Um novo mundo à nossa espera
Eis o paradoxo dos paradoxos: num mundo que há oitocentos anos se vê cada vez mais presa de potências econômicas e guerreiras, a palavra de transformação e esperança renasce no seu elo mais frágil, a América Latina sempre subalterna e sem vocações hegemônicas de vulto.
A leitura das duas últimas partes do livro de José Luís Fiori, “O poder global e a nova geopolítica das nações” (Boitempo Editorial), que se chamam e analisam “A nova conjuntura mundial” e “A América Latina”, suscitam teses paradoxais, além de um sentimento de perplexidade diante deste “mundo velho sem porteira”.
Fica um gosto meio amargo ao final da leitura do livro, o de que a guerra é inerente ao capitalismo, e que, portanto, estamos diante de uma inevitabilidade que pode se confirmar no futuro. Já estamos numa guerra, reconheceria o mais otimista dentre nós. Sim, diria o mais cético, só falta sabermos no meio de que guerra, ou guerras, estamos. Estaremos às portas de uma guerra entre a China e os Estados Unidos? Ou da China com a Índia? Ambas? Ou será que continuamos dentro da Guerra Fria agora sem ser travestida de ideologia, mas cruamente revelando sua natureza de cerco dos Estados Unidos contra a Rússia.
Uma tese governou toda a política externa norte-americana nos últimos sessenta e cinco anos: quem controla o Oriente Médio controla a Eurásia; quem controla a Eurásia governa o mundo. Mas para isso é necessário isolar a Rússia e impedir que ela se una à Europa Ocidental, sobretudo à Alemanha, união que no presente não é impossível que venha a se desenhar. Aí sim estaríamos diante de uma nova guerra de grande monta. As escaramuças de hoje no Afeganistão, no Iraque, em Israel e na Faixa de Gaza,, além do cerco ao Irã, seriam os capítulos iniciais dessa nova guerra que já se desenha no ar. Como ela se fará? Através das “armas limpas” que hoje quase prescindem de seres humanos que as pilotem, como os aviões despovoados capazes de despovoar regiões inteiras com suas bombas em ataques maciços, ou com as novas armas da “economia suja”, esta que também despovoa o futuro de povos e povos numa clicar de mouse? Não sabemos.
Este quadro vem sendo perturbado pelos novos gigantes asiáticos, Índia e China. Mas Índia e China também são potências militares. A China, mostra o livro, além de militar, é uma potência milenar, que só não se expandiu antes pelos refolhos de sua política interna. Mas agora a China libera seus capitais, depois do interregno comunista que começou em 49 e terminou com o fim da Guerra Fria, se não antes. E já vem tomando espaço nas finanças da África e da América Latina.
Esta última, a América Latina, isto é, nós, é das figuras mais paradoxais da nova circunstância mundial. Eterna prima-pobre do poder mundial, região de ex-colônias e países subalternos na ordem global desde sempre, não tem um único país com a vocação hegemônica e de poder militar que demonstram as potências do passado, a do presente, e as do futuro asiático. O Brasil, na visão de Fiori, compartilha com a África do Sul a condição de, no plano internacional, pertencer “à turma do deixa-disso”. Bueno, não é de todo sem qualidades essa condição; pelo menos não habitamos um país guerreiro e conquistador, ainda que violento internamente.
Pois não é que é logo desta região desprovida de vocações hegemônicas que podem soprar e sopram os ventos de uma transformação possível? É a única região em escala mundial onde há uma sublevação, hoje, dos “condenados da terra”, para usar a expressão que Fanz Fanon tomou emprestada à letra da Internacional Comunista (“Les damnés de la terre”) para batizar seu famoso livro sobre as revoltas no terceiro mundo no pós-Segunda Guerra. É a única região do mundo onde a palavra “socialismo” é pronunciada com alguma ênfase, embora não se saiba muito bem o que ela pode significar no presente e no futuro, além de uma reserva ecológica em Cuba, que não se sabe quanto vai durar.
Entretanto, e nisto o livro é muito claro, para que essa sublevação se transforme em políticas robustas e consistentes, é necessária uma integração regional em termos de políticas energéticas, monetárias, e de desenvolvimentos combinados, que só podem ser obtidas com o funcionamento a pleno vapor do papel regulador e construtor dos estados nacionais revigorados.
Por aí se pode ter uma idéia, descendo agora ao nível prosaico do dia a dia, da verdadeira estupidez histórica que foi a orgia do “fim da CPMF”, por exemplo, em que a visão estratégica de país e continente foi substituída à direita, pela gana eufórica de “vamos impor uma derrota ao Lula”, e à extrema da esquerda, por um lavar as mãos de que Pilatos se orgulharia. Claro, sem falar nas atrapalhações no interior do governo, de seu partido majoritário e da “base aliada”, que agiram tarde, sem esclarecimentos conceituais, e tudo o que já sabemos.
Das páginas do livro, o mundo que se desenha à nossa frente é carregado de tensões, mas guarda ainda a possibilidade do imprevisto. As últimas palavras dele são de esperança, apesar de tudo. Falando destas diferentes e díspares sublevações na América Latina, Fiori assinala que o movimento de “auto-proteção” que elas reclamam “está vindo do social para o nacional e de ‘baixo’para ‘cima’. Na forma de um gigantesco movimento democrático, a favor de mais justiça na distribuição nacional e internacional dos direitos, do poder e da riqueza”.
Amém.
Fica um gosto meio amargo ao final da leitura do livro, o de que a guerra é inerente ao capitalismo, e que, portanto, estamos diante de uma inevitabilidade que pode se confirmar no futuro. Já estamos numa guerra, reconheceria o mais otimista dentre nós. Sim, diria o mais cético, só falta sabermos no meio de que guerra, ou guerras, estamos. Estaremos às portas de uma guerra entre a China e os Estados Unidos? Ou da China com a Índia? Ambas? Ou será que continuamos dentro da Guerra Fria agora sem ser travestida de ideologia, mas cruamente revelando sua natureza de cerco dos Estados Unidos contra a Rússia.
Uma tese governou toda a política externa norte-americana nos últimos sessenta e cinco anos: quem controla o Oriente Médio controla a Eurásia; quem controla a Eurásia governa o mundo. Mas para isso é necessário isolar a Rússia e impedir que ela se una à Europa Ocidental, sobretudo à Alemanha, união que no presente não é impossível que venha a se desenhar. Aí sim estaríamos diante de uma nova guerra de grande monta. As escaramuças de hoje no Afeganistão, no Iraque, em Israel e na Faixa de Gaza,, além do cerco ao Irã, seriam os capítulos iniciais dessa nova guerra que já se desenha no ar. Como ela se fará? Através das “armas limpas” que hoje quase prescindem de seres humanos que as pilotem, como os aviões despovoados capazes de despovoar regiões inteiras com suas bombas em ataques maciços, ou com as novas armas da “economia suja”, esta que também despovoa o futuro de povos e povos numa clicar de mouse? Não sabemos.
Este quadro vem sendo perturbado pelos novos gigantes asiáticos, Índia e China. Mas Índia e China também são potências militares. A China, mostra o livro, além de militar, é uma potência milenar, que só não se expandiu antes pelos refolhos de sua política interna. Mas agora a China libera seus capitais, depois do interregno comunista que começou em 49 e terminou com o fim da Guerra Fria, se não antes. E já vem tomando espaço nas finanças da África e da América Latina.
Esta última, a América Latina, isto é, nós, é das figuras mais paradoxais da nova circunstância mundial. Eterna prima-pobre do poder mundial, região de ex-colônias e países subalternos na ordem global desde sempre, não tem um único país com a vocação hegemônica e de poder militar que demonstram as potências do passado, a do presente, e as do futuro asiático. O Brasil, na visão de Fiori, compartilha com a África do Sul a condição de, no plano internacional, pertencer “à turma do deixa-disso”. Bueno, não é de todo sem qualidades essa condição; pelo menos não habitamos um país guerreiro e conquistador, ainda que violento internamente.
Pois não é que é logo desta região desprovida de vocações hegemônicas que podem soprar e sopram os ventos de uma transformação possível? É a única região em escala mundial onde há uma sublevação, hoje, dos “condenados da terra”, para usar a expressão que Fanz Fanon tomou emprestada à letra da Internacional Comunista (“Les damnés de la terre”) para batizar seu famoso livro sobre as revoltas no terceiro mundo no pós-Segunda Guerra. É a única região do mundo onde a palavra “socialismo” é pronunciada com alguma ênfase, embora não se saiba muito bem o que ela pode significar no presente e no futuro, além de uma reserva ecológica em Cuba, que não se sabe quanto vai durar.
Entretanto, e nisto o livro é muito claro, para que essa sublevação se transforme em políticas robustas e consistentes, é necessária uma integração regional em termos de políticas energéticas, monetárias, e de desenvolvimentos combinados, que só podem ser obtidas com o funcionamento a pleno vapor do papel regulador e construtor dos estados nacionais revigorados.
Por aí se pode ter uma idéia, descendo agora ao nível prosaico do dia a dia, da verdadeira estupidez histórica que foi a orgia do “fim da CPMF”, por exemplo, em que a visão estratégica de país e continente foi substituída à direita, pela gana eufórica de “vamos impor uma derrota ao Lula”, e à extrema da esquerda, por um lavar as mãos de que Pilatos se orgulharia. Claro, sem falar nas atrapalhações no interior do governo, de seu partido majoritário e da “base aliada”, que agiram tarde, sem esclarecimentos conceituais, e tudo o que já sabemos.
Das páginas do livro, o mundo que se desenha à nossa frente é carregado de tensões, mas guarda ainda a possibilidade do imprevisto. As últimas palavras dele são de esperança, apesar de tudo. Falando destas diferentes e díspares sublevações na América Latina, Fiori assinala que o movimento de “auto-proteção” que elas reclamam “está vindo do social para o nacional e de ‘baixo’para ‘cima’. Na forma de um gigantesco movimento democrático, a favor de mais justiça na distribuição nacional e internacional dos direitos, do poder e da riqueza”.
Amém.
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