terça-feira, 29 de janeiro de 2008

RS QUER PRENDER O HOMEM QUE PODE SALVAR O PLANETA...

Ayrton Centeno escreve: Henry Saragih passou por maus bocados em março de 2006, em Porto Alegre. A começar por uma entrevista coletiva onde baixou o Caboclo Paulão e alguns dos perguntadores, possuídos pela Entidade, só faltaram dizer “Mentiu pro tio, contou pro vô? A casa caiu, a cobra fumô!” e bater com o jornal na mesa. Ali mesmo, Saragih foi intimado pela polícia a se apresentar em uma delegacia. Deu explicações durante horas. Acabou indiciado com mais 34 pessoas. Deixou o Rio Grande do Sul com um processo no lombo e sob o ladrar uníssono dos cães de guarda do pensamento único.

Independentemente do juízo que cada um possa ter sobre a arremetida, no dia 8 de março de 2006, Dia Internacional da Mulher, de centenas de colonas contra o viveiro da empresa Aracruz, em Barra do Ribeiro – incluindo-se aí quem julga que foi uma grande e necessária façanha até aqueles que trataram o assunto como a versão vegetal do Holocausto, passando por quem avalia que não passou de um singelo tiro no pé – o único crime provado, confesso aliás, de Saragih foi dar declarações favoráveis à razzia contra a transnacional. Talvez amanhã ou depois, não se sabe, o quadro mude e haja uma condenação e a operosa polícia gaúcha possa, enfim, fazê-lo ver o sol nascer quadrado, o que agradaria sobremaneira a singular - no sentido mais preciso de que não é plural - mídia bombachuda.

Seria uma cena bastante pitoresca e, mais do isso, paradoxal, de interesse muito além do Mampituba. Sim, porque a História, esta dama volúvel, arrumou outra tarefa para Saragih, bem mais nobre do que aquecer o cimento do Presídio Central. E ela manifestou tal capricho através de um painel de especialistas convocado pelo jornal londrino The Guardian. Pois não é que esta turma apontou Saragih como uma das 50 pessoas que podem salvar o planeta? Santa Monocultura! Por mil eucaliptos! Como é que os ingleses fizeram isso?

Pois é. Não só fizeram como colocaram o diabo do Saragih acolherado com gente de fino trato, que faria a mídia provinciana escorrer rios de saliva gravata abaixo. Com sua cara redonda e risonha de mexicano escalado para morrer em faroeste gringo, Saraigh aparece lado a lado com o ator Leonardo Di Caprio, o ex-vice presidente norte-americano e Prêmio Nobel da Paz, Al Gore, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel e o ex-vocalista da banda Midnight Oil, Peter Garrett, hoje ministro do Meio-Ambiente da Austrália, entre outros e outras.

Saragih foi escolhido, segundo o jornal britânico, porque, líder de milhões de camponeses indonésios, é o sujeito que está no caminho das grandes companhias que devastam florestas tropicais para produzir óleo de palma. Pondera que Saragih, secretário-geral da Via Campesina – que comanda campanhas pela reforma agrária em 80 países – defende os pequenos agricultores junto às Nações Unidas e à Organização Mundial do Comércio (OMC). O resultado desta luta, diz The Guardian, será responsável pela sobrevivência ou não das florestas no sudeste asiático e, possivelmente, determinará o futuro político de muitos países em desenvolvimento.

Na imprensa local, nem um pio, um gemido, um ameaço de vírgula sobre o assunto. Apesar do sabor da pauta, que explicita, de modo brutal, o abismo que separa duas visões dos movimentos sociais, aqui pintados como a décima-primeira praga do Egito e não uma expressão da sociedade civil organizada. Como demonstra, aliás, a rastejante matéria (18/01) de Zero Hora sobre a patética operação de guerra da BM em Pontão, pulsante de desprezo pelos mais fracos e de uma adulação babosa por quem tem o mando e o comando. Quanto à Saragih há duas interpretações para o silêncio. Sob a inspiração de São Francisco, que antecedeu Saragih em alguns séculos na proteção à natureza, fico - mesmo sabendo-a a menos provável - com a mais piedosa delas: a simples, boa e velha ignorância.

Marco Weissheimer


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