Roberto Leher no CORREIO DA CIDADANIA |
A longa seqüência de gestos protelatórios que levaram os docentes das
IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) a uma de suas maiores
greves, alcançando 48 universidades em todo país (28/05), acaba de
ganhar mais um episódio: o governo da presidenta Dilma cancelou a
reunião do Grupo de Trabalho (espaço supostamente de negociação da
carreira) do dia 28 de maio que, afinal, poderia abrir caminho para a
solução da greve nacional que já completa longos dez dias. Existem
algumas hipóteses para explicar tal medida irresponsavelmente
postergatória:
1) A presidenta – assumindo o papel de xerife do ajuste fiscal –
cancelou a audiência, pois em virtude da crise não pode negociar
melhorias salariais para os docentes das universidades, visto que a
situação das contas públicas não permite a reestruturação da carreira
pretendida pelos professores;
2) apostando na divisão da categoria, a presidenta faz jogral de
negociação com uma organização que, a rigor, é o seu espelho, concluindo
que logo os professores, presumivelmente desprovidos de capacidade de
análise e de crítica, vão se acomodar com o jogo de faz de conta, o que
permitiria ao governo Dilma alcançar o seu propósito de deslocar um
possível pequeno ajuste nas tabelas para 2014, ano que os seus sábios
assessores vindos do movimento sindical oficialista sabem que
provavelmente será de difícil mobilização reivindicatória em virtude da
Copa Mundial de Futebol, “momento de união apaixonada de todos os
brasileiros”;
3) sustentando um projeto de conversão das universidades públicas de
instituições autônomas frente ao Estado, aos governos e aos interesses
particularistas privados em organizações de serviços, a presidenta
protela as negociações e tenta enfraquecer o sindicato que organiza a
greve nacional, para viabilizar o seu projeto de universidade e de
carreira que ‘ressignificam’ os professores como
docentes-empreendedores, refuncionalizando a função social da
universidade como organização de suporte a empresas, em detrimento de
sua função pública de produção e socialização de conhecimento voltado
para os problemas lógicos e epistemológicos do conhecimento e para os
problemas atuais e futuros dos povos.
Em relação à primeira hipótese, a análise do orçamento 2012 (1)
evidencia que o gasto com pessoal segue estabilizado em torno de 4,3% do
PIB, frente a uma receita de tributos federais de 24% do PIB.
Entretanto, os juros e o serviço da dívida seguem consumindo o grosso
dos tributos que continuam crescendo acima da inflação.
Com efeito, entre 2001 e 2010 os tributos cresceram 265%, frente a
uma inflação de 90% (IPCA). Conforme a LDO para o ano de 2012, a
previsão de crescimento da receita é de 13%, porém os gastos com
pessoal, conforme a mesma fonte, crescerão apenas 1,8% em valores
nominais. O corte de R$ 55 bilhões em 2012 (inclusive mais de 22% das
verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT) não é, obviamente,
para melhorar o Estado social, mas, antes, para seguir beneficiando os
portadores de títulos da dívida pública que receberam, somente em 2012,
R$ 369,8 bilhões (até 11/05), correspondentes a 56% do gasto federal
(2).
Ademais, em virtude da pressão de diversos setores que compõem o
bloco de poder, o governo federal está ampliando as isenções fiscais,
como recentemente para as corporações da indústria automobilística,
renúncias fiscais que comprovadamente são a pior e mais opaca forma de
gasto público e que ultrapassam R$ 145 bilhões/ano. A despeito dessas
opções em prol dos setores dominantes, algumas carreiras tiveram
modestas correções, como as do MCT e do IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada). Em suma, a hipótese não é verdadeira: não há crise
fiscal. Os governos, particularmente desde a renegociação da dívida do
Plano Brady (1994), seguem priorizando os bancos e as frações que estão
no núcleo do bloco de poder (vide financiamento a juros subsidiados do
BNDES, isenções para as instituições de ensino superior
privadas-mercantis etc.). Contudo, os grandes números permitem sustentar
que a intransigência do governo em relação à carreira dos
professores das IFES não se deve à falta de recursos públicos para a
reestruturação da carreira. São as opções políticas do governo que
impossibilitam a nova carreira.
Segunda hipótese. De fato, seria muita ingenuidade ignorar que as
medidas protelatórias objetivam empurrar as negociações para o final do
semestre, impossibilitando os projetos de lei de reestruturação da
carreira, incluindo a nova malha salarial e a inclusão destes gastos
públicos na LDO de 2013. O simulacro de negociações tem como atores
principais o MEC (Ministério da Educação), que se exime de qualquer
responsabilidade sobre as universidades e a carreira docente, o MPOG
(Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), que defende a
conversão da carreira acadêmica em uma carreira para empreendedores, e,
como coadjuvante, a própria organização pelega que faz o papel dos
truões, alimentando a farsa do jogral das negociações.
Terceira hipótese. É a que possui maior lastro empírico. As duas
hipóteses anteriores podem ser compreendidas de modo mais refinado no
escopo desta última hipótese. De fato, o modelo de desenvolvimento em
curso aprofunda a condição capitalista dependente do país, promovendo a
especialização regressiva da economia. Se, em termos de PIB, os
resultados são alvissareiros, a exemplo dos indicadores de concentração
de renda que alavancam um seleto grupo de investidores para a exclusiva
lista dos 500 mais ricos do mundo da Forbes, o mesmo não pode ser dito em relação à educação pública.
Os salários dos professores da educação básica são os mais baixos
entre os graduados (3) e, entre as carreiras do Executivo, a dos
docentes é a de menor remuneração. A idéia-força é de que os docentes
crescentemente pauperizados devem ser induzidos a prestar serviços, seja
ao próprio governo, operando suas políticas de alívio à pobreza,
alternativa presente nas ciências sociais e humanas, ou, no caso das
ciências ditas duras, a se enquadrarem no rol das atividades de pesquisa
e desenvolvimento (ditas de inovação), funções que a literatura
internacional comprova que não ocorrem (e não podem ser realizadas) nas
universidades (4).
A rigor, em nome da inovação, as corporações querem que as
universidades sejam prestadoras de serviços diversos que elas próprias
não estão dispostas a desenvolver, pois envolveriam a criação de
departamentos de pesquisa e desenvolvimento e a contratação de pessoal
qualificado. O elenco de medidas do Executivo que operacionaliza esse
objetivo é impressionante: Lei de Inovação Tecnológica,
institucionalização das fundações privadas ditas de apoio, abertura de
editais pelas agências de fomento do MCT para atividades empreendedoras.
Somente nos primeiros meses deste ano o Executivo viabilizou a
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, um ente privado, que
submete os Hospitais Universitários aos princípios das empresas privadas
e aos contratos de gestão preconizados no plano de reforma do Estado (Lei nº. 12.550,
15 de dezembro de 2012), a Funpresp (Fundação de Previdência
Complementar dos Servidores Públicos Federais), que limita ao teto de R$
3.916,20, medida que envolve enorme transferência de ativos públicos
para o setor rentista e que fragiliza, ainda mais, a carreira dos novos
docentes - pois, além de não terem aposentadoria integral, não possuirão
o FGTS, restando como última alternativa a opção pelo empreendedorismo
que, ilusoriamente (ao menos para a grande maioria dos docentes),
poderia assegurar algum patrimônio para a aposentadoria.
Ademais, frente à ruína da infra-estrutura, os docentes devem captar
recursos por editais para prover o básico das condições de trabalho. Por
isso, nada mais coerente do que a insistência do Executivo em
uma carreira que converte os professores em empreendedores que ganham
por projetos, freqüentemente ao custo da ética na produção do
conhecimento (5).
Os operadores desse processo de reconversão da função social da
universidade pública e da natureza do trabalho e da carreira docentes
parecem convencidos de que já conquistaram os corações e as mentes dos
professores e por isso apostam no impasse nas negociações. O
alastramento da greve nacional dos professores das IFES e o vigoroso e
emocionante apoio estudantil a essa luta sugerem que os analistas
políticos do governo federal podem estar equivocados. A adesão crescente
dos professores e estudantes ao movimento comprova que existe um forte
apreço da comunidade acadêmica ao caráter público, autônomo e crítico da
universidade. E não menos relevante, de que a consciência política não
está obliterada pela tese do fim da história (6).
A exemplo de outros países, os professores e os estudantes
brasileiros demonstram coragem, ousadia e determinação na luta em prol
de uma universidade pública, democrática e aberta aos desafios do tempo
histórico!
Notas:
(1) http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/infos/info_orcamento_para_2012/ORCAMENTO_PARA_2012.html
(4) Mansfield, Edwin 1998 Academic research and industrial
innovation: An update of empirical findings em Research Policy 26, p.
773–776.
(5) Charles Ferguson, A corrupção acadêmica e a crise financeira, disponível em: http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2012/05/27/a-corrupcao-academica-e-a-crise-financeira.jhtm
(6) Marcelo Badaró Mattos, Algo de novo no reino das Universidades Federais?
Roberto Leher é doutor em Educação pela Universidade de São
Paulo, professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
coordenador do Observatório Social da América Latina – Brasil/ Clacso e
do Projeto Outro Brasil (Fundação Rosa Luxemburgo).
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sábado, 9 de junho de 2012
‘Universidade de serviços’ explica intransigência do governo com universidades públicas federais
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POLITICAS PUBLICAS
quinta-feira, 7 de junho de 2012
CIA traficava drogas para financiar guerras
Lá no início da “guerra contra as drogas”, em 1971, os Estados Unidos já desenvolviam ao mesmo tempo o tráfico de heroína no Sudeste Asiático
Após
várias décadas da “guerra contra as drogas”, acompanhada por um custo
colossal em vidas humanas e recursos materiais, os narcotraficantes hoje
são mais fortes do que nunca e controlam um território maior do que em
qualquer época.
Nos últimos seis anos, ocorreram no México mais
de 47 mil assassinatos relacionados ao tráfico de drogas. O número de
mortes foi de 2.119, em 2006, para cerca de 17 mil, em 2011. Em 2008, o
Departamento de Justiça estadunidense advertiu que as OTDs (Organizações
de Tráfico de Drogas), vinculadas a cartéis mexicanos, estavam ativas
em todas as regiões dos Estados Unidos. Na Flórida atuam máfias
associadas ao cartel do Golfo, aos Zetas e à Federação de Sinaloa. Miami
é um dos principais centros de recepção e distribuição de drogas. Além
dos mencionados, outros cartéis, como o de Juárez e o de Tijuhana,
operam nos Estados Unidos.
Os cartéis do México ganharam maior
força depois que substituíram os colombianos de Cali e Medellín nos anos
1990 e controlam agora 90% da cocaína que entra nos Estados Unidos. O
maior estímulo ao narcotráfico é o alto consumo estadunidense. Em 2010,
uma pesquisa nacional do Departamento de Saúde revelou que
aproximadamente 22 milhões de estadunidenses maiores de 12 anos consomem
algum tipo de droga.
Esses, que são apenas alguns dos mais
inquietantes dados estatísticos, permitem questionar a eficácia da
chamada “guerra contra as drogas”. É impossível crer que exista
realmente uma vontade política para por fim a este flagelo universal
quando observamos o papel desempenho o narcotráfico a serviço da
contra-revolução, para a expansão das transnacionais e para as ambições
geopolíticas dos Estados Unidos e outras potências.
Tráfico da CIA
Repassemos,
em síntese, a história recente. A administração de Richard Nixon, ao
iniciar a “guerra contra as drogas” (1971), desenvolve ao mesmo tempo o
tráfico de heroína no Sudeste Asiático com o propósito de financiar suas
operações militares nessa região. A heroína produzida no Triângulo de
Ouro (de onde se unem as zonas montanhosas do Vietnã, Laos, Tailândia e
Myanmar) era transportada em aviões da “Air America”, propriedade da CIA
(Agência Central de Inteligência). Em uma conferência de imprensa
televisionada em primeiro de junho de 1971, um jornalista perguntou a
Nixon: “Senhor presidente, o que você fará com as dezenas de milhares de
soldados estadunidenses que regressam viciados em heroína?”
As
operações do “Air America” continuaram até a queda de Saigon em 1975.
Enquanto a CIA transportava ópio e heroína do Sudeste Asiático, o
tráfico e consumo de drogas nos Estados Unidos se convertia em tragédia
nacional. O presidente Gerald Ford solicitou ao Congresso, em 1976, a
aprovação de leis que substituíssem a liberdade condicional com a
prisão, estabelecessem condenações mínimas obrigatórias e negassem as
fianças para determinados delitos envolvendo drogas. O resultado foi um
aumento exponencial do número de condenados por delitos relacionados com
o tráfico e consumo de drogas e, por conseguinte, conversão de Estados
Unidos no país com maior população prisional do mundo. O peso principal
desta política punitiva caiu sobre a população negra e outras minorias.
As
administrações estadunidenses durante os anos 1980 e 1990 apoiaram a
governos sul-americanos envolvidos diretamente no tráfico de cocaína.
Durante a administração Carter, a CIA interveio para evitar que dois dos
chefes do cartel de Roberto Suárez (rei da cocaína) fossem levados a
juízo nos Estados Unidos. Ao ficar livres, puderam regressar a Bolívia e
atuar como protagonistas no golpe de estado de 17 de julho de 1980,
financiado pelos barões da droga. A sangrenta tirania do general Luis
García Meza foi apoiada pela administração de Ronald Reagan.
A
participação mais conspícua da administração Reagan no narcotráfico foi o
escândalo conhecido como “Irã-Contras” cujo eixo mais propagandeado foi
a obtenção de fundos para financiar o conflito nicaragüense mediante a
venda ilegal de armas ao Irã, mas está bem documentado, ademais, o apoio
de Reagan, com este mesmo propósito, ao tráfico de cocaína dentro e
fora dos Estados Unidos.
O jornalista William Blum explica essas
conexões em seu livro “Rogue State”. Na Costa Rica, que servia como
Frente Sul dos “contras” (Honduras era a Frente Norte) operavam várias
redes “CIA-contras” envolvidas com o tráfico de drogas. Estas redes
estavam associadas com Jorge Morales, colombiano residente em Miami. Os
aviões de Morales eram carregados com armas na Flórida, voavam à América
Central e regressavam carregados de cocaína. Outra rede com base na
Costa Rica era operada por cubanos anti-castristas contratados pela CIA
como instrutores militares. Esta rede utilizava aviões dos “contras” e
de uma companhia de venda de camarões que lavava dinheiro da CIA, no
translado da droga aos Estados Unidos.
Em Honduras, a CIA
contratou a Alan Hyde, o principal traficante nesse país (“o padrinho de
todas as atividades criminais” de acordo com informações do governo dos
Estados Unidos), para transportar em suas embarcações abastecimento aos
“contras”. A CIA, de volta, impediria qualquer ação contra Hyde de
agências anti-narcóticos.
Os caminhos da cocaína tinham
importantes estações, como a base aérea de Ilopango, em El Salvador. Um
ex-oficial da CIA, Celerino Castillo, descreveu como os aviões
carregados de cocaína voavam em direção ao norte, aterrizavam
impunemente em vários lugares dos Estados Unidos, incluindo a base da
Força Aérea no Texas, e regressavam com dinheiro abundante para
financiar a guerra. “Tudo sob o guarda-chuva protetor do governo dos
Estados Unidos”. A operação de Ilopango se realizava sob a direção de
Félix Rodríguez (aliá, Max Gómez) em conexão com o então vice-
presidente George H. W. Bush e com Oliver North, quem formava parte da
equipe do Conselho de Segurança Nacional de Reagan.
Em 1982, o
diretor da CIA, William Casey, negociou um “memorando de entendimento”
com o fiscal geral, William French Smith, que exonerava a CIA de
qualquer responsabilidade relacionada às operações de tráfico de drogas
realizadas por seus agentes. Este acordo esteve em vigor até 1995.
Reagan
e seu sucessor, George H. W. Bush, patrocinaram o “homem da CIA no
Panamá”, Manuel Noriega, vinculado ao cartel de Medellín e à lavagem de
grandes quantidades de dinheiro procedentes da venda da droga. Quando
Noriega deixou de ser útil e se converteu em estorvo, os Estados Unidos
invadiram Panamá (20 de dezembro de 1989) em um bárbaro ato sem
precedentes contra o direito internacional e a soberania de um país
pequeno.
Michael Ruppert, jornalista e ex-oficial do setor de
narcóticos, apresentou em 1997 uma larga declaração, acompanhada de
provas documentais aos comitês de inteligência (“Select Intelligence
Committees”) de ambas Câmaras do Congresso. Em um dos parágrafos afirma:
“A CIA traficou drogas não só durante a época dos “Irã-contras”, mas o
tem feito durante todos os cinqüenta anos de sua história. Hoje lhes
apresentarei evidências que demonstrarão que a CIA, e muitas figuras que
se fizeram célebres durante o ‘Irã-contras’, como Richard Secord, Ted
Shackley, Tom Clines, Félix Rodríguez e George H. W. Bush , venderam
drogas aos estadunidenses desde a época do Vietnã.”
Em 1999, sob a
administração de Bill Clinton, os Estados Unidos bombardearam
impiedosamente o povo iugoslavo durante 78 dias. De novo aqui aparece o
narcotráfico no fundo das motivações. Os serviços de inteligência dos
Estados Unidos e seus homólogos da Alemanha e Grã-Bretanha utilizaram o
tráfico de heroína para financiar a criação e o equipamento do Exército
de Libertação de Kosovo. A heroína proveniente da Turquia e da Ásia
Central passava pelo Mar Negro, Bulgária , Macedônia e Albânia (Rota dos
Balcãs) com destino a Itália. Com a destruição da Sérvia e o
fortalecimento – desejado ou não – da máfia albanesa, a administração
Clinton deixava livre o caminho da droga desde o Afeganistão até a
Europa Ocidental. De acordo com informes da DEA e do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos, cerca de 80 % da heroína que se introduz na
Europa passa através de Kosovo.
“Planos” Colômbia
Várias
administrações estadunidenses, e em particular a de George W. Bush,
foram cúmplices do genocídio na Colômbia. A “guerra contra as drogas”
sustentada pelos Estados Unidos com recursos financeiros
multimilionários, assistência técnica e volumosa ajuda militar, não
conseguiu deter o fluxo de cocaína e, pelo contrário, tem sido
determinante no surgimento e desenvolvimento dos grupos paramilitares a
serviço dos proprietários de terras com plantações de drogas, e também
como pretexto para manter o domínio sobre os trabalhadores e a população
camponesa. O Plano Colômbia resultou num completo fracasso, mas serviu
como tela de fundo para a ingerência dos Estados Unidos no país e
mostrou claramente seu verdadeiro objetivo, a contra-revolução.
Muitas
vezes se esquece que o narcotráfico é provavelmente o negócio mais
lucrativo dos capitalistas. Com a guerra na Colômbia lucram as empresas
químicas que produzem os herbicidas, a indústria aeroespacial que
abastece helicópteros e aviões, os fabricantes de armas e, em geral,
todo o complexo militar-industrial. Os bilhões de dólares que gera o
tráfico ilegal de drogas, também incrementam o poder financeiro das
corporações transnacionais e da oligarquia local.
A recente
declaração do Secretariado de Estado Maior Central das FARC-EP, em vista
do quadragésimo oitavo aniversário do início da luta armada rebelde,
denuncia este vínculo drogas-capital: “os dinheiros do narcotráfico se
convertem em terras, inundam a banca, as finanças, os investimentos
produtivos e especulativos, a hotelaria, a construção e a contratação
pública, resultando funcionais e necessários no jogo de captação e
circulação de grandes capitais que caracteriza a capitalismo neoliberal
de hoje. Igualmente ocorre na América Central e no México.”
O
Tratado de Livre Comércio Estados Unidos-México (NAFTA) obrigou
numerosos camponeses, ante a competitividade de produtos agrícolas
estadunidenses, a cultivar em suas terras papoula e maconha. Outros,
frente à alternativa de trabalho escravo nas indústrias “maquiladoras”,
preferem ingressar nas redes mafiosas da droga. O grande aumento do
tráfico de mercadorias através da fronteira e dos controles bancários
para combater o terrorismo, provocou a lavagem de dinheiro dos bancos
até as corporações comerciais. A complexidade e o volume das operações
financeiras, e o fluxo instantâneo e constante de capitais “on line”, tornam extremamente difícil seguir o rastro das transações ilícitas.
Uma
das conseqüências do NAFTA é a impunidade quase total que acompanha o
fluxo de narcodólares em ambos lados da fronteira. Igualmente como no
México, o Tratado de Livre Comércio recentemente em vigor na Colômbia
estimulará a violência, o narcotráfico e a repressão sobre os
trabalhadores e camponeses. A “Iniciativa Mérida”, apor sua vez, é
somente a versão ‘México-Centroamericana’ do Plano Colômbia.
Devemos
meditar sobre o fato de que em todos os cenários de onde os Estados
Unidos têm intervindo militarmente, principalmente naqueles onde tem
ocupado a sangue e fogo o território, o narcotráfico, sem diminuir, como
seria de esperar, está multiplicado e fortalecido. No Afeganistão, o
cultivo de papoula se reduziu drasticamente durante o governo dos
talebãs para alcançar logo, sob a ocupação estadunidense, um crescimento
acelerado. O Afeganistão é atualmente o primeiro produtor de ópio do
mundo, mas, ademais, já não exporta somente em forma de pasta para seu
processamento em outros países, mas fabrica a heroína e a morfina em seu
próprio território.
Se nos atemos aos fatos históricos,
poderíamos afirmar que a política dos Estados Unidos não tem sido a de
“guerra contra as drogas”, senão a de “drogas para a guerra”. (da alainet.org)
Tradução: Eduardo Sales de Lima
O governo Dilma diante das greves
Vive-se um momento contraditório no país: ao mesmo tempo em que o
governo mantém altos índices de popularidade e a estabilidade econômica
alcançada em meio à mais grave crise do capitalismo desde 1929, graves
problemas na Educação e na Saúde vêm a público, no bojo da insatisfação
de médicos e professores. A greve destes atinge 20 dias, tem número de
adesões crescente (já são 51 instituições paradas) e permanece sem
perspectiva de solução. Concomitantemente, ocorrem dezenas de greves de
professores estaduais e municipais.
Agora a situação se deteriora ainda mais: desde ontem, quando o ministro Aloizio Mercadante (Educação) chamou os representantes docentes à mesa de negociação mas, invocando as incertezas do cenário econômico internacional, não apresentou proposta, servidores públicos de 31 categorias profissionais, que protocolaram sua pauta de reivindicações no longínquo janeiro, decidiram aderir à paralisação até o próximo dia 18, como forma de protesto, após uma dezena de reuniões infrutíferas com o governo.
Não obstante a gravidade da situação, tal cenário quase não tem atraído as atenções da mídia corporativa, cuja orientação neoliberal inclui, naturalmente, um desprezo acentuado pelo funcionalismo público. Só abre eventuais exceções quando – como ontem, no MEC - há quebra-quebra e a possibilidade sempre excitante de incriminar os movimentos sociais. Para muito além desses interesses de fundo, porém, tal comportamento se insere em um contexto histórico e político específico que ora já pode ser entendido como demarcador de um capítulo da história da imprensa: o seu relacionamento com os governos federais petistas.
Mídia omissa
Agora a situação se deteriora ainda mais: desde ontem, quando o ministro Aloizio Mercadante (Educação) chamou os representantes docentes à mesa de negociação mas, invocando as incertezas do cenário econômico internacional, não apresentou proposta, servidores públicos de 31 categorias profissionais, que protocolaram sua pauta de reivindicações no longínquo janeiro, decidiram aderir à paralisação até o próximo dia 18, como forma de protesto, após uma dezena de reuniões infrutíferas com o governo.
Não obstante a gravidade da situação, tal cenário quase não tem atraído as atenções da mídia corporativa, cuja orientação neoliberal inclui, naturalmente, um desprezo acentuado pelo funcionalismo público. Só abre eventuais exceções quando – como ontem, no MEC - há quebra-quebra e a possibilidade sempre excitante de incriminar os movimentos sociais. Para muito além desses interesses de fundo, porém, tal comportamento se insere em um contexto histórico e político específico que ora já pode ser entendido como demarcador de um capítulo da história da imprensa: o seu relacionamento com os governos federais petistas.
Mídia omissa
A mais grave crise da imprensa brasileira, tanto em termos comerciais -
face às dificuldades para competir com o conteúdo gratuito oferecido
pela internet - quanto éticos – graças à negligência de regras básicas
do bom jornalismo e à ação como partido político, que fazem com que se
encontre profundamente desacreditada - está prestes a completar uma
década, posto que deflagrada a partir da campanha eleitoral de 2002, a
qual levou Lula, pela primeira vez, à Presidência.
Muitos e graves são os efeitos deletérios ora ocasionados ao país pela virtual ausência de um jornalismo sério que, malgrado suas ligações com o grande capital, ao menos se esforçasse para aparentar profissionalismo e imparcialidade, como se faz em boa parte do mundo.
Mas não: além da insistência obsessiva em reafirmar, como dogma, um receituário neoliberal desautorizado pela história socioeconômica – como os índices de desemprego e a grave crise vivenciados no passado pelo Brasil e ora pelas nações do norte ocidental ilustram de forma cabal – e da tendência a se aferrar a um conservadorismo patrimonialista, contrário a tudo que recenda a lutas sociais – de reforma agrária a liberdades comportamentais, de direitos sobre o próprio corpo a greve como forma de reivindicação –, a imprensa brasileira abusa de expedientes baixos, de manipulações grosseiras, de armações várias, dos quais o inacreditável fuzuê em torno das declarações de Gilmar Mendes e as evidências da CPI do Cachoeira envolvendo a revista Veja e o crime organizado são as provas mais recentes.
O nó da questão
Muitos e graves são os efeitos deletérios ora ocasionados ao país pela virtual ausência de um jornalismo sério que, malgrado suas ligações com o grande capital, ao menos se esforçasse para aparentar profissionalismo e imparcialidade, como se faz em boa parte do mundo.
Mas não: além da insistência obsessiva em reafirmar, como dogma, um receituário neoliberal desautorizado pela história socioeconômica – como os índices de desemprego e a grave crise vivenciados no passado pelo Brasil e ora pelas nações do norte ocidental ilustram de forma cabal – e da tendência a se aferrar a um conservadorismo patrimonialista, contrário a tudo que recenda a lutas sociais – de reforma agrária a liberdades comportamentais, de direitos sobre o próprio corpo a greve como forma de reivindicação –, a imprensa brasileira abusa de expedientes baixos, de manipulações grosseiras, de armações várias, dos quais o inacreditável fuzuê em torno das declarações de Gilmar Mendes e as evidências da CPI do Cachoeira envolvendo a revista Veja e o crime organizado são as provas mais recentes.
O nó da questão
Esse quadro acima descrito, que promove o esvaziamento do jornalismo
como campo de valoração e intermediação, acaba por afetar
substancialmente a circulação qualitativa da comunicação na sociedade, a
difusão de critérios valorativos à ética na política e seu
acompanhamento, o grau de consciência cívica dos cidadãos, a
constituição de narrativas histórico-políticas, entre outros temas. Tudo
isso faz com que a relação entre mídia, cidadania e democracia se
afigure, atualmente, como um ponto nodal para o avanço da democracia no
país.
Para além dessas características eminentemente negativas, talvez o aspecto mais contraditório – e mais revelador da pouca inteligência política que caracteriza a estratégia do conservadorismo midiático – seja que, ao optar pela desqualificação grosseira, pelo denuncismo seletivo e pela repetição de mantras e dados em sua maioria inverídicos, ele deixa tanto de reconhecer méritos (a muitos evidentes) quanto de apontar falhas e deméritos efetivos dos governos Lula e Dilma. Isso, por sua vez, acaba por gerar um fenômeno paradoxal, uma vicissitude crítica de consequências anestesiantes, que merece ser examinado com maior detalhamento.
Um ano e meio de governo
Para além dessas características eminentemente negativas, talvez o aspecto mais contraditório – e mais revelador da pouca inteligência política que caracteriza a estratégia do conservadorismo midiático – seja que, ao optar pela desqualificação grosseira, pelo denuncismo seletivo e pela repetição de mantras e dados em sua maioria inverídicos, ele deixa tanto de reconhecer méritos (a muitos evidentes) quanto de apontar falhas e deméritos efetivos dos governos Lula e Dilma. Isso, por sua vez, acaba por gerar um fenômeno paradoxal, uma vicissitude crítica de consequências anestesiantes, que merece ser examinado com maior detalhamento.
Um ano e meio de governo
Pois desse modo agindo, a parcialidade antigovernista tende, por um
lado, a tornar indistintas, do ponto de vista de seu grau de procedência
e de sua veracidade, as críticas que faz ao governo. Isso, por outro
lado, incita - nas redes sociais, sobretudo – uma resposta contrária e
em igual medida, porém pró-governista. Assim, seja pela dificuldade de
separar o joio do trigo nas críticas da mídia ao governo, peneirando o
que é procedente e o que não é, ou seja pela impropriedade de se esperar
que as respostas coletivas e de natureza eminentemente reativa das
redes sociais somem à exaltação dos méritos o ato de botar o dedo nas
feridas governistas, acaba-se por não se desenvolver devidamente e a
contento o exame de questões problemáticas e dos pontos fracos da gestão
federal – e isso, ao contrário do que possa inicialmente aparecer, é
prejudicial não só para a mídia, mas, mais ainda, para o governo Dilma
Rousseff e para o país.
E fica cada vez mais claro que o governo Dilma oferece até agora, quase um ano e meio depois de seu início e na iminência de ingressarmos em mais um período eleitoral, um legado contraditório, cujos méritos diversos merecem, sem dúvida, ser reconhecidos, mas cujos pontos indubitavelmente problemáticos não podem permanecer eclipsados pelo paradoxo gerado pela atuação obscurantista da imprensa neoliberal, de um lado, e, de outro, pelo otimismo muitas vezes condescendente de seus simpatizantes, entusiastas e militante nos blogs e redes sociais (neste sentido, é altamente simbólico que o ápice da deterioração das relações entre governo e servidores tenha se dado concomitantemente a um momento em que as redes sociais fervilhavam de irônica autocongratulação, com tags como #serpetralha e #BolsaTwitter).
Pois, desse modo, acabamos no pior dos mundos para as demandas trabalhistas, posto que tanto o entusiasmo cego de uns quanto o neoliberalismo dogmático de outros acaba por fazer vista grossa para tais reivindicações – advindas, no caso, de servidores responsáveis justamente pela aplicação das políticas sociais do Estado, na Educação, na Saúde e para além destas.
Méritos e desacertos
E fica cada vez mais claro que o governo Dilma oferece até agora, quase um ano e meio depois de seu início e na iminência de ingressarmos em mais um período eleitoral, um legado contraditório, cujos méritos diversos merecem, sem dúvida, ser reconhecidos, mas cujos pontos indubitavelmente problemáticos não podem permanecer eclipsados pelo paradoxo gerado pela atuação obscurantista da imprensa neoliberal, de um lado, e, de outro, pelo otimismo muitas vezes condescendente de seus simpatizantes, entusiastas e militante nos blogs e redes sociais (neste sentido, é altamente simbólico que o ápice da deterioração das relações entre governo e servidores tenha se dado concomitantemente a um momento em que as redes sociais fervilhavam de irônica autocongratulação, com tags como #serpetralha e #BolsaTwitter).
Pois, desse modo, acabamos no pior dos mundos para as demandas trabalhistas, posto que tanto o entusiasmo cego de uns quanto o neoliberalismo dogmático de outros acaba por fazer vista grossa para tais reivindicações – advindas, no caso, de servidores responsáveis justamente pela aplicação das políticas sociais do Estado, na Educação, na Saúde e para além destas.
Méritos e desacertos
Não se deve, por certo, deixar de reconhecer os méritos do atual
governo, em que se destacam, por estruturais, as políticas de
erradicação da miséria e de seguridade socioeconômica, de um lado, e a
estabilidade econômica de outro, esta notadamente por se dar em meio a
uma grande crise mundial, como já mencionado. Trata-se de um feito que
não pode ser menosprezado: a título de comparação, basta examinar as
consequências devastadoras que a crise do petróleo gerou na economia
brasileira do início dos anos 80 ou, num exemplo mais próximo e com a
economia já altamente globalizada, as três vezes em que o Brasil quase
foi à falência durante o segundo governo de Fernando Henrique devido a
crises econômicas localizadas, bem menores do que a atual, e que legaram
ao país muita carestia e desemprego.
Convém frisar ainda que, a despeito do baixo crescimento dos últimos meses, o desempenho da economia brasileira, no governo Dilma, tem contemplado, de forma inédita, um esforço para redução substancial dos juros e atenção aos níveis de desemprego (que se encontram no menor índice da série histórica), de crédito e de consumo. Destarte, não tem sido possível, nos últimos anos, bradar a constatação antes renitente de que “a economia vai bem, mas o país vai mal”.
Recursos há
Convém frisar ainda que, a despeito do baixo crescimento dos últimos meses, o desempenho da economia brasileira, no governo Dilma, tem contemplado, de forma inédita, um esforço para redução substancial dos juros e atenção aos níveis de desemprego (que se encontram no menor índice da série histórica), de crédito e de consumo. Destarte, não tem sido possível, nos últimos anos, bradar a constatação antes renitente de que “a economia vai bem, mas o país vai mal”.
Recursos há
Por outro lado, o rigor fiscal continua recebendo um tratamento
prioritário que é negado a áreas sociais fundamentais, tais como saúde e
educação. Mesmo já atingida a por si excessiva meta de superávit
primário em abril, o governo continua economizando, enquanto promove um
inaceitável corte de salários de 48 mil médicos e trata com marasmo a greve dos professores universitários federais.
Saúde e educação são – ou deveriam ser duas áreas de máxima prioridade para um governo alegadamente comprometido com a real promoção de avanços sociais e democráticos. Durante toda a campanha eleitoral e em seu discurso de posse, Dilma reiterou que a Educação seria, em suas palavras, “prioridade número um”.
Porém o que se vê agora está muito distante de honrar esse compromisso: o governo, embora siga promovendo um superávit primário absurdamente alto e disponha de recursos que o permitem perdoar dívidas milionárias das teles e continuar abdicando de impostos para estimular compra de carros e de eletrodomésticos, se recusa a sequer apresentar uma contraproposta às categorias profissionais em greve, que tem sido tratadas com um descaso incompatível com um governo popular.
Incoerência programática
Saúde e educação são – ou deveriam ser duas áreas de máxima prioridade para um governo alegadamente comprometido com a real promoção de avanços sociais e democráticos. Durante toda a campanha eleitoral e em seu discurso de posse, Dilma reiterou que a Educação seria, em suas palavras, “prioridade número um”.
Porém o que se vê agora está muito distante de honrar esse compromisso: o governo, embora siga promovendo um superávit primário absurdamente alto e disponha de recursos que o permitem perdoar dívidas milionárias das teles e continuar abdicando de impostos para estimular compra de carros e de eletrodomésticos, se recusa a sequer apresentar uma contraproposta às categorias profissionais em greve, que tem sido tratadas com um descaso incompatível com um governo popular.
Incoerência programática
Tal postura intransigente acaba por permitir lances do mais hipócrita
oportunismo, como o recente apoio do PSDB à greve. Ora, os tucanos não
têm moral para se solidarizar com quem sempre maltrataram: quando no
poder, com FHC, faltou giz e dinheiro para pagar conta de luz nas
universidades federais, que estiveram à beira do colapso (este era mesmo
o objetivo, para privatizar o ensino superior).
No entanto, se continuar a tratar as demandas de seus servidores como os últimos itens a serem contemplados em sua agenda governamental, a administração Dilma Rousseff estará não só facilitando o trabalho de seus opositores – seja através de lances hipócritas como o acima mencionado, seja por desvalorizar o setor público para gáudio do conservadorismo – mas diminuindo a qualidade e a efetividade da ação do Estado nas áreas de Saúde e de Educação - e, assim, afastando-se da plataforma de um governo progressista e prejudicando o povo e o país.
No entanto, se continuar a tratar as demandas de seus servidores como os últimos itens a serem contemplados em sua agenda governamental, a administração Dilma Rousseff estará não só facilitando o trabalho de seus opositores – seja através de lances hipócritas como o acima mencionado, seja por desvalorizar o setor público para gáudio do conservadorismo – mas diminuindo a qualidade e a efetividade da ação do Estado nas áreas de Saúde e de Educação - e, assim, afastando-se da plataforma de um governo progressista e prejudicando o povo e o país.
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quarta-feira, 6 de junho de 2012
Brasil de Fato lança “Especial Privataria Tucana”
do Brasil de Fato
Após dois meses de campanha, o jornal Brasil de Fato encerrou, no dia 31 de maio, a arrecadação de fundos para levar o conteúdo do livro A Privataria Tucana a todos os recantos do Brasil.
Graças à colaboração de 497 brasileiras e brasileiros, nos foi
possível arrecadar um total de R$ 56.883,13 – o que nos possibilitou a
impressão de 400 mil jornais que já estão sendo distribuídos
gratuitamente por várias regiões do país.
O jornal especial, obviamente, não reproduz todo o livro. Mas, com esta edição, o Brasil de Fato pretende
somar-se ao corajoso e incansável trabalho feito pela blogosfera
(blogueiros progressistas) na tarefa de popularizar as denúncias feitas
pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. em seu livro.
Mais do que isso, o especial conclama a população a pressionar os
parlamentares para que instalem uma CPI da privataria tucana, no
Congresso, em Brasília.
Você que contribuiu e que deseja receber em sua casa alguns exemplares, por favor, entre em contato com o jornal pelo email juliana@brasildefato.com.br
O jornal Brasil de Fato agradece a tod@s na certeza
de que a divulgação do conteúdo desse livro é um grande serviço à
sociedade brasileira, pois, acreditamos ser necessário que a população
brasileira saiba quem sucateou e roubou o patrimônio público desse país,
construído e legado pelas gerações que nos antecederam.
Hollande volta a permitir que franceses se aposentem aos 60 anos
Da Redação do SUL21
O presidente da França, François Hollande, cumpriu nesta quarta-feira
(6) a promessa feita durante a campanha eleitoral e anunciou que os
franceses poderão se aposentar aos 60 anos e não mais aos 62, como havia
fixado o ex-presidente Nicolas Sarkozy. A mudança na faixa etária para a
aposentadoria foi um dos temas polêmicos durante a campanha
presidencial. A decisão foi anunciada pela ministra dos Assuntos
Sociais, Marisol Touraine, depois da reunião do Conselho de Ministros.
A ministra disse que a medida deve beneficiar cerca de 110 mil
trabalhadores até o final de 2013 e causar um impacto de 1,1 bilhão de
euros apenas neste ano e chegar a 3 bilhões até 2017 – quando acaba o
mandato do presidente Hollande.
De acordo com dados do governo, os franceses favorecidos pela mudança
são aqueles que começaram a trabalhar antes dos 19 anos e sempre
contribuíram com a Previdência Social. Na prática, a medida exige que o
trabalhador tenha contribuído por, no mínimo, 41 anos com a Previdência
Social.
A ministra disse que a decisão é “uma medida de justiça para aqueles
que foram mais duramente penalizados com a reforma de 2010” – que elevou
de 60 para 62 anos a idade mínima para a aposentadoria.
A reforma anunciada hoje autoriza ainda que as mulheres tenham uma
licença-maternidade de seis meses, e o direito de os desempregados
recebam benefícios por dois trimestres. Segundo a ministra, as medidas
passam a valer a partir de novembro.
Com informações da Agência Brasil
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terça-feira, 5 de junho de 2012
Vandana Shiva: "financeirização da economia está na raiz da crise"
Em entrevista à Carta Maior, a ativista indiana Vandana Shiva fala sobre suas expectativas em relação a Rio+20. Ela não acredita que a conferência da ONU consiga firmar compromissos de mudanças mais significativas em função da influência das grandes corporações. Neste cenário, defende, o papel da Cúpula dos Povos adquire maior importância. Para Vandana Shiva, a crise atual não poderá ser resolvida com mais financeirização e mais mercantilização.
Ana Paula Salviatti no CARTA MAIOR
Vandana Shiva, que participará da Rio+20 e da Cúpula dos Povos, é a autora do livro ‘The Violence of Green Revolution’
de 1991 (A Violência da Revolução Verde), uma leitura obrigatória para o
debate sobre a produção agrícola alterada pela ‘Revolução Verde’;
‘revolução’ que trouxe para o plano agrícola a lógica que impôs o uso de
pesticidas e sementes transgênicas, dentre muitas outras modificações,
que Vandana explora profundamente em seu livro, infelizmente ainda sem
tradução para o português.
Ela é defensora dos direitos humanos e do meio ambiente, os quais infelizmente muitas vezes são defendidos como causas separadas, mas que possuem intrínseca conexão pois os dois são explorados, cada um a sua forma, pela lógica econômica capitalista.
Vandana trabalha por uma economia verde sem dogmas e não foge ao debate sobre questões necessárias para barrar o avanço da situação que se encontram tanto trabalhadores, como natureza. A ativista também levanta a bandeira da situação das mulheres indianas, da segurança alimentar e da preservação dos povos e culturas locais. É fundadora da ONG indiana Navdanya, que, entre outras agendas, estimula a agricultura orgânica local.
Infelizmente seu livro "The Violence of Green Revolution" não foi traduzido para o português até hoje. Você poderia trazer ao nosso leitor uma exposição dá época em que ele foi escrito juntamente de uma análise dos desdobramentos que se deram dos anos 80 prá cá em relação as perdas da agricultura, não só na Índia como nos outros países.
Comecei a fazer a pesquisa sobre a violência da Revolução Verde em 1984, ano da violência no Punjab, onde a Revolução Verde foi implementada pela primeira vez em 1965. A Revolução Verde teve um Prêmio Nobel da Paz, mas em 1984, Punjab era uma terra de guerra. 30.000 pessoas foram mortas pela violência em Punjab, que é um número 6 vezes maior do que os mortos na tragédia do 11/9. O ano de 1984 foi também o ano do desastre de Bhopal, onde uma fábrica de pesticidas, da ‘Union Carbide’ (hoje Dow), vazou e matou 3.000 pessoas. Desde então, 30.000 pessoas morreram.. Hoje a Índia é a capital da fome e dos suicídios de agricultores. Desde 1997, 250.000 agricultores foram presos por dívidas e tiraram suas vidas.
A senhora traçaria um paralelo entre o modo de produção voltado ao abastecimento e especulação do mercado, as reservas naturais e as condições que se encontram a mão de obra trabalhadora no seu país? Outras regiões do mundo trariam condições semelhantes?
O modelo econômico dominante desperdiça recursos e pessoas. Apesar destes resíduos serem chamados de "eficiente" e "produtivo". Ele substituiu a produção com a especulação do capital financeiro, e do consumismo para as pessoas. Este modelo é: destruir a natureza e a sociedade em si.
Reformas ou Revolução? O que e o porque a senhora acredita ser necessário para impedir o avanço da situação de degradação das condições tanto humanas quanto naturais contemporâneas?
Duas coisas são necessárias para acabar com essa deterioração. Em primeiro lugar, uma mudança de paradigma e visão de mundo. Em segundo lugar, as pessoas levantarem-se coletivamente e dizer "Basta". Chega.
A senhora terá a oportunidade de participar da Rio+20 e da Cúpula dos Povos. Quais seriam na sua opinião, as limitações e as contribuições que cada uma delas poderão nos trazer?
A Rio+20 será limitada em firmar compromissos em função da influência das grandes corporações. Essas contribuições podem ser significativas, se reconhecerem a necessidade de restabelecer a harmonia com a natureza - objeto de uma sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas no ano passado - e se reconhecerem que a agricultura ecológica é o caminho para a proteção do planeta e da Segurança Alimentar. A Cúpula dos Povos, os Direitos da Mãe Terra, e o compromisso para uma transformação serão vitais.
Não haveria uma lógica comum entre os mecanismos financeiros criados em torno da questão ambiental e ativos financeiros comuns? Esta mesma lógica é capaz de lidar com problemas ambientais, criados muitas vezes por ela própria? O que a senhora poderia falar sobre este assunto?
Há um provérbio africano que diz: "Você não pode colocar um bezerro dentro de uma vaca bezuntando-o com lama". A financeirização da economia e a consequente redução da economia a um casino, e os recursos do planeta e processos em mercadorias privatizadas, são a a raiz das crises ecológicas e econômicas. Estas crises não podem ser resolvidas por mais financeirização e mercantilização.
Ela é defensora dos direitos humanos e do meio ambiente, os quais infelizmente muitas vezes são defendidos como causas separadas, mas que possuem intrínseca conexão pois os dois são explorados, cada um a sua forma, pela lógica econômica capitalista.
Vandana trabalha por uma economia verde sem dogmas e não foge ao debate sobre questões necessárias para barrar o avanço da situação que se encontram tanto trabalhadores, como natureza. A ativista também levanta a bandeira da situação das mulheres indianas, da segurança alimentar e da preservação dos povos e culturas locais. É fundadora da ONG indiana Navdanya, que, entre outras agendas, estimula a agricultura orgânica local.
Infelizmente seu livro "The Violence of Green Revolution" não foi traduzido para o português até hoje. Você poderia trazer ao nosso leitor uma exposição dá época em que ele foi escrito juntamente de uma análise dos desdobramentos que se deram dos anos 80 prá cá em relação as perdas da agricultura, não só na Índia como nos outros países.
Comecei a fazer a pesquisa sobre a violência da Revolução Verde em 1984, ano da violência no Punjab, onde a Revolução Verde foi implementada pela primeira vez em 1965. A Revolução Verde teve um Prêmio Nobel da Paz, mas em 1984, Punjab era uma terra de guerra. 30.000 pessoas foram mortas pela violência em Punjab, que é um número 6 vezes maior do que os mortos na tragédia do 11/9. O ano de 1984 foi também o ano do desastre de Bhopal, onde uma fábrica de pesticidas, da ‘Union Carbide’ (hoje Dow), vazou e matou 3.000 pessoas. Desde então, 30.000 pessoas morreram.. Hoje a Índia é a capital da fome e dos suicídios de agricultores. Desde 1997, 250.000 agricultores foram presos por dívidas e tiraram suas vidas.
A senhora traçaria um paralelo entre o modo de produção voltado ao abastecimento e especulação do mercado, as reservas naturais e as condições que se encontram a mão de obra trabalhadora no seu país? Outras regiões do mundo trariam condições semelhantes?
O modelo econômico dominante desperdiça recursos e pessoas. Apesar destes resíduos serem chamados de "eficiente" e "produtivo". Ele substituiu a produção com a especulação do capital financeiro, e do consumismo para as pessoas. Este modelo é: destruir a natureza e a sociedade em si.
Reformas ou Revolução? O que e o porque a senhora acredita ser necessário para impedir o avanço da situação de degradação das condições tanto humanas quanto naturais contemporâneas?
Duas coisas são necessárias para acabar com essa deterioração. Em primeiro lugar, uma mudança de paradigma e visão de mundo. Em segundo lugar, as pessoas levantarem-se coletivamente e dizer "Basta". Chega.
A senhora terá a oportunidade de participar da Rio+20 e da Cúpula dos Povos. Quais seriam na sua opinião, as limitações e as contribuições que cada uma delas poderão nos trazer?
A Rio+20 será limitada em firmar compromissos em função da influência das grandes corporações. Essas contribuições podem ser significativas, se reconhecerem a necessidade de restabelecer a harmonia com a natureza - objeto de uma sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas no ano passado - e se reconhecerem que a agricultura ecológica é o caminho para a proteção do planeta e da Segurança Alimentar. A Cúpula dos Povos, os Direitos da Mãe Terra, e o compromisso para uma transformação serão vitais.
Não haveria uma lógica comum entre os mecanismos financeiros criados em torno da questão ambiental e ativos financeiros comuns? Esta mesma lógica é capaz de lidar com problemas ambientais, criados muitas vezes por ela própria? O que a senhora poderia falar sobre este assunto?
Há um provérbio africano que diz: "Você não pode colocar um bezerro dentro de uma vaca bezuntando-o com lama". A financeirização da economia e a consequente redução da economia a um casino, e os recursos do planeta e processos em mercadorias privatizadas, são a a raiz das crises ecológicas e econômicas. Estas crises não podem ser resolvidas por mais financeirização e mercantilização.
Considere estes países
Otaviano Helene no CORREIO DA CIDADANIA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
O país A tem um sistema de ensino bastante orientado pelos e para
testes aplicados periodicamente aos estudantes. Como o desempenho dos
estudantes nesses testes é considerado fundamental, professores são
premiados ou punidos em função dos resultados obtidos por seus alunos.
Escolas podem ser entregues à eficiência da administração privada com o
objetivo de melhorar o desempenho dos estudantes. Com a mesma
finalidade, aulas de Artes, História e atividades físicas são reduzidas
em favor das disciplinas incluídas nos testes. Esse país A aplica, entre
investimentos públicos e privados, 7,4% do seu PIB em educação. E,
ainda, as dificuldades econômicas desse país têm sido atribuídas aos
professores, que preparam mal suas crianças e seus jovens. Por causa
disso e considerando os resultados dos alunos, professores ineficientes
devem ser descartados rapidamente e normas e leis que dificultam ou
impedem isso devem ser (e têm sido) eliminadas.
No país B não há testes padronizados aplicados às crianças. Segundo
um pesquisador acadêmico desse país, caso os professores fossem
avaliados a partir de teste aplicados a seus alunos, eles simplesmente
abandonariam a profissão “e não retornariam até que as autoridades
abandonassem essa idéia maluca”. As escolas do país B são administradas
apenas pelo setor público e professores e professoras são estáveis,
sendo muito difícil removê-los de suas funções. Nesse país, os
professores têm liberdade do que e de como ensinar, desde que os
currículos nacionais sejam respeitados. Esse país aplica, no total, 7,0%
do PIB em educação e sua renda per capita é cerca de 20% inferior à
renda per capita do país A.
Como se saem os estudantes desses dois países quando submetidos aos
testes padronizados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(PISA), (1), aplicados a estudantes de 15 anos de idade? Será que os
estudantes do país A, mais rico e que tem suas escolas e professores
orientados para os testes, se saem melhor? Não. Os estudantes do país B
se saem melhor, até mesmo, muito melhor. Paradoxal?
Não. De fato, há aspectos fundamentais que explicam esse aparente
paradoxo. Os países A e B são, respectivamente, os EUA e Finlândia (2)
e os resultados obtidos no PISA aplicado em 2009 aparecem,
resumidamente, na tabela 1. Os testes aplicados são em leitura,
matemática e ciências e em cada um desses quesitos o desempenho dos
estudantes é classificado em níveis de um a seis. Os valores que
aparecem na tabela correspondem a médias simples dos resultados naquelas
três áreas avaliadas. Todos os resultados mostram um desempenho
significativamente melhor dos estudantes finlandeses. E além da média
finlandesa ser significativamente superior à média estadunidense, aquele
país tem um percentual muito menor de estudantes com desempenho muito
baixo (abaixo do nível 1) e um percentual significativamente maior de
estudantes classificados no nível mais alto (nível 6). E, mais ainda, e
possivelmente refletindo a menor desigualdade de renda, a dispersão
relativa das notas recebidas pelos estudantes finlandeses, de 16%, é
menor do que a dispersão das notas dos estadunidenses, de 19%.
O que pode explicar as diferenças entre os dois países?
Certamente, o modelo educacional dos dois países faz a grande
diferença. Entretanto, tentou-se procurar explicações para a diferença
de desempenho entre os dois países em várias causas, evitando culpar o
estilo empresarial de administração escolar e baseado em avalições
permanentes de estudantes e em premiações e punições aos professores com
base no desempenho dos seus alunos e das escolas onde trabalham. Um dos
argumentos foi baseado na maior homogeneidade étnica populacional da
Finlândia, um argumento de viés racista. Entretanto, esse argumento não
sobreviveu, uma vez que, entre os 65 países ou regiões participantes do
PISA, havia países homogêneos e heterogêneos nos dois extremos da
classificação. Ou seja, o desempenho não está correlacionado com a
homogeneidade da população. Outro argumento baseou-se no tamanho
relativo das duas populações, 314 milhões nos EUA e 5,4 milhões na
Finlândia. Entretanto, esse argumento também não prosperou. Primeiro,
porque, como no caso da heterogeneidade da população, há países
populosos e não populosos distribuídos entre os de melhor e pior
desempenho: não há uma correlação entre o tamanho do país e o desempenho
de seus estudantes. Além disso, nos EUA, como em muitos países mais
populosos, a educação é administrada autonomamente pelos estados e
muitos deles têm populações bastante pequenas, menores do que a
finlandesa.
Outro aspecto diz respeito às condições (educativas e acadêmicas) de
trabalho dos professores. Na Finlândia, idéias que incluem a cultura dos
testes, dos vouchers (que permitem mercantilizar o acesso às escolas),
do pagamento de professores por mérito medido pelo desempenho dos
estudantes em testes padronizados e da competição e avaliação dos
professores a partir do desempenho de seus alunos são totalmente
rejeitadas. Provas são usadas apenas para informar aos professores o
andamento do trabalho, jamais para classificar, punir ou recompensar
alunos, escolas ou professores. Como a profissão é respeitada e há boas e
agradáveis condições de trabalho, as instituições de formação de
professores são bastante procuradas e formam excelentes profissionais.
Avaliações comparativas por meio de testes, prêmios e punições não
fazem parte do panorama educacional finlandês. A responsabilidade e a
liberdade de adaptar o ensino aos seus estudantes são práticas usuais
das escolas, dos diretores e dos professores.
Investimentos públicos versus privados
E quanto ao financiamento? Afinal os EUA aplicam um percentual maior
do seu PIB em educação, 7,4%, contra 7,0% na Finlândia. Há aqui outro
paradoxo? Não. O financiamento da educação na Finlândia é quase
totalmente público, com apenas 0,2% do PIB correspondendo a gastos
privados. Nos EUA, os gastos privados chegam a 2,0% do PIB. Portanto, o
gasto público anual por estudante em comparação com a renda per capita é
mais alto na Finlândia do que nos EUA, como mostra a tabela 2.
Aparentemente, a relevância dos investimentos por estudante parece estar
relacionada não apenas ao valor total, mas, especialmente, à origem,
pública ou privada da fonte.
(Vale a pena observar aqui que esse mesmo efeito da maior eficiência
dos gastos públicos em relação aos privados existe também na área de
saúde. Enquanto os EUA gastam em saúde, por pessoa, mais do que 15% de
sua renda per capita, contra uma média da ordem de 9% a 10% nos países
europeus mais avançados, os seus indicadores de saúde são piores. De
fato, a mortalidade infantil nos EUA é mais do que 50% superior à dos
países europeus mais avançados e a expectativa de vida é entre um e dois
anos menor. Mais um paradoxo? Não. Novamente, a grande diferença é
possivelmente devida ao fato de que mais do que a metade dos gastos nos
EUA são privados, contra cerca da quinta parte nos outros países
considerados. Parece, portanto, que, como em educação, os gastos
privados em saúde são muito menos eficientes do que os gastos públicos
no que diz respeito a se alcançarem os objetivos básicos que se
esperaria.)
Com quem devemos aprender?
A comparação entre os dois países, EUA e Finlândia, mostra que
caminho tomar. Premiação e punição de professores e escolas baseadas no
desempenho dos estudantes em testes padronizados, feitos à exaustão, não
são boa idéia, até mesmo para se conseguir bom desempenho em testes
padronizados! Professores muito bem formados, respeitados e com
liberdade de trabalho são condições fundamentais para o bom
funcionamento de um sistema educacional. Escolas administradas pelo
setor público, por mais altissonante que possa parecer o discurso em
favor de uma administração empresarial e eficiente, são melhores quando
todas as demais condições são equivalentes. Respeito às necessidades dos
estudantes, tanto individuais como coletivas, é outro caminho para se
construir um bom sistema educacional. E, também, uma melhor distribuição
de renda pode tanto contribuir para a qualidade de vida dos professores
como para o desempenho dos estudantes.
Além dos fatores considerados, vários outros problemas afetam o
sistema estadunidense de educação. Entre esses problemas estão: o
fundamentalismo religioso, que interfere nos currículos das escolas; as
limitações de recursos materiais e institucionais que impeçam que as
desigualdades entrem nas escolas e afetem seu funcionamento; a
existência de grandes contingentes populacionais marginalizados, em
especial no que diz respeito a crianças vivendo em situação de pobreza;
ensino superior pago, mesmo quando público, constituindo-se uma barreira
a mais no caminho dos estudantes; tratamento negativamente diferenciado
para crianças e jovens provenientes de famílias de imigrantes. Muitos
desses fatores têm origem em princípios religiosos, políticos e
ideológicos e como e com que intensidade cada um deles afeta
negativamente o desenvolvimento educacional das crianças e jovens
naquele país tem sido motivo de estudos acadêmicos.
Embora a comparação até aqui tenha sido apenas entre Finlândia e EUA,
as conclusões se repetem quando examinamos outros países. Por exemplo,
entre quatro países latino-americanos similares em vários aspectos e
cujas rendas per capita estão na faixa entre 9 e 12 mil dólares anuais
(pelo critério PPC), Cuba, Venezuela, Brasil e Colômbia, os dois
primeiros, menos afetados por políticas de avaliação quantitativa e por
práticas liberais do tipo vauchers, mostram indicadores educacionais
quantitativos e qualitativos melhores ou muito melhores do que os dois
últimos. Outros quatro países também similares quanto à renda per capita
(próximas a 15 mil dólares) e demais características, Argentina,
Uruguai, Chile e México, os dois primeiros, menos liberalizados e menos
voltados a uma educação de resultados (nos testes), apresentam melhores
desempenhos.
Cabe, assim, uma pergunta impertinente. Por que, apesar das
evidências, imitamos, especialmente no estado de São Paulo, políticas e
práticas educacionais e sociais que já se mostraram tão perniciosas em
muitos países? Por que não aprendemos com aqueles que melhor acertam?
Nota:
(1) O PISA, Programme for International Student Assessment, é um
teste padronizado, aplicado a cada três anos a estudantes de dezenas de
países e que inclui avaliações de leitura, matemática e ciências.
(2) Parte das informações e das análises deste texto são baseadas no
artigo Schools We Can Envy (Escolas que nós podemos invejar), escrito
por Diane Ravitch e publicado no New York Review of Books em 8 de março
de 2012. A autora ocupou cargos relativamente altos na Secretaria
(equivalente ao nosso Ministério) de Educação dos EUA.
Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi
presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep).
|
“Precisamos resistir à vigilância digital”, diz fundador do movimento pelo software livre
Samir Oliveira no SUL21
O Palácio Piratini recebeu nesta segunda-feira (4) um convidado
totalmente diferente das autoridades afeitas a formalismos que costumam
frequentar a sede do governo gaúcho. O norte-americano Richard
Stallmann, liderança histórica do movimento em defesa do software livre,
estava bem à vontade com uma calça jeans bastante surrada e uma
camiseta vermelha de mangas curtas em pleno inverno.
Fundador da Free Software Foundation,
Stallman falou durante mais de 1h30min sobre a luta que empreende há
mais de de 30 anos, quando inventou o GNU, que mais tarde se agregaria
aos componentes criados por Linus Torvalds, originando o Linux – sistema
operacional desenvolvido e distribuído de forma totalmente livre e
gratuita.
Stallman se mostrou extremamente preocupado com a vigilância exercida
por governos e corporações através da internet. Na verdade, a crítica
de Richard é direcionada para qualquer equipamento eletrônico que opere
com aplicativos fornecidos pelas corporações tradicionais do ramo, como a
Microsoft e a Apple.
“A sociedade digital vive sob a ameaça da vigilância. Nem Stálin
tinha como vigiar o que todos faziam o tempo inteiro, mas hoje isso é
possível”, disse o ativista. Ele não poupou nem as redes sociais e pediu
ao público que não colocasse fotos suas no Facebook. “Não deem ao
Facebook mais uma oportunidade para me vigiar”, apelou.
Ele fez questão de manifestar que o receio de ter informações sobre a
sua vida rastreadas por equipamentos eletrônicos fará com que nunca
mais vá à Argentina. “Amanhã à noite visitarei a Argentina pela última
vez. Eles estão desenvolvendo um sistema de vigilância que recolhe a
impressão digital de todos os que entram no país. No momento, está
operando apenas em Buenos Aires, e eu consegui achar uma maneira de
entrar por outra cidade, sem precisar ser tratado como se fosse um
criminoso. Algumas coisas não devem ser toleradas, é nosso dever não
tolerá-las”, indignou-se.
Ele considera necessária a utilização das ferramentas tecnológicas no
combate ao crime, por exemplo, mas questiona a facilidade com que as
informações podem ser acessadas hoje em dia. “Um cidadão europeu
resolveu exigir do Facebook todas as informações que a empresa tinha
sobre ele. Foram mais de 200 páginas. Durante o império soviético, a
polícia secreta não poderia reunir essa quantidade de informações sobre
uma pessoa comum, sem nenhuma importância política”, comparou.
Stallman atenta para o perigo de as informações compartilhadas na
rede serem utilizadas contra os próprios usuários. “Na Inglaterra,
prenderam manifestantes antes que eles chegassem a um protesto. A
vigilância digital é utilizada para atacar os direitos humanos e a
democracia”, alertou.
“As escolas e os governos devem trabalhar somente com software livre”, defende
Richard Stallman acredita que os softwares patenteados restringem a
liberdade das pessoas, já que seus códigos de produção são fechados e
não permitem que sejam feitas modificações. Por isso, ele defende que as
escolas e os governos utilizem somente sistemas livres.
“As escolas têm a missão de educar bons cidadãos para uma sociedade
livre, forte, independente e cooperativa. Jamais deveriam ensinar seus
alunos a mexer em programas pagos, pois estariam ensinando dependência.
Por que as corporações distribuem sistemas operacionais de graça para as
escolas? Querem que as crianças fiquem dependentes de seus produtos. É
como dar agulhas com drogas para que os alunos fiquem viciados. A
primeira dose é de graça. Mas depois será preciso pagar”, comparou.
Stallman considera que os programas desenvolvidos de maneira fechada e
paga colocam o indivíduo a mercê dos caprichos da empresa que detém os
direitos sobre o produto. “Ou o usuario controla o programa, ou o
programa controla o usuário. E por trás desse programa, há uma
corporação que o controla. É por isso que os aplicativos pagos são um
instrumento para subjugar as pessoas e sua própria existência é um
problema social a ser enfrentado”, opinou.
Ele disse que é preciso fazer a defesa do software livre “como um
direito humano” e atacou as duas principais empresas que produzem
sistema operacionais e aplicativos de forma paga e fechada: a Microsoft e
a Apple. Stallmann observou que o Windows possui sistemas de vigilância
e interfere na autonomia dos usuários ao modificar os programas sem
permissão “de quem deveria, teoricamente, ser o dono do computador”.
E fez questão de dizer que “a Apple não é melhor”, apesar de as duas
companhias serem rivais no mercado. “Os computadores da Apple foram
fabricados para serem jaulas. A genialidade de Steve Jobs foi fabricar
uma jaula tão confortável que milhões de idiotas desejam viver nela”,
disparou.
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segunda-feira, 4 de junho de 2012
Jair de Souza: Documentário Catastroika em português
por Jair de Souza no VIOMUNDO
Creio que você já conhece o documentário grego Catastroika,
recentemente lançado ao público pelos mesmos realizadores de outro
importante documentário, Dividocracia.
Fiz a adaptação das legendas ao português do Brasil e gostaria de contar com a ajuda do Viomundo para sua divulgação entre nós.
Neste novo documentário, podemos constatar como se originou a
política global de privatizações em massa, com a aplicação dos métodos
muito bem relatados por Naomi Klein em seu conceituado livro
A doutrina do choque.
Podemos ver que, para implementar o propalado modelo de “Estado
mínimo”, é preciso usar ao máximo a força do Estado, especialmente
forças militares e policiais, para vencer as enormes resistências de
grande parte da população. Ou seja, os defensores do “Estado mínimo”
apelam para o Estado máximo para impor suas condições a toda a
sociedade.
A partir dos postulados do neoliberalismo, entenderemos que o Estado
só deverá manter-se afastado na hora da apropriação dos recursos gerados
pelo conjunto da nação (para evitar que os mesmos caiam nas mãos
erradas da maioria). Estes recursos devem sempre ficar à disposição dos
grupos econômicos (especialmente os representantes do capital
financeiro) que de fato comandam o Estado. A participação estatal na
questão da distribuição da renda só será admitida (e, na verdade,
exigida) quando o modelo entrar em crise e gerar situações que ponham em
risco os interesses dos grupos econômicos dominantes. Aí, sim, o Estado
precisa desempenhar um papel de primeira linha e deve atuar para fazer
com que o conjunto da sociedade assuma os custos da crise originada
pelas ações especulativas daqueles que vinham se beneficiando do
sistema.
O documentário nos mostra em detalhes como se gestou a crise na
Grécia. Também nos deixa muito claro que permanece plenamente em vigor a
máxima do neoliberalismo econômico, a qual reza que: “Todo lucro deve
sagradamente ser apropriado de forma privada, e todos os prejuízos que
surjam desse processo de apropriação devem necessariamente ser assumidos
pelo conjunto da sociedade”.
Em outras palavras, o neoliberalismo defende a ideologia
robinhoodiana com sinal trocado: “Tirar dos pobres para servir aos
ricos”.
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domingo, 3 de junho de 2012
A toga, a língua e o caçador de blogs
Saul Leblon no CARTA MAIOR
Escudado na proteção republicana da toga, o
ministro Gilmar Mendes desnudou uma controversa agenda política pessoal
na última semana de maio. Onipresente na obsequiosa passarela da mídia
amiga, lacrou seu caminho na 6ª feira declarando-se um caçador de blogs
adversários de suas ideias e das ideias de seus amigos. Em preocupante
equiparação entre a autoridade da toga e a arbitrariedade da língua,
Gilmar decretou serem inimigos das instituições republicanas todos
aqueles que contestam os seus malabarismos discursivos, a adequar
denúncias a cada 24 horas, num exercício de convencimento à falta de
testemunhas e fatos que as comprovem.
A fragilidade desse discurso impele-o agora ao papel de censor a exigir da Procuradoria Geral da República, e do ministro Mantega, que sufoque blogs adversários asfixiando-os com o corte da publicidade oficial. Sobre veículos que incluem entre suas fontes e 'colaboradores informais', notórios acusados de integrar quadrilhas do crime organizado, o ministro nada observa em relação à presença da publicidade oficial. Cabe ao governo Dilma dar uma resposta ao autonomeado censor da República.
O ataque da língua togada contra a imprensa crítica não é aleatório. O dispositivo midiático conservador vive em andrajos de credibilidade e pautas. A semana final de maio estava marcada para ser um desses picos de desamparo, na despedida humilhante de seu herói decaído. E de fato o foi: em depoimento no Conselho de Ética do Senado, na 3ª feira, o ex-líder dos demos na Casa, Demóstenes Torres, deixaria gravado no bronze dos falsos savonarolas a lapidar confissão de que um chefe de quadrilha pagava as contas, miúdas, observaria, de seu celular. E ele, o centurião da moralidade, a direita linha dura assim cortejada pela língua togada e pelo aparato conservador --quem sabe até para vôos maiores em 2014--, não viu nenhum tropeço ético nesse pequeno mimo que elucida todo um perfil.
O fecho de carreira do tribuno goiano contaminaria as manchetes que ele tantas vezes ancorou à direita não fosse a providencial intervenção da língua amiga do ministro do STF, Gilmar Mendes. Na mesma 3ª feira desde as primeiras horas da manhã, lá estava ela a falar pelos cotovelos. Diuturnamente, contemplou a orfandade da mídia amiga naquele dia cinzento. A cada qual ofereceu uma frase brinde para erguer a moral da tropa e justificar a manchete com o carimbo 'exclusivo' no alto da página. Não se poupou. O magistrado, não raro em destemperados decibéis, esfregou na opinião pública recibos e documentos que comprovariam o pagamento, com recursos próprios --'tenho-os para umas três voltas ao mundo'-- de seu giro europeu, em abril de 2011, onde se encontraria com Demóstenes Torres.
Peremptória, a língua emitiu ordens e ordenou o que pode e o que não pode em vários: 'Vamos parar com essas suspeitas sobre viagens", determinou. Para depois admitir em habilidosa antecipação: por duas vezes utilizou carona aérea do amigo Demóstenes; por duas vezes voou sob os auspícios do amigo que não possui veículo aéreo próprio; do amigo que não paga nem as contas de celular. Contas miúdas, diga-se, a revelar um vínculo orgânico com a ubíqua carteira gorda de acusados de integrar o condomínio criminoso goiano.
Gilmar estava determinado a servir de redenção ao dispositivo midiático demotucano num dia tão aziago. Não desapontou amigos, ainda que tenha escandalizado o país que espera serenidade e equidistância dos que vocalizam um Supremo Tribunal Federal. Ofensivo, execrou blogs e sites críticos -- esses sim, bandidos e gangsters-- que arguiram e ainda arguem as fronteiras da identidade de valores que aproximou o magistrado do senador decaído.
Fez mais ainda: acusou Lula de ser a central de boatos contra ele para 'melar o julgamento do mensalão' --como se o ex-presidente Lula não pudesse, não devesse ter opinião sobre fatos relevantes da vida política nacional --prerrogativa que outras togas mais serenas não contestam e legitimam. Ao jornal O Globo, na linha da frase à la carte, facilitou a manchete pronta para dissolver a terça-feira de cinzas do conservadorismo: 'O Brasil não é a Venezuela onde Chávez manda prender juiz'. O diário retribuiu a gentileza em manchete garrafal de duas linhas no alto da página. Um contrafogo sob medida à humilhante baixa no Senado. Incansável, a língua foi provendo xistes e chutes a emissários de redações sedentas, mas cometeu alguns deslizes.
Esqueceu que um pilar de sua versão sobre a famosa conversa com Lula --origem de toda celeuma que descambou em ataque à liberdade de imprensa-- residia nos pequenos detalhes que emprestam veracidade ao bom contador; um deles, o cenário: a cozinha. Teria sido naquele recinto profano do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, abrigado de qualquer solenidade e sem a presença do anfitrião, que ocorrera o assédio moral inesperado de um Lula chantageador contra um Gilmar irretocável.
Quadro perfeito. Exceto pelo fato de não se sustentar nem mesmo no matraquear do interessado. Sim, o mesmo magistrado suprimiu o precioso cenário despido de testemunhas na versão apresentada ao jornal Valor do dia 30-05 quando afirmou literalmente: 'Jobim esteve presente durante todo o tempo'. Como? E a cozinha? E a privacidade a dois que lubrificou o assédio de um Lula irreconhecível?
Evaporou-se: Jobim estava presente o tempo todo. A contradição ostensiva mirava agora outro alvo: o próprio Jobim, em retribuição ao desmentido categórico do anfitrião para o relato original do episódio à VEJA. No mesmo Valor, Gilmar insinuaria contra Nelson Jobim uma suspeita de cumplicidade com Lula por ter lançado na mesa da conversa o nome de um desafeto: Paulo Lacerda. Ex-dirigente da ABIN, Lacerda foi demitido em 2008 depois que a mesma lingua togada denunciou aos mesmos parceiros da mídia uma suposta escuta da PF em seu escritório --fato nunca comprovado. Na 5ª feira (31-05) o entendimento da investida contra Jobim ficaria completo: Serra, o candidato predileto do conservadorismo, amigo de Gilmar, prestou-se à colaborar com Veja; desinteressadamente; a exemplo do que tantas vezes o fez desinteressado o também o colaborador Dadá, araponga de aluguel do esquema Cachoeira. Serra incitou o amigo Jobim a falar com a revista sobre o encontro. É um traço do veículo da Abril --comprovado nos documentos disponíveis na CPI do Cachoeira-- recorrer a colaboradores desse espectro para obter 'provas' que sustentem suas matérias pré-fabricadas.
Surpreendido pela trama rasteira Jobim tirou a escada de VEJA e deu troco duplo: desmentiu Gilmar no Estadão; confirmou a Monica Bergamo, da Folha, o que tantos sabem: Serra não falha; sua biografia de bastidores está, esteve e estará sempre entrelaçada a golpes e denúncias que contemplem a regressividade udenista da qual VEJA constitui a corneta mais atuante e Gilmar o novo expoente da agressividade lacerdista.
Diante do maratonismo verbal não sobraria fôlego aos jornais e jornalistas amigos para conceder ao leitor um pequeno espaço de reflexão sobre a momentosa semana final de maio, que deixa mais dúvidas do que certezas. Ademais da evanescente cozinha do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, outros pontos de interrogação merecem retrospecto. Por exemplo:
a) a reportagem publicada por Carta Maior no dia 29-04 " Cachoeira arruma avião para Demóstenes e 'Gilmar' --com aspas por conta da identificação incompleta do ilustre viajante e um dos motivos da fluvial verborragia togada, não tratava de pagamento de vôo a Berlim patrocinado pela 'agência de viagens' Demóstenes & Cachoeira;
b) o texto, conciso e claro baseado em escutas públicas da PF teve como foco uma 'carona aérea' no trecho SP-Brasília, solicitada ao esquema Cachoeira para o dia 25-04 de 2011;
c) as tratativas telefônicas da quadrilha Cachoeira apontam que os passageiros da carona viriam da Alemanha e seriam, respectivamente, Demóstenes e 'Gilmar' ;
d) a data da chegada a São Paulo é a mesma do retorno informado pelo próprio Gilmar Mendes em seu rally jornalístico;
e) o horário de chegada do seu vôo originário da Alemanha guarda proximidade com aquele informado à quadrilha. Essas as coincidências notáveis. A partir daí os fatos e comprovantes apresentados por Gilmar Mendes desmentem que ele tenha utilizado a dita carona solicitada à quadrilha, fato que Carta Maior noticiou imediatamente após os esclarecimentos do magistrado. O desencontro entre essas evidências e as providencias tomadas pela quadrilha Cachoeira, todavia, autoriza uma indagação que não se dissolve no aluvião verborrágico da semana, a saber: quantos Gilmares havia em Berlim com Demóstenes Torres? E, mais que isso: quem seria o 'Gilmar' cuja inclusão na carona, aparentemente desativada, não causou qualquer surpresa a Cachoeira, que nas escutas reage à menção do nome e da presença como algo se não habitual, perfeitamente compatível com a extensão de seus tentáculos e zonas de influência?
Carta Maior reserva-se o direito de continuar praticando um jornalismo crítico e auto-crítico, comprometido única e exclusivamente com a democracia e as aspirações progressistas da sociedade brasileira, abraçadas pela ampla maioria de seus leitores. Isso naturalmente a coloca na margem oposta daqueles que até ontem consideravam Demóstenes Torres, seus valores, agendas, contas de celular e caronas em jatinhos uma referência ética e republicana.
Fiel a esse compromisso com o leitor, Carta Maior cumpre a obrigação de manter em pauta algumas perguntas ainda sem resposta satisfatória: quantos gilmares havia em Berlim? Quantos gilmares havia no escritório de Jobim (um na cozinha e um na sala)? E, ainda mais urgente, quantas ameaças de fuzilamento da liberdade de expressão serão necessárias para que os partidos democráticos e o governo tomem a iniciativa de desautorizar a língua arvorada em extensão da toga? Não só em palavras, mas sobretudo na impostergável democratização afirmativa da publicidade oficial, antes que novos e velhos caçadores de jornalistas consigam transformá-la em mais um torniquete da pluralidade de opinião.
A fragilidade desse discurso impele-o agora ao papel de censor a exigir da Procuradoria Geral da República, e do ministro Mantega, que sufoque blogs adversários asfixiando-os com o corte da publicidade oficial. Sobre veículos que incluem entre suas fontes e 'colaboradores informais', notórios acusados de integrar quadrilhas do crime organizado, o ministro nada observa em relação à presença da publicidade oficial. Cabe ao governo Dilma dar uma resposta ao autonomeado censor da República.
O ataque da língua togada contra a imprensa crítica não é aleatório. O dispositivo midiático conservador vive em andrajos de credibilidade e pautas. A semana final de maio estava marcada para ser um desses picos de desamparo, na despedida humilhante de seu herói decaído. E de fato o foi: em depoimento no Conselho de Ética do Senado, na 3ª feira, o ex-líder dos demos na Casa, Demóstenes Torres, deixaria gravado no bronze dos falsos savonarolas a lapidar confissão de que um chefe de quadrilha pagava as contas, miúdas, observaria, de seu celular. E ele, o centurião da moralidade, a direita linha dura assim cortejada pela língua togada e pelo aparato conservador --quem sabe até para vôos maiores em 2014--, não viu nenhum tropeço ético nesse pequeno mimo que elucida todo um perfil.
O fecho de carreira do tribuno goiano contaminaria as manchetes que ele tantas vezes ancorou à direita não fosse a providencial intervenção da língua amiga do ministro do STF, Gilmar Mendes. Na mesma 3ª feira desde as primeiras horas da manhã, lá estava ela a falar pelos cotovelos. Diuturnamente, contemplou a orfandade da mídia amiga naquele dia cinzento. A cada qual ofereceu uma frase brinde para erguer a moral da tropa e justificar a manchete com o carimbo 'exclusivo' no alto da página. Não se poupou. O magistrado, não raro em destemperados decibéis, esfregou na opinião pública recibos e documentos que comprovariam o pagamento, com recursos próprios --'tenho-os para umas três voltas ao mundo'-- de seu giro europeu, em abril de 2011, onde se encontraria com Demóstenes Torres.
Peremptória, a língua emitiu ordens e ordenou o que pode e o que não pode em vários: 'Vamos parar com essas suspeitas sobre viagens", determinou. Para depois admitir em habilidosa antecipação: por duas vezes utilizou carona aérea do amigo Demóstenes; por duas vezes voou sob os auspícios do amigo que não possui veículo aéreo próprio; do amigo que não paga nem as contas de celular. Contas miúdas, diga-se, a revelar um vínculo orgânico com a ubíqua carteira gorda de acusados de integrar o condomínio criminoso goiano.
Gilmar estava determinado a servir de redenção ao dispositivo midiático demotucano num dia tão aziago. Não desapontou amigos, ainda que tenha escandalizado o país que espera serenidade e equidistância dos que vocalizam um Supremo Tribunal Federal. Ofensivo, execrou blogs e sites críticos -- esses sim, bandidos e gangsters-- que arguiram e ainda arguem as fronteiras da identidade de valores que aproximou o magistrado do senador decaído.
Fez mais ainda: acusou Lula de ser a central de boatos contra ele para 'melar o julgamento do mensalão' --como se o ex-presidente Lula não pudesse, não devesse ter opinião sobre fatos relevantes da vida política nacional --prerrogativa que outras togas mais serenas não contestam e legitimam. Ao jornal O Globo, na linha da frase à la carte, facilitou a manchete pronta para dissolver a terça-feira de cinzas do conservadorismo: 'O Brasil não é a Venezuela onde Chávez manda prender juiz'. O diário retribuiu a gentileza em manchete garrafal de duas linhas no alto da página. Um contrafogo sob medida à humilhante baixa no Senado. Incansável, a língua foi provendo xistes e chutes a emissários de redações sedentas, mas cometeu alguns deslizes.
Esqueceu que um pilar de sua versão sobre a famosa conversa com Lula --origem de toda celeuma que descambou em ataque à liberdade de imprensa-- residia nos pequenos detalhes que emprestam veracidade ao bom contador; um deles, o cenário: a cozinha. Teria sido naquele recinto profano do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, abrigado de qualquer solenidade e sem a presença do anfitrião, que ocorrera o assédio moral inesperado de um Lula chantageador contra um Gilmar irretocável.
Quadro perfeito. Exceto pelo fato de não se sustentar nem mesmo no matraquear do interessado. Sim, o mesmo magistrado suprimiu o precioso cenário despido de testemunhas na versão apresentada ao jornal Valor do dia 30-05 quando afirmou literalmente: 'Jobim esteve presente durante todo o tempo'. Como? E a cozinha? E a privacidade a dois que lubrificou o assédio de um Lula irreconhecível?
Evaporou-se: Jobim estava presente o tempo todo. A contradição ostensiva mirava agora outro alvo: o próprio Jobim, em retribuição ao desmentido categórico do anfitrião para o relato original do episódio à VEJA. No mesmo Valor, Gilmar insinuaria contra Nelson Jobim uma suspeita de cumplicidade com Lula por ter lançado na mesa da conversa o nome de um desafeto: Paulo Lacerda. Ex-dirigente da ABIN, Lacerda foi demitido em 2008 depois que a mesma lingua togada denunciou aos mesmos parceiros da mídia uma suposta escuta da PF em seu escritório --fato nunca comprovado. Na 5ª feira (31-05) o entendimento da investida contra Jobim ficaria completo: Serra, o candidato predileto do conservadorismo, amigo de Gilmar, prestou-se à colaborar com Veja; desinteressadamente; a exemplo do que tantas vezes o fez desinteressado o também o colaborador Dadá, araponga de aluguel do esquema Cachoeira. Serra incitou o amigo Jobim a falar com a revista sobre o encontro. É um traço do veículo da Abril --comprovado nos documentos disponíveis na CPI do Cachoeira-- recorrer a colaboradores desse espectro para obter 'provas' que sustentem suas matérias pré-fabricadas.
Surpreendido pela trama rasteira Jobim tirou a escada de VEJA e deu troco duplo: desmentiu Gilmar no Estadão; confirmou a Monica Bergamo, da Folha, o que tantos sabem: Serra não falha; sua biografia de bastidores está, esteve e estará sempre entrelaçada a golpes e denúncias que contemplem a regressividade udenista da qual VEJA constitui a corneta mais atuante e Gilmar o novo expoente da agressividade lacerdista.
Diante do maratonismo verbal não sobraria fôlego aos jornais e jornalistas amigos para conceder ao leitor um pequeno espaço de reflexão sobre a momentosa semana final de maio, que deixa mais dúvidas do que certezas. Ademais da evanescente cozinha do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, outros pontos de interrogação merecem retrospecto. Por exemplo:
a) a reportagem publicada por Carta Maior no dia 29-04 " Cachoeira arruma avião para Demóstenes e 'Gilmar' --com aspas por conta da identificação incompleta do ilustre viajante e um dos motivos da fluvial verborragia togada, não tratava de pagamento de vôo a Berlim patrocinado pela 'agência de viagens' Demóstenes & Cachoeira;
b) o texto, conciso e claro baseado em escutas públicas da PF teve como foco uma 'carona aérea' no trecho SP-Brasília, solicitada ao esquema Cachoeira para o dia 25-04 de 2011;
c) as tratativas telefônicas da quadrilha Cachoeira apontam que os passageiros da carona viriam da Alemanha e seriam, respectivamente, Demóstenes e 'Gilmar' ;
d) a data da chegada a São Paulo é a mesma do retorno informado pelo próprio Gilmar Mendes em seu rally jornalístico;
e) o horário de chegada do seu vôo originário da Alemanha guarda proximidade com aquele informado à quadrilha. Essas as coincidências notáveis. A partir daí os fatos e comprovantes apresentados por Gilmar Mendes desmentem que ele tenha utilizado a dita carona solicitada à quadrilha, fato que Carta Maior noticiou imediatamente após os esclarecimentos do magistrado. O desencontro entre essas evidências e as providencias tomadas pela quadrilha Cachoeira, todavia, autoriza uma indagação que não se dissolve no aluvião verborrágico da semana, a saber: quantos Gilmares havia em Berlim com Demóstenes Torres? E, mais que isso: quem seria o 'Gilmar' cuja inclusão na carona, aparentemente desativada, não causou qualquer surpresa a Cachoeira, que nas escutas reage à menção do nome e da presença como algo se não habitual, perfeitamente compatível com a extensão de seus tentáculos e zonas de influência?
Carta Maior reserva-se o direito de continuar praticando um jornalismo crítico e auto-crítico, comprometido única e exclusivamente com a democracia e as aspirações progressistas da sociedade brasileira, abraçadas pela ampla maioria de seus leitores. Isso naturalmente a coloca na margem oposta daqueles que até ontem consideravam Demóstenes Torres, seus valores, agendas, contas de celular e caronas em jatinhos uma referência ética e republicana.
Fiel a esse compromisso com o leitor, Carta Maior cumpre a obrigação de manter em pauta algumas perguntas ainda sem resposta satisfatória: quantos gilmares havia em Berlim? Quantos gilmares havia no escritório de Jobim (um na cozinha e um na sala)? E, ainda mais urgente, quantas ameaças de fuzilamento da liberdade de expressão serão necessárias para que os partidos democráticos e o governo tomem a iniciativa de desautorizar a língua arvorada em extensão da toga? Não só em palavras, mas sobretudo na impostergável democratização afirmativa da publicidade oficial, antes que novos e velhos caçadores de jornalistas consigam transformá-la em mais um torniquete da pluralidade de opinião.
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