terça-feira, 29 de maio de 2012

Cumplicidade com o atraso

Por Raul Silva Telles do Valle no BLOG DO JUREMIR MACHADO




Em setembro de 2010, em plena corrida presidencial, um grupo de organizações da sociedade civil encaminhou aos então candidatos um conjunto de questões relativas às propostas de modificação do Código Florestal. Já àquela época, avançava na Câmara dos Deputados o projeto ruralista de modificação da legislação florestal e as organizações queriam saber o que pensavam os aspirantes ao cargo maior do País. A hoje presidenta da República, Dilma Rousseff, questionada se apoiava ou não a anistia proposta pelo texto então em tramitação, disse textualmente: “construímos no governo Lula um consenso de que a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente. Temos que estimular e apoiar esta transição, dando condições técnicas e materiais para nossos agricultores recuperarem estas áreas” (veja aqui).
A partir daí, a candidata e depois presidenta teve a oportunidade de repetir diversas vezes que não passaria a mão na cabeça de quem desmatou ilegalmente. Isso alimentou um sentimento difuso de esperança na sociedade, que, depois de aprovado o projeto ruralista pelo Congresso Nacional, passou a manifestar de forma inequívoca, por todos os meios disponíveis, amplo apoio à presidenta para que ela cumprisse com sua palavra. Ciente de que ela estava emparedada entre sua palavra e os anseios da sociedade, de um lado, e os interesses de uma parte expressiva de sua base de apoio parlamentar, os cidadãos brasileiros sinalizaram que ela poderia contar com eles para confrontar a chantagem dos representantes da elite agrária brasileira.
Na tarde da última sexta-feira, 25 de maio, exatamente um ano após a aprovação do relatório Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados, três ministros vieram a público, com muitas palavras e nenhum documento, para reafirmar que o projeto seria vetado. Não na sua íntegra, como sinal de respeito ao Congresso Nacional. Mas os pontos que significassem anistia teriam sido extirpados. Mais desmatamentos? De jeito nenhum, tudo seria eliminado.
O Brasil dormiu desconfiado, mas esperançoso, durante o final de semana, e acordou indignado na segunda-feira. Com 12 vetos e uma Medida Provisória, nasceu já remendado o Código Florestal do século 21 – e repleto de anistias.
Perguntam-se muitos: mas como? A presidenta não disse que não aceitaria? Os ministros não afirmaram veementemente que a anisitia havia sido retirada? Então, como alguns ainda dizem que há anistia na lei?
A partir de agora vai começar a guerra de comunicação. Tal como Goebbels, o Governo Federal vai insistir na tese de que uma mentira contada mil vezes vai virar verdade. Assim, para que não fique o dito pelo não dito, explico porque Dilma Roussef, contrariando tudo o que havia dito até agora, assinou embaixo da maior anistia ambiental da história do país.
A ministra do Meio Ambiente, repetindo um mantra ecoado pelos ruralistas, afirmou publicamente que o projeto não tem anistia. Teria como objetivo, simplesmente, legalizar ocupações “antigas”, feitas de acordo com as regras da época.
A Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012, o novo Código “Florestal”, continua mantendo, no entanto, a figura de “área rural consolidada”. Segundo o artigo 3o, ela é uma “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008” (inciso IV).
Um incauto leitor da lei deve logo pensar: “então, antes de 2008, os proprietários rurais não precisavam proteger as florestas existentes em suas terras ou a quantidade de área protegida era menor”. Ledo engano. Desde 1934, com o “velho” Código Florestal, o proprietário é obrigado a manter as florestas das áreas “vulneráveis a erosões” e respeitar os 25% da propriedade que não poderiam ser convertidos para agropecuária, o que posteriormente veio a ser denominado de “reserva legal”.
Em 1965, como todo mundo desmatava alegando que não sabia quais eram essas tais áreas vulneráveis, veio o “novo” Código Florestal e deixou claro que essas áreas eram os topos de morro, as encostas íngremes, as nascentes, as beiras de rio. E fixou padrões e metragens, para ninguém dizer que não sabia que ali não podia desmatar.
Em 1986, houve uma alteração pontual: as matas ciliares deveriam ser protegidas em, no mínimo, 30 metros contados das margens, e não apenas cinco como era até então. Em 1996, veio outra modificação: na Amazônia Legal (e só lá), a reserva legal seria aumentada de 50% para 80% do imóvel, em áreas de floresta, e diminuída de 50% para 35%, em áreas de cerrado (clique no quadro abaixo para ampliar).

Dessa brevíssima digressão espero ter ficado claro que um desmatamento realizado em 2008 em encostas íngremes ou nascentes, por exemplo, assim como na área destinada à reserva legal, era absolutamente ilegal. Mesmo que realizado dez anos antes, era ilegal. Em muitos casos, mesmo que realizado várias décadas antes seria ilegal.
O “novíssimo” Código Florestal isenta de recuperação todas as Áreas de “Preservação Permanente” e a grande maioria das áreas de reserva legal que tenham sido desmatadas até 2008 (e não em 1965, 1989 ou 1996). Ou seja, desmatou, fica desmatado. Se havia multa, está anulada. Se a área havia sido embargada, está liberada. Isso é anistia. Mas como?
O artigo 63 (não vetado) diz que nas encostas com mais de 45º de inclinação, nas bordas de chapadas, nos topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros de altitude – todos protegidos desde 1965 – serão mantidas as atividades agropecuárias implantadas até 2008. Mesmo pastagens, altamente degradadoras de áreas montanhosas, estão permitidas. Recuperação? Zero.
O artigo 67 (não vetado) diz que, nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não é preciso recuperar a reserva legal irregularmente desmatada antes de 2008 (e não em 1934 ou 1996). Isso significa que em mais de 90% dos imóveis rurais – que ocupam 24% da área do país – não haverá recuperação. Com as brechas que essa regra traz é muito provável que essa anistia se estenda para parte significativa dos 10% de imóveis restantes, impactando uma área bem maior (saiba mais).
O artigo 11-A (incluído pela MP) permite, em seu §6º, que haja nos manguezais a “regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008”. Os manguezais, não custa lembrar, estão indiretamente protegidos pela lei desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover essa anistia, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões, contrariando o conselho unânime dos cientistas brasileiros (veja aqui).
Mesmo no caso das matas ciliares e nascentes, que erroneamente foi tomado pela grande mídia como “o” caso de anistia (como se as anteriores não existissem), e que o Governo Federal, na pirotecnia feita no dia 25/5, usou como exemplo para dizer que “não havia mais anistia”, ela está lá, inteirinha. O art.61-A (incluído pela MP) prevê a “recuperação” de uma faixa de 5 a 100 metros em beiras de rio desmatadas até 2008 (e não em 1965 ou 1986), quando a área que deveria ter sido preservada variava de 30 a 500 metros. No caso de nascentes, protegidas desde 1965, mas cuja área exata de proteção (raio de 50 metros) foi estabelecida em 2002, a “recuperação” vai variar de 5 a 15 metros, mesmo para desmatamentos realizados em 2007. Nesse último caso, diga-se de passagem, a MP diminui a proteção mesmo em relação ao texto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados há menos de um mês, no qual a recuperação prevista era de 30 metros. Em todos os casos, com exceção das beiras de rio situadas em imóveis com mais de 10 módulos fiscais, a “recuperação” será de apenas parte daquilo que deveria ter sido protegido.
E por que estou usando aspas para falar de recuperação em beiras de rio e nascentes? Porque a MP incluiu uma novidade surpreendente: essa – pouca – restauração poderá, agora ser feita com “espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, nativas ou exóticas”. Para quem não sabe, isso quer dizer eucalipto, laranja, café, videiras, palma de dendê etc. Ou seja: o que era vegetação nativa, será – parcialmente – recomposto com espécies de uso econômico e nenhuma função ambiental. Portanto, recuperação ambiental mesmo, zero. Anistia 100%. Uma “correção” publicada hoje no Diário Oficial determina que esse dispositivo vale apenas para áreas de até quatro módulos fiscais.
Mas o problema da anistia não é apenas, ou principalmente, moral. É ambiental. O “novíssimo” Código Florestal diz em seu Art. 3º que as áreas de preservação permanente têm a função de “preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Com a anistia promulgada pela Presidente Dilma Rousseff, haverá uma grande parte dessas áreas que nunca mais cumprirão com essa função, pois jamais voltarão a ter vegetação nativa. Em várias regiões do país há mais APPs e reservas legais desmatadas do que preservadas (leia mais). Justamente nessas regiões falta água, sobram enchentes, morrem nascentes, acaba a fauna. E assim será.
Somando-se todas as anistias com todos os pontos onde há uma diminuição na proteção das florestas que não foram ainda derrubadas e como prenunciado aqui (leia aqui), deixamos de ter, na prática, uma lei de proteção às florestas existentes em áreas privadas. O remendo de lei aprovado tem todos os defeitos das leis anteriores (poucas medidas de apoio a sua implementação), mas poucas de suas virtudes. É contraditório e complexo de interpretar.
Ao não cumprir com a palavra empenhada perante a sociedade, a presidenta Dilma Rousseff se tornou cúmplice do projeto de país que a ala mais retrógrada de nossa elite econômica está desenhando. E entrará para história como aquela que, mesmo podendo, mesmo tendo todo o apoio da sociedade, não evitou o maior retrocesso nos padrões de proteção ambiental da história brasileira. E talvez mundial, pois não me consta que em outros países a proteção às florestas esteja diminuindo, muito pelo contrário. Em pleno século 21, voltaremos a um patamar anterior ao de 1934, quando nosso primeiro Código Florestal foi aprovado.

Capitalismo é incompatível com justiça e igualdade social

A demolição do “Estado de bem-estar social”

 Lula Falcão no A VERDADE

Um por um, os direitos que os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta, estão sendo abolidos na Europa. Bastou mais uma profunda crise econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a destruição do Estado do bem-estar social e provassem que o lucro não rima com justiça social ou que é impossível haver igualdade enquanto existir a propriedade privada dos meios de produção.

Durante décadas, o Estado do bem-estar social (Welfare State, em inglês) foi apresentado pelos partidos burgueses, entre eles os partidos social-democratas, como prova de que a propriedade privada dos meios de produção e o lucro podem conviver com o respeito aos direitos trabalhistas e à garantia de padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social. Mas, como a mentira tem pernas curtas, bastou uma profunda crise econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a demolição do Estado do bem-estar social, obra iniciada nos anos 70 e aprofundada com a política econômica neoliberal, caracterizada por ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores e ampla liberdade de exploração para o capital na década de 80.
Agora, os que prometiam alcançar a igualdade social no capitalismo fazem discursos e publicam artigos nos seus jornais apontando os gastos sociais dos governos como o responsável pela crise, confirmando assim, a incompatibilidade entre os interesses da classe capitalista de obter lucros cada vez maiores e os dos trabalhadores e da imensa maioria da sociedade de ter uma vida digna.
Na verdade, o chamado Estado do bem-estar social foi uma tentativa de deter na Europa o vigoroso crescimento do movimento operário após a Segunda Guerra Mundial e de enganar as massas de que era possível obter direitos sociais sem precisar fazer uma revolução. Entretanto, como provam as greves gerais e manifestações que sacodem o continente, tal intento foi em vão.
Austeridade só para os trabalhadores
O fato é que um por um os direitos que os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta estão sendo abolidos com reformas trabalhistas que os governos a mando da União Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional estão implementando. O objetivo é permitir que os capitalistas demitam sem pagar nenhum direito ao trabalhador, aumentem a jornada de trabalho e tornem letra morta os contratos coletivos de trabalho, em resumo, pagar um salário menor pela força de trabalho explorada.
Com efeito, a Grécia, para receber um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BCE, foi obrigada a adotar medidas anti-povo como a redução em 22% do salário mínimo, demissão de 150 mil servidores públicos e privatização de empresas públicas. Em Portugal, o governo do conservador Pedro Passos Coelho (PSD), também em troca de um empréstimo do BCE, implementa a mesma política: diversas empresas estatais foram privatizadas, os salários dos aposentados foram reduzidos e a Saúde e a Educação públicas estão sendo sucateadas.
Na Itália, o Governo de Mario Monti, um técnico nomeado pelo Banco Central, adota uma reforma trabalhista que além de eliminar vários direitos trabalhistas, cobra mais impostos dos trabalhadores autônomos e quer o fim da indenização quando da demissão do trabalhador.
Na Espanha, o governo segue a mesma receita e impõe uma reforma para flexibilizar os contratos de trabalho e retirar vários direitos.
Na Holanda, uma das principais economias da Europa, o governo também pretende reduzir os salários dos aposentados, mas não os lucros dos seus bancos e monopólios. Até na Alemanha, um dos poucos países europeus que não está em recessão, as vagas de trabalho oferecidas são em sua maioria em tempo parcial, mal pagas e sem direitos a benefícios sociais.
O resultado desses planos de austeridade são devastadores para a sociedade e, em particular, para a juventude.
Dados divulgados em abril pela União Europeia revelaram que a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos passa dos 50% na Espanha e na Grécia. Na França, o desemprego entre os jovens é de 21% e em Portugal, 30,8% dos jovens com menos de 25 anos estão desempregados. Na Bulgária, Eslováquia, Irlanda e Itália, o desemprego está acima de 30%.
Vale resaltar que essas taxas oficiais levam em consideração apenas os trabalhadores que procuraram emprego nas quatro semanas anteriores à pesquisa ser realizada. Ou seja, os jovens que desistiram de procurar trabalho, os que estudam em tempo integral ou vivem com os pais são considerados empregados, bem como os que têm emprego temporário ou estágio.
Esse enorme desemprego entre os jovens forma o que alguns economistas chamam de “geração perdida”, isto é, milhões de jovens que depois de formados não conseguem emprego, ficam desatualizados e tornam-se supérfluos para os capitalistas, os donos dos meios de produção. Ou seja, passam a viver de trabalho temporário ou se entregam à criminalidade, atividade que mais cresce junto com o tráfico de drogas e de pessoas no capitalismo do século XXI. Enfim, ficam desempregados para o resto de suas vidas. Ocorre o que já advertia Karl Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, “a burguesia é incapaz de assegurar ao seu escravo (trabalhador assalariado) a própria existência no quadro da escravidão”.
FMI exige mais arrocho
Não bastasse, a última reunião do Conselho do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em 22 de abril, em Washington, EUA, aprovou comunicado exigindo que os governos da Zona do Euro adotem medidas drásticas para “acalmar os mercados e evitar que a situação se agrave”. Wolfgang Schaeuble, ministro das Finanças da Alemanha, assim justificou essas novas medidas: “Os países europeus com crises financeiras adotaram reformas de profundo calado. Isso inclui os mercados trabalhistas, os sistemas de seguridade social, administrações públicas e instituições financeiras. É a única forma que poderemos restaurar a confiança dos nossos cidadãos e investidores”. Leia por cidadãos, os banqueiros.
Essa política da chamada troica FMI-BCE-CE (Comissão Europeia) leva o povo a pagar duas vezes por um serviço: primeiro, o verdadeiro cidadão paga um imposto ao Estado para que esse Estado garanta seus direitos. Porém, como o dinheiro do imposto pago é transferido para os bancos e grandes corporações, o povo fica sem nenhuma assistência e passa a ser obrigado a pagar por saúde, educação, habitação, etc.
Em decorrência dessa espoliação, o número de famílias europeias sem abrigo e que recorre às instituições humanitárias para sobreviver, aumentou imensamente e milhares de estudantes de escolas particulares abandonaram os estudos por falta de pagamento das mensalidades.
Segundo documento do Eurostat, mais de 115 milhões de pessoas, ou seja cerca de 23.4% da população nos 27 Estados membros da União Europeia, encontram-se em risco de pobreza e exclusão social. Entre crianças e menores de 18 anos este número é ainda maior: 27%.
Na Espanha, desde o início do ano, milhares de famílias não conseguem pagar as prestações de suas casas e centenas de empresas não pagam os empréstimos feitos. De acordo com o Banco Central espanhol, os bancos privados do país têm 176 bilhões de euros em ativos imobiliários que não serão pagos por falência dos devedores. Portanto, outra consequência dessas medidas é a proletarização dos pequenos e médios empresários. De acordo, com a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), todo mês centenas de empresas fecham as portas no país. As causas, segundo a Confederação, são a queda do consumo das famílias e o aumento dos impostos.
Na realidade, todos os países que têm seguido a receita do FMI e da Comissão Europeia, isto é, a receita de tudo realizar para manter intocável o lucro da classe capitalista, tiveram um aprofundamento da recessão.
A Grécia, país que está em recessão há cinco anos, teve nesse primeiro semestre de 2012, uma queda de 7% no PIB em comparação com o ano passado. Não bastasse, a dívida grega, apesar de todos os pagamentos bilionários que o país fez, passou de 263 bilhões de euros em 2008 para 355 bilhões em 2012. Portugal, segundo o boletim do Banco Central do país, viu sua atividade econômica recuar 2,7% e o consumo terá uma queda de 7,5% até 2013. O Reino Unido, mesmo mantendo sua moeda, vive em recessão e tem os piores índices sociais de sua história. Na Espanha, 5,6 milhões de pessoas estão desempregadas.
Tal é o verdadeiro Estado de bem-estar social que o capitalismo é capaz de oferecer à juventude e ao povo.
Quem paga a conta?
Por outro lado, ao mesmo tempo em que aperta o cinto dos trabalhadores, os governos seguem drenando o dinheiro público para alimentar a vampiragem da moderna classe capitalista, o capital financeiro.
O FMI anunciou em abril mais US$ 430 bilhões para financiar os bancos e monopólios europeus em crise. Esses 430 bilhões sairão evidentemente dos governos e, consequentemente, dos povos que pagam impostos. Os EUA não se comprometeram com nenhum centavo, mas o Fundo quer que o Brasil entre com 10 bilhões de euros. Em 2009, o Brasil tirou da Saúde e da Educação do nosso povo US$ 10 bilhões que enviou generosamente para a Europa. A crise se aprofundou e, agora, querem mais dinheiro do nosso país, na base do “Deus lhe pague!”.
No total, do final do ano passado até abril de 2012, foram quase 1,5 trilhão de euros para financiar a banca.
Mas isso não é nada. De acordo com o FMI, a conta do total de crédito que os governos terão que garantir para evitar a falência do sistema financeiro na Europa pode ultrapassar a US$ 2,6 trilhões até 2013. Uma cifra espantosa, mas ainda menor que a que foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos para salvar sua classe capitalista: 16 trilhões de dólares.
De onde vem esse dinheiro, senão dos impostos pagos pelos trabalhadores?
Vejamos o exemplo da Grécia. O governo deste país em troca das medidas draconianas contra seu povo recebeu um empréstimo de 130 bilhões de euros. No entanto, esses 130 bilhões ficaram sob controle do FMI para assegurar que serão gastos exclusivamente com o pagamento da dívida da Grécia. A Espanha, no mesmo dia que doou 66 bilhões de euros para o Fundo, adotou um ajuste fiscal no valor de 27 bilhões de euros, composto por aumento dos impostos e cortes nos gastos sociais.
A justificativa para essa política é sempre obter a confiança do chamado “mercado”, isto é, do capital financeiro que, como definiu Lênin, significa a fusão do capital bancário com o capital industrial, e não simplesmente, como apresenta a moderna socialdemocracia, o capital bancário.
Em resumo, os governos capitalistas fazem opção em favor do capital em vez do emprego, da salvação de bancos e monopólios em vez da Saúde e da Educação e do bem-estar do povo.
Fica, portanto, evidente, a total impossibilidade de se alcançar a igualdade social, o fim do desemprego e da pobreza enquanto o controle da economia estiver nas mãos de um punhado de ricos. Provas: 1 bilhão de pessoas famintas, quase 300 milhões de desempregados, as guerras constantes e o empobrecimento da população, enquanto, um reduzido grupo de pessoas que forma a classe rica vive na fartura e no esbanjamento.
A repressão ao movimento operário e popular
Mas, por que as centenas de greves e de manifestações ocorridas até agora no continente europeu e que conseguiram derrubar 10 governos (Grécia, Portugal, Irlanda, Eslováquia, Romênia, Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia, Islândia e, agora, da Holanda), alguns da socialdemocracia, outros da direita, não tiveram força para estabelecer governos revolucionários ou comprometidos com os trabalhadores?
Um dos obstáculos ao desenvolvimento e avanço da luta revolucionária é, sem dúvida, a brutal repressão desencadeada pelos governos burgueses e seus aparelhos de repressão.
Na última greve geral realizada na Espanha, que teve cerca de 100 manifestações contra a reforma trabalhista, mais de 500 pessoas foram presas por participar dos protestos. Na Grécia, antes de cada greve geral várias prisões são realizadas e nos dois últimos anos o número de presos políticos aumentou vertiginosamente. Pior, devido a uma nova lei penitenciária, um preso político para ser libertado é obrigado a pagar 10.000 euros, o equivalente a R$ 25.000. Logo, se o preso for um desempregado a pena se transforma em prisão perpétua. Essa, aliás, é uma política globalizada pela burguesia. No Equador, o estudante Marcelo Rivera, ex-presidente da Federação dos Estudantes Universitários (FEUE) encontra-se preso há 30meses e após cumprir a pena terá que pagar uma multa de mais de R$ 500 mil reais para sair da cadeia. Nos EUA, em um protesto do movimento Occupy Wall Street no início do ano contra a dívida dos financiamentos estudantis nos Estados Unidos, centenas de estudantes foram detidos pela Polícia de Nova York. As cidades de Oakland, Nova York e Los Angeles foram as que mais registraram os maiores protestos na linha “Ocupe” e, também, as que mais registraram prisões. Em comunicado, a polícia afirmou que os protestos diminuíram depois que os governos destas cidades usaram de força para retirar centenas de manifestantes acampados em ruas destas cidades. Ainda nos EUA, a lei, que criminaliza os protestos estabelece que qualquer pessoa que “entre ou permaneça em qualquer edifício ou terreno (de acesso) restringido sem a autoridade legal para fazê-lo, será castigada com uma multa ou o encarceramento por 10 anos, ou ambos”.
Na França, durante as últimas jornadas nacionais de greves e protestos contra a reforma previdenciária, segundo o Ministério do Interior, duas mil pessoas foram presas, e nos confrontos com a polícia, vários jovens foram assassinados.
Tem mais: O Governo espanhol decidiu adotar mais sanções para quem convocar manifestações pela internet e fizer frente à polícia. O anúncio foi feito pelo ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, que disse no Parlamento ter a intenção de impor uma pena mínima de dois anos de prisão para quem convoque “tumultos”. “Há que robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a exclusividade de poder atuar através da força”, disse o ministro do Interior. As medidas do Governo espanhol surgem na sequência de vários protestos e manifestações que têm acontecido por todo o país desde o início da crise.
A importância da repressão para manter o sistema capitalista é tão grande que entre as exigências feitas à Grécia pela União Europeia está a de o país não realizar cortes das verbas para a Defesa, de forma a garantir a repressão aos movimentos populares e às greves e a compra de armas da França e da Alemanha.
Este é também o motivo para, mesmo com os países mergulhados numa profunda recessão, o comércio mundial de armas convencionais ter crescido 24% no período 2006-2010. De acordo com o estudo do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), em 2010, foi gasto em armas um total de 1,6 trilhão de dólares, dinheiro esse que seria suficiente manter 212 milhões de crianças dignamente.
Mas há ainda outra condição que impede que a revolução triunfe de imediato. Trata-se do pequeno vínculo dos partidos revolucionários com as massas, em particular, com a classe operária. Como afirma Lênin, “A revolução proletária é impossível sem a simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm subitamente, não se decidem em votações, mas se conquistam em uma demorada e difícil luta de classes”. (Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães).
De fato, para realizar uma revolução é necessário que a maioria dos operários não só compreenda a necessidade da revolução, mas esteja disposta a se sacrificar por ela. Entretanto, só é possível desenvolver essa consciência revolucionária se as concepções dos partidos social-democratas de humanizar o capitalismo ou, como fazem hoje alguns partidos de esquerda no Brasil, de apresentar como alternativa à crise do sistema o desenvolvimento do próprio capitalismo forem derrotadas. Propõem que o “estado de bem-estar social” deve ser o principal objetivo da luta dos trabalhadores, esquecendo que o capitalismo em sua fase final, para não dizer moribunda, é além de profundamente reacionário, incapaz de realizar algum progresso definitivo para a sociedade. Com esse discurso, propagam ilusões nas massas e as afastam da revolução. Mas aqui também, como revela a atual crise capitalista, a mentira tem pernas curtas.
Não há, portanto, porque se desesperar com tal traição. É preciso seguir em frente e trabalhar dia a dia de maneira firme e infatigável para aumentar o vínculo dos comunistas revolucionários com as massas e retomar a hegemonia no movimento operário e popular.

Lula Falcão é membro do Comitê Central do PCR

Carta de Salvador do III BlogProg

Altamiro Borges em seu blog

A participação de quase 300 ativistas digitais de todo o país, no III Encontro Nacional de Blogueiro@s, realizado entre os dias 25 e 27 de maio em Salvador, na Bahia, consolidou o primeiro ciclo do mais importante movimento digital do Brasil, iniciado em agosto de 2010.


Surgido como uma reação aos monopólios de mídia, que se baseiam num modelo usurpador quase que exclusivamente voltado à defesa dos interesses do grande capital em detrimento das aspirações populares, o movimento nacional dos Blogueiros e Blogueiras Progressistas desdobrou-se em inúmeros encontros municipais, regionais e estaduais, além de três encontros nacionais (São Paulo, Brasília e Salvador) e um internacional, realizado, em outubro de 2011, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná.

Neste curto espaço de tempo, este movimento ganhou legitimidade política e enorme dimensão social. Foi capaz de influir fortemente no debate sobre a necessidade de se democratizar a comunicação no Brasil. Em suma, temos saído vitoriosos nesta guerra dura contra a mídia ainda hegemônica. Lutamos com as armas que temos, todas baseadas na crescente força da blogosfera e das redes sociais.

O principal reflexo dessa atuação, ao mesmo tempo organizada e fragmentada, tem sido o incômodo permanente causado nos setores mais conservadores e reacionários da velha mídia nacional, um segmento incapaz não apenas de racionalizar a dimensão do desafio que tem pela frente, mas totalmente descolado das novas realidades de comunicação e participação social ditadas, inexoravelmente, pelas novas tecnologias. Apegam-se, de forma risível, a um discurso tardiamente articulado de defesa das liberdades de imprensa e de expressão, conceitos que mal entendem, mas que confundem, deliberadamente, para manipular o público em favor de interesses inconfessáveis. Posam, sem escrúpulo algum, de defensores de uma liberdade que não passa, no fim das contas, da liberdade de permanecerem à frente dos oligopólios de comunicação que tantos danos têm causado à democracia brasileira. Para tal, chegam a pregar abertamente restrições à internet, apavorados que estão com a iminente ruína de um modelo de negócios em franca crise em todo o mundo, com a queda de tiragem da mídia impressa e da audiência da radiodifusão, com consequências diretas no processo de captação de receita publicitária.

Para tornar ainda mais nítida e avançada a discussão sobre a democratização da comunicação no Brasil, o III BlogProg decidiu concentrar suas energias, daqui em diante, em duas questões fundamentais.

A primeira é a luta por um novo marco regulatório das comunicações assentado em uma Lei de Mídia capaz de estabelecer formalmente a questão da comunicação como um direito humano essencial. Neste sentido, o III BlogProg decidiu interagir com a campanha do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Campanha esta que visa pressionar o governo federal, de modo a desencadear de imediato o debate sobre este tema estratégico para toda a sociedade brasileira.

A segunda batalha decisiva é a de reforçar a defesa da ação da blogosfera e das redes sociais diante do constante ataque de setores conservadores estimulados e financiados pela velha mídia. Trata-se de um movimento articulado, inclusive, no Congresso Nacional, com o objetivo de criar obstáculos e amarras capazes de cercear a livre circulação de ideias pela internet, além de criminalizar o ativismo digital. Em outro front, cresce a judicialização da censura, feita com a cumplicidade de integrantes do Poder Judiciário, utilizada para tentar asfixiar financeiramente blogs e sítios hospedados na rede mundial de computadores. Mais preocupante é o aumento de casos de violência contra Blogueiros e ativistas digitais em todo o país, inclusive com assassinatos, como no caso dos Blogueiros Edinaldo Filgueira, do Rio Grande do Norte, e Décio Sá, do Maranhão.

A nossa luta, portanto, não é a luta de um grupo, mas de toda a sociedade pela neutralidade e pela liberdade na rede. É pela implantação de uma cultura solidária e democrática do uso e da difusão das informações. É uma luta pela igualdade das relações desse uso com base única e exclusivamente no que diz e manda a Constituição Federal, a mesma Carta Magna que proíbe tanto o monopólio da comunicação como a propriedade de veículos de comunicação por parte de políticos - duas medidas solenemente ignoradas pelas autoridades, pelos agentes da lei e, claro, pelos grupos econômicos que há décadas usufruem e se locupletam desse estado de coisas.

Para tanto, este III Encontro adota - como norte para orientar a nova fase da luta - uma ideia simples e direta: Nada além da Constituição!

As bandeiras da liberdade de informação e de expressão, assim como a da universalização do acesso à banda larga, são nossas. Qualquer tentativa de usurpá-las – ainda mais por parte de quem jamais defendeu a democracia no Brasil – é uma manipulação inaceitável.

SÍRIA: Porta-voz do Governo nega qualquer responsabilidade das forças do governo sírio no massacre de al-Hula


Eba Khattar

 
A publicação desta notícia da agência Síria SANA poderia não ser mais do que uma modesta tentativa de contrapor outra informação à enxurrada mediática imperialista, e mesmo assim já se justificaria. Mas é também uma oportunidade de denunciar o facto de no vergonhoso coro internacional da direita e da social-democracia - que reclama a repetição na Síria da criminosa operação de ocupação que se verificou na Líbia - participarem igualmente forças que se dizem progressistas e de esquerda, sem escrúpulos de juntarem as suas vozes aos objectivos da dominação e do terrorismo imperialista.

O porta-voz do Ministério dos Estrangeiros e da Emigração, Dr. Jihad Makdesi, negou qualquer responsabilidade das forças governamentais no massacre ocorrido em Hula, na periferia da cidade de Homs, ao mesmo tempo que condenou nos termos mais veementes esta matança terrorista levada a cabo com clara intenção criminosa contra os filhos da Síria, denunciado de igual modo o tsunami de mentiras desencadeado contra o Estado sírio e a leviandade com que alguns governos e meios de comunicação acusam o governo sírio pelo massacre.
Em conferência de imprensa realizada no domingo na sede do Ministério dos Estrangeiros e da Emigração Makdesi disse: “O Estado Sírio é, conforme a Constituição, responsável pela protecção dos civis, e a Síria reserva-se o direito de defender os seus cidadãos, porque aquilo que está em questão não é qualquer espécie de jogo político mas a responsabilidade pela segurança e a tranquilidade dos cidadãos que incumbe ao Estado”.
Makdisi garantiu que não se verificou qualquer entrada de artilharia ou de tanques em Houla, explicando que as forças de segurança e da ordem se mantiveram nas suas posições iniciais e que apenas intervieram em defesa própria face a este ataque, intervenção que terminou com os confrontos no final da noite de sexta-feira passada.
O porta-voz do Governo sublinhou que esta tão suspeita sincronização dos ataques com a visita do enviado da ONU à Síria, Kofi Annan, constitui um golpe contra o processo político, assinalando que “a metodologia dos assassinatos brutais não faz parte da ética do exército sírio, e que quem anda a matar não é o exército regular sírio mas sim grupos terroristas armados”.
“Aquilo que sucedeu não serve os interesses do Estado sírio … não podemos negociar com o sangue dos nossos filhos, tal como não pode justificar-se o uso das armas contra o prestígio do Estado, sejam quais forem os argumentos políticos invocados,… desde que aprovámos o Plano de Annan o terrorismo e a delinquência aumentaram, porque não desejam que este Plano tenha sucesso”, sublinhou Makdesi.
O porta-voz do Governo assegurou que as violações documentadas do Plano Annan na Síria por parte dos terroristas armados já ultrapassam as três mil e quinhentas.
“A desestabilização é o caldo de cultura para os terroristas, e aí participam a al-Quaeda e os takfirís, mas não permitiremos que tirem vantagens de um tal contexto, por mais que ampliem as suas acções; e a solução para a crise na Síria reside e estender a mão ao Governo sírio e auxiliá-lo”, concluiu Makdisi.
Makdisi explicou que o que sucedeu em Hula foi já verificado: centenas de homens armados reuniram-se ao meio-dia de sexta feira, com carrinhas pick-up repletas de armas pesadas sofisticadas, tais como morteiros, metralhadoras pesadas e mísseis anti-tanque, o que não constitui novidade nos confrontos com as forças governamentais.
“Os homens armados dirigiram-se para a zona de Hula, que é protegida por tropas governamentais em apenas cinco posições, todas elas situadas fora dos lugares em que os massacres foram cometidos…estas posições foram atacadas em simultâneo desde as duas horas da tarde até às onze da noite, tendo resultado na morte de 3 efectivos das forças de segurança e em ferimentos em outros 16, alguns dos quais em estado crítico, e há corpos carbonizados devido à grande potência das armas utilizadas contra as forças governamentais”.
“Constituímos uma comissão militar de inquérito para investigar os factos cujos resultados serão divulgados no prazo de três dias”.
O porta-voz reiterou firmemente que não existiu qualquer entrada de tanques sírios ou de artilharia na região onde foram cometidos os massacres.
Makdisi sublinhou que o massacre de Hula não foi o único, uma vez que se verificou um outro na aldeia de Shomaniye, onde foram queimadas as culturas, as casas e o Hospital Nacional, garantindo que ambos estes injustificáveis massacres justificam uma reunião do Conselho de Segurança para analisar quem financia, arma, acolhe e instiga à intervenção da OTAN.
Makdisi informou que no plano diplomático o Ministro dos Estrangeiros e da Emigração Walid al-Moalem contactou com o enviado da ONU à Síria, Kofi Annan – que chegará ao país na segunda-feira – para o pôr ao corrente dos acontecimentos e das investigações oficiais que estão em curso sobre este assunto.
“Lamentamos que primeiros-ministros de alguns países que se consideram potências se antecipem às conclusões e lancem acusações levianas em importantes fóruns internacionais sem se fundamentar em factos, mas apenas naquilo que alguns opositores sírios ou círculos mediáticos enviesados divulgam, bem como aqueles que têm agendas políticas contra a Síria”, acrescentou.”
“A concentração de homens armados vindos de várias regiões como Roston, Telbisa ou Qsair, bem como o lançamento do ataque a uma hora determinada, o que é um facto que as informações de inteligência que possuímos confirma irrefutavelmente, significa que não se tratou de um ataque improvisado mas sim de uma acção premeditada e planeada”, disse.
Makdisi garantiu que “todos aqueles que sabotam a trégua, sejam eles os países da região que albergam os terroristas ou fazem vista-grossa à sua infiltração na Síria, ou sejam os países que financiam e ameaçam publicamente,são cúmplices deste crime cometido contra o sangue do povo sírio”.
Estamos comprometidos com o Plano Annan e desejamos que tenha sucesso, mas as chaves da solução não residem apenas na Síria: há que aposte na desintegração do Estado e em golpear a sua estabilidade, e em atrair uma intervenção militar estrangeira no nosso país”, denunciou Makdesi.
“Não existe nada que tenha o nome de “tropas armadas da oposição”, como foi mencionado no relatório de Ki-moon: ou existe uma oposição de opinião que é bem-vinda a dialogar com o Estado, que nunca fechou as portas ao diálogo, ou são terroristas e, portanto, o emprego de tal designação requer um exame por parte da equipa do Secretário-Geral das Nações Unidas, porque não pode dizer-se “forças da oposição armadas” e não pode justificar-se a acção armada contra o prestígio do Estado, seja qual for a razão política invocada”, sublinhou.
Makdesi referiu-se ao relatório do Secretário-Geral da ONU, no qual é mencionado que intervêm veículos armados e máquinas pesadas, e em que é também dito que existem cidades que se encontram fora do controlo do Estado. “Parece a pintura da Mona Lisa, que cada um interpreta à sua maneira, … ou existem cidades fora do controlo do Estado e é portanto direito constitucional proteger os seus cidadãos e expulsar os terroristas e homens armados, procurando que passem a intervir no plano político e não no plano militar, ou então nada do que é dito faz sentido, o que é o que nós dizemos”.
“Existem bairros que podem estar fora de controlo devido à presença dos grupos armados, mas não existem cidades nessa situação e, por isso, o relatório não está à altura do Secretário-Geral das Nações Unidas, e esperamos que o próximo relatório seja mais profissional e que assente em políticos experientes como os observadores que se encontram na síria, que entram nossa bairros e testemunham com os seus próprios olhos a presença dos grupos armados”.
Makdisi disse: ”O Ministro dos Negócios Estrangeiros informa Annan e Ban Ki Moon, bem como os nossos aliados e amigos sobre a violações diariamente cometidas pela oposição síria, e as mais recentes estatísticas (com dados até há 4 ou 5 dias) indicam que há registo de mais de 3.500 violações documentadas”.

fonte: Agência síria SANA

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Mészáros: o partido como ferramenta de luta ofensiva dos trabalhadores


Demétrio Cherobini - no DIARIO LIBERDADE
Todo mandato é minucioso e cruel
eu gosto das frugais transgressões
Mario Benedetti

Nos últimos anos, com as manifestações mais explosivas da crise do capital, muitas foram as tentativas de construção de mediações de combate que possibilitassem aos trabalhadores do mundo realizar reivindicações de variados tipos. Diversos foram os países em que homens e mulheres saíram organizadamente às ruas para questionar uma multiplicidade de acontecimentos, entre eles o fato de que as decisões fundamentais, de cunho político, econômico e social, que afetavam diretamente suas vidas, estavam sendo tomadas à revelia de suas vontades (1). Até mesmo o Brasil, guardadas as devidas proporções, foi palco para o pronunciamento de numerosas vozes, que, descontentes, clamavam por melhores condições de existência (2).
Essas organizações desempenham uma tarefa verdadeiramente árdua e indispensável: tomam ruas, ocupam praças, elaboram modos criativos de protesto, montam piquetes, pressionam, fazem agitação, enfrentam a repressão violenta do Estado, executam princípios de uma ação que se pode considerar como negativa em relação a essa ordem na qual a dinâmica sócio-metabólica se desenvolve sem que os sujeitos que a sustentam tenham a possibilidade de dar a ela um rumo consciente e coletivamente planejado.
A grande limitação de tais movimentos - e este é o seu calcanhar de Aquiles - é que são incapazes de transcender a ação meramente negativa (ou defensiva) e avançar no sentido deafirmar, na prática e em escala de massa, uma nova forma de regulação do metabolismo social que aponte para a superação definitiva do complexo contraditório do capital enquanto controlador fetichista e destrutivo da atividade produtiva humana.
Portanto, por mais valorosas que possamos considerar essas mediações, devemos forçosamente concluir que elas precisam, para levar suas batalhas adiante, até as últimas conseqüências, orientar-se de maneira ofensiva contra o capital. E esse salto programático só pode ser efetuado se os trabalhadores souberem fazer bom uso do instrumento cuja tarefa essencial é a de organizar as lutas de classes de uma forma em que se consiga ir além das reivindicações concernentes aos interesses parciais (econômicos) dos diversos setores da classe e, conseqüentemente, colocar em questão a própria relação antagônica - uma relação que épolítica, isto é, que envolve poder - existente entre capital e trabalho, que permeia a classe como um todo.
Esse instrumento de que estamos falando é o partido (3). A atribuição específica do partido é a de, justamente, politizar as lutas econômicas dos trabalhadores, ou seja, tornar-se veículo para que a consciência proletária ultrapasse o nível da particularidade e atinja o da totalidade concreta acerca do ser da sociedade na qual estão inseridos e que atualmente é controlada pelo sistema do capital. Numa palavra: o partido deve servir de mediação entre a classe revolucionária e a consciência revolucionária (4).
Para tanto, o partido necessita ter a melhor preparação teórica e política possível -profissionalizar-se, em todos os âmbitos da práxis revolucionária -, ao mesmo tempo em que se mantém organicamente vinculado às fileiras proletárias. Ele não é, nesse contexto, o causador da revolução, mas a ferramenta dialética que ensina e aprende com os trabalhadores e que lhes possibilita apreender concretamente as múltiplas determinações sócio-metabólicas que afetam as suas existências.
Comprando diariamente as lutas da classe trabalhadora, inserindo-se em seu interior, realizando denúncias sobre as arbitrariedades do capital, fazendo agitação político-ideológica, usando as palavras de ordem adequadas, educando e preparando material, tática e estrategicamente as massas para a atividade revolucionária – as batalhas ofensivas com o fim de formar mediações alternativas de regulação da produção -, o partido se converte em elemento efetivo de emancipação.
O partido não pode, portanto, em hipótese alguma, permanecer a reboque das causas economicistas dos trabalhadores, mas sim buscar a elevação da consciência das massas a partir da conjugação de ações negativas afirmativas em todos os espaços passíveis de intervenção política.
Sua própria forma de constituição interna, nesse contexto, precisa ser prenunciadora de uma formação social qualitativamente superior. Organização e orientação estratégica são, aqui, duas faces de uma mesma moeda. Isso quer dizer, em outras palavras, que as mediações alternativas da luta proletária – partido incluso - não podem se estruturar de uma maneira que reproduza a lógica de funcionamento sócio-metabólico do capital – um modo de controlehierárquico e fetichista da atividade produtiva.
A proposta da ofensiva socialista de que fala Mészáros exige dos interessados na superação do sistema esforços para a efetivação progressiva, já no presente, de um tipo de organização diverso do que está posto pela realidade alienante do capital.

Notas:
(1) O ano de 2011 foi marcante nesse sentido. Para uma boa leitura acerca de tais acontecimentos, vale a pena conferir a entrevista de Ricardo Antunes para Valéria Nader e Gabriel Brito, “Luta pelos direitos do trabalho é hoje vital diante da crise cabal do capitalismo”, Correio da Cidadania, 08/09/2011, disponível emhttp://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&;view=article&id= 6262. Como explica o sociólogo brasileiro, ainda que cada uma dessas manifestações tenha tido a sua singularidade, todas elas revelam um traço comum: expressar um profundo descontentamento em relação à ordem em que se inserem - ordem esta marcada, de uma forma ou de outra, pela grave crise do capital.

(2) Sobre esse ponto, é útil ler o bom artigo de Fernando Marcelino “Quatro lições sobre a nova dinâmica da luta de classes no Brasil”, Correio da Cidadania, 17/02/2012, disponível em http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&;view=article&id=6816:submanchete140212&catid=25:politica&Itemid=47. Ressalte-se, ainda, nesse contexto, o fato de que, entre os anos de 2009 e 2010, houve 964 greves no Brasil.

(3) Apesar de não ser um tema central de sua vasta obra, Mészáros afirma que os partidos podem ser mediações efetivas nas lutas de classes a favor dos trabalhadores. Apresentamos algumas de suas concepções a respeito num pequeno artigo, “Por um partido socialista de orientação estratégica ofensiva: notas a partir de István Mészáros”, Correio da Cidadania, 18/11/2011, disponível em http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&;task=view&id=6526&Itemid=79.

(4) Mészáros usa o termo – retirado d’A ideologia alemã – consciência socialista de massa para se referir à consciência revolucionária dos trabalhadores. Esse tipo de consciência deve dar conta de compreender não somente o que precisa ser negado pela práxis transformadora – o sistema de mediações do capital -, mas, também, fundamentalmente, aquilo que necessita ser afirmado em seu lugar, a comunidade dos homens e mulheres que regulam, de forma consciente e autônoma, o metabolismo social humano.

Luciana Genro: “Syriza é um exemplo para a esquerda mundial”


Luciana Genro esteve na Grécia em maio e reuniu-se com o líder do Syriza, Alexis Tsipras | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

A ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL) esteve na Grécia para acompanhar a atual conjuntura política do país, que assiste ao crescimento da coligação de esquerda radical (Syriza) em meio ao caos político e social em função das medidas de austeridade adotadas por exigência da chamada Troika: Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional.
Nas eleições realizadas no início de maio, o Syriza conseguiu expressivo apoio popular e conquistou 16% dos votos, tornando-se a segunda força no Parlamento, com 50 deputados. Com o fracasso na formação de um governo de coalizão, novas eleições ocorrerão no dia 16 de junho.
Até o momento, o partido lidera as pesquisas de intenção de voto na Grécia e, se vencer, representará uma mudança no padrão da política europeia recente, que se caracteriza pela alternância no poder entre os conservadores de direita e os sociais-democratas de centro-esquerda.
Durante sua visita à Grécia, Luciana Genro se reuniu com o líder do Syriza, Alexis Tsipras – possível primeiro-ministro do país, caso seu partido vença as eleições. Nesta entrevista ao Sul21, ela comenta as impressões que teve da situação grega e conta como foi o contato com as lideranças do Syriza.
“A eleição do dia 6 de maio foi um recado muito claro de que o povo grego não vai aceitar continuar fazendo sacrifícios em nome dos interesses do capital financeiro”
Luciana Genro: crise na Grécia é "resultado da política econômica implementada nos últimos dois anos, sob orientação da Troika" | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Sul21 – Quais as impressões que a senhora teve da situação atual da Grécia?
 
Luciana Genro – A Grécia hoje é um país com uma importância muito grande para o futuro da Europa e para o futuro da esquerda socialista no mundo inteiro. Os olhos do mundo estão voltados para lá, para entender o que vai acontecer a partir da eleição do dia 17 de junho. A primeira impressão que tive foi de uma crise econômica muito brutal, algo que não estamos acostumados a ver na Europa. Pessoas nas esquinas pedindo esmola, crianças no metrô pedindo esmola, velhos atirados pelas calçadas… É o resultado da política econômica implementada nos últimos dois anos, sob orientação da Troika, que está exigindo da Grécia ataques cada vez mais brutais ao nível de vida do seu povo. A eleição do dia 6 de maio foi um recado muito claro de que o povo grego não vai aceitar continuar fazendo sacrifícios em nome dos interesses do capital financeiro.

Sul21 – Qual a importância do crescimento da Syriza em uma Europa dominada por conservadores de direita e por uma centro-esquerda moderada?
 
Luciana – Podemos traçar um paralelo com os partidos no Brasil. O Nova Democracia, que é o partido conservador, é o equivalente ao que temos com o PSDB e o DEM. E o Pasok, o partido dito socialista, é o equivalente ao PT, que, inclusive, tem relações com o Pasok há muitos anos. Quem estava na condução do país durante o primeiro momento da crise, quando foram adotadas as primeiras medidas draconianas, era o Pasok. A Grécia mostra que os velhos partidos que aplicam as receitas tradicionais do modelo econômico a favor do capital e dos interesses dos bancos estão totalmente desgastados e já não têm mais nenhuma representação real dos interesses do povo. E nessa esteira da queda desse bipartidarismo que sempre viveu a Grécia surge essa alternativa  de esquerda que se chama, inclusive, de esquerda radical. É um termo, em geral, utilizado de forma pejorativa. Eles escolheram esse termo porque querem voltar àquela etimologia original da palavra radical, que é ir à raiz dos problemas. Não se pode resolver o problema da Grécia sem romper com o sistema da forma como ele está posto hoje.

Sul21 – O Syriza é uma coalizão com 12 partidos. Como funcionam os processos internos de decisão do grupo? A esquerda costuma ser muito dividida, deve ser complicado manter a unidade.
 
Luciana – É interessante o funcionamento deles. Embora o Synaspismos seja o maior partido e seja muito maior que os demais, a coalizão é composta de forma a que todas as organizações tenham o mesmo peso na direção. Não é um peso proporcional ao tamanho. É uma coligação que funciona de forma bastante democrática. É evidente que eles têm divergências e embates internos. Conversei com o líder de um outro grupo e ele me contou que, em determinadas eleições municipais, o grupo dele saiu do Syriza e participou de outra coligação. Mas isso não impediu que agora eles se unam de forma muito forte, porque a situação da Grécia, que passou por 17 greves gerais nos últimos dois anos, é de muita convulsão social. Quando há mobilização e um processo de luta muito grande, as divergências políticas ficam secundarizadas e a esquerda se une em torno de bandeiras maiores. E a bandeira maior nesse momento na Grécia é dizer não a esse memorando da União Europeia e buscar, a partir da vitória da Syriza, um efeito dominó, no sentido de mostrar à Europa que um outro caminho é possível. É claro que a questão de a Grécia permanecer ou não na Zona do Euro é um debate forte acontecendo.
De acordo com Luciana Genro, Alexis Tsipras é "liderança muito carismática, que transmite uma segurança muito grande" | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como foi a sua reunião com o líder da Syriza, Alexis Tsipras, que é cotado para ser primeiro-ministro da Grécia caso o partido ganhe as eleições?
 
Luciana – Ele é uma liderança muito carismática, com uma forma de se comunicar extremamente tranquila e que transmite uma segurança muito grande sobre o que está falando. É um líder que atua de uma forma muito coletiva, não é uma estrela que faz o que bem entende. Ele dá todos os passos buscando consultar o conjunto dos partidos que compõem o Syriza. Ele tem uma convicção muito grande de que essa oportunidade que o Syriza tem de disputar a possibilidade de governar a Grécia é única. Ele sabe que a dificuldade para vencer as eleições é muito grande e, mesmo assim, tem uma postura de muita ousadia, de não ter medo. Senti nele uma vontade muito grande de vencer e de mostrar que a esquerda radical pode governar e construir uma alternativa parta a Europa.
“Se a esquerda não conseguir capitalizar essa insatisfação antissistema, o perigo de a direita conseguir é real”

Sul21 – A posição do Syriza é de que a Grécia permaneça na Zona do Euro.
 
Luciana – Já é de conhecimento da esquerda do mundo inteiro que não se constrói um modelo alternativo, tenha o nome que tiver, num só país. A Grécia não quer se isolar do conjunto da Europa. Sair da Zona do Euro voluntariamente seria promover o próprio isolamento. É evidente que não farão isso. Mas o Syriza sabe que não vai ser fácil permanecer na Zona do Euro e construir um outro caminho. A oposição das classes dominantes europeias será muito forte. A possibilidade real de a Grécia permanecer no Euro e construir um caminho diferenciado é contaminar o resto da Europa com esse exemplo de luta, de que existe um modelo alternativo que não seja a submissão aos interesses do Banco Central Europeu e do FMI.
" Acredito que o perigo do crescimento de uma alternativa antissistema se expressar também pela direita é muito grande. A gente vê isso na França e na Grécia de uma forma ainda mais grave" | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Sul21 – A intensificação da crise na Europa fez com que os partidos e propostas antissistema crescessem bastante, tanto à esquerda quanto à direita. Na França, a Frente Nacional, com um discurso xenófobo, foi a terceira força mais votada. Na Grécia, os neonazistas conseguirem chegar ao Parlamento. A esquerda não tem conseguido capitalizar a insatisfação antissistema?
 
Luciana – A profundidade da crise e o fato de os partidos que representam os interesses das elites europeias estarem se revezando no poder há tanto tempo faz o povo perceber que não adianta ficar trocando um pelo outro. Acredito que o perigo do crescimento de uma alternativa antissistema se expressar também pela direita é muito grande. A gente vê isso na França e na Grécia de uma forma ainda mais grave. O partido Aurora Dourada é assumidamente nazista, muito embora muitas das pessoas que votaram neles não tenham essa consciência. Enxergaram neles um discurso antissistema. A Syriza tem a expectativa de conseguir capitalizar uma parte desses votos na nova eleição. Até a mídia, que é totalmente contra a Syriza, tem feito uma denúncia forte da Aurora Dourada como um perigo muito grande para a Grécia e para a Europa. Eles chegam ao ponto de agredir imigrantes nas ruas. Se a esquerda não conseguir capitalizar essa insatisfação antissistema, o perigo de a direita conseguir é real.

Sul21 – O Syriza não corre risco de ficar isolado, mesmo se vencer as eleições de junho? Eles teriam que buscar aliados para formar maioria no Parlamento e não parece haver muitos partidos dispostos a apoiá-los. Os comunistas já se recusaram a compor uma aliança antes.
 
Luciana – A situação não é simples. Mas na própria eleição de maio mais de 60% dos votos foram para partidos ou coalizões que propunham a ruptura com o memorando da União Europeia. O Syriza não conseguiu formar um governo quando teve a sua vez, pelo sistema parlamentarista grego, porque não teve apoio de alguns paridos que são a favor da ruptura do memorando, como o Partido Comunista, por mesquinharia. Porque o Syriza é, em grande medida, uma dissidência dos comunistas. Na medida em que o Syriza possa se converter no desaguadouro dessa insatisfação nas próximas eleições, acredito que as demais forças políticas da esquerda serão compelidas a apoiar o governo. Eles têm consciência de que, mesmo se eles ganharem as eleições, não será um governo da Syriza. Será um governo de coalizão, portanto terão que negociar. Mas tomando por pressuposto a necessidade de romper com o memorando e não continuar dando segmento aos ataques ao povo.
“A campanha que a grande mídia está fazendo contra o Syriza é muito forte. É uma campanha de terrorismo”
Líder do Syriza pode ser futuro primeiro-ministro da Grécia | Foto: Divulgação: Alexis Tsipras

Sul21 – Será que, ao chegar no poder, a Syriza não mudará o discurso em nome na manutenção de um sistema que possa privilegiá-los?
 
Luciana – A maior chance que tiveram para capitular ocorreu quando foram chamados a compor o dito governo de salvação nacional, para que não fosse necessário novas eleições. Eles poderiam ter sido governo se aceitassem partir da ideia de que o memorando precisa ser cumprido, embora com alterações. Eles poderiam ter sido governo fazendo essa concessão e jogando na lata do lixo o patrimônio político acumulado. Resistiram a essa tentação, correndo o risco de não conseguir obter resultados tão significativos nas próximas eleições, porque a campanha que a grande mídia está fazendo contra eles é muito forte. É uma campanha de terrorismo, dizendo que se o povo votar na Syriza a Grécia vai quebrar porque vai ser expulsa do Euro. Acredito que a própria situação política da Grécia ajuda a garantir que eles se mantenham firmes nesse caminho, porque é a vontade do povo, isso está cada vez mais claro.

Sul21 – Há muita expectativa em torno de uma possível vitória da esquerda radical. Mas e se o Syriza perder? Será o fim de qualquer possibilidade de mudança para a Europa?
 
Luciana – Esse foi outro ponto da minha conversa com o Alexis. Questionei ele sobre isso. Ele me disse que tem convicção de que, independentemente do resultado, a Syriza seguirá com muita força, porque será um segundo violino no Parlamento grego. O governo terá que negociar com a Syriza e ela terá força política para barrar determinadas medidas, principalmente se a luta seguir do lado de fora do Parlamento. Então, mesmo que o Syriza não governe a Grécia, vai seguir desempenhando um papel importante dentro do país, no sentido de ser um contraponto às medidas que o governo possa vir à tomar. E ao mesmo tempo vai continuar sendo uma referência política para a esquerda do mundo inteiro porque, mesmo sem vencer, chegou perto de vencer, porque teve uma forma de atuação correta.

Um ideal neoliberal: o “Homo Economicus”


Vaz de Carvalho

 
Os filósofos representaram como um Ideal - o “Homem” – indivíduos que não se veem subordinados à divisão do trabalho (…) Deste modo se concebe este processo como um processo de alienação do “Homem” (Marx – A Ideologia Alemã). (1)

1 – Sem consciência do bem e do mal
 

O mundo perfeito do neoliberalismo – a que a social-democracia se submete, para além da retórica de ocasião - é formado por indivíduos perfeitamente livres, perfeitamente racionais, orientados pelas suas escolhas económicas. Trata-se do designado “homo economicus”. Que visão do mundo é que nos propõem? Seres humanos que se guiam e são guiados apenas por considerações económicas. Neste sistema, o lucro capitalista-financeiro sobrepõe-se a quaisquer outras considerações, os sacrifícios das pessoas não são tidos em conta, o desemprego, não é um acidente: é uma forma de gestão. (2) As “reformas estruturais” – eufemismo para iludir os incautos – postas em prática pelo governo e reclamadas pela “troika” – e apoiantes - são bem a confirmação do que dizemos.
“O direito ao trabalho e a proteção do ambiente tornaram-se excessivos na maior parte dos países desenvolvidos. O comércio livre vai reprimir alguns destes excessos, obrigando cada um a tornar-se competitivo” declara o Prémio Nobel, Gary Becker, pai de uma “economia generalizada”, segundo a qual toda alógica social é redutível a uma pura racionalidade económica” (2) Este “puro” faria sorrir não fosse a tragédia dos que sofrem as dramáticas consequências desta “racionalidade”, que se traduz em desemprego, pobreza e fome que alastram pelos países onde é aplicada.
Mas acerca da concorrência vale a pena recordar Marx e Engels: “A concorrência isola os indivíduos, não apenas os burgueses mas mais ainda os proletários enfrentando-se uns aos outros, apesar do que os une.” (3), O proletariado liberta-se suprimindo a concorrência (4)
Bem se pode dizer que o “homo economicus” é o grau zero do pensamento, um “Homem” imaginado sem História, sem sociologia, sem psicologia que não a das escolhas do mercado, sem ideias nem ideologia, passivamente explorado pela oligarquia triunfante eis, pois, o ideal “democrático” do neoliberalismo. Não admira que nos governos, tecnocratas adeptos destes preconceitos ocupem ministérios fundamentais. Neste sentido a sua mais brilhante argumentação – não parece disporem de mais – é classificarem de “ideologia” as críticas mais pertinentes. No fascismo era-se perseguido por ter ou fazer “política”, no neoliberalismo é-se marginalizado por ter “ideologia”.
Quando não há princípios tudo se pode equivaler, sendo que o equivalente universal é o dinheiro. O “homo economicus” a que querem reduzir a humanidade, parece-se com o protagonista de “O Estrangeiro” de Albert Camus, sem consciência do bem e do mal. Uma humanidade seguindo raciocínios que se traduzem em fórmulas matemáticas, que ora nos dizem ser simples e evidentes, ora nos apresentam inextrincavelmente complexas. Um mundo em que a irresponsabilidade moral dos indivíduos e da sociedade está coberta pela acção do mercado. Mas será só isto a vida? Não haverá nada para além deste modelo artificial com o qual querem construir uma hipotética realidade que seria perfeita quando abandonássemos toda a dimensão do humanismo?
Claro que não são negados valores, pelo contrário, são proclamados e lamenta-se a sua falta. Porém, não vão além de piedosos votos religiosos, de superstições diversas, de ilusória boa consciência dos voluntariados, de caridade, que serve para mascarar as crescentes injustiças e a desagregação social.
Na realidade, independentemente de toda a retórica “personalista” o “homo economicus” é forçosamente conformista. O objetivo do neoliberalismo é produzir seres humanos à medida de interesses assumidamente privados das transnacionais e da finança especuladora, para daí deduzir e aplicar os seus dogmas.

2 – A corrupção moral
 
A racionalidade neoliberal é evidente na corrupção moral da oligarquia. Gary Smith, um ex-executivo da Goldman Sachs expressa-o claramente: “o objetivo dos banqueiros de todo o mundo é maximizar o seu ganho independentemente das consequências para os outros (5)
Os paraísos fiscais são a expressão funcional desta corrupção. Enquanto os povos são sujeitos a sacrifícios apenas comparáveis aos tempos de guerra e de ditadura, o grande capital circula em livre simbiose com a fraude e o dinheiro sujo repleto de horrores das “máfias”. É hoje praticamente impossível distingui-los.
Nesta UE a racionalidade competitiva tem sentidos opostos conforme o poder de mercado de cada um. O povo trabalhador é sujeito a mais impostos e à perda de direitos laborais e sociais: são os “ajustamentos estruturais” e a austeridade; para os oligarcas da banca e mono ou oligopólios são oferecidos resgates financeiros (os “bailouts”) e paraísos fiscais onde praticamente sem impostos colocam “livremente” o resultado das fraudes e da exploração acrescida a que as camadas trabalhadoras estão sujeitas. As deslocalizações de empresas e ativos financeiros são um exemplo da corrupção de moral social de que o grande capital está possuído. A simples exigência de contribuírem com mais algumas migalhas de impostos em países sufocados por iníquas austeridades torna “os mercados traumatizados”, na expressão de um dos seus epígonos, perante o ar reverente do sr. entrevistador.
Na base de tudo isto estão três dogmas, afinal, atratores do capitalismo (6)
“- A obrigação moral de cada indivíduo para com a sociedade é alcançada maximizando o ganho pessoal
- Dinheiro é riqueza e ganhar dinheiro aumenta a riqueza da sociedade
- Ganhar dinheiro é o objetivo da iniciativa individual e a medida adequada da prosperidade e desempenho económico.” (5)
Como é que chegamos aqui? Negando que existam classes, camadas sociais, originadas pelas contradições não resolvidas, antagónicas, do capitalismo. Na prática, impõe-se um modelo no qual só há indivíduos isolados, separados uns dos outros, cuja ligação é estabelecida pelas leis do mercado. Ou seja, cada indivíduo guia-se pelo seu máximo interesse, isto é, pelo seu egoísmo. Porém, as escolhas da sociedade não podem guiar-se apenas pelos interesses individuais, ou seja, pelo seu egoísmo, numa sociedade que justamente o amplia, justificando assim uma hipotética eficiência na utilização dos recursos existentes, porém apenas no interesse da minoria dominante. A depredação dos recursos naturais e do ambiente representa a mais completa negação desta pseudo eficiência, na realidade corrupção moral.
Foi aqui que chegamos por se sobrepor o egoísmo individual às necessidades colectivas, com justificações apoiadas em abstracções matemáticas. A questão verdadeiramente importante não consiste em saber se as descrições causais podem ser expressas numa fórmula matemática precisa, mas em saber se a fonte do nosso conhecimento são as leis objetivas da Natureza ou proposições da nossa mente. (7)
A questão que se pode colocar é: como é que teses tão absurdas, frouxas sob qualquer perspectiva teórica, que os factos negam de forma evidente, fez escola, governa e submete os povos, com o apoio explícito da social-democracia.
Porém, por incrível, o absurdo faz por vezes história na História. No século XVII, o bispo Bossuet construiu uma tese demonstrando o direito divino dos reis. Era o que o absolutismo monárquico e em primeiro lugar Luis XIV desejava ouvir, a quem a obra foi dedicada. Quando, depois de Erasmo, os mais eminentes pensadores, como Espinosa, Hobbes, e outros - desfaziam os preconceitos e as superstições de um passado obscurantista e feudal, Bossuet, reformulava dogmas medievais. O direito divino dos reis, então outorgado pelo Papa, passava a ser recebido directamente de Deus, para governar os povos. Onde está direito divino leia-se hoje “os mercados”. Em ambos os casos, na prática, foi uma forma de aprofundar a arbitrariedade dos poderosos.

3 – O egoísmo como lei fundamental.
 
A economia neoliberal trouxe de volta o egoísmo individual e o mercado “livre” como lei fundamental das sociedades e princípio do máximo benefício para todos. O capital querendo libertar-se de todas as determinações que não favoreçam a maximização do lucro inventou um “homo economicus”.
A promoção do egoísmo é feita ao pretender reduzir a sociedade a uma soma de indivíduos, é como se a sociologia fosse uma simples aritmética. O curioso é que se vende este cúmulo de egoísmos, esta irracionalidade, como a suprema racionalidade.
Em cada passo deste contexto concepções voluntaristas substituem a análise dialéctica. Em termos sociológicos procura-se transformar as pessoas de cidadãos em – apenas - consumidores, autómatos programáveis de acordo com a maior vantagem para os mono e oligopólios. Tudo entrou no campo da mercadoria, assim a generalidade das pessoas para serem consumidoras são em primeiro lugar mercadorias como trabalhadores. A liberdade que se promove é, pois, a de consumir – se puder.
Os que detêm maior poder de mercado determinam as escolhas, ou pelo menos os seus contextos. São eles os donos do casino em que se tornou a economia, os outros jogam com as suas fichas e eles ganham sempre. Na realidade, a escolha de base já está feita: o máximo lucro do grande capital acima de tudo.
O livre arbítrio morreu há muito, mas é ressuscitado nos padrões do “homo economicus” para camuflar a alienação e a manipulação. As tese liberais de que cada indivíduo conhece melhor o que lhe convém faz por ignorar quais os critérios e contextos em que esse conhecimento se aplica. As pessoas agem no seu círculo de circunstâncias com graus de liberdade muito diferentes conforme a situação económica e, claro, também psicológica. Que espécie de liberdade existe, isto é, capacidade de autodeterminação, numa sociedade cujo funcionamento repousa em padrões de desemprego, precariedade e dita “flexibilidade” laboral? Note-se que os seus mentores consideram um desemprego de 3 ou 4%, “anormalmente baixo”…O desemprego nesta ideologia, para além das ditas “preocupações” de governantes que fazem tudo o que podem para o facilitar, não é um acidente, é como dissemos: uma forma de gestão.
Com o sofisma do “homo economicus” procura-se destruir as defesas sociais dos indivíduos criando-lhes novas necessidades: necessidades não satisfeitas, a todos os níveis. Desperta-se, em particular nos jovens, a exaltação de desejos, compulsões de origem psicológica desenvolvendo automatismos de procura de autosatisfação. Procura-se cristalizar na sua imaginação que tudo o que lhes é proposto apareça como belo e excitante. Quanto mais deprimido estiver, e a vida real gera a depressão pela insegurança fruto da amoralidade economicista, mais facilmente a pessoa assume essas acções de alienação. E aqui reside a libertação que o sistema lhe proporciona, não mais, e que vale apenas o dinheiro de que dispuser.

4 – Que racionalidade?
 
O axioma da racionalidade liberal foi definido por Marx quando expôs o que representava para a burguesia o consumidor racional: “Abaixamento do salário e longas horas de trabalho – é este o núcleo do comportamento racional e saudável do operário” (8)
Para suportar as suas teses o neoliberalismo inventa o tal “homo economicus, considerando que todas as motivações são conscientes e racionais. Faz por ignorar que a tomada de consciência é apenas a fase última do processo psíquico, condicionado por estímulos exteriores, que em muitos casos levam os indivíduos menos preparados ao consumo de objectos inúteis e de substâncias prejudiciais à saúde física ou mental e daí à frustração, aos comportamentos irracionais, ao desespero, à insanidade, à dependência e inclusive à marginalidade.
Para as escolhas, serem racionais e eficientes, deveria haver uma lista exaustiva dos estados futuros a que poderia conduzir cada uma das suas escolhas. Só que nesta economia não há futuro, é uma teoria sem tempo, ou melhor, cujo horizonte de tempo é uma derivada do presente, isto é, uma variação infinitesimal do presente numa função supostamente continua. Uma teoria que já mostrou não saber lidar com uma variável fundamental: a incerteza do futuro. Daqui que estes especialistas mostrem a sua competência quando tentam explicar por que erraram nas suas previsões ou se confessem “surpreendidos” com as nefastas consequências das suas políticas.
A racionalidade e a eficiência das escolhas têm sido experimentalmente postas em causa quando intervém a avaliação de probabilidades, em situações incerteza e de ambiguidade. Na economia, a complexidade das variáveis e sua evolução no tempo mostram que escolhas puramente racionais não podem ser tomadas individualmente. Estas escolhas estão desde logo condicionadas pelos interesses que dominam o ambiente social, sejam “os mercados”, seja a condução política. A racionalidade individual perde-se se aqueles interesses agirem em sentido contrário ao social, isto é, ao de cada vez maiores camadas da população.
A ilusão do “homo economicus”, vendida ao público como princípio de equidade moral e eficiência económica, serve apenas de álibi para a fraude, a corrupção e a especulação que lhe está associada. Trata-se da falácia da “Nova Economia”, que não passa da economia do desemprego e do empobrecimento das camadas trabalhadoras. As teses associadas ao “homo economicus” fazem parte do mecanismo de alienação necessário ao totalitarismo neoliberal.
A democracia só pode ser efectiva se consagrada por homens e mulheres livres, entenda-se com direitos sociais garantidos, sem existências precárias e não vivendo ao nível de uma incerta subsistência.
Perante o “homo economicus” amoral e unidimensional do neoliberalismo é necessário afirmar com Bento Jesus Caraça “a cultura integral do indivíduo” libertadora e revolucionária, pois, como afirma: “No seio das sociedades humanas manifestam-se dois princípios contrários, o individual e o colectivo, de cuja luta resultará um estado superior dessas mesmas sociedades em que o primeiro princípio – o individual – chegado a um elevado grau de desenvolvimento se absorverá no segundo.”
E estas palavras que podem até parecer estranhas à luz da dominante atual, exprimem afinal o conteúdo dos mais elevados momentos da Humanidade.

1 - Carl Marx – A Ideologia Alemã – Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.76 – Ed. Progresso Moscovo - 1972
2 - A Ilusão Neoliberal – René Passet – Ed. Terramar – 2002 - p.109
3 - Carl Marx – A Ideologia Alemã – Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.62– Ed. Progresso Moscovo - 1972
4 – F. Engels - Princípios do Comunismo - Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.85 – Ed. Progresso Moscovo – 1972
5 - When Bankers Rule the World - By David Korten – www.informationclearinghouse - April 03, 2012
6- Um “atractor” pode ser definido como o conjunto de comportamentos característicos para o qual evoluiu um sistema dinâmico independentemente do ponto de partida.
7 – “A questão verdadeiramente importante da não consiste em saber qual o grau de precisão que alcançaram as nossas descrições das conexões causais e em saber se estas podem ser expressas numa fórmula matemática precisa - mas em saber se a fonte do nosso conhecimento dessas conexões são as leis objetivas da Natureza ou as propriedades da nossa mente, a faculdade que lhe é inerente de conhecer determinadas verdades apriorísticas, etc.” - V. I. Lenine – Materialismo e Empiriocriticismo – citado em “Sobre Lenine e a Filosofia” - J. Barata Moura – Ed. Avante 2010 – p.139.
8 - O Capital - Livro Segundo - Tomo V – Ed. Avante - p.550.
Dado que algumas pessoas ficam muito confusas ou perturbadas com o termo burguesia, esclareça-se que Marx e Engels distinguiram desde logo entre a burguesia e o pequeno empresariado. Os primeiros constituindo a “classe dos capitalistas modernos”, isto é “a indústria moderna que transformou a pequena oficina do mestre na grande fábrica do capitalista industrial” (Manifesto).

“A Veja deve explicações ao país”, diz presidente da Fenaj


"A Veja acaba de nos produzir um dos piores momentos do jornalismo" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

A CPI realizada pelo Congresso Nacional que tenta investigar a influência do bicheiro Carlinhos Cachoeira sobre o poder público acabou suscitando um debate tão inesperado quanto necessário no país: a relação da mídia com as esferas de poder, sejam elas políticas ou econômicas.
A Polícia Federal identificou cerca de 200 conversas telefônicas entre o diretor da sucursal da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior, e o contraventor. A divulgação dessas escutas mostra que Cachoeira pautava a publicação da editora Abril, que se deixava levar pelos interesses políticos de um empresário fortemente ligado ao senador Demóstenes Torres (ex-DEM).
Diante desse cenário, alguns parlamentares têm defendido a convocação de Policarpo para depor na CPI, mesmo que o relator Odair Cunha (PT-MG) já tenha rejeitado pedido de informações a respeito. Para o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, a revista precisa explicar o que guiou sua prática jornalística nesse episódio. “A Veja tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo”, entende.
Nesta entrevista ao Sul21, Schröder avalia a conduta da revista nesse e em outros episódios e defende a necessidade de um marco regulatório para a comunicação no país.
“Não é só um repórter, mas é a organização, a chefia da empresa, que conduz e encaminha uma atividade tecnicamente reprovável e eticamente inaceitável”
Sul21 – O que a CPI do Cachoeira pode nos dizer sobre a mídia brasileira?
 
Celso Schröder – A CPI está nos mostrando que a mídia é uma instituição como qualquer outra e precisa estar submetida a princípios públicos, na medida em que a matéria-prima do seu trabalho é pública: a informação. Quanto menos pública essa instituição for e mais submetida aos interesses privados dos seus gestores ela estiver, mais comprometida ficará a natureza do jornalismo. Como qualquer instituição, a mídia não está acima do bem e do mal, dos preceitos republicanos do Estado de Direito e do interesse público. Do ponto de vista político, a Veja confundiu o público com o privado. Do ponto de vista jornalístico, comete um pecado inaceitável: estabelecer uma relação promíscua entre o jornalista e a fonte. Não é só um repórter, mas é a organização, a chefia da empresa, que conduz e encaminha uma atividade tecnicamente reprovável e eticamente inaceitável. Todo jornalista sabe, desde o primeiro semestre da faculdade, que a fonte é um elemento constituidor da notícia na medida em que ela for tratada como fonte. A fonte tem interesses e, para que eles não contaminem a natureza da informação, precisam ser filtrados pelo mediador, que é o jornalista. A fonte, ao mesmo tempo em que dá credibilidade e constitui elemento de pluralidade na matéria, por outro lado, se não for mediada e relativizada pelo jornalista, pode contaminar o conteúdo.
"Os jornalistas não estão acima da lei e não podem estar acima dos princípios republicanos" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Em que pontos a relação entre Policarpo Júnior e Cachoeira extrapolaram uma relação saudável entre repórter e fonte?
 
Schroder – Ele não tratou o Cachoeira como fonte. O problema é um jornalista ou uma empresa jornalística atribuir a alguém uma dimensão de fonte única, negociando com ela o conteúdo e a dimensão da matéria e, principalmente, conduzindo a Veja para uma atuação de partido político. Esse é um pecado que a Veja vem cometendo há algum tempo. A oposição no Brasil é muito frágil. Por não existir uma oposição forte, a imprensa assume esse papel, o que é uma distorção absoluta. A imprensa não tem que assumir essa função, a sociedade não atribui a ela uma dimensão político-partidária, como a Veja se propõe. A Veja acaba de nos produzir um dos piores momentos do jornalismo. Quando houve o episódio da tentativa de invasão do apartamento do ex-ministro José Dirceu (PT) por um repórter da Veja, eu escrevi um artigo dizendo que, assim como Watergate tinha sido o grande momento do jornalismo no mundo, a atuação da Veja no quarto de Dirceu foi um anti-Watergate. Mal sabia eu que teríamos um momento ainda pior. Não foi a ação individual de um repórter sem capacidade de avaliação. Foi uma ação premeditada e sistêmica de uma empresa de comunicação, de um chefe que conduzia seu repórter para uma ação imoral, tangenciando perigosamente a ilegalidade.
“A Veja é uma revista que coloca em jogo a matéria-prima básica da sua existência: a credibilidade. Parece-me um suicídio”

Sul21 – O mesmo pode ser dito para o episódio recente entre Policarpo Júnior e Cachoeira?
 
Schröder - Neste momento, isso se consolida. É uma revista que coloca em jogo a matéria-prima básica da sua existência: a credibilidade. Parece-me um suicídio, inclusive do ponto de vista de um negócio jornalístico. A não ser que a Veja esteja contando com um outro tipo de financiamento, ou já esteja sendo subsidiada por outro mecanismo que não seja decorrente da credibilidade e da inserção no público. Não temos dados concretos sobre isso, mas tudo leva a crer que, nesse momento, o financiamento da Veja esteja se dando por outro caminho. O comprometimento e o alinhamento inescrupuloso da revista a uma determinada visão de mundo conduz à ideia de que a Veja possa ter aberto mão de ser um veículo de comunicação para ser um instrumento político com financiamento deste campo.

Sul21 – Mas a revista já passou por períodos em que era mais comprometida com o jornalismo. Como ocorreu essa mudança?
 
Schroder – Não é de agora que a Veja vem dando indícios de que abre mão de um papel de referência jornalística. A Veja foi fundamental para a redemocratização do país, foi referência para jornalistas de várias gerações e teve em sua direção homens como Mino Carta. Depois de um certo tempo, a revista começa a alinhar-se a um determinado grupo social brasileiro. É claro que os editores da revista têm opiniões e cumprem um papel conservador no país. Tudo bem que isso aconteça nas dimensões editoriais. Agora, que se reserve ao jornalismo informativo um espaço de discussão com contrapontos. Princípios elementares do jornalismo foram sendo abandonados e essa revista, que foi importante para a democracia e para o jornalismo, passa a ser um exemplo ruim que precisa ser enfrentado.
"Não é pouca coisa trazer o chefe da sucursal da Veja em Brasília para depor" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como o senhor vê a possibilidade de Policarpo Júnior ser convocado para depor na CPI?
 
Schroder – Tenho visto declarações de alguns políticos, como da senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que diz que o envolvimento do Policarpo nisso representa um ataque à imprensa. Os jornalistas não estão acima da lei e não podem estar acima dos princípios republicanos. Se ele for convocado pela CPI, tem o direito de não ir. Se ele for, tem o direito de exercer a prerrogativa do sigilo de fonte. Mas a convocação não representa uma ameaça. A Veja tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo. Questionar isso é fundamental. Os jornalistas e a academia têm obrigação de fazer esse questionamento.

Sul21 – Nesse sentido, não seria válido também convocar o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita?
 
Schroder – Parece que seria deslocar o problema. Na CPI, a Veja é um dos pontos. O problema é a corrupção entre o Cachoeira e o Parlamento brasileiro. Um depoimento do Civita geraria um debate que desviaria os trabalhos da CPI. Não há dúvida de que a Veja praticou um mau jornalismo e deve prestar contas. A CPI tem gravações de integrantes da revista com o bicheiro. Que eles sejam convocados, então. Não é pouca coisa trazer o chefe da sucursal da Veja em Brasília para depor.
“A Fenaj não vai proteger jornalistas criminosos”

Sul21 – As críticas à Veja costumam ser rebatidas com argumentos que valorizam o trabalho supostamente investigativo feito pela revista, com diversas denúncias de corrupção. Entretanto, as gravações entre Policarpo e Cachoeira revelam como funcionava a engenharia que movia algumas dessas denúncias.
 
Schroder – Há uma certa sensação de que estamos vivendo um momento de corrupção absoluta no país. E isso está longe de ser verdade. Basta olhar a história e ver que agora temos instituições democráticas funcionando. A imprensa cumpre um papel democrático e fiscalizador importante com a denúncia. O problema é que alguns setores, ao fazerem denúncias, atribuem um papel absoluto à ideia da corrupção. No caso da Veja, o pior de tudo é que a própria revista estava envolvida. Não é só um mau jornalismo sendo praticado. Há indícios perigosos de uma locupletação – que não precisa ser necessariamente financeira. Pode ser uma troca de favores, onde o que a Veja ganhou foi a constituição de argumentos para uma atuação política, não jornalística. Como se fosse o partido político que a oposição não consegue ser. Se a imprensa se propõe a esse tipo de coisa, volta a um patamar de atuação do século XVIII.  Se é para ser assim, que a revista mude de nome e assuma o alinhamento a determinado partido. Agora, ao se apresentar como um espaço informativo, a Veja precisa refletir a complexidade do espaço político brasileiro. Se ela não faz isso, está comprometendo o jornalismo e tangenciando uma possibilidade de ilegalidade que, se houver, precisa ser esclarecida. A Fenaj não vai proteger jornalistas criminosos.

Sul21 – A revelação desse modus-operandi da Veja está gerando uma discussão quase inédita no país: a mídia está debatendo a mídia. A revista Carta Capital tem dedicado diversas capas ao tema e a Record já fez uma reportagem sobre o assunto. É um fenômeno comum em outros países, mas até então não ocorria no Brasil.
 
Schroder – Nos anos 1980, quando a Fenaj propôs uma linha para a democratização da comunicação, partimos da compreensão de que a democratização do país não havia conseguido chegar à mídia. O sistema midiático brasileiro, ao contrário de todas as outras instituições, não havia sido democratizado. Temos cinco artigos da Constituição nessa área que não estão regulamentados. Durante 30 anos tivemos diversas iniciativas de tentar construir  esse debate. A lógica da regulamentação existe em todos os países do mundo. Mas, no Brasil, isso enfrenta resistências de uma mídia poderosa, que fez os dois primeiros presidentes da República após a democratização. Sarney e Collor são dois políticos que saíram dos quadros da Rede Globo. Na presidência do Congresso tivemos outros afilhados da Rede Globo, como Antonio Carlos Magalhães, que também foi ministro das Comunicações. A mídia não só está concentrada, no sentido de ter monopólios, como está desprovida de qualquer controle público. Está absolutamente entregue à ideia de que a liberdade de expressão é a liberdade de expressão dos donos da mídia. Enquanto que o preceito constitucional diz que a liberdade de expressão é do povo, e o papel da mídia é assegurar isso.
“O espírito conservador está no DNA da Rede Globo. Ela acostumou-se à ideia de que para o seu negócio não deve existir nenhuma regra”
"As empresas alinhadas à ideia de que não podem estar submetidas à lei protegem-se" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Quanto se conseguiu avançar nesse debate desde então?
 
Schroder – Estamos há 30 anos pautando esse debate até chegarmos a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009). A Fenaj consegue constituir a ideia de que esse debate precisa ser público, já que ele é omitido pela mídia, que atribui à essa discussão uma tentativa de censura. A Confecom, no início, teve a anuência das empresas. Eu fui junto com os representantes da RBS e da Globo aos ministros Helio Costa (Comunicações),  Tarso Genro (Justiça) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência) propor a conferência. As empresas compreendiam que, naquele momento, a telefonia estava chegando e ameaçava um modelo de negócios. Mas, durante a Confecom, a Rede Globo e todos os seus aliados se retiraram, tentando sabotar mais uma vez o debate. O espírito conservador está no DNA da Rede Globo. Ela acostumou-se à ideia de que para o seu negócio não deve existir nenhuma regra. Acostumou-se a impor seus interesses ao país e, portanto, é ontológicamente contra qualquer regra. Naquele momento em que a Globo se retirou da Confecom ficou claro que não é possível contar com esses empresários para qualquer tipo de tentativa de atribuir à comunicação no Brasil uma dimensão pública, humana e nacional, regida por princípios culturais, democráticos e educacionais, não simplesmente pelo lucro fácil e rápido.

Sul21 – O editorial do jornal O Globo defendendo a revista Veja é um indício de que há um corporativismo muito grande entre os donos da mídia tradicional?
 
Schroder – O princípio que os une é aquele verbalizado pela Sociedade Interamericana de Imprensa: Lei melhor é lei nenhuma. As empresas alinhadas à ideia de que não podem estar submetidas à lei protegem-se. Abrigadas no manto de uma liberdade de expressão apropriada por elas, protegem seus interesses e seus negócios, atuando de uma maneira corporativa e antipública.  O jornalismo é fruto de uma atividade profissional, não é fruto de um negócio. Jornalismo não é venda de anúncios. Jornalismo é, essencialmente, o resultado do trabalho dos jornalistas. Portanto, a obrigação dos jornalistas é denunciar sempre que o jornalismo for maculado, como ocorreu com a Veja. Seria, também, uma obrigação das empresas jornalísticas, na medida em que elas não estejam envolvidas com esse tipo de prática. Ao tornarem-se cúmplice e acobertarem esse tipo de prática, as empresas aliam-se a elas. Essas empresas disputam o mercado, mas protegem-se no que consideram essencial, no sentido de inviabilizar a ideia de que exercem uma atividade submetida aos interesses públicos, como qualquer outra.