domingo, 9 de outubro de 2011

Tirem o crucifixo do STF. O Cristo Redentor pode ficar

Leonardo Sakamoto no seu blog


O Cristo Redentor completa 80 anos na próxima quarta (12), feriado de Nossa Senhora Aparecida.
Poucas pessoas que visitaram o monumento não ficam maravilhadas com a vista, lá de cima, do Morro do Corcovado, de uma das mais belas cidades do planeta. O que não impede, contudo, de muitos terem achado um tremendo exagero a eleição da estátua como uma das sete novas maravilhas do mundo – concurso realizado por uma fundação suíça, que também elegeu o Taj Mahal (!), o Coliseu (!!) e Machu Picchu (!!!), entre outros monumentos históricos. Perceberam a desproporcionalidade histórica e a paulada no significado da palavra “maravilha”?
Mas como a votação foi pela internet e houve até campanha de veículos de comunicação brasileiros inflamando o que há de pior em nosso ufanismo patriótico (se é que há algo de bom nesse caldo), era claro que o monumento de gosto estilístico duvidoso fosse entrar nesse hall da fama.
Em um país de maioria católica (não praticante, é claro, e que apela para todas as forças do universo em um sincretismo fascinante nos momentos de dificuldade), a estátua, que fica sob os cuidados da Arquidiocese do Rio de Janeiro, tem sua importância. Se aquela referência faz bem à grande maioria das pessoas e não ofende uma minoria, não há problema. O difícil não é ter que conviver com um símbolo de uma crença que não é a sua na rua – a isso damos o nome de tolerância, que deveria ser melhor cultivada por estas bandas, o que protegeria o direito de culto em igrejas, templos e terreiros. O ruim é saber que a presença desses símbolos em prédios que pertencem ao poder público mostram que a saudável e necessária separação entre fé e Estado não ocorre por aqui.
A questão da retirada de crucifixos, imagens religiosas e afins de repartições públicas gerou polêmicas ao longo da história a partir do momento em que um Estado se afirma laico (e não desde o lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, no ano passado, que previa essa ação). A França retirou os símbolos religiosos de sedes de governos, tribunais e escolas públicas no final do século 19. Nossa primeira Constituição republicana já contemplava a separação entre Estado e Igreja, mas estamos 120 anos atrasados em cumprir a promessas dos legisladores de então.
Em janeiro de 2010, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou uma nota em que rejeitou “a criação de ‘mecanismos para impeder a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União’, pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas”.
Na época, auto-intitulados representantes de Deus, afirmaram que se o governo quisesse tirar símbolos religiosos, então deveria começar pelo Cristo Redentor. Chantagem besta, do mesmo DNA de: “se for para começar a discutir as regras do jogo, levo a minha bola embora – humpf”. Particularmente, pode demolir a estátua que não dou a mínima (e, com essa frase iconoclasta, selo a excomunhão deste que já foi até coroinha). Mas sei que a sociedade, que tem apreço por ela, não deixaria meia dúzia de “iluminados” sacerdotes tomar tal medida uma vez que o monumento pertence, na prática, à cidade do Rio e não à Cúria. Em tempo: não é o governo que sugere a retirada dos símbolos religiosos de repartições públicas, mas foi a Conferência Nacional de Direitos Humanos, que derivou de conferência estaduais, reunindo a sociedade brasileira em um debate longo e democrático.
Adoro quando alguém apela para as “raízes históricas” para discutir algo. Na época, lembrei que a escravidão está em nossas raízes históricas. A sociedade patriarcal está em nossas raízes históricas. A desigualdade social estrutural está em nossas raízes históricas. A exploração irracional dos recursos naturais está em nossas raízes históricas. A submissão da mulher como mera reprodutora e objeto sexual está em nossas raízes históricas. As decisões de Estado serem tomadas por meia dúzia de iluminados ignorando a participação popular estão em nossas raízes históricas. Lavar a honra com sangue está em nossas raízes históricas. Caçar índios no mato está em nossas raízes históricas. E isso para falar apenas de Brasil. Até porque queimar pessoas por intolerância de pensamento está nas raízes históricas de muita gente.
Quando o ser humano consegue caminhar a ponto de ver no horizonte a possibilidade de se livrar das amarras de suas “raízes históricas”, obtendo a liberdade para acreditar ou não, fazer ou não fazer, ser o que quiser ser, instituições importantes trazem justificativas para manter tudo como está.
Como foi noticiado neste blog, em 2009, o Ministério Público do Piauí solicitou a retirada de símbolos religiosos dos prédios públicos, atendendo a uma representação feita por entidades da sociedade civil e o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou recolher os crucifixos que adornavam o prédio e converteu a capela católica em local de culto ecumênico. Algumas dessas ações têm vida curta, mas o que importa é que percebe-se um processo em defesa de um Estado que proteja e acolha todas as religiões, mas não seja atrelado a nenhuma delas.
É necessário que se retirem adornos e referência religiosas de edifícios públicos, como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Não é porque o país tem uma maioria de católicos que espíritas, judeus, muçulmanos, enfim, minorias, precisem aceitar um crucifixo em um espaço do Estado. Além disso, as denominações cristãs são parte interessada em várias polêmicas judiciais – de pesquisas com célula-tronco ao direito ao aborto. Se esses elementos estão escancaradamente presentes nos locais onde são tomadas as decisões sem que ninguém se mexa para retirá-las, como garantir que as decisões serão isentas? O Estado deve garantir que todas as religiões tenham liberdade para exercer seus cultos, tenham seus templos, igrejas e terreiros e ostentem seus símbolos. Mas não pode se envolver, positiva ou negativamente, em nenhuma delas.
E não sou eu quem diz isso. Em Mateus, capítulo 22, versículo 21, o livro sagrado do cristianismo deixa bem claro o que o pessoal de hoje quer fazer de conta que não entende: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus”.

Estado é Estado. Religião é religião. Simples assim.

Os intelectuais no pós-lulismo

Idelber Avelar na REVISTA FÓRUM
Há dez anos, nascia a Revista Fórum. Há dez anos, os ataques terroristas a Nova York e Washington—embora não diferentes moralmente de incontáveis ataques realizados pelo terrorismo de Estado ocidental no mundo árabe—inauguravam um momento histórico distinto, caracterizado pelo declínio da aura de invencibilidade dos Estados Unidos e pela lógica perversa da guerra sem fim. Na América Latina, a eleição de Hugo Chávez, três anos antes, e de Lula, um ano depois, dava início à guinada à esquerda que caracterizou a década no continente. Nos ataques de 11 de setembro de 2001, apareceram em tempo real para o grande público, pela primeira vez, testemunhos pessoais compilados em ferramentas de publicação online que então começavam a serem conhecidas como “blogs”. Coincidentemente, a década conclui com enormes protestos populares no mundo árabe, em Israel, Chile, Inglaterra e Espanha, nos quais as novas tecnologias cumpriram papel central. Onde estão os intelectuais que pensaram esta década? Onde é que o pensamento tem se encontrado com a práxis?
O termo “intelectual” é usado em vários sentidos, alguns deles, inclusive, pejorativos. Em seu sentido estrito, ele remete ao “caso Dreyfus”, na França. O jornal L’Aurore publicou, em 13 de janeiro de 1898, uma carta aberta do então já renomado escritor Émile Zola, dirigida ao presidente da República, com o título que se tornaria célebre: J’accuse (Eu acuso). O texto era um potente ataque ao processo militar que havia injustamente condenado o oficial judeu Alfred Dreyfus por crime de traição. Evocando a verdade e a justiça, denunciando o anti-semitismo do caso, lembrando a França dos direitos do homem, a carta de Zola criou uma mobilização sem precedentes entre artistas e escritores, que logo publicaram textos em apoio a Dreyfus. Foi a retaliação dos adversários que usou pejorativamente, como neologismo para se referir a eles, o termo “intelectuais”, que até então não tinha circulação em francês. Desde então, a palavra se firmou para, nesse sentido estrito, definir aqueles sujeitos sociais que, trabalhando com o pensamento, intervêm para além das suas especialidades particulares, de forma pública, em temas que dizem respeito à pólis como um todo. Seu grande modelo, durante o século XX, também foi francês, Jean-Paul Sartre, mas as últimas décadas nos deram vários indícios de esgotamento do modelo humanista e orgânico do intelectual sartriano, questionado duramente a partir da explosão anárquica e horizontal de Maio de 1968.
No Brasil, como de resto em outros países da América Latina, a reforma universitária impôs uma tecnificação e uma compartimentalização que limitaram a possibilidade de que a universidade produzisse intelectuais com condições e disposição de intervir publicamente, para além das suas áreas de especialização. Privilegiou-se aqui a produção de um outro espécimen, o técnico, que tem em relação ao intelectual uma diferença marcante: o técnico jamais apresenta suas opções como resultado de escolhas políticas, e sim de uma racionalidade instrumental lógica. O técnico, portanto, não se coloca na posição de ter que assumir as consequências políticas do que preconiza, já que todo o processo de escolha é situado numa arena supostamente externa à política. Seu grande modelo brasileiro, nas últimas décadas, foram os economistas do tucanato, que apresentaram a privatização, a desregulamentação dos mercados e a descapitalização do Estado como produtos de uma escolha puramente racional, técnica, que seguia uma inexorabilidade científica. Foi preciso que um outro modelo se impusesse para que ficasse claro quão ideológicas eram aquelas escolhas. Mas ao longo dos anos 90, os economistas da privatização não se apresentavam, e não eram percebidos por grande parte da população, como representantes de um projeto político. Falavam em nome da ciência.
Em virtude do enorme grau de concentração e homogeneidade política da mídia brasileira, as figuras que nela falam como intelectuais tendem a ser, em geral, as mesmas. O leque dos chamados a opinar é notavelmente estreito: sobre ações afirmativas, se escutará Yvonne Maggie ou Demétrio Magnoli (de nenhuma produção acadêmica séria sobre o tema) dizendo que elas “racializam” a sociedade; sobre qualquer episódio da história moderna do Brasil, aguarde a entrevista com Marco Antonio Villa. E assim por diante, com a lista completa disponível num texto anterior que publiquei aqui na Fórum (“Acadêmicos Amestrados”, edição 80). Há exceções que desafiam o coro, como mostram as recentes contratações de José Miguel Wisnik por O Globo e Vladimir Safatle pela Folha de São Paulo. Mas, em geral, a intelectualidade que fala na mídia brasileira é bastante homogênea.
A partir de 2003 e, em especial, do final de 2005, que marca a recuperação do Presidente Lula do episódio do mensalão e o aparecimento mais nítido de indicadores do sucesso sócio-econômico do governo, a reação da intelectualidade alinhada com o lulismo centrou todo o seu poder de fogo na crítica da mídia. Dada a virulência com que os conglomerados de mídia brasileiros atacaram o lulismo com moralidade seletiva e, em muitos casos, com pura e simples falsificação (como na montagem publicada pela Folha como se fosse a ficha do DOPS de Dilma), essa reação era esperável, mas ela também solapou severamente a capacidade dessa intelligentsia de produzir pensamento crítico sobre o Brasil. A proliferação do termo “PiG”, que se fundamenta numa teoria de mídia patentemente ultrapassada, favoreceu atos de leitura seletiva que confundiam com golpismo qualquer crítica ao governo, mesmo as legítimas (como muitas críticas ambientalistas, ou as restrições às nomeações ao STF, ou o lamentável compadrio com Ricardo Teixeira na gestão do futebol). Daí foi um pulo para declarações em que, mesmo confessando ignorância sobre um tema, o intelectual alinhado descartava, por exemplo, com o argumento de que o tema não tinha transcendência. São os momentos em que o intelectual abdica dessa condição para se transformar em puro apparatchik.
Talvez o grande legado dos últimos anos para a renovação do papel do intelectual no Brasil tenha sido a experiência dos Pontos de Cultura do Ministério de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Mais de quatro mil centros produtores e difusores de cultura, em todo o território nacional, revolucionaram a concepção que regia a relação entre a esquerda e as culturas populares no Executivo. Em vez de “levar” um produto cultural ao povo, os Pontos de Cultura potencializaram expressões já desenvolvidas pelas próprias comunidades, valorizando-as. Quando, por exemplo, os índios ashaninka, da aldeia Apiwtxa, no Acre, produzem um filme como A gente luta, mas come fruta (2006), mostrando o trabalho de manejo agroflorestal e a luta contra os madeireiros, e depois passam a ser uma das primeiras trinta aldeias contempladas como Pontos de Cultura indígenas (2009), é toda uma formação de intelectuais não tradicionais que vai se gerando por disseminação descentralizada. Infelizmente, como a Fórum tem debatido à exaustão nos últimos meses, a restauração conservadora no Ministério da Cultura de Dilma, retomado pelo ECAD, pelo lobby dos direitos autorais e da propriedade intelectual e pela “classe artística” tradicional, tem causado um dano considerável a esse legado. Ele sobrevive no ativismo, mas foi completamente desalojado do aparato estatal e não há perspectiva de que ele encontre grandes brechas ali num futuro próximo.
O brutal retrocesso no Ministério da Cultura, a intensificação do paradigma desenvolvimentista herdado de Lula, com a consequente destruição ambiental (da qual a Usina Belo Monte é o maior, mas nem de longe o único exemplo) e a timidez do governo na regulamentação das telecomunicações são só alguns indicadores de que a intelectualidade de esquerda terá que ter jogo de cintura para se descolar do governismo sempre que necessário, sem fazer, evidentemente, o jogo da oposição de direita. Estão aí os recados do mundo contemporâneo: Wikileaks, Revoluções Árabes, M-15 espanhol, revoltas de consumidores excluídos em Londres, o radicalizado movimento estudantil no Chile, as surpreendentes manifestações de massa em Israel. Quais serão os pensadores ativistas brasileiros que entenderão que a simples manutenção do atual paradigma não será suficiente por muito tempo mais? Quem será capaz de articular pontes entre o ambientalismo e o combate à desigualdade social, de tal forma que a nova Classe C seja permeável à urgente mensagem de que fazer hidrelétricas e exportar soja até a água e o solo acabarem não é exatamente um bom plano? Quais serão os intelectuais que entenderão o recado das comunidades digitais, da disseminação do comum na internet, do potencial político da troca, cópia e circulação infinita de arquivos? Quais serão os acadêmicos que saberão romper os muros da universidade e vincular suas pesquisas específicas com os interesses gerais em conflito na pólis? As tarefas que se apresentam para a intelectualidade de esquerda são enormes, e repetir a eterna cantilena de atacar e corrigir as distorções de Globo e Folha não é o caminho para enfrentá-las. Embora a luta pelas democratizações continue sendo uma das mais urgentes entre essas mesmas tarefas.

PS: Como preparação para esta coluna, fiz em meu Twitter (@iavelar) uma breve enquete: quais são os intelectuais que, na última década, o ajudaram a pensar, entender e planejar o Brasil? Deixo para o leitor da Fórum uma seleção dos mais votados, como convite a que se conheçam suas obras. Em primeiro lugar, o meu próprio voto: Maria Rita Kehl, José Miguel Wisnik, Eduardo Viveiros de Castro, Luiz Antonio Simas, Vladimir Safatle, Nei Lopes, Gilberto Gil, Luiz Felipe de Alencastro, Raquel Rolnik, Maria da Conceição Tavares, Márcio Pochmann, Tostão e Lorenzo Mammi. Outros bem votados foram: Roberto DaMatta, Luiz Fernando Veríssimo, Jessé de Souza, Rodrigo Naves, Marcos Nobre, Alexandre Nodari, Raúl Antelo, Marilena Chauí, Pádua Fernandes, Ronaldo Lemos, Sérgio Amadeu, João Reis, Ana Maria Gonçalves, Luiz Costa Lima e Francisco Foot Hardman.

Este artigo é parte da Edição 102 da Revista Fórum.

Naomi Klein: Ocupa Wall Street é o movimento mais importante do mundo hoje


“Por que eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”. Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo. Leia o pronunciamento de Naomi Klein em Nova York.


]Foi uma honra, para mim, ter sido convidada a falar em Occupy Wall Street na 5ª-feira à noite. Dado que os amplificadores estão (infelizmente) proibidos, e o que eu disser terá de ser repetido por centenas de pessoas, para que outros possam ouvir (o chamado “microfone humano”), o que vou dizer na Praça Liberty Plaza terá de ser bem curto. Sabendo disso, distribuo aqui a versão completa, mais longa, sem cortes, da minha fala.

Occupy Wall Street é a coisa mais importante do mundo hoje[1]

Eu amo vocês.

E eu não digo isso só para que centenas de pessoas gritem de volta “eu também te amo”, apesar de que isso é, obviamente, um bônus do microfone humano. Diga aos outros o que você gostaria que eles dissessem a você, só que bem mais alto.

Ontem, um dos oradores na manifestação dos trabalhadores disse: “Nós nos encontramos uns aos outros”. Esse sentimento captura a beleza do que está sendo criado aqui. Um espaço aberto (e uma ideia tão grande que não pode ser contida por espaço nenhum) para que todas as pessoas que querem um mundo melhor se encontrem umas às outras. Sentimos muita gratidão.

Se há uma coisa que sei, é que o 1% adora uma crise. Quando as pessoas estão desesperadas e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a educação e a seguridade social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise econômica, isso está acontecendo no mundo todo.

Só existe uma coisa que pode bloquear essa tática e, felizmente, é algo bastante grande: os 99%. Esses 99% estão tomando as ruas, de Madison a Madri, para dizer: “Não. Nós não vamos pagar pela sua crise”.

Esse slogan começou na Itália em 2008. Ricocheteou para Grécia, França, Irlanda e finalmente chegou a esta milha quadrada onde a crise começou.

“Por que eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”.

Muitos já estabeleceram paralelos entre o Ocupar Wall Street e os assim chamados protestos anti-globalização que conquistaram a atenção do mundo em Seattle, em 1999. Foi a última vez que um movimento descentralizado, global e juvenil fez mira direta no poder das corporações. Tenho orgulho de ter sido parte do que chamamos “o movimento dos movimentos”.

Mas também há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.

O Ocupa Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.

Ser horizontal e democrático é maravilhoso. Mas esses princípios são compatíveis com o trabalho duro de construir e instituições que sejam sólidas o suficiente para aguentar as tempestades que virão. Tenho muita fé que isso acontecerá.

Há outra coisa que este movimento está fazendo certo. Vocês se comprometeram com a não-violência. Vocês se recusaram a entregar à mídia as imagens de vitrines quebradas e brigas de rua que ela, mídia, tão desesperadamente deseja. E essa tremenda disciplina significou, uma e outra vez, que a história foi a brutalidade desgraçada e gratuita da polícia, da qual vimos mais exemplos na noite passada. Enquanto isso, o apoio a este movimento só cresce. Mais sabedoria.

Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.

Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.

Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.

A questão é que hoje todos são capazes de ver que o sistema é profundamente injusto e está cada vez mais fora de controle. A cobiça sem limites detona a economia global. E está detonando o mundo natural também. Estamos sobrepescando nos nossos oceanos, poluindo nossas águas com fraturas hidráulicas e perfuração profunda, adotando as formas mais sujas de energia do planeta, como as areias betuminosas de Alberta. A atmosfera não dá conta de absorver a quantidade de carbono que lançamos nela, o que cria um aquecimento perigoso. A nova normalidade são os desastres em série: econômicos e ecológicos.

Estes são os fatos da realidade. Eles são tão nítidos, tão óbvios, que é muito mais fácil conectar-se com o público agora do que era em 1999, e daí construir o movimento rapidamente.

Sabemos, ou pelo menos pressentimos, que o mundo está de cabeça para baixo: nós nos comportamos como se o finito – os combustíveis fósseis e o espaço atmosférico que absorve suas emissões – não tivesse fim. E nos comportamos como se existissem limites inamovíveis e estritos para o que é, na realidade, abundante – os recursos financeiros para construir o tipo de sociedade de que precisamos.

A tarefa de nosso tempo é dar a volta nesse parafuso: apresentar o desafio à falsa tese da escassez. Insistir que temos como construir uma sociedade decente, inclusiva – e ao mesmo tempo respeitar os limites do que a Terra consegue aguentar.

A mudança climática significa que temos um prazo para fazer isso. Desta vez nosso movimento não pode se distrair, se dividir, se queimar ou ser levado pelos acontecimentos. Desta vez temos que dar certo. E não estou falando de regular os bancos e taxar os ricos, embora isso seja importante.

Estou falando de mudar os valores que governam nossa sociedade. Essa mudança é difícil de encaixar numa única reivindicação digerível para a mídia, e é difícil descobrir como realizá-la. Mas ela não é menos urgente por ser difícil.

É isso o que vejo acontecendo nesta praça. Na forma em que vocês se alimentam uns aos outros, se aquecem uns aos outros, compartilham informação livremente e fornecem assistência médica, aulas de meditação e treinamento na militância. O meu cartaz favorito aqui é o que diz “eu me importo com você”. Numa cultura que treina as pessoas para que evitem o olhar das outras, para dizer “deixe que morram”, esse cartaz é uma afirmação profundamente radical.

Algumas ideias finais. Nesta grande luta, eis aqui algumas coisas que não importam:

Nossas roupas.

Se apertamos as mãos ou fazemos sinais de paz.

Se podemos encaixar nossos sonhos de um mundo melhor numa manchete da mídia.

E eis aqui algumas coisas que, sim, importam:

Nossa coragem.

Nossa bússola moral.

Como tratamos uns aos outros.

Estamos encarando uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta. Isso é assustador. E na medida em que este movimento crescer, de força em força, ficará mais assustador. Estejam sempre conscientes de que haverá a tentação de adotar alvos menores – como, digamos, a pessoa sentada ao seu lado nesta reunião. Afinal de contas, essa será uma batalha mais fácil de ser vencida.

Não cedam a essa tentação. Não estou dizendo que vocês não devam apontar quando o outro fizer algo errado. Mas, desta vez, vamos nos tratar uns aos outros como pessoas que planejam trabalhar lado a lado durante muitos anos. Porque a tarefa que se apresenta para nós exige nada menos que isso.

Tratemos este momento lindo como a coisa mais importante do mundo. Porque ela é. De verdade, ela é. Mesmo.

[1] Discurso originalmente publicado no The Nation, em http://www.thenation.com/article/163844/occupy-wall-street-most-important-thing-world-now. Tradução para o português do Brasil, de Idelber Alvelar, da Revista Fórum, em http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9518/a-coisa-mais-importante-do-mundo-.
Fonte
http://www.commondreams.org/view/2011/10/07-0

Bancários reclamam de silêncio dos banqueiros



Trabalhadores entendem que fechamento ao diálogo vai apenas fortalecer a greve, que já é vista como a maior dos últimos 20 anos, com a adesão dos funcionários de quase nove mil agências em todos os estados.


A greve dos bancários em todo o país se aproxima do 14º dia, na segunda-feira (10), sem que haja sinalização por parte da Federação Nacional de Bancos (Fenaban) de uma reabertura das negociações. Nenhuma nova reunião é marcada desde o fim de setembro, e a carta enviada pelo comando da paralisação à Fenaban na última semana ainda não foi respondida.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) calcula que esta já seja a maior greve dos últimos 20 anos, com o fechamento de 8.951 agências nos 26 estados e no Distrito Federal. O movimento teve início em 27 de setembro, quando os trabalhadores rejeitaram a proposta de reajuste salarial de 8%, o que significaria um aumento real de 0,56%.

“Os bancos, cujo lucro cresceu 20% apenas no primeiro semestre do ano, com ganhos de R$ 26,5 bilhões entre as sete maiores instituições financeiras, têm condições de retomar as negociações, melhorar essa proposta e atender às reivindicações da categoria. Os bancários estão abertos à negociação, está nas mãos dos bancos por fim à greve”, disse Juvandia Moreira, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.

Os bancários querem reajuste de 12,8%, o que resultaria em aumento real de 5%, aumento da participação nos Lucros e Resultados, mais contratações, além de uma série de iniciativas para melhorar as condições de trabalho, como o fim das metas consideradas abusivas, o combate ao assédio moral e um atendimento mais cuidadoso dos clientes.

“Os bancários estão indignados com o silêncio e a hipocrisia dos bancos”, critica Carlos Cordeiro, presidente da Contraf-CUT e coordenador do Comando Nacional dos Bancários, que acusa a Fenaban de divulgar informações falsas na tentativa de desgastar a greve e demonstrar intransigência da categoria. "Além de ignorar as reivindicações da categoria, os bancos desrespeitam o direito constitucional de greve ao utilizar práticas antissindicais, pressionando e intimidando seus funcionários para que furem o movimento. Eles chegam a utilizar helicópteros para levar bancários para os centros administrativos."

A Fenaban não se manifestou a respeito e não divulgou nova data para a negociação. O último comunicado da entidade a respeito da greve foi emitido em 29 de setembro.

Fonte: Rede Brasil Atual

Falta de emprego é pior problema em Bagé; prefeito recebe nota 6,6


Centro administrativo de Bagé | Foto: Prefeitura de Bagé/Divulgação
Centro administrativo de Bagé | Foto: Prefeitura de Bagé/Divulgação

Da Redação do Sul21

A falta de emprego é o principal problema de Bagé, de acordo com os entrevistados pela pesquisa Kepeler/Sul21. Por outro lado, se fossem sugerir uma ação à prefeitura, os eleitores do município pediriam mais investimentos em saúde. O atual prefeito, Dudu Colombo (PT), recebeu nota média de 6,6 da população.

Leia mais:
 
Os dados constam da pesquisa da Kepeler Consultoria, publicada nesta sexta-feira (6) em parceria com o Sul21. A pesquisa apontou a intenção de voto para a prefeitura de Bagé a um ano da eleição municipal.

problemass e investimentos

A pesquisa perguntou aos eleitores quais os piores problemas do município. A falta de emprego foi a primeira resposta da maioria dos entrevistados – 52,3% deram essa resposta. Para 14,3%, o pior problema de Bagé é a falta de segurança. Os salários baixos são o pior problema para 12,8% dos entrevistados. Outros 8,3% apontaram a má qualidade de assistência médica como pior problema do município.
A pesquisa também perguntou qual seria o pedido ou sugestão que os entrevistados fariam ao prefeito de Bagé. “Investir em saúde” foi a resposta de 13,3% dos entrevistados. Para 11,7%, o mais importante são os investimentos em infraestrutura. Investir em pavimentação foi a resposta de 10,4% dos entrevistados. Para 7,8%, investimentos em segurança são os mais prioritários. Para 7,5%, aumentar os empregos é o mais importante.

Maioria está satisfeita

A pesquisa perguntou aos entrevistados sobre como se sentem em relação à própria vida. A maioria (56,8%) se disse satisfeita com a vida que leva hoje, sendo que 20,5% dos entrevistados disseram estar muito satisfeitos. Outros 19,3% informaram estar pouco satisfeitos em relação à vida que levam hoje. O índice de nada satisfeitos foi de 3%. Não souberam responder ou não informaram 0,6% dos entrevistados.
Fonte: Kepeler Consultoria

Questionados se a vida em Bagé melhorou ou piorou nos últimos cinco anos, 51,5% responderam que a vida mudou para melhor. Para 10,3%, mudou para pior. Dos entrevistados, 36,5% responderam que a vida em Bagé nem melhorou, nem piorou nos últimos cinco anos. Não souberam responder ou não informaram 1,8% dos entrevistados.
Fonte: Kepeler Consultoria

Aprovação do prefeito é de 51%

A pesquisa da Kepeler Consultoria também questionou os entrevistados sobre como avaliam a administração do prefeito Dudu Colombo e também o desempenho do prefeito.
Aprovam a administração municipal 51% dos entrevistados – para 41%, a administração é boa e para 10%, é ótima. Consideram regular a administração 30,3% dos entrevistados. A reprovação da atual administração ficou em 18% – para 7,5% a administração é ruim e para 10,5% é péssima.
Fonte: Kepeler Consultoria

O desempenho do prefeito também foi avaliado. A aprovação ficou nos mesmos 51%. Para 35,3% dos entrevistados, o desempenho do prefeito Dudu Colombo é regular. A reprovação ficou em 10,3% – 3% consideram ruim o desempenho do prefeito e 7,3%, péssimo.
Fonte: Kepeler Consultoria

Avaliação de Dilma e Tarso

A aprovação do governo Dilma Rousseff é de 60% – para 49% dos entrevistados, o governo Dilma é bom e, para 11%, é ótimo. Consideram regular o governo 33,5% dos entrevistados. A reprovação do governo Dilma em Bagé é de apenas 3,8%.
Em relação ao governo Tarso, a aprovação da população de Bagé é de 54,1%. Para 33,8%, o governo Tarso é regular. A reprovação do governo ficou em 6,8%.

Análise dos dados

Por Benedito Tadeu César

Satisfeitos com a vida que levam atualmente e entendendo que as condições de vida melhoraram no município nos últimos cinco anos, os bageenses estão preocupados com o desemprego, a violência e a qualidade da assistência médica que recebem. Nada muito diferente do que ocorre na maioria dos municípios brasileiros, com exceção do que diz respeito à preocupação com o desemprego, que não aparece com tanta intensidade nas regiões com economia mais dinâmica. Hoje, em quase todos os municípios, a saúde aparece como a primeira preocupação, ficando o desemprego em terceiro ou quarto lugar.
A satisfação com a vida se expressa também na aprovação do desempenho dos governantes de todos os níveis. Dilma Roussef, Tarso Genro e Dudu Colombo aparecem bem avaliados, sendo que a aprovação que recebem é proporcional à distância de mantém da vida cotidiana dos moradores. Desta forma, a presidenta da república é a mais bem avaliada, seguida do governador do estado. O prefeito, a quem cabe resolver os problemas mais concretos dos cidadãos, ainda que bem avaliado, recebe o menor índice de aprovação.
No que se refere às questões eleitorais, os bageenses revelam-se divididos, segundo os dados da pesquisa Kepeler/Sul21. O atual prefeito lidera com folga as menções espontâneas, mas aparece em empate técnico com a vereadora Adriana Lara nos dois cenários testados. Os demais possíveis candidatos não atingem índices significativos. O que desperta atenção é o percentual de menções espontâneas consignadas ao ex-prefeito Luiz Fernando Mainardi. Já tendo declarado que não será candidato, ele aparece em segundo lugar na pesquisa espontânea. Ao que parece, se as eleições ocorressem hoje, Maninardi seria o grande eleitor do município, ou seja, seu apoio definiria o resultado.
Nunca é demais lembrar, entretanto, que os cenários eleitorais são dinâmicos. Há cerca de um ano das eleições, nada está ainda definido.

Benedito Tadeu César é cientista político, especialista em pesquisas de opinião pública e professor aposentado da UFRGS.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A luta cubana contra o terrorismo

Por Nildo Ouriques, no sítio da Adital:
Créditos: Blog do Miro
 
O primeiro livro sobre Cuba que eu li foi A Ilha, de Fernando Morais, no final da década de setenta. Em perspectiva, aquele livrinho – que na época cumpriu extraordinário papel educativo – hoje seria desnecessário. O acesso a internet, a possibilidade de viajar diretamente a Havana, a presença de intelectuais e dirigentes políticos cubanos em eventos no Brasil, permite conhecimento mais preciso sobre um país que durante nossa longa ditadura – 21 anos – seria impossível. A Ilha, na verdade, uma espécie de livro-reportagem, introduzia o leitor no conhecimento das reformas iniciadas pela Revolução Cubana, este fenômeno histórico que é um verdadeiro divisor de águas na política e na consciência mundial e latino-americana.


Atualmente, a "imprensa livre” segue em uníssono a campanha contra o sistema político cubano sem mudar um átomo daquele enfoque típico do período chamado de "guerra fria”. Exceto pelo fato de que qualquer pessoa pode ler na edição dominical do Estadão os textos de Yaomy Sánchez, a "dissidente” que publica artigos com todo tipo de críticas ao sistema político cubano (falsas e/ou verdadeiras), um verdadeiro luxo que nenhum proscrito pela ditadura brasileira jamais teve.

Nestes dias, li de "um tirón” o novo livro de Fernando Morais. À exemplo de A Ilha, do qual minha memória guarda apenas uma cálida recordação, "Os últimos soldados da guerra fria. A história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema direita nos Estados Unidos” é também um livro reportagem, embora de muito maior fôlego, repleto de informação –e pesquisa– acesso privilegiado a documentos de Estado, pitadas de novela, estilo direto e agradável. E mais importante, é também um livro de análise das relações internacionais (sobre o poder dos estados nacionais), sobre o terrorismo de estado e as formas de combatê-lo.

Como de costume, "Os últimos soldados da guerra fria” foi recebido pela crítica brasileira com ceticismo e desaprovação. O jornal Folha de São Paulo sugeriu que se tratava de um livro débil e indicou como prova cabal duas ou três informações errôneas, como se fosse possível realizar um trabalho relativamente longo e importante de pesquisa sem erros. Eu mesmo encontrei que Luis Miguel, o cantor de boleros mexicanos nasceu, segundo Morais, em Porto Rico. Apesar de errônea, qual a importância desta informação para o argumento central da trama?

Há, em quase todos os livros sobre América Latina, grandes e pequenos erros, especialmente quando se trata de relatos que envolvem muitos personagens e longos períodos históricos. Recordo a respeito que "A utopia desarmada”, de Jorge Catañeda, foi um livro aclamado com enorme entusiasmo pelo jornalismo nacional e contém –este sim!– graves erros históricos e não poucas falsificações que comprometem derradeiramente seu argumento central. O livro não poderia ser mais desastroso e a crítica recebeu bastante bem, mas obviamente fazia parte da campanha mundial contra o radicalismo de esquerda na América Latina.

De minha parte, creio que Fernando Morais, vacilou na questão central. Seu precioso relato sobre os agentes cubanos infiltrados nas organizações terroristas –ele as denomina de "extrema direita”– que se proliferam em Miami é, de fato, um capítulo heróico de pessoas dispostas a arriscar a própria vida na defesa de seu povo. É também uma demonstração inequívoca de que os cubanos sempre atuaram de maneira inflexível contra qualquer ato terrorista e não mediram esforços para combatê-lo mesmo em território estadunidense.

Contudo, ainda com a abundância de provas e o conhecimento que qualquer latino-americano medianamente informado possui sobre a importância de Miami para a chamada "comunidade latina” nos Estados Unidos –e sua infinita cumplicidade para receber não somente terroristas, mas também os piores ditadores do continente como "exilados”– Fernando Morais não concluiu com uma obviedade: ao contrário da propaganda que indica os Estados Unidos como vítima do terrorismo, a potência imperialista é, na verdade, o maior patrocinador do terrorismo de estado, muitas vezes mais letal e poderoso que as chamadas "organizações terroristas” que eles se empenham, algumas vezes, em combater.

Neste contexto, os agentes secretos infiltrados pela inteligência cubana nas organizações terroristas que se proliferaram na década de sessenta e seguem operando nos Estados Unidos, especialmente em Miami, não representa como de certa forma pretende Fernando Morais, o epílogo da "guerra fria”, mas lamentavelmente, mais um capítulo da ofensiva estadunidense pela destruição da independência e soberania de Cuba. De fato, predominou durante muito tempo na análise das relações internacionais o "paradigma” da Guerra Fria que, em muitos casos, ocultava em grande medida temas mais importantes e duradouros como a dependência e, especialmente, o colonialismo. Ora, é fácil perceber que mesmo tendo desaparecido o mundo criado pela chamada "Guerra Fria”, a ofensiva estadunidense contra Cuba permanece mais forte do que nunca antes.

Caso fosse um capítulo a mais naquela trama, por que a ofensiva contra Cuba ainda não desapareceu se a URSS sucumbiu? Ademais, exceto durante a conhecida "crise dos mísseis”, jamais a Revolução Cubana representou uma ameaça militar para os Estados Unidos. Cuba nunca foi, de fato, nem mesmo na cabeça do mais fanático anticomunista, uma ameaça à segurança da potência imperialista. Portanto, ao inscrever a ofensiva permanente dos Estados Unidos contra Cuba no contexto da chamada "Guerra Fria”, Fernando Morais permite, ainda que involuntariamente, o reforço do enfoque liberal dominante no Brasil sobre as relações entre os Estados Unidos e os países latino-americanos. Segundo este enfoque, os Estados Unidos aparecem como defensores da "democracia e dos mercados” e o regime cubano não passa de um anacronismo de um período que não mais existe, razão pela qual precisa se reformar na direção indicada por Washington.

A reflexão crítica sobre o terrorismo de estado jamais foi admitida como programa para as ciências sociais no Brasil. Com o fim da ditadura na metade da década de oitenta, os liberais impuseram o tema da democracia e os críticos – socialistas ou não – aceitaram a pauta sem reparos. Portanto, a tematização do terrorismo de estado parecia obsoleta, sendo também extinta na análise das relações internacionais. Contudo, importantes cientistas sociais em outros países latino-americanos seguiram estudando o terrorismo de estado – caso da Colômbia, especialmente – e também dos Estados Unidos.

Caso os Estados Unidos estivessem realmente interessados no efetivo combate a toda e qualquer modalidade de terrorismo, deveriam condecorar os agentes cubanos, mas, ao contrário, cinco foram condenados a longas penas e, dois deles, Gerardo Hernández Nordelo e Ramón Labañino, à prisão perpétua. No momento em que escrevo esta crônica, René González, que no dia 7 de outubro será liberado após permanecer 13 anos na cadeia, pensava em regressar imediatamente para Cuba. Contudo, sua defesa acaba de ser comunicado pela juíza encarregada do caso que ele deverá permanecer mais três anos nos Estados Unidos em "liberdade supervisionada”, decisão que constitui uma penalidade adicional não prevista e rigorosamente ilegal.

A análise deste juízo oferece pistas importantes sobre o colapso do sistema jurídico estadunidense, especialmente golpeado durante os dois mandatos de George Bush. É uma pena que Morais não nos forneceu mais informação sobre as aberrações jurídicas que orientaram este "julgamento” e que, por isso mesmo, revelam o que sobrou do sistema jurídico após a ofensiva republicana contra os tribunais nos EUA. Este mesmo sistema de justiça continua em frangalhos e, em aspectos decisivos, é bastante clara a completa submissão da justiça à razão de estado como se viu no "julgamento” realizado nas cortes de Miami. Lamentavelmente não há indícios de que Barack Obama esteja dando passos firmes em sua reconstrução. Como admitir, por exemplo, que uma figura como Posada Carriles, terrorista confesso, goze de tanta proteção e liberdade dentro dos Estados Unidos? Como admitir a transmissão da Rádio e TV Martí, criada no governo de Ronald Reagan, em completa violação da legislação estadunidense e que, não obstante, funciona plenamente a partir do ridículo mecanismo de balões dirigíveis na Florida, permitida pelo Departamento de Estado?

Eu tenho clareza que o estudo sobre o terrorismo de estado não constitui uma hipótese aceitável para a bem comportada ciência social universitária. Como nós sabemos, no Brasil a categoria "imperialismo” deixou de ser utilizada na análise das relações internacionais. Ainda assim, do impecável jornalismo de Robert Fisk às sólidas interpretações de Noam Chomsky, o tema do terrorismo de estado é central para todo aquele interessado na política externa estadunidense e a relação imperialista que mantém com o continente latino-americano.

Em nosso país, a linha editorial dominante –assumida como ordem unida para todo aquele que pretende freqüentar a grande mídia– eliminou sem constrangimento algum os estudos sobre o terrorismo de estado e, em conseqüência, foca quase que exclusivamente, como recomenda a razão de estado, somente o terrorismo de organizações políticas. Ninguém pode desconhecer a capacidade de destruição de uma organização como a Al Qaeda, obviamente. Mas poderemos ignorar que a capacidade de destruição de um Estado é muitas vezes superior ao de qualquer organização terrorista? Acaso podemos ignorar que os Estados Unidos praticam em larga escala o terrorismo de estado?

Talvez Fernando Morais tenha preferido deixar para o leitor concluir que, ao permitir a livre atuação de organizações de "extrema direita” em território estadunidense, a potência imperialista –especialmente em Miami– não pode ser considerada senão como santuário de terroristas. Morais revela com abundância de informação como as organizações situadas em Miami e composta majoritariamente por cubanos exilados, violam sistematicamente as leis estadunidenses e a soberania cubana com ações terroristas contra Cuba de maneira desinibida e com tácita permissão das autoridades políticas, dos órgãos de segurança e do mundo partidário estadunidense (republicanos e/ou democratas).

De qualquer forma, minha crítica não ignora a notável contribuição que uma vez mais Fernando Morais oferece aos brasileiros para entender algo sobre a realidade latino-americana. A ignorância nacional sobre a realidade cubana é parte integrante de nossa ignorância sobre temas, dramas e desafios que também são nossos. Além das críticas rasteiras, estou seguro que conspirará contra o livro de Fernando Morais o silêncio, esta eficaz arma da classe dominante brasileira e de nossa intelectualidade educada contra qualquer tentativa de latino-americanização de nossa nacionalidade.

A imprensa brasileira –que dúvida pode existir!– desqualificará este importante livro por duas vias conhecidas. A primeira é desmerecê-lo, como alimento para a ignorância brasileira sobre a Revolução Cubana e sua luta contra qualquer modalidade de terrorismo, especialmente o terrorismo estatal estadunidense. A segunda, provavelmente mais eficaz, é a produção de um silencio sobre o livro como se ele jamais tivesse existido. Não seria, certamente, a primeira vez que esta política é colocada em prática. O silêncio também conspirou contra o livro de Florestan Fernandes sobre a Revolução Cubana. Vânia Bambirra também escreveu um luminoso livro que sequer possui tradução em português, embora tenha sido editado em vários países da região e em Portugal. Enfim, o desprezo do "mundo culto” brasileiro pela política cubana revela não somente um reacionarismo deplorável, mas, sobretudo, uma ignorância desmedida.

É claro que a luta de Cuba por manter-se soberana e independente é um péssimo exemplo para a elite brasileira, pois esta se especializou em vender o país no mercado mundial com a mesma serenidade com que manda seus filhos adolescentes à Disneylândia. Portanto, a saga de um país pequeno que se revela gigante nas relações internacionais, capaz de desafiar o poder imperialista e indicar ao mundo que é tão necessário quanto possível atuar no conflito das nações com política própria, zelando pela soberania e autodeterminação, não poderia senão receber como resposta o silêncio da elite brasileira. Em poucas palavras: a luta cubana não existe, simplesmente.

Minha esperança é que a leitura de Os últimos soldados da guerra fria desperte em milhares de brasileiros o desejo de buscar de maneira permanente mais informação sobre o destino de cinco homens cubanos de especial grandeza. Nós poderemos perceber –o relato de Fernando Morais deixa muito claro este ponto– que precisamente gente aparentemente comum pode atuar de maneira íntegra e decidida mesmo no piores momentos de suas vidas pessoais e em circunstancias bastante adversas. Não dever ser fácil para qualquer pessoa –como não foi para nenhum dos cinco agentes cubanos– manter-se firme diante das piores situações e renunciar –uma vez descobertos e presos nos Estados Unidos– a qualquer acordo com as autoridades estadunidenses. Alguns agentes sucumbiram –reconheceram que pertenciam a Rede Vespa e que, portanto, eram efetivamente espiões– entraram nos "programas de delação premiada e de proteção a testemunhas” e permanecem até hoje livres nos Estados Unidos.

Outros cinco, a fim de manter firme suas convicções mesmo conscientes que poderiam, por razoes de estado, terminar seus dias numa prisão, longe de suas mulheres, filhos, pais e, também, longe de sua cultura e de seu país, negaram nos tribunais qualquer vínculo com espionagem. Deve parecer muito difícil para um brasileiro médio, doutrinado na adesão anedótica da defesa da pátria, compreender as razoes que levam pessoas com vidas muito semelhantes as nossas, a tomar tão decidida opção. No mundo atual parece ser que não existe mais motivo para este tipo de comportamento e tudo que restaria a qualquer pessoa racional que se importa com política seria, portanto, o elogio da cautela e a condenação de qualquer heroísmo, mesmo quando este não represente, na verdade, mais que a defesa de nossas próprias convicções.

O estado cubano –e os cubanos de maneira geral– destinam aos agentes infiltrados nas organizações terroristas de Miami o tratamento de "heróis”. Não creio tratar-se de exagero. A trama política reconstruída pelas qualidades literárias de Fernando Morais revela o quanto é difícil para um homem cubano simples, a nobre tarefa de defender seu povo dos ataques que todos os dias, durante os últimos 40 anos, são planejados e executados pelos terroristas confortavelmente instalados em Miami, chamados orwelianamente de "exílio cubano” pela imprensa estadunidense. Neste caso, os heróis cubanos são homens que possuem uma vida austera, amam, choram, sofrem e se divertem, virtudes, que como recorda Morais, estão bem distantes do colonialismo hollywoodiano plantado em nossa cultura pelo glamour do "agente 007”, cuja função política e estética é a eliminação do sacrifício por uma causa política.

O caso dos "cinco heróis” que Cuba reclama imediata e justa liberdade é uma luta que não terminou. Na verdade, somente poderá ter fim quando desaparecer a política estadunidense contra a autodeterminação e soberania cubana. Neste contexto, enganam-se aqueles que comodamente supõem que esta luta é exclusivamente daqueles que optaram por este caminho. Aquele heroísmo e aquele drama –ambos– dizem respeito a todos nós.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Nós criamos os Rafinhas Bastos




Ao insultar gente poderosa, o “comediante” da tevê Bandeirantes Rafinha Bastos talvez venha a sofrer alguma sanção de seu empregador, mas a sanha punitiva que ganha corpo por ele ter mexido com quem não devia se abate apenas sobre um dos muitos produtos de um sistema degenerado que reúne os produtores dessas “atrações” e um público que, em última instância, é o grande culpado pela existência desse tipo de “entretenimento”.
Se não, vejamos. Recentemente, o jornal americano The New York Times publicou matéria que dava conta de que o “comediante” Bastos é a personalidade mais influente do mundo no Twitter. Uma empresa que se dedica a estudar essa rede social apurou que o contratado da TV Bandeirantes, com seus milhões de “seguidores”, é a pessoa que mais influencia troca de mensagens entre tuiteiros.
As pessoas pagam para assistir aos shows de mediocridade, intolerância, insensibilidade e da mais pura canalhice de gente como o tal Bastos. Os programas da Band de que ele participa são os de maior audiência da emissora. Ou seja: esse sujeito não “existiria” se não existissem milhões de brasileiros que gostam de ver os mais fracos e discriminados sendo ridicularizados.
Há, no Brasil – mas não só aqui, claro –, uma perversão que seduz legiões: rir de mulheres “feias”, de deficientes físicos e mentais, de negros, de homossexuais, enfim, de todos aqueles que já são alvo de insensibilidade e perversidade no cotidiano por conta de suas características pessoais.
É simples entender por que esse pretenso “humorismo” explora tanto o filão dos socialmente desvalidos vendo o que acontece quando, por descuido, um desses mercenários da perversidade se esquece de que deve se concentrar só nos mais fracos e incomoda gente que tem como protestar e dar conseqüências aos próprios protestos e, nesse momento, é punido – em alguma medida, pois parece difícil que a Band abra mão de contratado tão popular.
Os figurões que se revoltaram com a piada de Bastos sobre estar disposto a “comer” Wanessa e o filho que ela leva no ventre devem ter rido de suas piadas de mau gosto quando não os afetaram. O ex-jogador Ronaldo, sócio do marido de Wanessa, até participou de “brincadeiras” do CQC, o programa que lançou esse “comediante” e que lhe deu sobrevida até quando defendeu o estupro de mulheres “feias”.
Porque esse é o conceito de humor que infesta a mídia. Que diferença há entre o que faz Bastos e o que fizeram o blogueiro da Globo Ricardo Noblat e o chargista Chico Caruso quando publicaram na internet, no último domingo, charge que debocha da aparência de uma ministra de Estado, a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres? Veja, abaixo, o conceito de “humor” dessa gente.
Uma mulher madura que, como quase todas em sua faixa etária, evidentemente não pode se comparar com uma modelo internacional como Gisele Bündchen, do ponto de vista da forma física. Assim sendo, todas as mulheres dessa faixa etária que não ostentam corpos jovens e atraentes foram ridicularizadas.
Noblat e Caruso debocharam de suas mães, talvez das próprias esposas ou irmãs, além de tudo. Esse, aliás, foi o mote da mídia no caso da propaganda de lingerie da Hope: o deboche. Por puro partidarismo político e por interesses comerciais a mídia tratou com escárnio uma posição da Secretaria de Políticas para as Mulheres que reflete o desconforto de um setor da sociedade com a propaganda.
Esse comportamento, aliás, não é novo na mídia. Ano passado, quando a campanha eleitoral esquentava, o blogueiro da Folha de São Paulo (UOL) Josias de Souza, a exemplo de Noblat e Caruso – e no melhor estilo Rafinha Bastos –, acumpliciou-se ao chargista Nani para atacar outra mulher petista, a hoje presidente Dilma Rousseff, retratando-a como prostituta. Eis, abaixo, a “obra” desses degenerados.
No ano anterior, as mulheres petistas já eram alvo. Em fevereiro de 2009, o mesmo Josias de Souza publicou post com foto de Marta Suplicy e Dilma Rousseff sob uma legenda contendo os adjetivos “vadias” e “vagabundas”. Para quem não acredita, basta ver a reprodução daquilo, logo abaixo.
 
A culpa é desses mercenários que fazem de seus blogs ou de seus programas de televisão verdadeiros esgotos ( em que a mulher é uma das principais vítimas) ou é do público que dá audiência a eles? O jornalista americano Joseph Pulitzer disse, há mais de um século, que “Com o tempo, uma imprensa cínica, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”. Seu pensamento permanece atualíssimo.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O imbecil politicamente incorreto

No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação.

- Por Cynara Menezes, na CartaCapital

Em 1996, três jornalistas – entre eles o filho do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Álvaro –lançaram com estardalhaço o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”. Com suas críticas às idéias de esquerda, o livro se tornaria uma espécie de bíblia do pensamento conservador no continente. Vivia-se o auge do deus mercado e a obra tinha como alvo o pensamento de esquerda, o protecionismo econômico e a crença no Estado como agente da justiça social. Quinze anos e duas crises econômicas mundiais depois, vemos quem de fato era o perfeito idiota.

Mas, quem diria, apesar de derrotado pela história, o Manual continua sendo não só a única referência intelectual do conservadorismo latino-americano como gerou filhos. No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação. Como de fato a obra de Álvaro e companhia marcou época, até como homenagem vamos chamá-los de “perfeitos imbecis politicamente incorretos”. Eles se dividem em três grupos:

1. O “pensador” imbecil politicamente incorreto: ataca líderes LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trânsgeneros) e defende homofóbicos sob o pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão. Ataca a política de cotas baseado na idéia que propaga de que não existe racismo no Brasil. Além disso, ações afirmativas seriam “privilégios” que não condizem com uma sociedade em que há “oportunidades iguais para todos”. Defende as posições da Igreja Católica contra a legalização do aborto e ignora as denúncias de pedofilia entre o clero. Adora chamar socialistas de “anacrônicos” e os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de “terroristas”, mas apoia golpes de Estado “constitucionais”. Um torturado? “Apenas um idiota que se deixou apanhar.” Foge do debate de idéias como o diabo da cruz, optando por ridicularizar os adversários com apelidos tolos. Seu mote favorito é o combate à corrupção, mas os corruptos sempre estão do lado oposto ao seu. Prega o voto nulo para ocultar seu direitismo atávico. Em vez de se ocupar em escrever livros elogiando os próprios ídolos, prefere a fórmula dos guias que detonam os ídolos alheios – os de esquerda, claro. Sua principal característica é confundir inteligência com escrever e falar corretamente o português.

2. O comediante imbecil politicamente incorreto: sua visão de humor é a do bullying. Para ele não existe o humor físico de um Charles Chaplin ou Buster Keaton, ou o humor nonsense do Monty Python: o único humor possível é o que ri do próximo. Por “próximo”, leia-se pobres, negros, feios, gays, desdentados, gordos, deficientes mentais, tudo em nome da “liberdade de fazer rir.” Prega que não há limites para o humor, mas é uma falácia. O limite para este tipo de comediante é o bolso: só é admoestado pelos empregadores quando incomoda quem tem dinheiro e pode processá-los. Não é à toa que seus personagens sempre estão no ônibus ou no metrô, nunca num 4X4. Ri do office-boy e da doméstica, jamais do patrão. Iguala a classe política por baixo e não tem nenhum respeito pelas instituições: o Congresso? “Melhor seria atear fogo”. Diz-se defensor da democracia, mas adora repetir a “piada” de que sente saudades da ditadura. Sua principal característica é não ser engraçado.

3. O cidadão imbecil politicamente incorreto: não se sabe se é a causa ou o resultados dos dois anteriores, mas é, sem dúvida, o que dá mais tristeza entre os três. Sua visão de mundo pode ser resumida na frase “primeiro eu”. Não lhe importa a desigualdade social desde que ele esteja bem. O pobre para o cidadão imbecil é, antes de tudo, um incompetente. Portanto, que mal haveria em rir dele? Com a mulher e o negro é a mesma coisa: quem ganha menos é porque não fez por merecer. Gordos e feios, então, era melhor que nem existissem. Hahaha. Considera normal contar piadas racistas, principalmente diante de “amigos” negros, e fazer gozação com os subordinados, porque, afinal, é tudo brincadeira. É radicalmente contra o bolsa-família porque estimula uma “preguiça” que, segundo ele, todo pobre (sobretudo se for nordestino) possui correndo em seu sangue. Também é contrário a qualquer tipo de ação afirmativa: se a pessoa não conseguiu chegar lá, problema dela, não é ele que tem de “pagar o prejuízo”. Sua principal característica é não possuir ideias além das que propagam os “pensadores” e os comediantes imbecis politicamente incorretos.

“Há uma situação de abandono da educação nos assentamentos”, diz integrante do MST que participou de audiência com Haddad

Atenção, abrir em uma nova janela.
Para falar sobre a pauta da educação na Jornada Nacional de Lutas e a audiência realizada entre movimentos sociais e o ministro da Educação, Fernando Haddad, o Observatório da Educação entrevistou Maria Cristina Vargas, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Observatório da Educação – Qual é a sua avaliação da jornada, no que se refere especificamente às pautas da educação?
 
Maria Cristina Vargas – A jornada refletiu os processos que vivenciamos há bastante tempo. Temos pautado questões especificas da educação no campo, e os movimentos que compõem a Via Campesina abraçaram esse debate. Há também outras pautas, questões agrárias, mas a educação foi um dos principais pontos da pauta nacional da Via.
O campo é um território onde a maioria nunca teve acesso à educação básica, são territórios alheios às políticas, onde estão os piores índices, como de alfabetização. Apenas 6% da população assentada tem ensino médio. Colocar isso como prioridade é um grande avanço, uma conquista de trabalhadores, um grande avanço a Via Campesina colocar tais questões na pauta e desenvolver atividades relacionadas a ela. As políticas educacionais devem estar relacionadas a várias outras, como de esporte e lazer, e à pauta geral de acesso à terra e o endividamento.
Mas apesar da importância de levar a escola ao campo, há hoje uma situação de abandono, que visualizamos na área da educação nos assentamentos, e fechamento de milhares de escolas. No governo Lula (2003-2010), houve avanços no âmbito do reconhecimento desse território, mas houve também, e ainda há, uma movimentação contrária, com o fechamento de escolas e dificuldade de se construir novas. São questões no âmbito da escola mesmo, não só no nível básico, o leque de demandas abrange desde a educação infantil até o ensino superior. Por isso fomos ao MEC.
 
OE – E como foi a audiência realizada no ministério?
 
Maria Cristina – Houve avanço. Fomos com todo acampamento em frente ao MEC antes da audiência. Nela, deixamos bem claro nossa insatisfação. Apesar da responsabilidade dos estados e municípios, entendemos que a responsabilidade da educação do País é também do MEC. Esse foi o principal recado que demos, mostrando que no âmbito dos estados e municípios, o MEC deve ter políticas que fiscalizem e deem retorno.
 
OE – Quais foram as conquistas da audiência?
 
Maria Cristina – O saldo é positivo. A primeira é dentro da campanha “Fechar escola é crime”, pois serão pensadas políticas para garantir debate sobre fechamentos, o MEC se comprometeu a realizar campanha de fortalecimento da educação no campo e a entrar nesse debate. Uma proposta é que conselhos de educação locais passem a ter de emitir parecer quando houver pedido fechamento de escola. Conquistar isso será importante.
Também será convidado para o Grupo de Trabalho de educação no campo o Ministério Público, para acompanhar processos. Avançamos bastante, pois o MEC sentiu-se responsável em dar retorno para a sociedade.
Quanto à construção das escolas, uma pauta antiga, há demanda emergencial só do MST de 286 escolas. Como a jornada era da Via Campesina, essa demanda emergencial foi ampliada para 350. O MEC já possui a lista onde devem se localizar essas escolas e se comprometeu a pautar essa questão nas suas ações. Há a tarefa de motivar municípios para que enviem a demanda a partir do que apresentamos. Está prevista a criação de Grupo de Trabalho entre Incra e MEC para agilizar esse processo e atender às demandas mais emergenciais.
Dentre as principais conquistas, está a proposta de alfabetização. A Secretaria Geral da Presidência se comprometeu com projeto específico, via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), em parceria com o MEC. Será uma política específica de alfabetização dos camponeses. O Brasil Alfabetizado não tem dado esse retorno, não tem atendido a demanda, e os maiores índices de analfabetismo estão no campo.
Há também a demanda de ensino superior e técnico. A promessa do MEC e da Casa Civil é de 30 institutos federais, 20 deles até 2014. É um avanço, dado que, no campo, essa questão do ensino superior e técnico é muito importante. Há uma especificidade de cursos e os movimentos querem participar. Não basta ter cursos, estes devem atender as demandas concretas de formação.
 
OE – E como foi abordado o novo Plano Nacional de Educação?
 
Maria Cristina – Esse é o ponto político de nossa pauta que não teria retorno imediato, mas é demanda que fará parte da nossa pauta permanente: 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para educação. Estamos trabalhando com outros movimentos. Se observarmos, hoje não tem política especifica para educação no campo no orçamento previsto. O acréscimo [da educação no campo] justificaria o aumento da porcentagem.

Projeto quer ampliar acesso à banda larga no Rio Grande do Sul


Projeto do governo do Estado quer modernizar a rede para ampliar e qualificar o acesso, mas também criar um marco regulatório local | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no SUL21

A maior operadora de telecomunicações no Rio Grande do Sul oferece internet a apenas 350 dos 496 municípios, enquanto os pequenos provedores chegam a 473 cidades. Os custos para levar internet a determinadas regiões se tornam elevados com a precariedade de infraestrutura disponível no Estado, o que contribui para a centralização dos serviços na mão de poucas operadoras de telecomunicações. Por esta razão, os poderes executivo e legislativo se uniram aos ativistas de internet e selaram um pacto pela banda larga de qualidade.
O pacto foi firmado quase dez anos depois da primeira tentativa do governo estadual em desenvolver um programa de modernização da rede. Chamado de Infovia, o projeto não foi viabilizado na gestão de Olívio Dutra pela incapacidade de retorno financeiro proporcional ao tamanho do investimento na época. De acordo com o vice-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Procergs), Cláudio Dutra, a nova versão do projeto, lançado na última semana, começará do mesmo estágio em que estava há dez anos. “A situação da rede gaúcha é a mesma do ano 2000. Não se avançou em tecnologia. Utilizamos a estrutura da antiga CRT em muitos lugares do Estado. Com o Infovia RS pretendemos investir R$ 203 milhões até 2014 e transformar o estado num indutor de criatividade”, prevê.
Com um investimento inicial de R$ 14 milhões para 2012, a primeira etapa do projeto atenderá inicialmente a 27 municípios da Zona Sul, com uma rede de fibra ótica entre Guaíba e Bagé, passando por Camaquã, Pelotas e Rio Grande. Outras três etapas do projeto contemplarão as demais regiões até o final de 2012, com linhas de transmissão que formarão um anel interligando todo o território do Rio Grande do Sul.
A proposta prevê a utilização de uma infraestrutura própria para os serviços de transmissão de voz, dados e imagem por todos os órgãos do governo estadual, com prioridade para as áreas da Saúde, Educação, Fazendária e Segurança Pública. “As 23 escolas de Bagé que receberão o programa Um Computador Por Aluno terão uma internet de 10 megabits/segundo e nossa meta é levar essa velocidade para todas as outras escolas do Estado”, projeta.
De acordo com o diretor de Inclusão Digital do governo gaúcho, Gerson Barrey, a intenção do governo é disponibilizar a rede de fibra ótica para ampliar e qualificar o acesso, mas também criar um marco regulatório local. “Existe uma dominação no mercado por parte das operadoras e o custo se torna elevado em determinadas regiões e onera os pequenos provedores responsáveis pela implantação da rede local”, afirma. Segundo ele, apenas em 11 cidades gaúchas chega o serviço de mais de uma operadora. “A maioria é da OI e apenas 17 municípios tem a NET”, diz.
Para Marcelo Branco (d), o principal erro do PNBL “é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Monopólio das teles e o PNBL

O monopólio das grandes empresas de telecomunicações é uma realidade nacional. Na tentativa de democratizar o acesso à internet, o governo federal vem negociando há anos o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). A meta é expandir o acesso à banda larga a 40 milhões de pessoas no país. Mas as negociações do Ministério de Comunicações com as operadoras de telecomunicações têm causado mal-estar entre os defensores da neutralidade na internet. Entre eles, o ativista pela liberdade do conhecimento na rede, Marcelo D’Elia Branco, critica o “acordo” prévio do Plano Nacional de Banda Larga.
“O principal erro desse acordo é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário. Até hoje, dentro da lógica de funcionamento da internet, quem pode cobrar pelos conteúdos na rede é o gerador de conteúdo e não as operadoras. A partir do acordo firmado com o Ministério das Comunicações, as teles, além de ganharem pela largura da banda que oferecem, pela velocidade de transmissão, passarão a limitar a quantidade de conteúdo que o usuário pode baixar durante o mês”, explica. Segundo Branco, o limite será de 300 mega por mês, o  que não possibilita nem fazer download de um filme. “E isso irá fazer com o que o cara da periferia também gaste. Porque ele irá querer ter mais acesso. Mesmo porque, eles não querem só baixar conteúdo, querem subir conteúdos do que é produzido nas comunidades”, afirma.
O presidente da Associação dos Provedores de Serviços e Informações da Internet no RS (Internetsul), Rafael de Sá, vê a proposta do PNBL como uma ameaça de exclusão dos pequenos provedores de internet no mercado. “A competitividade já é desleal. Nós competimos com a operadora que nos vende o link hoje. Agora, com o Plano Nacional de Banda Larga, nos vemos ainda mais ameaçados. Desbravamos mercado com muito esforço e com esta proposta, haverá uma verticalização do mercado e seremos escanteados com a proposta do governo com as teles”, critica.
Para evitar os possíveis problemas oriundos do formato do Plano Nacional de Banda Larga, o ativista Marcelo Branco lembra de outro projeto de autoria do executivo com a participação da sociedade civil para regular a internet. “O Marco Civil da Internet que está para ser aprovado no Congresso Nacional garante a neutralidade da rede como um direito do usuário, evitando que as operadoras criem filtros para regular ou bloquear conteúdos”, falou.
O deputado estadual que articulou o pacto gaúcho pela banda larga de qualidade, Daniel Bordigon (PT), disse que o gesto dos gaúchos irá contribuir para acordar o próprio PT sobre a importância em avançar na tecnologia da informação. “Estamos atrasados neste tema aqui no RS. Assim como o direito à educação, à saúde, o acesso a internet e as tecnologias de comunicação já podem ser considerados produtos básicos para o desenvolvimento da cidadania. Por um bom tempo, o conhecimento estava na escola. Hoje ainda está, mas é preciso considerar que na internet há uma vareidade infinita de fontes de conhecimento. O acesso a banda larga para todos e sua democratização é fundamental nesse sentido.”