cristianismo for entendido à luz do Espiritismo, isto é, em seu caráter universalista, preservando-lhe apenas o estritamente universal – que são os seus postulados morais fundamentais, resumidos na lei do amor (assim, o cristianismo pertencente à história e seus agentes humanos, naturalmente repleto de imperfeições, é descartado dessa adjetivação). Este socialismo cristão deve ser ao mesmo tempo humanista – por valorizar o desenvolvimento do ser humano com base nos seus direitos e deveres fundamentais, e nas suas potencialidades evolutivas. E ainda, certamente espiritualista, por assentar as bases da fraternidade, da igualdade e da liberdade na existência imortal do Espírito. Para os espíritas, parece válido assumi-lo simplesmente como “socialismo espírita”. Que estas distinções, não sirvam, contudo, para impedir os espíritas de aproximarem-se de outros segmentos da sociedade que porventura abracem a causa de um socialismo carregado de valores e princípios equivalentes ou similares àqueles mais fundamentais ao Espiritismo.

(12) Afirmar um socialismo cristão não significa a busca por um Estado teocrático. O Estado laico é uma conquista importante que permite, entre outras coisas, a liberdade religiosa. Sendo assim, o que queremos destacar aqui é que há uma convergência de princípios entre socialismo, cristianismo e economia solidária.

(13) Apesar da grande diversidade de acepção do termo ‘progresso’, para os espíritas ele prende-se ao conceito de evolução, caracterizando-se como uma trajetória que vai do imperfeito ao perfeito. Os parâmetros são intelectuais e morais. A finalidade é a felicidade.

(14) Os termos ‘reforma’ e ‘transformação’ parecem ser equivalentes para Kardec, por utilizá-los, ao menos aparentemente, de modo indistinto. Preferimos, todavia, o termo transformação ao termo reforma por indicar, numa acepção corrente, uma mudança mais ampla e profunda, tanto a nível individual quanto coletivo.

BIBLIOGRAFIA

ARRUDA, Marcos. Socioeconomia solidária. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.
________. Humanizar o infra-humano: a formação do ser humano integral: homo evolutivo, práxis e economia solidária. Petrópolis: Vozes, 2003b.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995.
________. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
________. A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
________. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1973.

NASCIMENTO, Claudio. Socialismo autogestionário. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.

PAIVA, Aylton. O Espiritismo e a política para a nova sociedade: reflexão e ação para espiritualizar o social. Lins: Casa dos Espíritas Livraria Espírita Libertação, 1996.

SINGER, Paul. Aprender economia. São Paulo: Contexto, 2008.

Sinuê Neckel Miguel, bacharel em História pela UFRGS, mestrando em História pela Unicamp, pesquisa a história do movimento espírita brasileiro, tendo publicado artigos sobre o tema. Atuou como evangelizador infanto-juvenil e com a juventude espírita através do Grupo de Programação Juvenil (GPJ) - União Distrital Espírita (UDE) Partenon, de Porto Alegre-RS. Foi um dos idealizadores do GPDHE (Grupo de Pesquisa e Documentação Histórica sobre Espiritismo), no Rio Grande do Sul. Atualmente participa ativamente do NEUU (Núcleo Espírita Universitário da Unicamp).
E-mail: sinueneo@gmail.com

'Liberdade de expressão' é falar o que o dono quer

Diário Liberdade - 121210_glob [Laerte Braga] O Departamento de Estado, a secretária de Estado para ser mais preciso, Hillary Clinton, ficou maravilhada com o relatório do agente William Waack sobre as possibilidades do candidato José Serra. Waack, que faz plantão na Globo no estilo sério – não sabe o que é isso – fez uma análise pré-eleitoral onde afirmava que Serra iria vencer. O comunicado aos patrões, os donos, foi feito via embaixada dos EUA no Brasil.
Deu tudo errado.
Um dos grandes problemas da mídia norte-americana é evitar que venham a público as brigas do casal Obama. Michele não aguenta mais, dizem uns poucos jornais e assim mesmo de periferia, as escapadas do marido com atrizes. Tentativa de imitar John Kennedy, pena que falte Marilyn Monroe.
Seguram as pontas também no que diz respeito aos documentos secretos revelados pelo site WikiLeaks.
No Brasil então nem é preciso recomendar à mídia privada que faça isso. É só estalar o chicote que William Waack sai pressuroso a fazer essas análises perfeitas onde tudo acontece ao contrário. A mesada deve diminuir, só essa consequência.
Waack cumpre um papel importante em mentir diariamente através dos telejornais da Globo e iludir uma parcela ponderável da opinião pública com aquele jeito de jornalista. Não é. Mande ele recitar o código de ética da profissão. É agente estrangeiro numa empresa que funciona como laranja do governo dos EUA.
E assim vai a Folha de S. Paulo, Veja, Estado de S. Paulo, Estado de Minas (o controle acionário não sei de quem é, mas da vergonha dos caras é de Aécio e sua turma, cortam até vírgula).
As últimas revelações do site WikiLeaks falam em pedido de um general Padilha, colombiano, traficante, no governo do narcotráfico, o de Álvaro Uribe, para que o presidente da Venezuela seja espionado, o do Equador idem e as informações coletadas repartidas com a Colômbia.
Em troca o general dava a mãe, a mulher, os filhos, as forças armadas colombianas e a própria Colômbia.
Os EUA, lógico, não aceitam de primeira para regatear, tomam conta na segunda.
São os tentáculos da elite como disse Julian Assange.
Silêncio total da mídia privada/vagabunda que vive pedindo e clamando por liberdade de expressão.
Quem é que vai dizer que os norte-americanos, está nos documentos, consideram que militares latino-americanos são susceptíveis de serem cooptados (comprados com brinquedinhos que soltam fogo) e golpistas.
Todo mundo sabe disso. A imensa e esmagadora maioria das forças armadas de países latino-americanos bate continência para Washington e se a turma exigir cai de quatro.
E cooptados é um termo leve, imagine quanto o tal brigadeiro comandante da Força Aérea “Brasileira” não ganhou de mimos para defender a compra de aviões fabricados pela Boeing. Que nem o general Heleno, comandante da Vale, quando permitiu ataques a reservas indígenas.
A mídia privada no Brasil é podre, fétida e sabe disso, não liga à mínima. Importante é prestar serviços aos donos, mentir, defender de mentirinha a liberdade de expressão, a canalhice diária de jornais, rádios e tevês, semanal ou mensal de revistas.
E colocar Julian Assange contra a parede agora da tal “segurança internacional.” A não ser que façam a coisa manu militari, ou seja, percam a vergonha total, neste momento, americanos e os povos da Europa colonizada já pensam duas vezes que entraram numa fria na armação contra o fundador do site.
O curso do processo vai custar caro e muitos outros documentos.
Vai ser longo. Rápido, só se passarem por cima das leis da antiga Grã Bretanha, hoje base militar norte-americana. Os caras ainda gostam de fingir que aquilo lá é uma nação.
Pelo menos para constar ao resto do mundo que o império onde o sol não se punha virou adereço da antiga colônia da América do Norte.
Grã Bretanha hoje só em filme antigo e aqueles negócios de rainha Vitória e piratas.
Imagino general colombiano negociando com embaixador dos EUA a troca de informações sobre Hugo Chávez e a cessão de uma base militar ao irmão do norte, rico e poderoso em brinquedinhos que cospem fogo.
General colombiano é que nem viciado longe da droga quanto encontra uma graminha ali. Cai e pasta.
Quando vê F-18 voando então, aí tem orgasmo e começa a gritar que é patriota.
Lá pelas tantas não percebe que é borboleta com várias cores e matizes, tudo terminando em malas de dólares.
Os bancos? Suíços ainda são os mais seguros. O país onde Hitler guardava o seu dinheirinho não perdeu o velho cinismo.
Lula deu uma traulitada nessa dita mídia independente. Os caras nem reagiram, iriam ter que discutir o assunto e isso não interessa a eles.
O que interessa é o show e está chegando a edição de 2011 do Big Brother Brasil. Felicidade geral e alienação idem.
O prostíbulo em sua casa. Tem diferença de general colombiano e de embaixador dos EUA?
Ou de William Waack fazendo análise para o Departamento de Estado?
Queria ver como o cara, ou o William Bonner, nos documentos que constam torturas, estupros, sequestros, assassinatos, etc, todo o repertório, como os caras iriam falar. “Fadas da liberdade”, ou terroristas?
Eles escondem, sentam em cima e ganham uma nota para fazer o leitor, telespectador, ouvinte, que distinto seja, de bobo.
É a “liberdade de expressão deles”. A expressão dos que pagam, logo, compram.
Vai um Moreira Franco aí? Tá baratinho, saiu do túmulo, está meio decomposto, muito formol, coisa de dez por cento, se quiser levar inteiro, tá soltando pedaço, faço por oito por cento.