Créditos: operamundi
Neste domingo, boa parte da sociedade burguesa vai parar para, durante algum momento do dia refletir sobre o estado do mundo dez anos após os atentados de 11 de Setembro. Definitivamente, o quadro não vai parecer nada favorável.
Quando sentiram seus valores serem atingidos com a queda simbólica das Torres Gêmeas, esperavam que uma reação militar e econômica resolvesse rapidamente a crise e restabelecesse a ordem natural do fim da história. Mas, ao contrário, não só não se recuperaram do golpe como agora vêem seu a base do modelo sem saída.
As grandes potências da Europa e da América do Norte se encontram estagnadas, endividadas, atingidas por taxas alarmantes de desemprego e, pior, sem grandes idéias ou perspectivas ou lideranças que possam, a médio prazo, recolocá-las nos eixos. As forças políticas conservadoras se alteram no poder com partidos autodenominados socialistas que, na prática, se afastam cada vez mais das noções da esquerda. Ao beberem na fonte da terceira via, passaram a acreditar em uma combinação mágica de pujança econômica, liberal, democrática e com oportunidade para todos.
No entanto, os governos da nova social-democracia se encontram engessados em clara crise de identidade, por seguirem a mesma cartilha dos rivais da direita (muito bem exemplificada pelos atuais planos de austeridade que se disseminam pelo Atlântico Norte) e produzem cada vez mais os mesmos resultados. Um mundo bem diferente do prometido ao fim dos anos 1990, quando aparentemente, "tout allait bien".
Wikimedia Commons
José Carlos Mariátegui ao lado de seus quatro filhos
É espantoso como o cenário acima vem à mente por sucessivas vezes quando nos deparamos com a clareza e precisão com que o jornalista e revolucionário peruano José Carlos Mariátegui analisa os rumos da sociedade ocidental. Mas, para os desavisados, seu mundo não é o do pós-neoliberalismo.
A História se repete
Não à toa, seus ensaios e reflexões tem ganhado mais espaço e destaque no mercado editorial quase um século após terem sido elaborados. A maior parte deles, nos anos 1920, influenciados por quadros como Europa pós-I Guerra Mundial, a ascensão do fascismo e a Revolução Russa. Sua morte precoce em 1930, aos 35 anos, interrompeu uma trajetória acadêmica e política que não teria precedentes no continente sul-americano.
Um dos melhores exemplos sobre a atualidade de seus pensamentos pode ser encontrado agora no Brasil através da compilação Defesa do marxismo: polêmica revolucionária e outros escritos (Boitempo editorial, 232 páginas, R$ 39). Além dos 16 tópicos que compõem o ensaio principal do qual trata o título, o livro traz também outros seis textos inéditos em português em que o autor versa sobre os mais variados temas, desde os conflitos entre Oriente vs. Ocidente passando pelo feminismo até o papel do Partido Comunista do Peru, o qual foi um dos fundadores.
Boitempo Editorial/Divulgação
E é justamente no ensaio principal, Defesa do marxismo, que mostra não só sua contemporaneidade como a do próprio Karl Marx, que há mais de 150 anos já havia previsto a natureza da economia mundial no século XXI e sua inevitável crise.
O objetivo de sua defesa parece ser relembrar e conscientizar toda a esquerda, incluindo os social-democratas, que não se deve nunca renunciar aos princípios do marxismo. Isso não significa tornar-se necessariamente um ortodoxo. Pelo contrário, Mariátegui sempre defendeu que toda introdução do modelo de socialismo seja adaptado ao respectivo povo. Para o Peru, por exemplo, o autor entende que, ao contrário do cunho filantrópico dos apristas, ele deve emergir a partir da libertação dos povos indígenas. Por essas razões, foi duramente acusado em sua época de irracional e idealista por absorver ideias de ícones como Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e George Sorel (a quem creditava por ter feito a melhor revisão do marxismo).
Além da contemporaneidade, há outro aspecto de Mariátegui nessa compilação que chama atenção e que serve de exemplo ao presente: a forma ao mesmo tempo implacável e respeitosa com que desconstrói as ideias dos revisionistas – em especial Henri de Man (líder trabalhista belga que, após propor uma revisão total do marxismo, colaborou com os nazistas na II Guerra). Termos como "reformista desenganado" e "derrotista" soam corteses ao explicar que de Man optou por identificar o juízo da História a partir de sua frustração pessoal. Mariátegui é capaz de indicar ponto a ponto, com maestria as contradições revisionistas, sem demonstrar qualquer pudor em citar os pontos de concordância com seus rivais.
Um exemplo de fidalguia intelectual impensável para o radicalismo da era do terror capitaneado por correntes como o Tea Party e a extrema-direita europeia.
Serviço
Título: Defesa do Marxismo: polêmica revolucionária e outros escritos
Autor: José Carlos Mariátegui
Editora: Boitempo Editorial
Nº de páginas: 232
Preço: R$ 39
Quando sentiram seus valores serem atingidos com a queda simbólica das Torres Gêmeas, esperavam que uma reação militar e econômica resolvesse rapidamente a crise e restabelecesse a ordem natural do fim da história. Mas, ao contrário, não só não se recuperaram do golpe como agora vêem seu a base do modelo sem saída.
As grandes potências da Europa e da América do Norte se encontram estagnadas, endividadas, atingidas por taxas alarmantes de desemprego e, pior, sem grandes idéias ou perspectivas ou lideranças que possam, a médio prazo, recolocá-las nos eixos. As forças políticas conservadoras se alteram no poder com partidos autodenominados socialistas que, na prática, se afastam cada vez mais das noções da esquerda. Ao beberem na fonte da terceira via, passaram a acreditar em uma combinação mágica de pujança econômica, liberal, democrática e com oportunidade para todos.
No entanto, os governos da nova social-democracia se encontram engessados em clara crise de identidade, por seguirem a mesma cartilha dos rivais da direita (muito bem exemplificada pelos atuais planos de austeridade que se disseminam pelo Atlântico Norte) e produzem cada vez mais os mesmos resultados. Um mundo bem diferente do prometido ao fim dos anos 1990, quando aparentemente, "tout allait bien".
Wikimedia Commons
José Carlos Mariátegui ao lado de seus quatro filhos
É espantoso como o cenário acima vem à mente por sucessivas vezes quando nos deparamos com a clareza e precisão com que o jornalista e revolucionário peruano José Carlos Mariátegui analisa os rumos da sociedade ocidental. Mas, para os desavisados, seu mundo não é o do pós-neoliberalismo.
A História se repete
Não à toa, seus ensaios e reflexões tem ganhado mais espaço e destaque no mercado editorial quase um século após terem sido elaborados. A maior parte deles, nos anos 1920, influenciados por quadros como Europa pós-I Guerra Mundial, a ascensão do fascismo e a Revolução Russa. Sua morte precoce em 1930, aos 35 anos, interrompeu uma trajetória acadêmica e política que não teria precedentes no continente sul-americano.
Um dos melhores exemplos sobre a atualidade de seus pensamentos pode ser encontrado agora no Brasil através da compilação Defesa do marxismo: polêmica revolucionária e outros escritos (Boitempo editorial, 232 páginas, R$ 39). Além dos 16 tópicos que compõem o ensaio principal do qual trata o título, o livro traz também outros seis textos inéditos em português em que o autor versa sobre os mais variados temas, desde os conflitos entre Oriente vs. Ocidente passando pelo feminismo até o papel do Partido Comunista do Peru, o qual foi um dos fundadores.
Boitempo Editorial/Divulgação
E é justamente no ensaio principal, Defesa do marxismo, que mostra não só sua contemporaneidade como a do próprio Karl Marx, que há mais de 150 anos já havia previsto a natureza da economia mundial no século XXI e sua inevitável crise.
O objetivo de sua defesa parece ser relembrar e conscientizar toda a esquerda, incluindo os social-democratas, que não se deve nunca renunciar aos princípios do marxismo. Isso não significa tornar-se necessariamente um ortodoxo. Pelo contrário, Mariátegui sempre defendeu que toda introdução do modelo de socialismo seja adaptado ao respectivo povo. Para o Peru, por exemplo, o autor entende que, ao contrário do cunho filantrópico dos apristas, ele deve emergir a partir da libertação dos povos indígenas. Por essas razões, foi duramente acusado em sua época de irracional e idealista por absorver ideias de ícones como Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e George Sorel (a quem creditava por ter feito a melhor revisão do marxismo).
Além da contemporaneidade, há outro aspecto de Mariátegui nessa compilação que chama atenção e que serve de exemplo ao presente: a forma ao mesmo tempo implacável e respeitosa com que desconstrói as ideias dos revisionistas – em especial Henri de Man (líder trabalhista belga que, após propor uma revisão total do marxismo, colaborou com os nazistas na II Guerra). Termos como "reformista desenganado" e "derrotista" soam corteses ao explicar que de Man optou por identificar o juízo da História a partir de sua frustração pessoal. Mariátegui é capaz de indicar ponto a ponto, com maestria as contradições revisionistas, sem demonstrar qualquer pudor em citar os pontos de concordância com seus rivais.
Um exemplo de fidalguia intelectual impensável para o radicalismo da era do terror capitaneado por correntes como o Tea Party e a extrema-direita europeia.
Serviço
Título: Defesa do Marxismo: polêmica revolucionária e outros escritos
Autor: José Carlos Mariátegui
Editora: Boitempo Editorial
Nº de páginas: 232
Preço: R$ 39