Marcio Pochmann
A temática da qualificação da mão de obra não é desprezível no atual
momento pois corre o sério risco de se tornar um verdadeiro entrave ao
curso do desenvolvimento nacional, quando não um constrangimento
adicional ao avanço adequado dos grandes eventos esportivos para 2014
(Copa do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos). Na crise
internacional transcorrida no fim de 2008, o ciclo de expansão produtiva
com forte emprego assalariado formal iniciado três anos antes foi
arrefecido, o que permitiu postergar resoluções necessárias em torno da
temática da qualificação da força de trabalho no país.
Desde o segundo trimestre de 2009, contudo, a produção nacional voltou a
se recuperar, fruto das positivas políticas anticíclicas adotadas pelo
governo federal. Tanto assim que, no ano de 2010, a economia registrou
forte expansão do Produto Interno Bruto (PIB), com impactos
significativos na geração de mais de 2 milhões de empregos formais. Por
força disso, algumas regiões e setores de atividade econômica
apresentaram, inclusive, alguns sinais de escassez relativa da mão de
obra qualificada. Em geral, é possível assumir que o emprego de
profissionais das engenharias pode ajudar a observar - ainda que
sinteticamente - o impacto da expansão econômica sobre a determinação do
nível de ocupação do trabalho qualificado.
No contexto de expansão das atividades econômicas que demandam
crescentemente força do trabalho mais qualificada, devem ser
considerados primordialmente os elementos determinantes da oferta
laboral, sobretudo aquela derivada das engenharias, frente às suas
interligações com outras categorias profissionais. Assim, não há com
deixar de relacionar o processo de formação superior nas engenharias,
uma vez que o ensino superior no Brasil é constituído por duas centenas
de universidades, 127 centros universitários e quase 2 mil faculdades e
institutos de educação tecnológica, responsáveis pela absorção de quase 6
milhões de alunos.
Nos dias de hoje, são cerca de 830 mil pessoas que se graduam
anualmente, equivalendo a menos de 26% do total de vagas ofertadas a
cada ano pelo ensino superior. Das 3,2 milhões de vagas disponíveis pelo
conjunto dos cursos de graduação, 322 mil são de responsabilidade da
área das engenharias (engenharia, produção e construção), ou seja, 10,2%
do total de vagas abertas no país por ano. Para esse contingente de
vagas, registram-se mais 770 mil candidatos (12,5% do total de
candidatos aos cursos de ensino superior), o que resulta em 2,4
candidatos por vaga em todo o Brasil (para mais detalhes, ver a
publicação Radar nº 12, do Ipea, de fevereiro de 2011).
No ano de 2009, houve a graduação de 47,1 mil engenheiros, que
equivaleram a apenas um pouco menos de 15% do total de alunos que
ingressam nos cursos de engenharia. Isso significa que as engenharias
registraram elevados índices de evasão, impondo baixa quantidade de
concluintes nos cursos de graduação e certo desperdício de recursos
humanos e financeiros para vagas não ocupadas ou ocupadas por período
demasiadamente longo. Além disso, assinala-se também o problema
associado à qualidade formativa dos engenheiros, uma vez que 42,3% dos
concluintes das engenharias que se formaram em 2008 são oriundos de
instituições de nível superior que detêm baixo desempenho na
proficiência acadêmica, segundo informações do Ministério da Educação
(MEC). Ainda para o MEC, somente um em cada grupo de quatro graduados
provém de instituições com nível superior de alto desempenho
educacional.
Adicionalmente, ressalta-se que a oferta total de engenheiros formados
no Brasil não se encontra ainda plenamente absorvida pelas atividades
tradicionais das engenharias. Em plena década de 2000, por exemplo,
constatou-se que, do total da mão de obra qualificada nas engenharias,
estimada em 550 mil profissionais, havia menos de 1/3 exercendo
atividades finalísticas da profissão. Esse desvio na alocação dos
profissionais das engenharias em relação ao emprego final resulta de
duas décadas anteriores de baixa demanda de engenheiros devido ao
contido dinamismo econômico e quase ausência de investimentos em
infraestrutura nacional.
Da situação atual de disponibilidade nacional de engenheiros, deve-se
considerar o ingresso do contingente de graduandos a cada ano e o desvio
de profissionais para outras áreas de ocupação, o que pode permitir
antever alguns dos possíveis constrangimentos à demanda de pessoal
qualificado a serem atenuados. Em 2009, por exemplo, 323 mil engenheiros
foram contratados em todo o país, o que significou duas vezes mais a
abertura de vagas que o verificado no ano 2000. Se a economia brasileira
vier a crescer 6% em média nos próximos quatro anos, por exemplo, a
demanda por engenheiros em 2014 pode chegar a quase 650 mil novos
profissionais.
É em função disso que a formação de mão de obra qualificada no Brasil
requer atenção, seja no processo formativo, seja no ambiente de
contratação por parte das empresas. A ampliação das vagas no ensino
superior pressupõe enfrentar simultaneamente tanto a qualidade dos
cursos ofertados como a enorme evasão dos estudantes. Ao mesmo tempo,
cabe mencionar a necessidade da oferta de cursos de readaptação ao
ambiente de trabalho nas engenharias para aqueles profissionais que se
encontram desviados e podem retornar às atividades finalísticas
tradicionais. Considera-se que, do ponto de vista da demanda de mão de
obra qualificada, há espaço para avançar nas relações de trabalho,
especialmente naqueles setores mais dinâmicos em termos de contratação
de trabalhadores.
O processo de formação no próprio local de trabalho pode ser uma
oportunidade desenvolvida com apoio das instituições de representação
dos trabalhadores e do governo federal, o que inibiria o veto à
contratação de profissionais sem prévia experiência profissional. Também
a restrição à elevadíssima rotatividade contratual permitiria que os
investimentos na qualificação da força de trabalho pelas empresas se
convertessem em maior segurança na própria ocupação por maior tempo.
Isso implica planejamento democrático e participativo, sobretudo dos
diretamente interessados em impedir que a escassez de mão de obra seja
mais um obstáculo ao curso do desenvolvimento nacional.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do
Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 17 de abril de 2011
Escassez de mão de obra?
As raízes ideológicas do Brasil Potência: 1) a política da ''nação proletária''
|
94 brasileiros serão mortos hoje
Revólveres, pistolas e fuzis: as verdadeiras armas de destruição em massa
João Paulo Charleaux
Hoje, 94 brasileiros morrerão depois
de receber um disparo de arma de fogo. É como se a tragédia ocorrida há
uma semana na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de
Janeiro, se repetisse oito vezes por dia. Todos os dias.
Por não compor um enredo
comovente, esta hecatombe a granel passa para os registros
sorrateiramente – não há cartas de psicopatas suicidas, nem há vídeos no
Youtube mostrando parentes gritando na rua e estudantes fugindo. Não é
notícia. E, por isso, os 60 milhões de brasileiros que foram contra a
proibição do comércio de armas no Brasil, no referendo de 2005, não se
sentem responsáveis por nada disso.
Agora, uma nova iniciativa
parlamentar pretende convocar mais um referendo sobre o tema,
provavelmente, para o dia 2 de outubro. A proposta, apresentada pelo
senador José Sarney depois da tragédia de Realengo, já está na CCJ
(Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e deve ir a plenário na
sequência. Com sorte, os brasileiros terão uma segunda chance de decidir
sobre um assunto vital e negligenciado.
Em todo o mundo, a produção, o
comércio e o tráfico de pequenas armas de fogo e munição constituem um
dos aspectos mais obscuros, menos regulados e mais cinicamente ignorados
pela opinião pública.
O Brasil é um grande produtor de
armas. Três empresas privadas continuam produzindo a cluster bomb, um
tipo de munição altamente letal e imprecisa, proibida pela Convenção
sobre Munições em Cacho, da qual o Estado brasileiro não é signatário.
O país é também um grande
produtor de revólveres e pistolas. Por dia, são produzidas aqui 2.800
armas de cano curto, das quais 320 ficam no País e o restante é
exportado. De cada dez armas apreendidas pela polícia no Brasil, oito
são de fabricação nacional. E 70% das mortes por armas de fogo
registradas aqui em 2010 foram provocadas pelo uso de armas que entraram
legalmente no mercado, ou seja, entraram nas ruas pelas mãos de
“pessoas de bem”.
Os assassinos, aliás, também
são, na maioria dos casos, “pessoas de bem”. Pesquisadores
norte-americanos e australianos realizaram uma pesquisa sobre o perfil
dos crimes com armas de fogo em seus países e chegaram à conclusão de
que em apenas 15% dos casos as vítimas não conheciam os assassinos. Na
maioria das cidades brasileiras, os homicídios também ocorrem entre
pessoas que se conheciam, em finais de semana, em brigas de bar ou de
família e por motivos fúteis.
Um dos entraves para frear esse
massacre é o lobby das empresas produtoras de armas. No referendo
brasileiro de 2005, a Taurus doou 2,8 milhões de reais para a campanha
do “não” e a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) doou outros 2,7
milhões de reais. A soma corresponde quase à totalidade do custo da
vitoriosa campanha do “não”.
No plano internacional, não é
diferente. Grandes empresas e governos poderosos lucram com o comércio
de armas – principalmente de fuzis baratos e outras armas menores. O
documento que deveria regular o setor, o ATT (Arms Trade Treaty) usa
termos como “deveria, quando apropriado e levar em consideração” para
referir-se às obrigações dos Estados de não vender armas para
beligerantes de contextos onde sabidamente cometem-se crimes de guerra.
As exigência de respeitar a lei são cênicas, frouxas e escassas. O
comércio e o tráfico proliferam nas brechas.
Frequentemente, o Conselho de
Segurança das Nações Unidas aprova resoluções impondo embargo de armas a
ditadores e autorizando o uso da força para proteger a população civil,
mas não pode fazer nada por essas vítimas cotidianas de baixo perfil.
Os EUA movem sua máquina militar contra o Iraque, alegando combater a
ameaça de “armas de destruição em massa”, mas nenhum arsenal tem
provocado mais mortes do que estas pequenas armas espalhadas pelo mundo.
Neste caso, nem o Exército mais poderoso de todos tem o poder que um
voto pode ter num novo referendo.
João Paulo Charleaux é correspondente do Opera Mundi no Chile.
É a esquerda mundial governista que não quer ajudar ou é Cuba que não tem condições de receber ajuda?
Por Sturt Silva*
Alguns
meses atrás o sociólogo argentino Atílio Boron postou em seu blog (1)
um pequeno artigo sobre as “reformas” que estão ocorrendo em Cuba, que
tem seu auge na realização do VI congresso do Partido Comunista Cubano
(2) durante o período de 16 á 19 de abril. Inclusive o artigo foi
traduzido e publicado no Blog Solidários (3) (blog da ACJM-SC, que
colaboro) e em diversos blogs e sites da esquerda latino-americana.
Com um título nada atraente, para um leitor de esquerda de primeira viagem, “um plano Marshall para Cuba”, Atílio lançou um manifesto em defesa de Cuba tendo a América latina e os governos “amigos” da ilha como protagonistas.
Com um título nada atraente, para um leitor de esquerda de primeira viagem, “um plano Marshall para Cuba”, Atílio lançou um manifesto em defesa de Cuba tendo a América latina e os governos “amigos” da ilha como protagonistas.
Segundo Atílio diversos países da América Latina e do Caribe tem dívidas com Cuba, mas também são credores. E devido a toda ajuda e solidariedade que o governo e a sociedade cubana deram durantes anos, e atualmente ainda dá - principalmente na área social, estes países deveriam retribuir e ajudar Cuba neste momento tão difícil para a pátria de José Marti.
Ao contrário dos EUA e dos países colonialistas e imperialistas que além de saquearam, enviaram forças repressivas para massacrar (em suas maiorias terroristas e militares) o povo, Cuba com sua política internacionalista solidária envio médicos, cientistas e educadores. Então deve ser feita além de dedicatórias de solidariedade em relação às mudanças em Cuba, ajudas econômicas efetivas.
Ele também coloca que há uma obrigação moral desses países, hoje em sua maioria governados por partidos de esquerda e movimentos sociais, de ajudar na recuperação econômica da ilha.
Por que se não fosse à heróica e pertinente luta dos cubanos, primeiro contra o colonialismo e imperialismo e depois para manter de pé seu processo revolucionário, nossa América, como outros países do “terceiro mundo”, não teriam resistido e, talvez, não estivesse nesta situação “avançada” que se encontra atualmente. Só para citar dois exemplos de influência da revolução cubana nestes países: o PT, que hoje governa o Brasil, até pouco tempo se orientava estrategicamente através do processo político cubano. E mais recentemente a Revolução Bolivariana, em curso na Venezuela, teve inspiração na luta do povo cubano para conseguir o inicio de sua emancipação.
Então, é devido a esses e outros elementos que a América Latina e os “amigos” da ilha deverão perdoar as dívidas (para aqueles que são credores) e organizar junto um fundo especial de solidariedade á Cuba. Esse fundo ele chamou de Marshall - fazendo analogia ao que os EUA fizeram para os países da Europa - que recuperou parte daquelas economias, daquele continente, após a segunda guerra mundial.
E pelas informações que Atílio levantou há dinheiro, só falta vontade política desses governantes para por em pratica esse ato de estrita justiça.
Como o leitor atento pode observar neste breve resumo do texto do sociólogo argentino, o “Plano Marshall” parece necessário, porém utópico, se considerarmos o caráter de alguns destes governos “amigos” de Cuba. Tirando os países da ALBA, a maioria desses países é governada por um esquerda que há muito tempo esqueceu o que é socialismo e atua no cenário mundial com políticas de acordo com seus interesses nacionais e capitalistas. Será que suas burocracias (burguesias estatais) vão ariscar investir dinheiro num país bloqueado e com poucos recursos naturais e minerais? Será que esses governantes ainda são nutridos por questões humanitárias como fazem nos pensar quando discursam em nome dos direitos humanos?
Eu pessoalmente acho muito difícil um plano desses ser colocado em pratica. Não que Cuba não precisa e não mereça como li pseudo-esquerdistas (4) dizendo por ai. Mas, pela ideologia dessa nova esquerda “amiga” de Cuba, que não custa repetir, não é socialista, embora já tentassem construir o socialismo em seus países, prefiro acreditar mais nas forças internas cubanas do que nesta ajuda externa.
E é justamente em relação às forças internas cubanas que li recentemente um artigo (5) replicando a tese do Atílio, dizendo que o problema é o processo interno cubano. Ou seja, esse militante de esquerda acha que o problema não o que apontei acima.
Para esse militante, português - possivelmente do bloco de Esquerda, já que sua reflexão está no site de uma revista de cunho marxista ligado a esse partido, Cuba só não repetiu os erros do “socialismo real” como não inovou em relação “à construção de política de debates dos movimentos sociais”. Enquanto a sociedade civil teve significativo papel na ação popular e na transformação política latino-americana em Cuba “esta praticamente não contribui em nada para o desenvolvimento do processo”.
Está certo que os movimentos sociais destes países latinos que o próprio Atílio se refere, pelo menos em muitos deles, teve uma grande jornada de debates plurais, desde década de 80 até os dias hoje. E em Cuba em nome de certa unidade e da autodefesa não pode ser tão plural assim como deveria. Porém houve sim debates e inovações para a construção de um modelo alternativo em relação ao modelo socialista já existente. E mesmo se houve falta de reflexão aberta para uma proposta nacional isso é justificável devido a questões que quem estudou a história cubana sabem quais são. Ignorar essa complexidade é desconhecer a realidade cubana. E fazer analise superficial deste tipo, como fez o escritor do Bloco e fazem outras correntes “esquerdistas” (6), é seguir a cartilha dos reacionários, disfarçado de “liberais”, que vivem na mídia “pregando” o fim da revolução cubana.
Ao fazer a revolução Fidel, líder dessa, queria justiça social e “democracia direta”, porém foi obrigada a seguir um novo modelo para continuar seu processo de emancipação. Lembre que o “fechamento do regime” foi devido aos EUA não deixaram alternativas.
Os “doutores” (7) marxistas acham que as conquistas sociais vieram de uma burocracia ou de um esforço coletivo do povo cubano? Será que as organizações sociais cubanas criadas na década de 60 são apenas superficiais? Os 90% que aprovam a política do partido comunista, vanguarda organizada da nação, e os 92,5% que são membros dos Comitês em Defesa da Revolução (CDR) são pessoas que não servem para nada, numa nação sem analfabetos? São pessoas que deixaram “o gato comer suas línguas”? Ou será que um milhão que lotam as ruas no “Primeiro de Maio” não passam de massas “manipuladas” pelo único partido da ilha que tem um milhão de militantes numa nação com aproximadamente 7 milhões de pessoas ativas? (8)
Não meus caros leitores, quem diz que o povo cubano é ignorante, não passam de ignorantes em relação à realidade cubana e por isso escreve incredulidades como essas.
Quando olho para os movimentos sociais latinos vejo cada um com seus erros e dificuldades. “Cooptado” como é caso do Brasil e criminalizado e marginalizado como é caso do Peru. Situação pior encontro quando analiso as situações dos mexicanos e colombianos (muitos precisam pegar em armas para militar). Não consigo ver esta diferença brutal que se diz que têm em termos de organização democrática entre as sociedades latinas, de “democracias liberais”, e Cuba de “ditadura” socialista.
Cuba tem que avançar em seus debates e corrigir os erros históricos, porém duas coisas me parecem, que não podem se descuidadas: a manutenção da unidade e a atualidade da luta anti-imperialista.
Vejo que os erros internos só podem ser resolvidos pelos cubanos enquanto os fatores externos, como por exemplo, romper com o isolamento, que é uma tarefa fundamental para crescer economicamente e sair de uma crise de quase 30 anos, não é tarefa apenas de suas forças internas.
Por isso reafirmo que o problema maior de Cuba é sua relação com o mundo capitalista é não seus problemas internos. Cuba precisa relacionar com o mundo capitalista e neoliberal, sem ferir seu socialismo e ao mesmo tempo tentar aperfeiçoá-lo. Tarefa muito mais difícil do qual quer país do mundo com uma grave crise econômica, inclusive aqueles governados por esquerdas.
Notas:
(2) http://www.granma.cubaweb.cu/secciones/6to-congreso-pcc/index.html
(3) http://convencao2009.blogspot.com/2010/12/um-plano-marshall-para-cuba.html
(4) Essa reação partiu principalmente de setores de “esquerda”, inclusive de alguns que com a “derrocada do socialismo real” em 1990 passaram a defender um “socialismo” que não tem nada haver com o “socialismo cientifico” de Marx e Engels.
(5) http://www.acomuna.net/index.php/contra-corrente/2945-cuba-a-suprema-ignorancia-do-povo
(6) Os esquerdistas que me refiro são as correntes trotskistas. A mais forte delas é LIT e sua seção no Brasil é o PSTU.
(7) Chamo de "doutores em marxismo", analistas puros e moralistas do materialismo histórico.
(8) AYERBE, L. A revolução Cubana. São Paulo: Editora da UNESP, 2004.
*Sturt Silva é estudante de história, blogueiro e militante do PCB.
O Brasil na encruzilhada dos direitos LGBT
As organizações de direitos humanos condenaram o Brasil globalmente pelo assassinato de Priscila Brandão, mas seu caso é apenas mais um entre muitos crimes de ódio homofóbicos e transfóbicos que têm se acumulado nos últimos anos no Brasil. De acordo com o Grupo Gay da Bahia, entre 1980 e 2009, mais de 3.100 homossexuais foram assassinados a sangue frio em crimes de ódio no país.
Por Erica Hellerstein na Revista Forum
No dia 19 de março, o presidente Barack Obama iniciou,
pelo Brasil, uma viagem a três países da América Latina. Sua visita de
cinco dias a El Salvador, Brasil e Chile — países de uma região que é
comumente chamada de “quintal dos Estados Unidos” — representava uma
oportunidade para redefinir a política externa historicamente espinhosa
dos EUA para a América Latina.
A viagem de Obama à América do Sul é amplamente considerada como um gesto na direção da potência crescente da América Latina. O Brasil, em particular, agora a oitava economia do mundo, é frequentemente elogiado por seu dramático progresso econômico. “Mais da metade desta nação é agora considerada de classe média”, notou Obama, dirigindo-se ao povo brasileiro no Teatro Municipal do Rio, no dia 20 de março. “Milhões de pessoas saíram da pobreza”. Num discurso feito em Brasília no dia anterior, Obama exaltou o Brasil por sua notável taxa de crescimento econômico e sua transição da ditadura para uma democracia aberta. Thomas Shannon, embaixador dos EUA no Brasil, ecoou esse ponto de vista, afirmando que “o Brasil não é mais um país emergente. Ele já emergiu”.
Entretanto, como observou a recém eleita presidenta brasileira Dilma Rousseff nas boas-vindas a Obama, “nós ainda encaramos enormes desafios”. Um desses desafios é o aumento alarmante e pouco discutido nos ataques e assassinatos a LGBTs no Brasil. De acordo com a Associação para os Direitos das Mulheres em Desenvolvimento, o Brasil tem a taxa de violência transfóbica mais alta do mundo, e é citado como o “lugar mais letal para ser um indivíduo transgênero”. No ano passado, pelo menos 250 LGBTs foram assassinados.
No dia 2 de março de 2011, uma câmera de vigilância em Belo Horizonte captou o brutal assassinato de Priscila Brandão, travesti de 22 anos de idade, baleada quando caminhava pela rua. Citando o crescimento da violência contra transgêneros no Brasil, as autoridades acreditaram que se tratava de um crime de ódio, e não de um ato aleatório de violência.
As organizações de direitos humanos condenaram o Brasil globalmente pelo assassinato de Priscila Brandão, mas seu caso é apenas mais um entre muitos crimes de ódio homofóbicos e transfóbicos que têm se acumulado nos últimos anos no Brasil. De acordo com o Grupo Gay da Bahia, entre 1980 e 2009, mais de 3.100 homossexuais foram assassinados a sangue frio em crimes de ódio no país.
Um relatório recém publicado pela Anistia Internacional sobre violência homofóbica afirma que “o Centro Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos identificou que os estados do Paraná e da Bahia têm os números mais altos de crimes contra homossexuais no país, e pelo menos 15 pessoas foram mortas em cada estado brasileiro em 2009, apenas por serem membros da comunidade LGBT”.
Em junho do ano passado, realizou-se em São Paulo a maior parada gay do mundo, com mais de 3 milhões de participantes. Mas, apesar dessa reunião pública gigantesca, o Brasil ainda está bem atrás de seu vizinho ao sudoeste, a Argentina, no reconhecimento dos direitos gay.
A Organização Pan-Americana de Saúde apontou, em seu relatório de 2008 “Campanha contra a Homofobia”, que “dentro da América Latina, a Argentina desfruta da reputação de maior tolerância à diversidade sexual” e em 15 de julho de 2010 se tornou o primeiro país latino-americano a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Enquanto os defensores da medida na Argentina enfrentavam abertamente os membros da Igreja Católica Romana que se opunham a ela de forma estridente, o Senado votava a favor da lei. Michael Shifter, presidente do Diálogo Inter-Americano, afirmou que a aprovação do casamento entre indivíduos do mesmo sexo “reflete a cultura socialmente liberal da Argentina de hoje”. Néstor Kirchner, ex-presidente da Argentina e então marido da atual presidenta Cristina Fernández de Kirchner, foi explícito em seu apoio à lei, apontando que “a Argentina deve deixar as medidas discriminatórias e a Idade das Trevas para trás” (A natureza progressista da Argentina não deve ser exagerada, no entanto — os direitos reprodutivos, tanto no Brasil como na Argentina, permanecem extremamente restritos).
Os formuladores de políticas públicas no Brasil não permaneceram completamente silenciosos no que se refere aos direitos gay. Em 4 de junho de 2010, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto estipulando que o Dia Nacional contra a Homofobia seria comemorado a cada ano no dia 17 de maio, em homenagem à data na qual, em 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou oficialmente a homossexualidade da classificação internacional de doenças.
Em julho de 2010, as Nações Unidas, por iniciativa do governo Obama, reconheceram “status consultivo” à Comissão de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas. O Brasil foi um dos membros da ONU a votar a favor da decisão. “Celebramos esta decisão”, disse Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). “É fundamental que as ONGs LGBT tenham a oportunidade de participar no debate de direitos humanos da ONU”.
Na reunião altamente esperada do dia 19 de março, o presidente Obama e a presidenta Dilma Rousseff integraram as inciativas LGBT às suas agendas e concordaram em estabelecer um relator especial para direitos humanos LGBT na Organização dos Estados Americanos (OEA). Uma declaração feita pela Casa Branca afirmava: “foi feito um acordo para a cooperação no avanço da democracia, dos direitos humanos e da liberdade para todos os povos bilateralmente e através das Nações Unidas … promovendo o respeito pelos direitos humanos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros através do estabelecimento de um relator especial na OEA”.
A convocação feita por Obama e Dilma pode ser uma força positiva de mudança em meio à barragem sinistra de crimes de ódio no Brasil. No entanto, como deixa claro o volume de crimes, os atos terão que falar mais alto que as palavras. Teremos que esperar para ver se, como promete a OEA, as medidas anti-violência falarão mais alto que os crimes e a retórica homofóbica contra LGBTs no Brasil.
Tradução de Idelber Avelar. Foto por Antonio Cruz/ABr. Publicado originalmente em http://www.thenation.com/article/159703/brazil-crossroads-lgbt-rights.
A viagem de Obama à América do Sul é amplamente considerada como um gesto na direção da potência crescente da América Latina. O Brasil, em particular, agora a oitava economia do mundo, é frequentemente elogiado por seu dramático progresso econômico. “Mais da metade desta nação é agora considerada de classe média”, notou Obama, dirigindo-se ao povo brasileiro no Teatro Municipal do Rio, no dia 20 de março. “Milhões de pessoas saíram da pobreza”. Num discurso feito em Brasília no dia anterior, Obama exaltou o Brasil por sua notável taxa de crescimento econômico e sua transição da ditadura para uma democracia aberta. Thomas Shannon, embaixador dos EUA no Brasil, ecoou esse ponto de vista, afirmando que “o Brasil não é mais um país emergente. Ele já emergiu”.
Entretanto, como observou a recém eleita presidenta brasileira Dilma Rousseff nas boas-vindas a Obama, “nós ainda encaramos enormes desafios”. Um desses desafios é o aumento alarmante e pouco discutido nos ataques e assassinatos a LGBTs no Brasil. De acordo com a Associação para os Direitos das Mulheres em Desenvolvimento, o Brasil tem a taxa de violência transfóbica mais alta do mundo, e é citado como o “lugar mais letal para ser um indivíduo transgênero”. No ano passado, pelo menos 250 LGBTs foram assassinados.
No dia 2 de março de 2011, uma câmera de vigilância em Belo Horizonte captou o brutal assassinato de Priscila Brandão, travesti de 22 anos de idade, baleada quando caminhava pela rua. Citando o crescimento da violência contra transgêneros no Brasil, as autoridades acreditaram que se tratava de um crime de ódio, e não de um ato aleatório de violência.
As organizações de direitos humanos condenaram o Brasil globalmente pelo assassinato de Priscila Brandão, mas seu caso é apenas mais um entre muitos crimes de ódio homofóbicos e transfóbicos que têm se acumulado nos últimos anos no Brasil. De acordo com o Grupo Gay da Bahia, entre 1980 e 2009, mais de 3.100 homossexuais foram assassinados a sangue frio em crimes de ódio no país.
Um relatório recém publicado pela Anistia Internacional sobre violência homofóbica afirma que “o Centro Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos identificou que os estados do Paraná e da Bahia têm os números mais altos de crimes contra homossexuais no país, e pelo menos 15 pessoas foram mortas em cada estado brasileiro em 2009, apenas por serem membros da comunidade LGBT”.
Em junho do ano passado, realizou-se em São Paulo a maior parada gay do mundo, com mais de 3 milhões de participantes. Mas, apesar dessa reunião pública gigantesca, o Brasil ainda está bem atrás de seu vizinho ao sudoeste, a Argentina, no reconhecimento dos direitos gay.
A Organização Pan-Americana de Saúde apontou, em seu relatório de 2008 “Campanha contra a Homofobia”, que “dentro da América Latina, a Argentina desfruta da reputação de maior tolerância à diversidade sexual” e em 15 de julho de 2010 se tornou o primeiro país latino-americano a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Enquanto os defensores da medida na Argentina enfrentavam abertamente os membros da Igreja Católica Romana que se opunham a ela de forma estridente, o Senado votava a favor da lei. Michael Shifter, presidente do Diálogo Inter-Americano, afirmou que a aprovação do casamento entre indivíduos do mesmo sexo “reflete a cultura socialmente liberal da Argentina de hoje”. Néstor Kirchner, ex-presidente da Argentina e então marido da atual presidenta Cristina Fernández de Kirchner, foi explícito em seu apoio à lei, apontando que “a Argentina deve deixar as medidas discriminatórias e a Idade das Trevas para trás” (A natureza progressista da Argentina não deve ser exagerada, no entanto — os direitos reprodutivos, tanto no Brasil como na Argentina, permanecem extremamente restritos).
Os formuladores de políticas públicas no Brasil não permaneceram completamente silenciosos no que se refere aos direitos gay. Em 4 de junho de 2010, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto estipulando que o Dia Nacional contra a Homofobia seria comemorado a cada ano no dia 17 de maio, em homenagem à data na qual, em 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou oficialmente a homossexualidade da classificação internacional de doenças.
Em julho de 2010, as Nações Unidas, por iniciativa do governo Obama, reconheceram “status consultivo” à Comissão de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas. O Brasil foi um dos membros da ONU a votar a favor da decisão. “Celebramos esta decisão”, disse Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). “É fundamental que as ONGs LGBT tenham a oportunidade de participar no debate de direitos humanos da ONU”.
Na reunião altamente esperada do dia 19 de março, o presidente Obama e a presidenta Dilma Rousseff integraram as inciativas LGBT às suas agendas e concordaram em estabelecer um relator especial para direitos humanos LGBT na Organização dos Estados Americanos (OEA). Uma declaração feita pela Casa Branca afirmava: “foi feito um acordo para a cooperação no avanço da democracia, dos direitos humanos e da liberdade para todos os povos bilateralmente e através das Nações Unidas … promovendo o respeito pelos direitos humanos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros através do estabelecimento de um relator especial na OEA”.
A convocação feita por Obama e Dilma pode ser uma força positiva de mudança em meio à barragem sinistra de crimes de ódio no Brasil. No entanto, como deixa claro o volume de crimes, os atos terão que falar mais alto que as palavras. Teremos que esperar para ver se, como promete a OEA, as medidas anti-violência falarão mais alto que os crimes e a retórica homofóbica contra LGBTs no Brasil.
Tradução de Idelber Avelar. Foto por Antonio Cruz/ABr. Publicado originalmente em http://www.thenation.com/article/159703/brazil-crossroads-lgbt-rights.
Graças a Gilmar Mendes, foge do país médico condenado a 278 anos por violentar 37 mulheres
Do blog do Mello
O médico Roger Abdelmassih, de 67 anos, já está no Líbano, segundo a Folha.
E por lá deve ficar porque tem origem libanesa e o Brasil não tem
tratado de extradição com o Líbano. E isso poderia ter sido evitado,
caso o ministro Gilmar Mendes não concedesse o habeas corpus que o tirou
da cadeia.
O médico estava preso, aguardando recurso de sua defesa diante da sentença que o condenou a 278 anos de cadeia por violentar 37 mulheres (suas pacientes, o que agrava os crimes) entre 1995 e 2008. E aguardava preso porque a Polícia Federal informou que ele tentava renovar seu passaporte. A juíza Kenarik Boujikian Felippe determinou que ele fosse preso para evitar sua fuga do país.
Seu advogado recorreu. Disse que Roger Abdelmassih não pretendia fugir do país, só estaria renovando o passaporte...
Sem ao menos perguntar ao advogado por que um homem de 67 anos condenado a 278 anos de cadeia renovaria o passaporte (seria um novo Matusalém?), Gilmar Mendes mandou soltar o passarinho, que agora vai passear sua impunidade no exterior, até que a morte o separe da boa vida.
Por essas e outras, crimes contra as mulheres acontecem diariamente no país. Há o caso notório do jornalista Pimenta Neves, que matou fria e covardemente sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide, e passeia sua impunidade, após ter destruído as vidas de Sandra e de sua família.
O que dirá Gilmar Mendes, o Simão Bacamarte do Judiciário, sobre seu habeas corpus que possibilitou a fuga do criminoso?
O médico estava preso, aguardando recurso de sua defesa diante da sentença que o condenou a 278 anos de cadeia por violentar 37 mulheres (suas pacientes, o que agrava os crimes) entre 1995 e 2008. E aguardava preso porque a Polícia Federal informou que ele tentava renovar seu passaporte. A juíza Kenarik Boujikian Felippe determinou que ele fosse preso para evitar sua fuga do país.
Seu advogado recorreu. Disse que Roger Abdelmassih não pretendia fugir do país, só estaria renovando o passaporte...
Sem ao menos perguntar ao advogado por que um homem de 67 anos condenado a 278 anos de cadeia renovaria o passaporte (seria um novo Matusalém?), Gilmar Mendes mandou soltar o passarinho, que agora vai passear sua impunidade no exterior, até que a morte o separe da boa vida.
Por essas e outras, crimes contra as mulheres acontecem diariamente no país. Há o caso notório do jornalista Pimenta Neves, que matou fria e covardemente sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide, e passeia sua impunidade, após ter destruído as vidas de Sandra e de sua família.
O que dirá Gilmar Mendes, o Simão Bacamarte do Judiciário, sobre seu habeas corpus que possibilitou a fuga do criminoso?
Cresce ofensiva para derrubar pensões vitalícias
Cresce a ofensiva contra um privilégio da classe política no país –
as pensões vitalícias. O Ministério Público de Minas Gerais ajuizou ação
civil pública, com pedido de liminar, para suspender as pensões
vitalícias pagas a ex-governadores do estado, argumentando que a
“inusitada situação” configura violação dos princípios constitucionais
da administração pública.
Em Minas, atualmente recebem pensões os ex-chefes do Executivo Rondon
Pacheco (Arena, 1971-1975), Francelino Pereira (PDS, 1979-1983), Hélio
Garcia (PP, 1984-1987 e PMDB, 1991-1995) e Eduardo Azeredo (PSDB,
1995-1999). O benefício também é pago a Coracy Pinheiro, viúva de Israel
Pinheiro (PSD), que governou o estado entre 1966 e 1971.
Não é só o contribuinte mineiro que paga essa conta. Em fevereiro, a
ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a
suspensão do pagamento de pensões a ex-governadores em todo o país. Ao
votar a favor de uma ação na qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
contesta a concessão do benefício a ex-chefes do Executivo do Pará, a
ministra concluiu que o pagamento é inconstitucional. Após o voto de
Cármen Lúcia, o ministro José Antonio Dias Toffoli pediu vista, adiando a
conclusão do julgamento. Apesar de o tribunal analisar apenas um pedido
de liminar, que é uma decisão provisória, ministros sinalizaram que vão
adiantar o mérito e que, possivelmente, vão declarar inconstitucional o
benefício. No caso do Pará, a pensão equivale ao salário de
desembargador, que é de cerca de 24 milreais.
Tramitam no tribunal outras oito ações contra a pensão de
ex-governadores. Mais processos podem ser protocolados porque, de acordo
com estimativas da OAB, legislações de quinze estados preveem
aposentadoria para ex-chefes do Executivo. Em 2007, o STF já determinou a
suspensão do pagamento de pensões a ex-governadores do Mato Grosso do
Sul e a expectativa é de que confirme que se trata de um privilégio
incompatível com a Constituição Federal.
Em MInas, os ex-governadores têm direito ao salário integral pago ao
atual ocupante do cargo, de 10,5 mil reais. Já a viúva de Israel
Pinheiro recebe metade do benefício. As pensões, concluiu o Ministério
Público no inquérito civil, são concedidas com base numa lei estadual de
1957 – com alterações posteriores – e na revogada Constituição Estadual
de 1967.
“A inusitada situação, portanto, da concessão de benesses vitalícias a
ex-chefes do Poder Executivo Estadual e seus familiares, não pode
permanecer, sem que se mantenha caracterizada a manifesta violação de
tais princípios (constitucionais), dentre os quais relevam o princípio
da igualdade, o princípio da impessoalidade, o princípio da moralidade
administrativa, bem como aqueles atinentes à responsabilidade dos gastos
públicos”, destaca o Ministério Púbico na ação.
Para a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, o estado deve ser
condenado a suspender os pagamentos e “em hipótese alguma poderá ensejar
invocação de direito adquirido por parte de quaisquer dos
beneficiários”, pois a Constituição Federal de 1988 “não recepcionou a
norma instituidora dos ‘benefícios’ em questão (Lei nº 1.654/67)”.
Diante da repercussão negativa dos pagamentos e após a instauração do
inquérito pelo Ministério Público, o governador Antonio Anastasia
(PSDB) encaminhou no início de fevereiro à Assembleia Legislativa
projeto de lei que extingue as pensões vitalícias para ex-governadores e
seus descendentes. O texto prevê o fim do benefício a partir de sua
aprovação e não altera as aposentadorias já pagas, que custam mais de
560 mil reais por ano aos cofres públicos. A proposta não avança no
Assembleia, pois o bloco de oposição alega que protocolou dias antes um
projeto semelhante e reclama a paternidade da iniciativa.
A ação civil – assinada pelos promotores João Medeiros, Eduardo
Nepomuceno, Maria Elmira, Leonardo Barbabela, Thaís Leite, Elisabeth
Villela e Patrícia Medina – foi ajuizada no último dia 8 na 2.ª Vara da
Fazenda Pública Estadual, onde tramita. Procurado, o governo estadual
não comentou a ação e destacou que a posição do Executivo está contida
na proposta encaminhada ao Legislativo.
PEC – O deputado federal Lelo Coimbra, do PMDB capixaba, ainda não
desistiu de apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição para acabar
com as pensões vitalícias pagas a ex-governadores e ex-prefeitos. Ele
precisa de 171 assinaturas, mas no começo do ano só havia obtido trinta.
30a. A maioria dos parlamentares tem se recusado a assinar justificando
que tem parentes e amigos recebendo o benefício.
FONTE: Agência Estado
sábado, 16 de abril de 2011
Protestantismo e catolicismo na América Latina: desafios da democracia e do pluralismo religioso
Entrevista especial com Paul Freston | ||
Pesquisas recentes indicam o crescimento do pentecostalismo no Brasil. Há, portanto, e isso é inegável, uma mudança no status religioso nacional. Segundo o sociólogo Paul Freston, o motivo deste declínio da Igreja Católica
se dá porque o pluralismo e a democracia se apresentam como os grandes
desafios para a religião. “É difícil manter a hegemonia na sociedade
civil porque ela é cada vez mais independente, autônoma e plural. Assim,
as ditaduras, mesmo aquelas que perseguiram a Igreja, eram situações
mais favoráveis para a manutenção da posição social da Igreja”, explicou
durante a entrevista que concedeu à IHU(Institutos Humanitas Unisinos) On-Line, por telefone. Paul Charles Freston nasceu na Inglaterra e é brasileiro naturalizado. Graduou-se em História e Antropologia Social pela University of Cambridge (Inglaterra) e fez mestrado em Latin American Studies pela University of Liverpool. Também é mestre em Christian Studies pela Regent College. Já no Brasil, fez doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Recebeu o título de pós-doutor pela University of Oxford. Atualmente, é pesquisador sênior da Baylor University (EUA) e professor na Universidade Federal de São Carlos (SP). Confira a entrevista. IHU On-Line – O senhor destaca os desafios da democracia e do pluralismo religioso para a1 Igreja Católica. Como se dão esses desafios? Paul Freston – A questão do pluralismo e da democracia é um grande desafio para a Igreja Católica. Nesse ponto, tenho usado muitos apontamentos de uma cientista política estadunidense Frances Hagopian [1] que trata bastante da democracia e do pluralismo religioso reforçando-se mutuamente para desafios relativos à Igreja Católica. Para ela, a democracia sem pluralismo religioso seria mais fácil para a Igreja manejar, ou o pluralismo sem democracia, mas as duas coisas ao mesmo tempo são um desafio maior. IHU On-Line – A Igreja se encaminha para uma possível superação desses obstáculos? Paul Freston – A questão é exatamente essa: que superação seria possível nesse momento? Não é fácil, porque, na realidade, os projetos da Igreja são muito ambiciosos e é difícil realizá-los. Nesse sentido, cada episcopado nacional acaba fazendo sua própria escala de prioridades. É difícil manter a hegemonia na sociedade civil porque ela é cada vez mais independente, autônoma e plural. Assim, as ditaduras, mesmo aquelas que perseguiram a Igreja, eram situações mais favoráveis para a manutenção da posição social da Igreja. Nesse período era mais fácil identificar o “inimigo” e era mais fácil a Igreja agir como “guarda-chuvas” de grupos oposicionistas. Nesse sentido, essa situação era mais favorável à manutenção da situação da Igreja em relação à realidade atual, que é mais democrática e pluralista. IHU On-Line – O que caracteriza e o que define, especialmente no Brasil, o pluralismo religioso? Paul Freston – No Brasil, o pluralismo pode ser destacado em vários sentidos. Temos o declínio de declaração católica, de adesão nominal. Nós ainda não temos os dados religiosos do mais recente censo. Seria interessante ver isso. Mas os censos anteriores e pesquisas mais recentes indicam que na adesão nominal a Igreja vem perdendo cerca de 1% da população por ano. Aí temos o crescimento, principalmente, do pentecostalismo, do protestantismo histórico – menos, mas também impresso – e o crescimento dos chamados "sem religião”. Estes últimos formam um grupo muito heterogêneo. As outras religiões crescem menos, pelo menos em termos de declaração no censo. Sabemos que há muita dupla filiação que não aparece no censo. Além disso, tem o aspecto da questão do pluralismo interno católico, ou seja, pluralismo nas maneiras de ser católico, nas maneiras de crenças entre aqueles que se declaram católicos e isso é uma coisa que também vem crescendo cada vez mais. Então, temos vários tipos de pluralismo religioso. IHU On-Line – O senhor afirma que, diante do "pluralismo multidimensional", a Igreja Católica perderá seu status de "igreja no sentido weberiano". Como isso acontece? Paul Freston – Em parte por uma questão numérica. Quando você representa uma porção cada vez menor da população, torna-se mais difícil justificar que certos privilégios sejam formalizados, justificados. A ideia de igreja é de algo que se confunde com a nacionalidade e reivindica um certo status preferencial dentro da sociedade. É isso que está cada vez mais ameaçado. Além do declínio numérico, depende também de outros fatores como o peso histórico da instituição dentro de cada país e dentro da América Latina há diferenças nesse sentido. Há países onde a Igreja tem um peso histórico maior do que em outros. Também depende da questão de prática. Ou seja, não é apenas uma questão de adesão nominal. Nesse sentido, é claro que o catolicismo vem se transformando na medida em que, perdendo devotos, as pessoas que permanecem tendem a ser mais atuantes, praticantes e identificadas. O catolicismo, então, vai se tornando, cada vez mais, uma religião de escolha no Brasil e não mais uma religião simplesmente herdada culturalmente. O sentido de ser católico, portanto, vai mudando. IHU On-Line – O senhor fala de um projeto católico comum, a Nova Evangelização, adotado oficialmente em 1992. Poderia explicá-lo? Paul Freston – É um pouco vago, na realidade, porque é um projeto de reconquistar a influência junto à sociedade civil, de ter uma influência não tanto diretamente do Estado. Isso é complicado. É justamente aí que o pluralismo e a democracia se complicam, porque limitam o alcance e a possibilidade de a igreja ter essa influência que ela deseja. A sociedade civil vai se portando cada vez mais de forma autônoma. Então, esse projeto de uma reconquista da cultura vai se tornando menos viável, o que complica também, obviamente, a porcentagem da população católica e a debilidade institucional, ou seja, a falta de clero. Essa é uma questão crônica na América Latina. IHU On-Line – Grande parte dos estudos sobre o fenômeno religioso tem como ponto de partida o cenário europeu ou anglo-saxônico, como os desafios do esvaziamento das igrejas, do islamismo crescente, do desaparecimento do sentido religioso. Na América Latina, ao contrário, que pontos o senhor destacaria como centrais para compreender o cenário religioso? Paul Freston – Na Europa há um crescente pluralismo, mas ele advém do processo de secularização e também do processo de imigração de pessoas mais religiosas. Obviamente, imigrantes muçulmanos vêm logo à mente. Mas há imigrantes hindus e cristãos nessa “leva” para a Europa, sejam africanos, latino-americanos... Então, isso é o que marca a questão do pluralismo na Europa. Já a América Latina não tem esse aspecto da imigração e a secularização, ou seja, não existe no mesmo patamar que acontece na Europa. O que ocorre aqui é um processo interno de fragmentação religiosa a partir de um passado de hegemonia católica muito marcado pelo monopólio oficial. A América Latina se distanciou bastante porque produziu esse setor protestante, principalmente pentecostal, que a Europa latina não produziu. Por outro lado, a América Latina não produziu o secularismo antirreligioso que é encontrado em várias partes do sul da Europa. A situação aqui é bem diferente. Então, cada vez mais a América Latina vai se distanciando de tais partes da Europa. IHU On-Line – Que fatores culturais e sociais diferem do cenário europeu-americano do cenário latino-americano? Paul Freston – A América Latina é uma terceira coisa: não é nem o processo que teve no norte da Europa (que foi o processo de reformas nacionais e depois uma fragmentação dentro do campo protestante) nem o processo do sul da Europa (que foi de continuação da hegemonia católica). Porém, criou um setor antirreligioso muito forte. Depois, basicamente as outras formas religiosas permaneceram fracas. Também não foi o processo americano de um processo de pluralismo já de saída na própria formação da nação. Por causa disso, houve a decisão de separar a Igreja e o Estado, a aproximação com a ideia de nacionalismo e a criação do fenômeno da denominação. A Igreja Católica nos Estados Unidos teve que se enquadrar nisso e acabou adquirindo várias características das denominações protestantes. IHU On-Line – Por trás da "descatolização" e da "protestantização" da AL, não estaria também a questão da relevância do discurso (das linguagens, das gramáticas) de cada uma dessas correntes religiosas no contexto atual? Paul Freston – Não é isso que está acontecendo. O que ocorre é uma mudança no status público da Igreja Católica, mas também de uma transição protestante que é o fato de que muito dificilmente o protestantismo vai chegar a ser maioria em algum país latino-americano. Certamente, no Brasil a perspectiva não é essa. Prevejo que nas próximas décadas o crescimento protestante vai estabilizar, vai chegar num patamar e se estabilizar. Ficaremos entre 20 e 35%. Quando estabilizar aí tudo muda. Essa é a questão. Teremos um quadro religioso totalmente transformado nesse país; teremos um protestantismo que já não cresce como hoje. Não vai haver o mesmo triunfalismo e o mesmo jeito aguerrido. Vão ser produzidos outros tipos de líderes, outras relações entre as diferentes religiões e com a política. Vai ser muito diferente do que é hoje. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica vai estabilizar. Porém, de uma forma diferente do que sempre foi. Pode até ser minoria; é possível que o censo do ano passado já dê uma minoria católica no estado do Rio de Janeiro, não no país todo. E quando estabilizar os “fiéis” da Igreja serão descritos como mais praticantes, identificados, compromissados. As relações entre católicos e protestantes serão bem diferentes e, além disso, teremos um setor razoavelmente grande de pessoas adeptas a outras religiões ou “sem religião”. Essa situação pluralista vai ser mais difusa e não vai haver uma protestantização. IHU On-Line – Nessa sociedade pós-moderna, e especialmente no contexto brasileiro, as igrejas estão sabendo encontrar o seu lugar? Paul Freston – Tudo indica que sim. Algumas mais do que outras. Além disso, outras vão surgir totalmente novas. A princípio, a pós-modernidade não é mais nem menos favorável: é diferente. A tendência é produzir outros tipos de igreja ou a transformação de igrejas existentes que vão se adequar à nova situação. IHU On-Line – Quais são as questões socioculturais mais importantes às quais as igrejas deveriam prestar mais atenção nesse cenário? Paul Freston – Aí já é uma coisa mais normativa para as igrejas que eu não ousaria fazer. É claro que alguma coisa irá acontecer e que já sabemos que está em curso: a questão do envelhecimento da população. O Brasil vai passar a ter um outro perfil demográfico, com uma população mais estável, se não houver imigração. É possível que haja, porque o Brasil pode virar um país de imigração novamente. Se isso não ocorrer, a população vai estabilizar, vai ficar mais envelhecida, e isso trará desafios diferentes para todas as religiões. Essa situação irá exigir outras abordagens e outras formas mais apropriadas para esse perfil demográfico. Além do mais, creio que, se as coisas continuarem como estão, com uma democracia consolidada e uma situação econômica melhor, a tendência vai ser que a política e a vida pública terão espaços para outras questões. Nas ultimas eleições vimos um início disso: a presença da questão do aborto adquirindo uma proeminência nos debates que não tinha antes nas eleições brasileiras. Isso pode ser um reflexo de uma situação de maior estabilização econômica e consolidação democrática. Não creio que essa questão do aborto tenha mudado o curso das eleições, como algumas pessoas dizem. Um dia depois do primeiro turno fui perguntado por muitos meios de comunicação sobre isso e falei que seria improvável que essa questão teria sido a razão de haver um segundo turno. Depois, a pesquisa do Datafolha mostrou isso de fato. Mostrou que o debate acerca do aborto não foi o suficiente para mudar a situação. De toda forma, foi um tema que teve mais visibilidade em eleições brasileiras do que em momentos anteriores. Isso pode ser um prenúncio do que vem por aí, se a situação geral do país continuar melhorando. Notas: [1] Frances Hagopian é doutora em Ciência Política e professora e diretora de Estudos Brasileiros da Harvard University |
Massacre apoiado por EUA mancha primavera árabe no Bahrein
No discurso de condenação ao governo de Kadafi, Obama justificou os recentes ataques militares a Líbia com estas palavras: “Assassinaram pessoas inocentes. Atacaram hospitais e ambulâncias. Prenderam, agrediram e assassinaram jornalistas”. Agora ocorre o mesmo no Bahrein e Obama não tem nada a dizer. “Centenas de pessoas estão presas e são torturadas por exercer sua liberdade de expressão. E tudo por vingança, porque um dia, há um mês, quase a metade da população do Bahrein foi para as ruas exigir democracia e respeito pelos direitos humanos”, diz Nabeel Rajab, presidente do Centro pelos Direitos Humanso do Bahrein. O artigo é de Amy Goodman.
Amy Goodman - Democracy Now - Carta Maior
Três dias depois da renúncia de Hosni
Mubarak e do fim de sua longa ditadura no Egito, o povo do Bahrein,
pequeno estado do Golfo, se lançou massivamente às ruas de Manama,
capital do país, e se reuniu na Praça da Perla, sua versão da praça
egípcia de Tahrir. O Bahrein vem sendo governador pela mesma família, a
dinastia de Khalifa, desde a década de 1780, há mais de 220 anos. Com as
manifestações, a população do país não pedia o fim da monarquia, mas
sim uma maior representação em seu governo.
Após um mês de protestos, a Arábia Saudita enviou forças militares e policiais por meio da ponte de mais de 25 quilômetros que une o território continental saudita à ilha de Bahrein. A partir desse momento, reprimiu-se cada vez com mais força e violência os manifestantes, a imprensa e as organizações de direitos humanos.
Uma valente jovem ativista bahreiní a favor da democracia, Zainab al-Khawaja, viu a brutalidade de perto. Para seu horror, foi testemunha de como seu padre, Abdulhadi al-Khawaja, um destacado ativista pelos direitos humanos, foi golpeado e preso. Ela descreveu o ocorrido, desde Manama:
“Forças de segurança atacaram minha casa. Chegaram sem aviso prévio. Derrubaram a porta do edifício, derrubaram a porta de nosso apartamento e atacaram diretamente meu pai, sem explicar os motivos de sua prisão nem dar-lhe oportunidade para falar. Arrastaram meu pai pelas escadas e o golpearam na minha frente. Bateram nele até que ficou inconsciente. A última coisa que ouvi-lo dizer foi que não podia respirar. Quando tratei de intervir, tentei dizer-lhes: “Por favor, deixem de bater nele, ele irá com vocês voluntariamente. Não precisam golpeá-lo assim”. Basicamente me disseram que calasse a boca, me agarraram e me arrastaram escadas acima até o apartamento. Quando voltei a sair, o único rastro que havia de meu pai era seu sangue na escada”.
A organização de direitos humanos Human Rights Watch pediu a imediata libertação de Al-Khawaja. O esposo e o cunhado de Zainab também foram presos. Zainab publica no twitter como “angryarabiya” e, em protesto pelas prisões, iniciou uma greve de fome, ingerindo apenas líquidos. Também escreveu uma carta ao presidente Barack Obama, na qual diz: “Se algo acontecer com meu pai, com meu esposo, meu tio, meu cunhado ou comigo, declaro-o tão responsável como o regime de Al Khalifa. Seu apoio a esta monarquia faz com que seu governo seja cúmplice de seus crimes. Todavia, abrigo a esperança de que você se dê conta de que a liberdade e os direitos humanos significam o mesmo para uma pessoa do Bahrein do que para uma pessoa dos Estados Unidos”.
No discurso de condenação ao governo de Kadafi, Obama justificou os recentes ataques militares a Líbia com estas palavras: “Assassinaram pessoas inocentes. Atacaram hospitais e ambulâncias. Prenderam, agrediram e assassinaram jornalistas”. Agora ocorre o mesmo no Bahrein e Obama não tem nada a dizer.
Do mesmo modo que ocorreu no Egito e na Tunísia, o sentimento é nacionalista e não religioso. O país é 70% xiita, mas governador por uma minoria sunita. No entanto, uma das principais consignas presentes nos protestos tem sido: “Nem xiita, nem sunita, bahreiní”. Isso desmoraliza o argumento esgrimido pelo governo do Bahrein, segundo o qual o atual regime seria a melhor defesa contra a crescente influência do Irã, um país xiita, no rico em petróleo Golfo Pérsico. Some-se a isso o papel estratégico do Bahrein: é ali que se encontra a base da 5ª Frota Naval dos EUA, encarregada de proteger os “interesses estadunidenses” como o Estreito de Ormuz e o Canal de Suez, e de dar apoio às guerras no Iraque e no Afeganistão. Não está também entre os interesses estadunidenses o de apoiar a democracia e não os ditadores?
Nabeel Rajab é presidente do Centro pelos Direitos Humanos do Bahrein, organizado que foi dirigida pelo recentemente sequestrado Abdulhadi al-Khawaja. Rajab pode enfrentar um julgamento militar por publicar a fotografia de uma manifestante que morreu enquanto permanecia preso. Rajab me disse: “Centenas de pessoas estão presas e são torturadas por exercer sua liberdade de expressão. E tudo por vingança, porque um dia, há um mês, quase a metade da população do Bahrein foi para as ruas exigir democracia e respeito pelos direitos humanos”.
Rajab observou que a democracia no Bahrein poderia implicar a luta pela democracia nas ditaduras vizinhas do Golfo Pérsico, especialmente na Arábia Saudita. É por isso que a maioria dos governos regionais têm interesse no fim dos protestos. A Arábia Saudita está bem posicionada para tarefa já que é recente beneficiária do maior acordo de venda de armas na história dos EUA. Apesar das ameaças, Rajab foi firme: “Enquanto respirar, enquanto viver, vou seguir lutando. Acredito na mudança. Acredito na democracia. Acredito nos direitos humanos. Estou disposto a dar minha vida. Estou disposto a dar o que for preciso para alcançar essa meta”.
(*) Amy Goodman é editora e apresentadora do Democracy Now.
(**) Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna
Tradução: Katarina Peixoto
Após um mês de protestos, a Arábia Saudita enviou forças militares e policiais por meio da ponte de mais de 25 quilômetros que une o território continental saudita à ilha de Bahrein. A partir desse momento, reprimiu-se cada vez com mais força e violência os manifestantes, a imprensa e as organizações de direitos humanos.
Uma valente jovem ativista bahreiní a favor da democracia, Zainab al-Khawaja, viu a brutalidade de perto. Para seu horror, foi testemunha de como seu padre, Abdulhadi al-Khawaja, um destacado ativista pelos direitos humanos, foi golpeado e preso. Ela descreveu o ocorrido, desde Manama:
“Forças de segurança atacaram minha casa. Chegaram sem aviso prévio. Derrubaram a porta do edifício, derrubaram a porta de nosso apartamento e atacaram diretamente meu pai, sem explicar os motivos de sua prisão nem dar-lhe oportunidade para falar. Arrastaram meu pai pelas escadas e o golpearam na minha frente. Bateram nele até que ficou inconsciente. A última coisa que ouvi-lo dizer foi que não podia respirar. Quando tratei de intervir, tentei dizer-lhes: “Por favor, deixem de bater nele, ele irá com vocês voluntariamente. Não precisam golpeá-lo assim”. Basicamente me disseram que calasse a boca, me agarraram e me arrastaram escadas acima até o apartamento. Quando voltei a sair, o único rastro que havia de meu pai era seu sangue na escada”.
A organização de direitos humanos Human Rights Watch pediu a imediata libertação de Al-Khawaja. O esposo e o cunhado de Zainab também foram presos. Zainab publica no twitter como “angryarabiya” e, em protesto pelas prisões, iniciou uma greve de fome, ingerindo apenas líquidos. Também escreveu uma carta ao presidente Barack Obama, na qual diz: “Se algo acontecer com meu pai, com meu esposo, meu tio, meu cunhado ou comigo, declaro-o tão responsável como o regime de Al Khalifa. Seu apoio a esta monarquia faz com que seu governo seja cúmplice de seus crimes. Todavia, abrigo a esperança de que você se dê conta de que a liberdade e os direitos humanos significam o mesmo para uma pessoa do Bahrein do que para uma pessoa dos Estados Unidos”.
No discurso de condenação ao governo de Kadafi, Obama justificou os recentes ataques militares a Líbia com estas palavras: “Assassinaram pessoas inocentes. Atacaram hospitais e ambulâncias. Prenderam, agrediram e assassinaram jornalistas”. Agora ocorre o mesmo no Bahrein e Obama não tem nada a dizer.
Do mesmo modo que ocorreu no Egito e na Tunísia, o sentimento é nacionalista e não religioso. O país é 70% xiita, mas governador por uma minoria sunita. No entanto, uma das principais consignas presentes nos protestos tem sido: “Nem xiita, nem sunita, bahreiní”. Isso desmoraliza o argumento esgrimido pelo governo do Bahrein, segundo o qual o atual regime seria a melhor defesa contra a crescente influência do Irã, um país xiita, no rico em petróleo Golfo Pérsico. Some-se a isso o papel estratégico do Bahrein: é ali que se encontra a base da 5ª Frota Naval dos EUA, encarregada de proteger os “interesses estadunidenses” como o Estreito de Ormuz e o Canal de Suez, e de dar apoio às guerras no Iraque e no Afeganistão. Não está também entre os interesses estadunidenses o de apoiar a democracia e não os ditadores?
Nabeel Rajab é presidente do Centro pelos Direitos Humanos do Bahrein, organizado que foi dirigida pelo recentemente sequestrado Abdulhadi al-Khawaja. Rajab pode enfrentar um julgamento militar por publicar a fotografia de uma manifestante que morreu enquanto permanecia preso. Rajab me disse: “Centenas de pessoas estão presas e são torturadas por exercer sua liberdade de expressão. E tudo por vingança, porque um dia, há um mês, quase a metade da população do Bahrein foi para as ruas exigir democracia e respeito pelos direitos humanos”.
Rajab observou que a democracia no Bahrein poderia implicar a luta pela democracia nas ditaduras vizinhas do Golfo Pérsico, especialmente na Arábia Saudita. É por isso que a maioria dos governos regionais têm interesse no fim dos protestos. A Arábia Saudita está bem posicionada para tarefa já que é recente beneficiária do maior acordo de venda de armas na história dos EUA. Apesar das ameaças, Rajab foi firme: “Enquanto respirar, enquanto viver, vou seguir lutando. Acredito na mudança. Acredito na democracia. Acredito nos direitos humanos. Estou disposto a dar minha vida. Estou disposto a dar o que for preciso para alcançar essa meta”.
(*) Amy Goodman é editora e apresentadora do Democracy Now.
(**) Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna
Tradução: Katarina Peixoto
Carajás 15 anos, o massacre presente
Aniversário da chacina lembra a necessidade de punição aos assassinos e de tratamento e indenização às vítimas
Márcio Zonta
de Eldorado dos Carajás (PA) no Brasil de Fato
Ao
andar pelas ruas da vila do assentamento 17 de abril em Eldorado dos
Carajás, ainda escuta-se muitas histórias sobre a marcha que culminou no
massacre da curva do S, na rodovia PA 150, em Eldorado do Carajás, há
15 anos. Os sobreviventes ainda têm dúvidas quanto ao número oficial de
mortos divulgados pelo Estado, pois há crianças, homens e mulheres
desaparecidos que não estavam na lista dos mortos e, tampouco, foram
encontrados depois. As marcas do massacre persistem tanto na simbologia
da conquista das cinco fazendas, parte das 15 existentes no complexo
Macaxeira, quanto no corpo dos mutilados ou na cabeça de muitos que
viveram aquele 17 de abril de 1996.
“Foi a tarde
mais sangrenta da minha vida”, recorda Haroldo Jesus de Oliveira, o
primeiro sobrevivente a conversar com a reportagem. Quem o vê
trabalhando atencioso e calmo na Casa Digital 17 de abril, monitorando
jovens e crianças no manuseio da internet, não imagina as recordações
que ele guarda. “Acordamos felizes naquela manhã do dia 17, pois o
Coronel Pantoja, junto a uma comissão, do então governador Almir Gabriel
(PSDB), disse que daria os ônibus para que fossemos até Belém, onde
pressionaríamos o governo para desapropriação dessas terras. Inclusive,
já tínhamos desobstruído a rodovia na noite anterior, já que esse era
nosso acordo, e preparado a alimentação para as famílias que
participavam da marcha”, diz Oliveira.
Onze horas
da manhã venceu o prazo do acordo, e em vez de chegar os ônibus, que
levariam cerca das 1,8 mil famílias da marcha, chegou o batalhão da
Polícia Militar, o que fez com que as famílias retomassem a estrada. “Eu
me lembro como se fosse hoje. Estávamos de prato na mão, almoçando, sob
uma chuvinha leve, um sereninho bom. Muitos homens começaram a descer
dos ônibus da polícia e montar o acampamento, por volta de três da
tarde, e ficaram cerca de 90 minutos preparando-se, como se fossem para
uma guerra”, relata Oliveira.
Depois de
estabelecidos os policiais no local, a mesma comissão disse que não
providenciaria os ônibus e que tinha ordens do governador para retirar
as famílias da via. “Nós nunca pensamos que poderia acontecer aquilo.
Perto das 17 horas, começaram a jogar bombas de efeito moral contra as
pessoas e a atirar no chão. Pessoas tomavam tiros nas pernas e caiam.
Mas aqueles que iam para cima, eles atiravam no peito mesmo”. A
carnificina começou naquele momento e pelas contas de Oliveira durou
cerca de cinquenta minutos.
“Tive que sair pelo
chão me arrastando para o miolo de gente junto à água da chuva, que se
misturava com sangue, tinha muita gente no asfalto ferida, gritando,
chorando...”, lembra emocionado Oliveira.
Premeditado
Amanhece
no assentamento 17 de abril e, enquanto, muitos agricultores já estão
na roça, as 7h, começa a entrada das crianças na escola que leva o nome
de Oziel Alves Pereira, sem-terra de 17 anos espancado até a morte no
hospital pelos policiais, por gritar palavras de ordem do MST, na noite
do dia 17 de abril, em Curianópolis (PA), para onde foram levados os
feridos.
Zé Carlos, companheiro de linha de
frente junto a Oziel no dia do massacre, confere a mochila do filho na
frente da escola, passa algumas recomendações e o beija ao se despedir.
Sobre o dia da chacina, que lhe custou uma bala alojada na cabeça e a
perda de um olho, Zé Carlos é enfático: “utilizaram-se de táticas de
guerra”. Zé lembra que um caminhão que estava parado na estrada, por
causa do bloqueio, foi oferecido às famílias como proteção. “O motorista
chegou e disse: ‘vou atravessar esse caminhão na pista para ajudar
vocês’. Mas estranhamente toda a ação policial iniciou-se atrás desse
veículo, sendo o escudo principal deles, tapando nossa visão. Foram os
policiais que pediram”, garante.
Zé conta que os
policiais vinham do sentido de Parauapebas e Marabá, ambas cidades
paraenses interligadas pela rodovia, além dos que saíam do meio da mata
dos dois lados da pista. “Nos cercaram para matar mesmo, pois vinham de
todas as direções atirando”. Segundo Zé, é difícil para quem esteve no
dia aceitar o número de apenas 21 mortos ditos pelo Estado.“Isso é
brincadeira. Morreu muita gente, entre homens, mulheres e crianças. Vi
muita gente morta, não pode ser, Tenho até medo de falar, deixa isso
para lá. Mas garanto que foi muito mais”.
Ao apagar das luzes
Como
se um espetáculo tivesse acabado, ao anoitecer no dia 17 de abril, as
luzes do município de Eldorado do Carajás foram apagadas e seu cenário
de morte, desmontado. Essa é a sensação que teve a jovem Ozenira Paula
da Silva, com 18 anos na época do acontecido. “Apagaram as luzes para
desmontar o que tinham feito, para limparem a via. Jogavam corpos e mais
corpos em caçambas de caminhão, que tomavam rumos diferentes”.
Após
os primeiros disparos, Ozenira só teve tempo de pegar os seus três
filhos, todos com menos de cinco anos, e correr para a mata ao lado,
percebendo momentos depois que tinha sido baleada na perna esquerda, na
altura da coxa. “Tinha muita gente escondida na mata, próximo às margens
da rodovia e foi justamente essas pessoas que viram muitos corpos sendo
desviados para fora do caminho do Instituto Médico Legal (IML), de
Marabá, para onde eram levados os mortos”.
Ozenira
diz que algo lhe intriga até hoje. “Depois que terminou a matança, uma
criança branquinha de uns dois anos foi achada na escuridão do mato, aos
prantos, por uma mulher que procurava seus familiares. Essa mulher a
recolheu. Sei que essa criança viveu com ela bastante tempo em
Curianópolis, mas depois perdi o contato”.
Onde
estariam os pais da criança naquela noite? Ozenira responde: “Não tenho
como provar, mas tenho quase certeza que estavam em algum caminhão de
remoção de cadáveres”, finaliza.
O massacre continua
Poucos
mutilados receberam seus direitos de indenização e até hoje, quinze
anos depois, muitos nem recebem a pensão mensal de R$346. Ozenira é uma
delas. “Fui atendida no hospital apenas no dia do acontecido, depois
nunca mais tive atendimento médico, tenho dias de dores horríveis e
outros de dormência na perna”, conta.
Já Zé, hoje
aos 32 anos, foi um dos únicos a receber, em 2008, uma indenização de
R$ 85 mil reais, mais a pensão mensal no valor citado acima. Hoje vive
do que seus irmãos plantam em seu lote, já que tem dificuldades para
trabalhar em função das sequelas do tiro na cabeça.
Mas,
um caso em especial entre os mutilados chama a atenção. Mirson Pereira,
um dos únicos que conseguiu uma cirurgia, no Hospital Regional de
Marabá, para retirar uma bala alojada na perna esquerda. “Pensei que
seria o fim das dores, mas quando voltei da sala de cirurgia o médico
disse que havia errado e feito o corte na perna errada, disse que no
outro dia realizaria o procedimento na perna certa, mas desisti, fiquei
com medo e saí do hospital”. Pereira continua com a bala na perna e
ainda aguarda sua indenização.
O descaso do
Estado brasileiro em relação ao massacre de Eldorado dos Carajás já
gerou contra o governo um processo, em 1998, na Corte Interamericana de
Direitos Humanos, com sede nos Estados Unidos, feita pelo Centro pela
Justiça e o Direito Internacional (CEJIL). “O governo brasileiro agiu de
duas formas quando foi notificado pela entidade internacional.
Primeiramente, culpou os próprios marchantes pelo ocorrido e, num
segundo momento, por força da opinião pública, disse que já fazia coisas
no assentamento, o que compensava o ocorrido”, explica Viviam
Holzhacker, advogada assistente da CEJIL, que acompanha o caso.
No
entanto, por pressão internacional, a advogada diz que o governo
brasileiro aderiu a um processo, recentemente, de buscar acordo com os
mutilados. “São feitas propostas de ambos os lados até chegar a um
acordo. Deve levar mais uns cinco anos para ser resolvido o caso de
todos”, explica.
Diante deste imbróglio, na
ausência de um tratamento médico adequado que cuide do corpo e da mente
dos participantes da marcha, Índio, um dos mutilados, com duas balas
alojadas na perna esquerda desabafa: “Aconteceu o massacre em 1996. Mas
ele terminou? Não! Pois esse grupo [do assentamento] ficou apenas porque
o Estado não deu conta de matar no dia. Ficamos para contar a história,
sofrer e ir morrendo aos poucos num massacre diário, que só terminará
por completo com nossa morte”.
Assinar:
Postagens (Atom)