sexta-feira, 25 de maio de 2012

Derradeira falante de Kusunda, no Nepal, tem 75 anos e um património 'que não serve para nada'

240512 nepalNepal - Diário Liberdade - A história do idioma kusunda lembra a do galego-português da Galiza. Numa situação mais extrema, também o povo que o falava foi levado a pensar que "não servia para nada".

No Nepal registam-se dezenas de línguas e etnias ainda vivas, entre os quais o idioma Kusunda vai viver tanto tempo como a sua derradeira falante, Gyani Maiya Sen. Trata-se de uma aldeã de 75 anos que possui nela todo o património milenar do seu povo, depois de que progressivamente os seus e as suas compatriotas abandonassem o idioma próprio. 
Há outras pessoas que sabem algumas palavras ou expressões, mas nenhuma que o fale fluentemente, como sim faz Gyani Maiya Sen, que mantém a prática lingüística apesar de não ter com quem falar em língua kusunda, que para além de nom ter mais falantes constitui um idioma isolado, sem parentesco conhecido com as restantes línguas do Nepal.
Gyani Maiya Sen pertence a um povo das florestas nepalesas, historicamente desprezado pelas etnias maioritárias, o que  levou as pessoas a abandonarem progressivamente o idioma próprio, que "não servia para nada", e a aprenderem o idioma do poder, o nepalês, por sua vez pertencente à família indo-ariana e falado, além de por 17 dos 29 milhões de habitantes do Nepal, em regiões do Butão, da Índia e de Mianmar (antiga Birmânia).

Dezenas de línguas e grupos étnicos dentro das fronteiras nepalesas

No Nepal, coexistem mais de cem grupos étnicos que falam dezenas de idiomas, a maioria pertencente às famílias linguísticas sino-tibetana, indo-europeia, austro-asiática e dravidiana.
Mas o kusunda parece estar fora dessas categorias, sendo uma língua isolada, tal como o idioma basco e o coreano, para só referirmos um exemplo europeu e um outro também asiático. 
'É uma língua estranha, mas gosto de aprendê-la. Tem alguns sons guturais, como os que se encontram no árabe e no turco', descreve o professor Gautam Bhojraj, estudioso nepalês da língua kusunda, só descoberta por ocidentais em 1995, por um antropólogo austríaco, mas desde esse momento bastante estudada e catalogada.
Para Gautam, o problema é que a última falante de kusunda tinha começado a esquecer a sintaxe e a morfologia, e também não tinha os contextos necessários para pôr sua língua em prática. 'Se perguntarmos a alguém como se diz uma palavra específica em sua língua, ela talvez não consiga responder, mas a palavra certamente aparecerá quando precisa ser usada no contexto apropriado'.
Os contextos de Gyani Maiya eram os que lhe proporcionava sua mãe até sua morte, já faz 25 anos: ambas usavam o kusunda apenas quando precisavam dizer algo sem que as demais pessoas presentes entendessem. O último estertor 'natural' do kusunda, portanto, funcionou como uma espécie de código secreto.
Com Agências, Wikipédia e Chuza!

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Argentina: dilemas da esquerda marxista




Atílio Boron - CORREIO DA CIDADANIA   


Tal como Hamlet, a esquerda argentina passeia incansavelmente pelos confins da oposição, perguntando-se as razões pelas quais não consegue se constituir como uma efetiva alternativa de governo. Mas essa imagem é, na verdade, enganosa, porque não há um errante príncipe Hamlet, e sim dois. O primeiro – que representa uma minoria na esquerda – se questiona angustiadamente sobre o significado e impacto das mudanças experimentadas recentemente pelo capitalismo argentino, sendo que uma de suas conseqüências foi a fragmentação e desorganização do universo popular e sua subordinação às políticas clientelistas desenvolvidas pelo Estado.

Isso, além de tudo, teve lugar num período como o que se abriu após a crise da convertibilidade e na qual se registraram taxas muito elevadas de crescimento econômico, que mesmo assim não conseguiram fazer os indicadores da pobreza retornar aos níveis anteriores à crise. Houve uma melhora, sem dúvida, em relação ao ponto mais candente da crise (fins de 2001, parte de 2002), na qual os índices de pobreza e desigualdade dispararam a níveis sem precedentes na história nacional, próximos aos que caracterizam a África subsaariana.

Mas se a recomposição capitalista gerenciada primeiro pelo governo de Eduardo Duhalde e seu ministro da Economia, Roberto Lavagna, e continuada depois, em parte com o mesmo ministro, na primeira metade do mandato de Nestor Kirchner, pôde garantir uma rápida recuperação do crescimento econômico, os resultados em matéria de redistribuição da renda foram, no melhor dos casos, modestos.

A dez anos do início de tal processo, a pobreza segue afetando, segundo cálculos de diversas fontes (governos provinciais administrados pelo kirchnerismo, consultorias privadas, a Universidade Católica Argentina etc.), aproximadamente a quarta parte da população argentina. As cifras oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC), sob interferência do governo e completamente carente de credibilidade, anuncia, em compensação, uma proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza inferior a 10%, dado que não é levado a sério sequer pelos sindicatos afinados ao kirchnerismo na hora de negociar seus convênios coletivos com as distintas entidades patronais.

O paradoxo que atribula este primeiro Hamlet da esquerda é que sob tais condições, tendo-se demonstrado a incapacidade da economia capitalista em redistribuir renda mesmo em um contexto de elevado crescimento econômico durante mais de oito anos, as camadas e setores populares não consideram a esquerda como uma alternativa de governo capaz de construir uma sociedade melhor.

O outro Hamlet, representante da opinião majoritária no seio da esquerda, gosta de se vestir com os adereços do dr. Pangloss e pensar, como o personagem incuravelmente otimista de Voltaire, que cedo ou tarde “a verdade da revolução” amadurecerá no proletariado e que não há nada a se mudar. A própria irrelevância política e falta de gravitação eleitoral e social, assim como as complexas mediações da conjuntura, não abalam sua fé na vitória final.

Para essa concepção sectária, a tragédia de uma esquerda ausente nada tem a ver com as renovadas capacidades de desarticulação do protesto social exibidas pelo capitalismo contemporâneo, sua eficácia para cooptar as lideranças contestadoras, o poderio de sua indústria cultural para manipular consciências mesmo com a debilidade de suas propostas, suas formas autoritárias de organização, seus discursos arcaicos para a sociedade ou seu descolamento das urgências sociais de nosso tempo.

“Autocrítica” é uma palavra que não existe no dicionário dos fundamentalistas de esquerda; “corrigir” é outro verbo desconhecido de sua linguagem. Em sua versão mais rudimentar, essa atitude repousa sobre um axioma indiscutível: se a revolução não se consumou foi porque certa direção de esquerda traiu o mandato popular.

Fragmentação
Essas duas posturas se encontram em diferentes proporções, em todas as forças e organizações de esquerda, sem exceção. Fiel à tradição peronista, a práxis governamental do kirchnerismo acentuou a fragmentação da esquerda. Na realidade, não só desta: também dividiu a Central dos Trabalhadores Argentinos em uma ala pró-K e outra profundamente anti-K. O mesmo se fez com a organização das pequenas e médias empresas e até com a mais importante central empresarial, a União Industrial Argentina. Partidos centenários como o Radicalismo ou Socialismo, assim como importantes agrupamentos estudantis universitários, não escaparam dessa lógica de “divisão primeiro, autodestruição depois” que caracterizou o peronismo nos seus inícios.

No campo da esquerda, essa divisão promovida por um poder cuja voracidade é inesgotável não fez senão aprofundar sua fragilidade. Um setor dela, principalmente o Partido Comunista (PC), transita pelo estreito e perigoso caminho do “apoio crítico” ao governo de Cristina Fernández de Kirchner, a partir do reconhecimento do caráter progressista de algumas políticas, como o massivo julgamento dos genocidas; reorientação latino-americanista da política exterior; algumas medidas de política social como o “auxílio universal por filho”, extensão dos benefícios de aposentadoria; estatização dos fundos privados de pensão; Lei da Mídia; matrimonio igualitário; e mais recentemente, a renacionalização da YPF, via expropriação das ações da Repsol.

Porém, junto com essas iniciativas há outras, de signos claramente reacionários, como a aprovação de quatro – não uma, mas quatro – leis antiterroristas entre 2007 e 2011 a pedido “da embaixada”; e outras de caráter regressivo, como o apoio à megamineração a céu aberto, a sojização do campo, a estrangeirização da economia, a cumplicidade com o gigantesco processo de saque experimentado pela YPF sob as mãos da Repsol, a manutenção de algumas vigas-mestres do modelo neoliberal estabelecido pela ditadura civil-militar (como, por exemplo, a “Lei de entidades financeiras”, que consagra a primazia do capital financeiro e da renda especulativa), a impotência reguladora do Estado e a escandalosa regressividade tributária que caracteriza a economia argentina.

Essa volátil e contraditória combinação faz com que algumas forças políticas, não só do PC, pensem que há “um governo em disputa” e que devem se aproveitar as fissuras e inconsistências do governo de Cristina Fernández para avançar em uma agenda de radicalização das transformações em curso. É uma aposta arriscada e a probabilidade de um final vitorioso é incerta, apesar de que não são poucas as vezes em que a história adotou cursos inesperados que surpreenderam até os atores mais prevenidos.

É por isso que a tese do “governo em disputa” segue angariando adeptos em muitas forças políticas e espaços do progressismo argentino, sobretudo quando se comprova que, ao menos em termos eleitorais, as alternativas mais prováveis de substituição do kirchnerismo seriam portadoras de um retrocesso considerável em quase todas as frentes, começando pelos direitos humanos e terminando na gestão macroeconômica.

Relutantes a qualquer tipo de “apoio tático ou crítico” são outras organizações de esquerda, de inspiração trotskista, como o Partido Operário (PO) e o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PST), que propõem uma política de oposição intransigente e radical ao kirchnerismo. Não é de se estranhar tal atitude quando propõem o mesmo para governos como os de Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, e Hugo Chávez na Venezuela, além de ter uma atitude bastante crítica sobre a própria Revolução Cubana.

O fundamento dessa política maximalista é a repulsa que emana do reconhecimento dos traços mais conservadores do kirchnerismo (assinalados no parágrafo anterior), acompanhada de um simétrico desconhecimento de que, apesar da manutenção de importantes níveis de pobreza e exclusão social, a situação das camadas mais esquecidas e exploradas da população experimentou uma relativa melhora a partir dos horrores de fins de 2001 e começo de 2002, e que as conquistas do governo não são apenas um “relato”, mas têm uma certa imbricação no terreno prosaico e crucial da economia popular.

E isso não apenas surge do exame de alguns dados objetivos, porém, mais importante ainda, tem seu fundamento na percepção e sensação que manifestam setores majoritários das classes trabalhadoras. Do contrário, não se compreende como a fórmula da “esquerda dura”, que unificou o PO e o PST obteve nas últimas eleições presidenciais pouco mais de 2% de votação popular contra 54% do ‘cristinismo’. A consciência alienada da classe trabalhadora não é suficiente pra explicar tamanha diferença. Sem dúvida há algo mais.

Essa dispersão da esquerda marxista afeta também outros espaços do progressismo, atravessado por contradições similares. Com o agravante de que, por sua grande instabilidade ideológica, são forças facilmente cooptáveis pelo kirchnerismo. O Partido Humanista e setores importantes do Novo Encontro, por exemplo, se aproximaram tanto em suas políticas de alianças com o ‘cristinismo’ que sem se darem contam acabaram instalados no interior da Frente para a Vitória da presidenta Cristina Fernandez.

Isso revela, novamente, a grande dificuldade que representa o peronismo como fenômeno de massas e como herdeiro da mais radical experiência populista que se tem notícias na América Latina, causadora na segunda metade da década de 40 da maior redistribuição de renda de qualquer país da região, até o triunfo da Revolução Cubana.

O peronismo em suas sucessivas encarnações é: o populismo keynesiano do primeiro Perón, o ultraneoliberalismo de Menem e o kirchnerismo neodesenvolvimentista; é um Júpiter político que atrai para seu campo gravitacional qualquer força que, seduzida pela sua retórica tão desafiante como inconseqüente ou por seus componentes mais reformistas, tente acompanhar suas políticas com a esperança secreta de conduzi-las por um caminho alheio ao itinerário traçado pelo capital.

Mas se o perigo para aqueles que pensam em sustentar “alianças táticas” com tão poderoso aliado é a própria desaparição, fundida no magma de um populismo em permanente reconversão e onde os elementos de direita adquirem cada vez mais força, o risco para quem decide enfrentá-lo radicalmente como se fosse um governo de direita mais – como se Cristina fosse Calderón ou Chichilla – e manter-se longe de seu campo gravitacional é ficar reduzido a uma força eternamente condenada a ser testemunha ocular, de irreparável radicalismo mas completamente privado de relevância prática, o que, deve-se dizer, suscita problemas nem um pouco insignificantes de responsabilidade política que não podemos analisar aqui.

Como se pode compreender do exposto, não há uma solução simples para o enigma que representa o peronismo na política argentina: um projeto burguês, sem dúvidas, porque a mesma Cristina já disse mil e uma vezes que seu desejo é instalar na Argentina um “capitalismo sério”, mas dotado de uma invejável base popular que manteve sua lealdade ao peronismo durante 67 anos, desde as longínquas fundacionais de 17 de outubro de 1945.

Não é a mesma coisa, para a esquerda, se posicionar diante de Piñera, Calderón, Santos ou Chinchilla, e fazê-lo igualmente diante de Cristina ou, salvando algumas diferenças, Dilma no Brasil. Daí a enorme dificuldade da esquerda marxista em fazer política, para passar de suas mais que justificadas denúncias – éticas, econômicas, políticas – à construção de uma alternativa de massas orientada na direção da superação histórica do capitalismo.

Nota:

Este breve texto reelabora algumas das idéias contidas no capítulo 7 de nosso “Depois da Coruja de Minerva”. O livro pode ser baixado integralmente no nosso blog: www.atilioboron.com.ar

Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia da Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Tradução: Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
Artigo integrante da revista “América Latina en Movimiento”, No 475, de maio de 2012 e que trata sobre "América Latina: as esquerdas nas transições políticas” (em espanhol).

Yes - Tales from Topographic Oceans - 1973

1.-"The Revealing Science of God (Dance of the Dawn)" – 22:22
2.-"The Remembering (High the Memory)" – (Letras de Yes) 20:38
3.-"The Ancient (Giants Under the Sun)" – (Letras de Anderson/Howe/Squire) 18:35
4.-"Ritual (Nous Sommes du Soleil)" – 21:37
5.-"Dance of the Dawn" - 23:35
6.-"Giants under the Sun" - 17:17

Jon Anderson – voz
Chris Squire – baixo, voz
Steve Howe – guitarras, voz
Rick Wakeman – teclados
Alan White – bateria, percussão

Maurício Caleiro: Educação só é prioridade para o governo Dilma nas propagandas eleitorais

por Maurício Caleiro, em seu blogsugerido Maria Salete Magnoni

A greve dos professores das universidades e institutos federais é, antes de mais nada, desnecessária.
Afirmo isso não no sentido de acusar os grevistas por um gesto que seria leviano ou irresponsável – pelo contrário: o ônus por essa paralisação deve ser atribuído tão-somente ao misto de descaso, arrogância e teimosia com que o governo Dilma Rousseff vem tratando os docentes federais e suas demandas.
Bastaria um pouco mais de boa vontade por parte do governo, ao invés de seguidamente “enrolar” os representantes dos professores, adiar a tomada de decisões e, no que já parece ser um traço distintivo do “estilo Dilma”, tensionar ao máximo a questão e, ao mesmo tempo, recusar-se a agir sob pressão, e a greve – que neste momento se amplia e que acabará por penalizar professores, funcionários e, sobretudo, alunos – teria sido facilmente evitada.
Protelação e má vontade
O governo firmara, em 2011, um acordo com o sindicato da categoria se comprometendo a instaurar o Plano de Carreira da categoria até março de 2012. Agora, em final de maio, o MEC anuncia que a medida ficou para 2013.De modo similar, no ano passado o governo concordara, após tensas negociações, em conceder um aumento de míseros 4% aos docentes a partir de março de 2012. Foram necessários, porém, seguidos dias de paralisação em protesto e a ameaça concreta de greve no início deste mês para que uma Medida Provisória fosse assinada, finalmente tornando efetivo (e retroativo) o aumento anteriormente acordado. Pergunto: por que humilhar assim uma categoria, se o aumento já fora acertado?
Os exemplos dos parágrafos acima fornecem uma boa medida dos termos em que se dão as relações do governo com os docentes, cujas demandas são invariavelmente proteladas: a má vontade evidente e os prazos sempre vencidos demonstram de forma cabal que a Educação só é prioridade para o governo Dilma nas propagandas eleitorais.
Na prática, a teoria é outra: foi preciso que a greve estourasse para que o MEC viesse a público procurando justificar os atrasos e afirmando manter os canais de comunicação abertos (o que é, sem dúvida, positivo, sobretudo se comparado às práticas do governo FHC – mas vale assinalar que continuar a tomar FHC como parâmetro é perpetuar o inaceitável).
Salário defasado
Além desses problemas, persiste sem encaminhamento uma das principais demandas dos professores – que o que recebem a título de gratificação (uma malandragem contábil dos governos anteriores ao de Lula) seja incorporado ao salário, como ocorre com a vasta maioria dos assalariados do país.
Aliás, a questão salarial, que havia recebido atenção do ex-presidente petista até o início de seu segundo governo, volta a se mostrar em um patamar periclitante.
O vencimento médio de um professor adjunto com contrato para 40 horas semanais, mesmo contando com as tais gratificações, é de cerca de um terço do que percebem juízes, promotores e membros dos legislativos municipais, estaduais e federal – sendo que todos, via de regra, com uma formação bem mais curta e menos especializada do que a de um professor-doutor, o qual, recebendo, na melhor das hipóteses, uma ajuda de custa simbólica, passa quase uma década lendo, pesquisando, se adestrando intelectualmente e sendo periodicamente avaliado por seus pares ou orientadores até que esteja pronto para se tornar mestre e, depois, se doutorar.
O professor Pierre Lucena (UFPE) dimensiona o grau de defasagem salarial: “Só para terem uma ideia da distorção, em 2003 um pesquisador com doutorado do Ipea ganhava R$ 300,00 a menos que um professor com doutorado na Universidade. Hoje ele ganha R$ 5 mil a mais que a gente. O mesmo acontece com o MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia]“.
Situação de penúria
Para além da questão salarial, há demandas urgentes e denúncias preocupantes. Na notaoficial que divulgou à sociedade, o Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior (ANDES) denuncia um quadro bem diferente daquele pintado pelo marketing oficial, relatando “instituições sem professores, sem laboratórios, sem salas de aulas, sem refeitórios ou restaurantes universitários, até sem bebedouros e papel higiênico, afetando diretamente a qualidade de ensino”.Tais carências afetam, sobretudo, as novas universidades criadas durante o governo Lula. E vêm se somar a um problema que venho reiteradamente denunciando aqui: a contratação dos chamados “professores temporários” para dar aula em tais campi.
Qualidade da inclusão
Com um contrato de trabalho ainda pior do que o de professor substituto – e inaceitável numa democracia avançada – essas vagas mal remuneradas, sem benefícios, estabilidade ou período pré-determinado de vigência, naturalmente pouco atraem candidatos com titulação de mestre ou doutor – ausência de titulação que, por si, é um impedimento ao desenvolvimento de pesquisas, já que as agências de fomento que as financiam têm um padrão mínimo de exigência quanto a isso.A prorrogação indefinida dessa situação – que já vem se arrastando por alguns anos – pode gerar efeitos altamente indesejáveis, seja no nível de formação dos estudantes, na quantidade e qualidade da pesquisa pelas novas universidades desenvolvidas ou na consolidação de uma distinção axiológica entre dois grupos muito díspares entre si de universidades federais.
A principal questão que se coloca é: a inclusão de novos estratos sociais na universidade é para valer – ou seja, oferecendo a todos um ensino do melhor nível possível – ou, a despeito dos esforços democratizantes, ela acabará por servir à repetição, no interior da universidade, da brutal assimetria social que se verifica na sociedade brasileira? A resposta a essa pergunta é crucial para o futuro do Brasil em termos de educação e trabalho.
Mídia e militância
É importante, aqui, abrir parênteses para um comentário sobre a postura da mídia ante os problemas da educação em âmbito federal: embora não costume perder uma oportunidade de atacar o governo chefiado por Dilma, mantém o mais completo silêncio quanto à questão.
Explica-se: a demanda por melhores salários, condições de trabalho e adoção de um Plano de Carreira que estabilizaria, a longo prazo, a profissão docente contraria frontalmente a orientação neoliberal para a estruturação do ensino superior, que recomenda sua privatização e instrumentalização como apêndice dos setores empresariais e industriais privados.
A novidade é a repetição de uma estratégia de avestruz também por parte de setores governistas na blogosfera e nas redes sociais, como forma de mitigar ou mesmo esconder a gravidade do estado de coisas no ensino federal privado.
Não deixa de haver alguma ironia sinistra no fato de que vários dos que se autoproclamam inimigos figadais da mídia corporativa adotem a mesma estratégia do silêncio por esta empregada, quando, para eles, o que está em jogo é a paixão político-partidária e não a luta por uma sociedade mais justa.
Longo caminho
Há um longuíssimo caminho a ser percorrido pela administração Dilma para consubstanciar em realidade a promessa – reiterada durante a campanha eleitoral e reforçada no discurso de posse – de que a Educação seria uma prioridade em seu governo. Pelo que estamos vendo até agora, nesses 17 meses, estamos bem longe disso.

O Novo (e nefasto) Código Florestal às vésperas de ser sancionado

230512 cfl2Brasil - Diário Liberdade - No próximo dia 25 de maio, termina o prazo de 15 dias úteis para que a presidente Dilma Rousseff sancione, vete partes ou a íntegra do texto no novo Código Florestal que foi aprovado no último dia 26 de abril pela Câmara dos Deputados.

O projeto representa um enorme retrocesso em relação à proteção do meio ambiente e mais uma submissão do governo do PT às políticas dos setores mais direitistas. Grandes áreas protegidas de florestas serão abertas legalmente para a pecuária, agricultura, mineração e especulação. Os latifundiários que desmataram ilegalmente áreas de florestas antes de 2008 serão anistiados. Os grandes proprietários de terras na Amazônia poderão reduzir a área de proteção de 80% para 50%, levando assim a uma perda de mais de 190 milhões de hectares de floresta.
A propaganda do chamado agronegócio, dominado pelas multinacionais imperialistas e do qual os latifundiários fazem parte, divulga usando, em larga escala, a imprensa burguesa, que o novo Código Florestal seria necessário para "promover o desenvolvimento" da economia do Brasil. Esse "desenvolvimento" seria a produção de carne, soja, açúcar, aves, cana de açúcar e outras matérias primas, em cima dos métodos depredadores do monocultivo e do uso maciço de agrotóxicos e transgênicos. Essas matérias primas são exportadas através dos mercados futuros de commodities que formam a base da especulação financeira internacional e é um dos componentes fundamentais da desindustrialização e do foco do País na exportação de matérias primas imposto pelo imperialismo após o colapso capitalista de 2008. O Brasil está muito longe de direcionar-se para o chamado primeiro mundo, conforme tem sido propagandeado pelo PT. O Brasil está se dirigindo, de maneira acelerada, para uma situação muito similar à existente na República Velha, que era altamente dependente da especulação do café. Mas agora, o Brasil está extremamente exposto e dependente da especulação financeira em larga escala; de fato, ainda mais exposto que no período da bancarrota da especulação do café em 1929. A dependência das exportações ao mercado manufatureiro asiático, encabeçado pela China, cuja economia está mostrando caros sinais de esgotamento, é muito alta; e o efeito contágio do aprofundamento da crise capitalista na zona do euro se faz sentir fortemente – inflação em alta, disparada das importações, queda das importações, aumento do déficit no balanço das contas correntes e o aumento da dívida pública entre outros.
O novo Código Florestal é a continuidade da claudicação dos governos do PT às políticas da direita
A aprovação do novo Código Florestal apresenta-se como a culminação de uma sequência de políticas de depredação do meio ambiente que se intensificaram nos governos de FHC, mas que continuaram nos governos do PT. O avanço legislativo em defesa do meio ambiente tem sido praticamente nulo desde 2001; só tem havido retrocesso. Os transgênicos plantados ilegalmente no sul do País foram liberados. A primeira lei sobre Biossegurança revogada. Vários decretos empurraram para frente o cumprimento do Código Florestal. A Lei de Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009) foi inócua. A Lei Complementar 140/2011, que disciplinou a distribuição de competências administrativas ambientais entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, continuou abrindo brechas para a depredação. O Programa Amazônia Legal permitiu a legalização da depredação do Amazonas.
O governo do PT tem, na prática, implementado a política da direita em vários setores fundamentais. A privatização dos aeroportos, estradas e dos Correios. O contínuo sucateamento da saúde e da educação. A manutenção e crescimento dos repasses dos principais recursos dos País para os especuladores imperialistas.
A presidente Dilma poderá vetar demagogicamente partes do novo Código Florestal, principalmente perante a proximidade do Rio + 20. O ministro da agricultura, Mendes Ribeiro Filho, têm declarado que as peças do projeto de lei são inaceitáveis, sugerindo que a opção poderia ser um veto parcial de partes do projeto de lei. O problema é que o novo Código está muito amarrado em cima de artigos e subterfúgios da Lei e tem brechas que permitem a continuidade do desmatamento, principalmente de algumas áreas recém-florestadas perto de rios.
O novo Código Florestal é um projeto de bastidores, alinhado entre a oposição e o governo. A chamada sociedade civil não foi consultada em nenhum nível, nem houve qualquer debate público com especialistas, universidades, organizações sociais, dos trabalhadores e camponesas.
O governo do PT tem sucumbido aos interesses dos latifundiários na questão do Código Florestal, pois assumiu esse desgaste político como condição para que a bancada ruralista aprovasse outras leis também altamente nocivas para a soberania do País, como a famigerada Lei da Copa pela qual a FIFA, que é controlada pelas multinacionais imperialistas, impôs um supraestado sobre o estado brasileiro violando, inclusive a própria Constituição.
No contexto da ofensiva dos latifundiários, que representam o setor mais atrasado e reacionário da burguesia nacional, a proposta da PEC do trabalho escravo foi adiada, de maneira também demagógica, para depois do Rio + 20, pois eles querem impor a retirada da expropriação das propriedades onde a exploração da mão de obra escrava for flagrada.
O próprio projeto de "desenvolvimento" do Brasil, que o governo do PT encabeça, contempla grandes projetos de energia na Amazônia, que são defendidos veementemente pela presidente Dilma, e que, além de serem altamente depredadores do meio ambiente, também têm sido impostos contra os moradores da região. De fato, estes projetos visam o repasse de recursos públicos às grandes construtoras, que são controladas pelas multinacionais imperialistas, e promover um certo crescimento econômico que possibilite a manutenção dos repasses para os especuladores financeiros mediante o pagamentos dos serviços da dívida pública. As condições precárias dos trabalhadores nesses projetos têm levado a uma escalada das greves num dos maiores patamares dos últimos anos.

As mentiras convencionais de nossa educação



Por Lincoln Secco, no amálgama

No final do século XIX o escritor Max Nordau publicou uma obra chamada As mentiras convencionais de nossa civilização. Uma adaptação deste título tão feliz pode ser feita para a educação brasileira a partir de duas notícias salvacionistas para a escola.
Primeira notícia: o Governo do Estado de São Paulo vai investir em lousas digitais. Dessa forma, afirmam os especialistas, o aluno terá mais interesse nas aulas. De acordo com as pesquisas sobre uso de tecnologia na educação (Folha de São Paulo, 5 de abril de 2012), a modernização tecnológica não melhora o aprendizado.
Segunda notícia: o governo paulista não está só. O MEC prometeu distribuir 600 mil tablets para professores. Trata-se de uma prancheta eletrônica que permite acesso à internet, entre outras coisas (como desenhos, jogos e entretenimentos). É possível que a maioria dos professores sequer saiba o que é isto e talvez fosse mais fácil o governo ter usado o termo português “tablete”. Outra ideia do ministro da Educação (Veja, 19 de março de 2012) é alfabetizar as crianças mais cedo e aplicar uma prova aos oito anos de idade para observar seu grau de alfabetização.
Bem, escolhi duas notícias ao acaso já que todo mundo apresenta ideias para a escola. Mas a maioria delas está ancorada numa das mentiras convencionais desmentidas abaixo:
1. Não é verdade que alfabetização até os oito anos seja indispensável. Várias pesquisas (mas a história também) mostram que alfabetizar mais cedo pode até ser prejudicial e que é preferível brincar a estudar antes daquela idade. Cada criança tem um ritmo próprio de aprendizado e a escola deveria respeitar isso.
2. Não é verdade que tecnologia facilite o aprendizado por torná-lo mais atraente. Ninguém deseja que a escola volte aos padrões rígidos de um século atrás. Mas jogar pedra na casa do vizinho ou fazer sexo sempre será mais atraente do que fazer análise sintática ou resolver equações de segundo grau. A escola tem uma dimensão disciplinar inescapável e sem ela não podemos aprender.

3. Não é verdade que a escola pública era boa porque era para poucos e hoje é ruim porque atende a todos. Ela se tornou ruim porque o Estado preferiu investir somente na sua expansão física e passou a gastar proporcionalmente menos com professores e equipamentos tradicionais (livros, laboratórios, bibliotecas, piscinas e anfiteatros). Massificação com ampliação de recursos não seria problema algum. E de onde viriam os recursos? Bem, o Estado optou por construir Brasília, sustentar a corrupção da Ditadura Militar e gastar com pagamento de juros.
4. Não é verdade que a redução da idade de ingresso na escola atendeu critérios pedagógicos. Como as creches se tornaram um direito reivindicado pelas mães e custa mais barato abrir um turno na escola fundamental, os governos reduziram a demanda por creches fazendo as crianças saírem mais cedo delas.
5. Não é verdade que aumento salarial substancial não melhora a educação. O problema é que um professor carece de salário e status. A relação pedagógica é baseada principalmente na autoridade conferida ao docente pela avaliação, idade, conhecimento e respeito social. Como vivemos numa sociedade capitalista, é claro que a maior parte desses atributos depende da renda. Ou seja: do salário!
6. Não é verdade que o investimento dos governos em tecnologia educacional tenha por escopo melhorar a educação. Na verdade este tipo de investimento é adotado porque é mais barato e aparece mais.
7. Não é verdade que determinar novos conteúdos para o currículo escolar melhore a cidadania. Mas é verdade que pode piorar o estudo de conteúdos já tradicionais como Matemática, História ou Língua Portuguesa. O problema do trânsito, a religião, atividade sexual, prevenção de doenças, ecologia, direitos humanos, criminalidade, drogas etc., são sempre problemas que os políticos deixam para a escola resolver. Basta um congressista ter uma ideia e já temos uma nova obrigação para os professores. Perguntar se uma lei é exequível em função do orçamento é algo comum, mas ninguém se pergunta se os novos conteúdos obrigatórios “cabem” no currículo e no tempo de aula. É que todos esquecem que a educação não se dá apenas na escola. Só uma parte da educação juvenil é escolarizada porque na maior parte do tempo o aluno está submetido a outros educadores: amigos, família, polícia, deputados, más ou boas companhias, namorados etc. Por isso, pouco adianta ensinar ética se o Congresso Nacional perdoa seus parlamentares corrompidos.
É preciso dizer que a instituição escolar está em crise (como a família, as Forças Armadas, a Igreja e os partidos). As relações entre jovens e velhos, filhos e pais, chefes e subordinados mudaram. Impotentes, todos esperam que a escola seja a única a resolver uma crise civilizacional. É possível que a escola não exista mais num futuro longínquo. Afinal, a escolarização em massa é muito recente na história.
Mas por enquanto precisaremos dela. Quando um ministro diz que os alunos estão no século XXI e a escola no século XIX, esquece que em alguns lugares (como o Brasil) nós passamos diretamente de um país ágrafo para outro que assiste televisão e manipula ícones no computador. Não tivemos (como no Velho Mundo) a fase do livro e da leitura. Ainda precisamos um pouco de século XIX: professores respeitados, giz, quadro negro, alunos na sala de aula e livros à mão cheia.

Israel manda demolir povoado palestino na Cisjordânia

Todas as casas do povoado beduíno de Deqeiqa, no sul de Hebron, receberam ordem militar de demolição, em um mais um exemplo da política de expulsão israelense na Cisjordânia ocupada, segundo denunciam organizações de direitos humanos.

Este povoado, situado nas empobrecidas e desérticas colinas do sul de Hebron, é lar de cerca de 400 pessoas que vivem da pecuária e não têm eletricidade, nem água corrente. Em janeiro, o exército israelense demoliu 17 estruturas, entre elas um sala de aula, precários estábulos e 12 casas, e agora outras 75 estruturas, a maioria casas, também correm o risco de serem derrubadas.

Segundo Alon Cohen, da ONG israelense Bomkom, o problema com Deqeiqa é que esta área "está situada a 650 metros da linha verde, e (os israelenses) querem transferir a população quatro quilômetros ao norte, ao povoado de Hameda", uma medida que considera "impossível", tanto pela falta de espaço, como por questões culturais já que os habitantes de Hameda são de outra tribo beduína.

Yariv Mohar, porta-voz dos Rabinos pelos Direitos Humanos, acredita que as autoridades israelenses "querem anexar o sul de Hebron para que passe a ser parte do Neguev, porque está muito perto da fronteira e tem poucos habitantes palestinos".

O argumento do Exército é que Deqeiqa, fora dos mapas israelenses, é um mero "agrupamento de casas" e que não pode se manter como comunidade.

O porta-voz da Coordenação das Atividades do Governo israelense nos Territórios Palestinos (COGAT), o comandante Gay Inbar, disse à Agência Efe que o Exército "ainda está examinando uma série de alternativas para melhorar o padrão de vida das povoações" nessa zona e disse que "quando souberem as opções abrirão um diálogo com os líderes tribais".

Contudo, os moradores deste povoado disseram que nenhum oficial entrou em contato com eles, exceto as ordens de demolição, e que estão há mais de um século vivendo nessas terras, e que não têm para onde ir.

Yousef Nayada, líder local, denunciou que "os israelenses constroem casas de luxo nos assentamentos enquanto retiram as dos palestinos". Sobre a transição para Hameda, o representante se opõe: "Lá (Hameda) não resta um só metro quadrado livre. Temos três mil ovelhas e cabras e 150 camelos, precisamos de espaço".

Para Cohen, existe um "claro apartheid no sistema de planejamento urbano na Área C", cerca de 60% da Cisjordânia, e onde Israel tem controle administrativo e de segurança, segundo estabeleceram os Acordos de Oslo.

"O assentamento de Carmel tem 2,2 mil dunams (220 hectares) para 360 habitantes, enquanto Hameda tem 300 (30 hectares) para os mesmos habitantes, e querem colocar lá os 400 de Deqeiqa".

Khalil Nayada, morador de Deqeiqa e pai de 12 filhos, disse que se sente angustiado depois que recebeu as ordens de demolição para suas três propriedades: um estábulo e dois edifícios de barro.

"Tenho que manter 14 pessoas. Temos 50 cabras e no ano passado, quase não choveu, gastamos cerca de 45 mil shekels (8,9 mil euros) e tivemos uma renda de 30 mil (5,9 mil euros)", disse.

Apesar das dificuldades, Nayada não quer sair da terra povoada por seus antepassados: "Meu avô nasceu neste povoado e morreu aqui em 1951".

A advogada Avital Sharon, que apelou no Supremo Tribunal contra as 34 ordens de demolição emitidas em novembro, explica que a corte não concedeu uma liminar para paralisar a demolição até que saia a sentença, por isso as casas poderiam ser derrubadas a partir de quinta-feira.

Avital também não vê uma solução na transferência forçosa para Hameda, sugerida pelas autoridades militares israelenses, já que "os beduínos têm sua própria terra natal, que todas as tribos reconhecem, e não podem ir até outro povoado e pegar suas terras. As famílias de Hameda nunca o permitirão", disse.

"Israel não faz planos urbanísticos para os beduínos, mas sim para os assentamentos. A discriminação é tão óbvia que não pode ser ignorada. Inclusive, legalizam retroativamente as colônias e descumprem ordenes de demolição dos tribunais. Quando querem, o fazem, mas não será assim em Deqeiqa", concluiu.




Fonte: EFE, Patria Latina

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Movimento sindical dá um passo à frente e dois para trás

Júnia Gouvêa e Jorge Luís Martins no CORREIO DA CIDADANIA 

Abril de 2012 corre o risco de ficar na memória como o momento de um revés importante para a classe trabalhadora brasileira. Realizaram-se no Rio de Janeiro e em Sumaré (São Paulo), na segunda quinzena do mês passado, dois encontros de diferentes dimensões, composição e grau de unidade, mas com o mesmo e trágico significado: a consolidação da divisão do movimento sindical combativo brasileiro em duas organizações diferentes.

No Rio de Janeiro, entre 20 e 22 de abril, sob a justa bandeira da luta contra a criminalização dos movimentos sociais, encontraram-se cerca de 500 lutadores da atual Intersindical, das correntes MTL e MES, TLS (Trabalhadores na Luta Socialista) e Unidos para Lutar do PSOL, além de MAS (Movimento Avançando Sindical). Ao fim da reunião, além de votarem um calendário indicativo de lutas e um programa para a ação, resolveram criar “uma mesa de diálogo permanente” entre as correntes que “não estão em nenhuma central”.

Em São Paulo, entre 28 e 30 de abril, a CSP-Conlutas, na qual têm folgada maioria os sindicatos e oposições dirigidos ou influenciados diretamente pelo PSTU, reuniu em seu 1º Congresso Nacional 1.800 delegados, de diversos sindicatos, movimento popular e estudantil. Além de separados, nenhum dos dois encontros deu sinal, nenhum tímido sinal, de lamentar a divisão de 2010 e ensaiar algum gesto de reaproximação, ainda que cuidadosa.

É indiscutível que ambos os encontros, pelo simples fato de reunirem dirigentes e lutadores e permitirem pautas comuns e um mínimo de articulação entre estados e categorias, tiveram resultados pontuais positivos para alguns setores. Afinal, alguma articulação é melhor do que nenhuma. O Congresso da CSP-Conlutas e o Encontro dos Lutadores realizado no Rio de Janeiro, por certo, sem entrar no mérito, aprovaram resoluções importantes. Mas é preciso fazer uma avaliação política do significado da divisão (comparando-se os dois encontros com um encontro unitário, se tivesse ocorrido), diante da força do sindicalismo oficial cooptado pelos governos Lula-Dilma.

A CSP-Conlutas se consolida também como um importante setor do movimento combativo. Mas sua maioria, do PSTU, foi a principal responsável pelo episódio que impôs a divisão no Conclat de Santos, há dois anos. O congresso de Sumaré teve, agora, a oportunidade de esboçar um gesto pela unidade, quando a representante do Andes-SN propôs que se rediscutisse a questão do nome da central – o lamentável mote da divisão em Santos – e a direção da CSP-Conlutas; no entanto, negou-se a dar este passo e sequer chegou a esboçar um balanço do Conclat, como se este simplesmente jamais tivesse acontecido. O mesmo se deu na reunião do Rio de Janeiro. Nenhuma referência ao Conclat, nenhum balanço, nenhuma resolução sinalizando sequer a necessidade genérica da unidade do sindicalismo combativo. Assim, lamentavelmente, começa a se cristalizar entre os lutadores desses dois setores históricos da resistência combativa a lógica da divisão como algo inevitável.

Assim, os dirigentes da esquerda socialista, sejam do PSTU, sejam das correntes do PSOL, sejam do PCB, sem falar evidentemente da ASS – todos do mesmo e importantíssimo campo político nesse debate de recomposição necessária –, levam para o terreno do movimento sindical a experiência de divisão, que já estão implementando há algum tempo no âmbito da participação eleitoral. Ou seja, também no terreno das lutas, deixam a bandeira socialista pulverizada em várias alternativas e enfraquecida aos olhos dos trabalhadores e do povo. Pois não é verdade que dá na mesma estarmos divididos ou não. Todos os que militam no cotidiano dos movimentos sabem bem que a divisão é um obstáculo real, que, dividido, o movimento perde amplitude e potencialidade. Basta ver o último 1º de maio, onde, depois de mais de uma década em que a esquerda socialista esteve unificada, se dividiu em duas manifestações, o que é mais um desastre e vitória da fragmentação em curso.

Há, no entanto, algo mais grave quando a divisão acontece na organização sindical dos trabalhadores. Não somente porque se torna um obstáculo a mais, além do patronal e seus ataques, às vitórias da classe. Quem está ignorando ou menosprezando a divisão da classe, e mais ainda investindo nela, está fazendo exatamente o planejado pelos governos patronais desde FHC, passando por Lula e agora Dilma – cuja política é uma central para cada partido. Está, portanto, adaptando-se à “institucionalidade sindical” desejada por governos e patrões, iniciando um amoldamento ao regime do movimento sindical combativo.

O retrocesso, de 2010 para cá, no caminho da unidade dos socialistas e ativistas combativos numa mesma organização sindical é tão mais grave quanto mais se é consciente das lutas que podem vir por aí. Afinal, quem garante, diante do atual quadro internacional, que o crescimento e estabilidade de hoje se manterão? Quem garante que, no primeiro sinal de desequilíbrio nas contas e lucros, dona Dilma, banqueiros, industriais etc. não venham mais uma vez descontar nos nossos empregos, salários, pensões, aposentadorias, orçamentos da educação e saúde? Prestemos atenção na Europa...

Nesse quadro particularmente difícil, cabe aos militantes e dirigentes sindicais conscientes desse fracionamento nocivo se negarem a cristalizar a divisão. É necessária uma intensa batalha de convencimento político de todos os setores combativos para tentar reverter essa situação. Primeiro incentivando as lutas e sua unificação, independentemente da força da esquerda socialista que conduza cada conflito. E também defendendo ou voltando a defender, em todos os espaços em que nossas entidades participem, a construção de uma central sindical antigovernamental e unitária, compreendendo que as organizações atuais do movimento sindical e popular são todas insuficientes para o enfrentamento necessário ao capital e seus governos (razão pela qual devem ter todas um caráter transitório). Importante lembrar que várias categorias profissionais já aprovaram resoluções neste sentido no último período, o que ainda não tem sido capaz de sensibilizar a cúpula sindical das organizações.

Não é de forma alguma impossível reverter a divisão. Não é nada impossível retomar desde já a luta pela unidade da classe, pela base, nas mobilizações já em curso, e com uma plataforma política comum. Afinal, grande parte das resoluções do encontro do Rio coincide com a maior parte das resoluções do Congresso da CSP-Conlutas. Um movimento nacional pela base, pela unidade, com essa plataforma comum, pode ser um forte pólo de atração para uma nova geração de trabalhadores que estão começando a se mobilizar.

A natureza e o perfil das grandes mobilizações ocorridas na Europa e no mundo árabe mostram o quanto o capitalismo é questionado e quanto é possível um novo mundo – socialista quem sabe. Mas, para que esse novo mundo se construa, a classe trabalhadora precisa se constituir em si, na luta unitária, e para si, na consciência da sua força independente. É esse o sentido histórico da luta pela unidade.

Júnia Gouvêa é trabalhadora da previdência social; Jorge Luís Martins é advogado trabalhista.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O que é a Syriza, a esquerda que pode chegar ao poder na Grécia

Por Esquerda.net


Em 2001, o movimento altermundista atingia um dos seus pontos mais altos, com centenas de milhares de europeus nas ruas de Gênova contra os senhores do mundo que eram hóspedes de Berlusconi na cúpula do G8. A repressão policial demorou anos a ser condenada na justiça italiana, mas as cúpulas passaram a realizar-se ainda mais às escondidas. 

A mobilização grega para esse protesto foi uma das primeiras tarefas do Espaço de Diálogo para a Unidade e Ação Comum da Esquerda, que agrupava várias correntes que já se tinham encontrado noutras lutas, como a oposição à intervenção militar no Kosovo, as privatizações ou a legislação antiterrorista que ameaçava as liberdades civis na Grécia. O "Espaço" foi também determinante para organizar o Fórum Social Grego em 2003.

A figura de referência do "Espaço" era Manolis Glezos, o conhecido resistente ao nazismo que em maio de 1941 subiu à Acrópole e tirou de lá a bandeira da suástica, no que ficou conhecido como o primeiro ato de resistência do povo de Atenas contra a ocupação da cidade no mês anterior. Glezos foi o candidato da aliança eleitoral promovida pelo "Espaço" em 2002 à super-autarquia de Atenas-Piraeus, obtendo 10,8% dos votos. Dez anos depois, voltou a aparecer ao lado de Alexis Tsipras na campanha da Syriza em Atenas antes de encerrar a campanha eleitoral.

A coligação Syriza apresenta-se pela primeira vez a votos com programa eleitoral próprio nas legislativas de 2004 e consegue passar a barreira dos 3% para eleger seis deputados, todos pertencentes à corrente maioritária, o Synaspismos. A coligação conseguiu sobreviver à tensão interna com a substituição da liderança do Synaspismos no fim desse ano e ganhou novo fôlego com a organização do Fórum Social Europeu em Atenas dois anos depois.

2006 foi também ano de eleições autárquicas, com um jovem de 32 anos sendo lançado para a disputa eleitoral em Atenas com o objetivo de abrir o movimento às novas gerações. Alexis Tsipras, líder estudantil nos anos 90 e responsável pelo setor juvenil do Synaspismos, repetiu o resultado de Glezos quatro anos antes e tornou a Syriza na terceira força política na capital grega.

As eleições seguintes (legislativas em 2007 e 2009 e europeias de 2009) vieram confirmar a coligação como uma força ascendente no panorama político nacional, ao mesmo tempo que registaram um alargamento das forças que compõem a coligação. Alexis Tsipras sucedeu a Alekos Alavanos na liderança do Synaspismos e tornou-se líder parlamentar após as eleições de 2009. No ano seguinte enfrentou uma cisão importante no seu partido, que retirou quatro dos treze deputados da coligação para formarem um novo partido, a Esquerda Democrática.

A luta persistente contra a austeridade do governo da troika e os efeitos desastrosos das políticas da crise impostas pela direita e pelo PASOK, bem como a atitude de abertura para a unidade da esquerda por um governo de alternativa aos diktats de Berlim e Bruxelas, tudo isso ajudou a catapultar a Syriza para a primeira linha da oposição na Grécia. Ao contrário do KKE, que se entricheirou na sua linha política nacionalista e cujas práticas sectárias no movimento dos trabalhadores e nas lutas populares não tem paralelo hoje na Europa, a Syriza conseguiu nos últimos anos alargar a sua base de apoio também entre os Indignados da Praça Syntagma e transmitir ao povo grego a esperança de que é mesmo possível derrotar a troika e evitar o colapso do país.

Atualmente, fazem parte da Syriza doze organizações. A corrente maioritária é o Synaspismos, uma antiga coligação entre comunistas que se transformou em partido na sequência da purga de 45% do Comitê Central do PC grego após o fim da URSS. As outras organizações são a AKOA (Esquerda Comunista Ecológica e Renovadora, membro observador do Partido da Esquerda Europeia); DEA (Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores, próxima da tendência trotskista internacional IST, fundada por Tony Cliff); DKKI (Movimento Democrático Social, corrente que saiu do PASOK em 1995); KOE (Organização Comunista da Grécia, de inspiração maoísta, integrou a Syriza em 2007); Kokkino (Vermelho, corrente de inspiração trotskista); Ecosocialistas da Grécia; Cidadãos Ativos (corrente fundada pelo herói da Resistência Manolis Glezos); KEDA (Movimento pela Esquerda Unida na Ação, cisão do PC grego em 2000); Rizospastes (Radicais, cisão dos Cidadãos Ativos, sublinham o patriotismo no discurso); Omada Roza (Grupo Rosa, esquerda radical); e APO (Grupo Político Anticapitalista, corrente de inspiração trotskista).

Para além destas organizações e partidos, e principalmente durante este ano, o Syriza tem sido apoiada por pessoas com diferentes experiências de militância. Nesta campanha para as eleições de 6 de Maio, as mais fortes na polarização contra a troika, deram a cara pela coligação antigas figuras do PASOK como a ex-deputada e atleta olímpica Sofia Sakorafa - que acabou por ser a candidata mais votada – ou Alexis Mitropoulos, responsável pelo desenho das leis laborais nos anos 80. Também Stathis Kouvelakis, professor de Filosofia no King´s College em Londres e Despina Spanou, dirigente do sindicato da função publica Adedy, deram o seu apoio à Syriza nesta campanha.

Ensino à distância não é uma solução, e sim outro problema a ser superado

Otaviano Helene no CORREIO DA CIDADANIA  


Em qualquer direção que se olhe o cenário da educação no Brasil, há algum projeto “salvador” que serve como uma espécie de barreira a dificultar uma análise objetiva da realidade. Como em uma batalha, esses inúmeros projetos funcionam como proteção dos muitos flancos frágeis de nossa política educacional. Qualquer análise crítica pode ser “respondida”  apontando-se para algum desses projetos e afirmando-se que ele permitirá superar o problema analisado, bastando esperar. E sempre que um projeto se mostra inoperante, outro surge para ocupar seu lugar.

Um desses projetos, o Ensino à Distância (EaD) em nível superior, é apresentado como uma solução, em especial para a falta de professores no país. Entretanto, como veremos, é, de fato, um enorme problema.

O EaD cresceu de forma muito expressiva ao longo da década de 2000, passando de pouco mais do que seis mil vagas para 1,7 milhão de vagas em 2010, número praticamente igual ao de concluintes do ensino médio, que foi da ordem de 1,8 milhão em 2010 (1). Não há nenhum sentido nisso, ainda mais se considerarmos que o número de vagas em cursos presenciais é muito superior ao número de formados no ensino médio. Quem ganha com isso é certamente o setor privado, que detém mais do que 97 % das vagas em EaD, conquistando, assim, um enorme poder de barganha e de pressão sobre ações que eventuais órgãos de controle do sistema educacional possam vir a ter no futuro para corrigir a distorção criada.

Quem oferece EaD e para que áreas?

Nos processos de estudo, ensino e aprendizado, não devemos abrir mão de nenhuma possibilidade: aulas expositivas, laboratórios, estudos individuais ou em grupo, apostilas, listas de exercício, visitas a museus, consultas a bibliotecas etc. Os instrumentos de ensino à distância, sejam na forma de emails, telefonemas, sites, vídeos, sons, ambientes virtuais, blogs etc., também podem e devem ser usados. Portanto, não há nada contra o ensino à distância como um instrumento a mais que possa favorecer o processo de aprendizado.

No entanto, isso que foi dito acima nada tem a ver com a forma que o EaD se instalou no Brasil: entre nós, o EaD não é algo a mais para se oferecer aos educadores e educandos, mas algo que pretende substituir o ensino presencial, em especial no que diz respeito à formação de professores.

De fato, a maior parte das vagas oferecidas no EaD é na área de Educação (36% delas), que inclui a formação de professores nas diversas modalidades. A área de Gerenciamento e Administração ocupa o segundo lugar, com 31% das vagas, apesar de uma das distorções do sistema de ensino superior brasileiro ser exatamente o fato de a proporção de estudantes e formados nessas áreas ser excessivamente alta quando comparada com o que ocorre nos demais países. Ciências Sociais, Computação, Serviço Social e Contabilidade têm, cada uma, cerca de 5% das vagas.

Áreas com maior prestígio social e maior controle por parte de conselhos de classe e de outros órgãos ou ministérios além do MEC (como ocorre com cursos na área de saúde) têm uma participação nas vagas bem menor ou mesmo nula. Assim, a área de Engenharia, apesar da importância da profissão para o desenvolvimento do setor produtivo, a reconhecida carência desses profissionais e a grande procura por parte dos estudantes, tem menos do que 1% das vagas oferecidas em EaD. Enfermagem também tem menos do que 1% das vagas e Odontologia e Medicina, nenhuma.

Evidentemente, poder-se-ia argumentar que é natural que Medicina e Odontologia sejam incompatíveis com o EaD por exigirem uma experiência prática com pessoas; mas o mesmo argumento não valeria para Enfermagem? E para professores, cuja totalidade da vida profissional será em contato direto com pessoas (os estudantes), o argumento não seria ainda mais forte? E para professores nas áreas de Biologia, Física e Química, como formá-los sem um intenso contato com práticas experimentais e de laboratório?

Não restam dúvidas de que as proporções das vagas oferecidas em EaD não estão relacionadas às necessidades nacionais de profissionais, mas, sim, são em número tão maior quanto mais frágil e menos controlada é a profissão e mais “vendável” for o curso.

A quem se destina o EaD no Brasil, hoje

As argumentações em defesa do EaD no Brasil são baseadas em uma série de erros de avaliação ou de desconhecimento do por quê a realidade é como é. Uma constante nas justificativas do EaD é a necessidade de professores no país, em especial de professores para o ensino médio e as séries finais do ensino fundamental. A premissa é correta: realmente, faltam professores em salas de aula, em especial nas escolas públicas, e os que atuam são sobrecarregados. Mas qual a causa disso? É realmente a falta de professores formados ou a impossibilidade de formá-los em cursos presenciais?

A resposta a essa última pergunta é não. Não é verdade que não existam professores em quantidade suficiente para atender à demanda: eles e elas existem, mas cerca de um milhão de pessoas com cursos de licenciatura estão fora das salas de aula. Esse número de professores que não se dedicam ao ensino corresponde a cerca de 70% das pessoas que concluíram cursos de licenciatura nos últimos 25 anos e que, portanto, estão na idade profissionalmente ativa. E a explicação para esse fato é fornecida pelas condições de trabalho, pelo baixo prestígio da profissão, pelo desrespeito profissional que sofrem até mesmo por parte das pessoas responsáveis pela execução das políticas educacionais do país e pelas condições salariais.

Há apenas duas únicas áreas em que o número de professores é inferior à demanda: Física e Química. Mas, mesmo nessas duas áreas, há um enorme número de professores formados fora das salas de aula. Grande parte deles poderia ser incorporada ao quadro de professores ativos caso houvesse melhores condições de trabalho. Se na média de todas as áreas cerca de 70% dos licenciados formados não dão aulas, em Física esse percentual chega a 75% e em Química, a 80%.

A falta de professores não é, portanto, devido a uma real inexistência de pessoas formadas e nem mesmo falta de vagas em cursos de licenciatura presenciais ou de jovens interessados pela profissão. Mesmo nas duas áreas citadas acima, Química e Física, além de haver um grande número de formados fora das salas, há uma possibilidade de formação de um número significativamente maior em cursos presenciais. A procura de jovens por cursos superiores que levem à formação de professores nas áreas de Física e Química é maior do que a média de todas as profissões: como mostra a tabela, mais de 60% das vagas oferecidas nos cursos de formação de professores de Física e Química são ocupadas, porcentagem significativamente superior à média em todas as áreas, da ordem de 51%. O problema surge posteriormente, no abandono durante o curso: enquanto a relação entre concluintes e ingressantes é 52% em todas as áreas, em Física e Química as relações são de 26% e 38%, respectivamente. Conclusão: há jovens interessados; entretanto, e possivelmente alertados pelas condições salariais e de trabalho que encontrarão pela frente, grande parte deles abandona seus sonhos. E, finalmente, como já dito, cerca de 75% a 80% dos formados estão fora das salas de aula.

Portanto, se conseguíssemos preservar boa parte desses candidatos a professores de Química e Física, em poucos anos superaríamos a deficiência de professores nessas áreas, um tempo certamente inferior ao tempo já decorrido desde que experiências com EaD, como a Universidade Aberta do Brasil (federal) ou a Univesp (no estado de São Paulo), começaram a ser implantadas.O problema de formação de professores, portanto, é bem diferente daquele que os defensores do EaD dizem que esse sistema solucionará.

Vagas, ingressantes e concluintes em cursos presenciais.

Vagas oferecidas Ingressantes
(porcentagem em
relação às vagas)
Concluintes
(porcentagem em relação
aos ingressantes)
Física 10.630 6.712 (63%) 1.751 (26%)
Química 15.738 9.487 (60%) 3.573 (38%)
Todos os cursos superiores 3.120.000 1.590.000 (51%) 829.300(52%)

Talvez o EaD seja um bom exemplo de uma coisa que acontece freqüentemente no Brasil: quando um problema é localizado, ao invés de se tratar de resolvê-lo ou, pelo menos, reduzi-lo, tenta-se tirar proveito dele. Assim, há um enorme interesse por parte das instituições de ensino privado no sentido de explorar as possibilidades mercantis do EaD. E, para isso, nada melhor do que disfarçar esse interesse na forma de uma preocupação social, a formação de professores.

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Mais justificativas falsas em defesa doEaD

Embora seja o setor privado o grande beneficiário do EaD, o setor público tem colaborado, e muito, para defendê-lo e, ao oferecer, ele mesmo, cursos a distância, acaba por legitimar esse tipo de ensino. Vejamos alguns argumentos usados pelo setor público para defender o EaD.

Nos discursos e documentos, além dos argumentos relacionados à falta de professores, aparecem argumentos econômicos. Um deles, usado pelo governo estadual paulista e publicado na página eletrônica da então existente Secretaria de Ensino Superior, afirmava que o estado de São Paulo “investe 10% de sua receita líquida na educação superior”, argumento que soa forte para justificar o EaD, em especial junto a uma população que tem pouca familiaridade com os temas relacionados aos detalhes dos orçamentos públicos e dos orçamentos das universidades. Levando em conta esses detalhes, verifica-se que os investimentos em ensino de graduação são inferiores à terça parte daquele valor! Ou seja, aquela é uma informação simplesmente falsa.

Outro argumento também repetido pelo setor público na defesa do EaD baseia-se na hipótese de  que as pessoas não têm acesso à educação presencial, o que torna necessário implantar o EaD. Ora, o EaD está sendo oferecido basicamente à população urbana, não havendo, portanto, o problema da distância. Se pessoas não têm acesso ao ensino presencial, não é por dificuldade de deslocamento, falta de tempo ou qualquer outra razão equivalente. A principal razão para explicar a “dificuldade de acesso” é a simples inexistência de vagas nas universidades públicas: no Brasil e, em especial, no estado de São Paulo, muitos dos estudantes matriculados em cursos à distância residem em municípios ou mesmo em bairros onde há instituições públicas de ensino superior presencial e de qualidade, mas que não oferecem vagas em quantidade suficiente.

Se há jovens interessados e preparados que querem freqüentar cursos superiores e não podem fazê-lo por razões econômicas, devem ser usados instrumentos adequados de gratuidade ativa que os permitisse freqüentar cursos presenciais. O retorno social e econômico seria muito maior do que oferecer EaD.

Alguns problemas do EaD (2)

O EaD apresenta vários problemas de ordem acadêmica e social. Entre eles, estão a quase inexistência da possibilidade de programas de iniciação científica e a falta de perspectiva de prosseguir os estudos em nível de pós-graduação. No EaD, muito provavelmente os estudantes também não terão acesso fácil a boas bibliotecas nem ao necessário contato pessoal com outros estudantes e professores da mesma área e, muito menos, com estudantes e professores de áreas diferentes (ao freqüentarem disciplinas optativas ou encontrá-los nos espaços comuns, por exemplo), coisas fundamentais e uma das características essenciais das universidades.

No ambiente universitário presencial ocorre uma série de atividades extremamente importantes para a formação geral, tais como seminários, debates, cursos de extensão, diversas programações culturais, além da possibilidade de se freqüentar uma enorme gama de disciplinas. Essas atividades, bem como as aulas práticas e de laboratório, são inexistentes ou muito raras no EaD.

O ambiente universitário oferece oportunidades importantes para estudantes provenientes dos segmentos menos favorecidos (e que serão os principais usuários do EaD), como, por exemplo, o acesso a práticas esportivas, alimentação subsidiada, atendimento médico e odontológico, entre várias outras. No EaD, essas coisas ou não existem ou são de difícil acesso.

O EaD pressupõe que o processo de ensino e aprendizado ocorra, majoritariamente, em casa. Ora, o ambiente de moradia não é, em geral, um bom ambiente de estudo, em especial para jovens das camadas menos favorecidas, para os quais uma moradia isolada e silenciosa é algo simplesmente inexistente. As aulas presenciais, nas quais os estudantes ficam imersos em um — e apenas um — assunto, são fundamentais no processo ensino e aprendizado.

Adotar o EaD como substituto do ensino presencial poderá comprometer gravemente a qualidade da formação dos profissionais de que o país precisa. Os diversos países que usam o EaD, em proporções muito inferiores àqueles números citados anteriormente, o fazem direcionando essa forma de ensino àqueles que realmente não podem ter acesso ao ensino presencial, como prisioneiros, pessoas impossibilitadas de locomoção, aqueles que trabalham em tempo integral (estes últimos, sobretudo nos países e em cursos nos quais a educação superior é exclusivamente, ou quase exclusivamente, em tempo integral), militares engajados, entre outros. No Brasil, entretanto, tem se adotado o EaD em substituição ao ensino presencial, o que poderá comprometer gravemente a qualidade da formação inicial dos profissionais, em especial se o profissional assim “formado” tiver que atuar na “formação” de outros profissionais, como é o caso do professor.

Em particular, formar professores por meio do EaD poderá comprometer duas gerações, a dos próprios professores formados e a de seus alunos. Além disso, contribuirá ainda mais para um rebaixamento dos critérios que a sociedade tem para julgar o que é e o que não é educação superior e ensino universitário.

Como transformar solução em problema

Atualmente, o Brasil tem um número de doutores já superior a 100 mil e talvez perto de 200 mil mestres que não completaram o doutoramento, perfazendo um total de 300 mil pessoas preparadas para a docência em nível superior. Esses profissionais têm plenas condições de contribuir com um ensino superior presencial de qualidade e o fariam com competência, pois foi para isso que se formaram. Entretanto, grande parte desse contingente é subutilizada, em especial os que concluíram a pós-graduação mais recentemente. Perder a oportunidade de associar o interesse e a capacidade de trabalho dessas pessoas às necessidades e possibilidades do país é um erro duplo: a um mesmo tempo, desperdiçamos os esforços feitos para formar essas pessoas e ofereceremos um ensino superior, via EaD, precário. Descartarmos a possibilidade de aproveitar os quadros já formados em nosso ensino superior presencial e enveredarmos pelo caminho do EaD não parece muito inteligente.

Os países desenvolvidos que adotam o EaD  o fazem como algo adicional à educação presencial, não como algo que a substitua. E as elites certamente não optam pelo ensino à distância, nem para a formação de seus jovens nem para a escolha dos profissionais que as assistem. E, também certamente, as profissões de maior prestígio social jamais considerariam a hipótese de optar pelo EaD.

Resolver velhos problemas é bem melhor do que criar novos

Atualmente, quase a metade dos jovens é obrigada a abandonar a educação básica antes da conclusão. Como menos da metade dos que a concluem o fazem no período diurno, podemos estimar que não mais do que um em cada quatro jovens termina a educação básica com as condições mínimas necessárias para a continuidade de seu processo educativo. Se, além desses fatores, considerarmos a precariedade das escolas públicas na maior parte dos casos, onde está a enorme maioria dos jovens que terminam a educação básica, concluímos que a fração de jovens que completa o ensino médio com bases suficientemente sólidas para continuar seus estudos é muito pequena. Dentro dessa dura realidade, o EaD nada resolverá. Ao contrário, oferecer EaD a um contingente de jovens que, já nas atuais circunstâncias, tem dificuldades em entender o que é um ensino universitário contribuirá para rebaixar ainda mais os critérios do que sejam um sistema e um processo educacional de formação humana, técnica, cultural, científica e social.

Oferecer uma aparente alternativa, na verdade um desvio, levará a reduzir, ainda mais, o aproveitamento da capacidade intelectual de nossos jovens e não resolverá o problema da exclusão, apenas mudará a forma pela qual ela ocorre. Não é preciso ser um especialista em Brasil para perceber que o EaD é destinado aos mais pobres e cujos filhos terão professores formados, também, à distância.

Com certeza, não é isso que queremos. Tendo deixado o EaD aparecer nessa quantidade, descontroladamente e quase totalmente dominado pelo setor privado mercantil, passamos a ter mais uma tarefa pela frente: lutar para reverter essa situação.

E cabem algumas perguntas finais. Por que os órgãos responsáveis permitiram que o EaD atingisse as enormes proporções que atingiram? Por que governos legitimam o EaD da forma que fazem?

Notas:
(1) Fonte: Sinopses Estatísticas da Educação Básica e da Educação Superior, Inep, 2010
(2) Muitos dos argumentos desta seção foram levantados pelo grupo de trabalho de política educacional da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp - Seção Sindical, e divulgados em publicações dessa entidade.