Desde o mês de julho de 2010 os Rapanui têm tomado prédios e terras que estão na mão do governo. Exigem de volta o que é seu.Por Elaine Tavares no BrasilDeFato
Elaine Tavares
Há
pouco tempo o mundo inteiro acompanhou o semblante sorridente e
inofensivo do novo presidente do Chile, Sebastián Piñera, durante o
resgate dos mineiros que ficaram presos numa mina na região de Atacama.
Mas com os povos em luta e os trabalhadores chilenos ele não é tão
inofensivo assim. Por 80 dias, prisioneiros Mapuche fizeram greve de
fome porque não aceitam estar presos como bandidos, se tudo o que fazem é
lutar por sua terra, e o governo os tratou com brutal dureza.
Agora,
nos primeiros dias de dezembro foi a vez do povo Rapanui, os que
habitam a ilha de Páscoa, a ilha mais distante do continente, a 3.700
quilômetros da costa leste do Chile. Um grupo de 45 soldados fortemente
armados irrompeu na comunidade recuperada pelo clã Tuko Tuki, no centro
de Hanga Roa, capital da ilha. Esse espaço vem sendo reivindicado pela
gente originária desde há muito tempo, sem que haja sensibilidade por
parte do governo que atualmente ocupa as terras, com vários prédios
públicos. Até mesmo os organismos internacionais de Direitos Humanos já
reconheceram a legitimidade da demanda dos Rapanui, mas a violência
desencadeada na última semana pela polícia chilena mostra o quanto isso
ainda está longe de acabar.
Num único mês, mais de 35 grupos de
famílias Rapanui recuperaram seus antigos terrenos que estão em mãos do
governo e desde aí abriram uma ferida que
aparentemente estava
fechada. Justamente por ser um dos pontos mais afastados da terra, a
ilha esteve longe da cobiça dos conquistadores por muito tempo Foi só em
1722 que um navegador neerlandês chegou à ilha, exatamente num dia de
Páscoa, daí este ser o nome dado ao lugar, como sempre, desrespeitando
seu nome original. Porque a ilha não era um lugar deserto. Lá habitavam
os Rapanui que davam ao lugar o nome de Rapa Nui, que significa ilha
grande. Em 1774 um capitão inglês aportou no lugar e um século depois a
ilha foi ocupada por europeus que introduziram ali a criação do gado
ovino. Em 1888 a ilha foi anexada ao Chile e passou a existir como uma
enorme fazenda de ovelhas, sendo o seu povo tornado escravo.
Foram
muitas as lutas travadas pelo povo Rapanui pela recuperação da sua
liberdade e de seu território. Mas, só em 1966 eles foram alçados à
condição de cidadãos chilenos. Até então eram ninguém. Só que o povo da
grande ilha nunca quis ser chileno, e nunca ninguém lhes perguntou isso.
Essa cidadania foi imposta, assim como a escravidão anterior. Na gente
Rapanui sempre esteve muito vivo o sentimento de sua identidade e hoje
isso renasce com força total.
Desde o mês de julho de 2010 os
Rapanui têm tomado prédios e terras que estão na mão do governo. Exigem
de volta o que é seu. Querem o direito de dirigir suas próprias vidas,
de acordo com os seus costumes. Outros prédios e terrenos ainda em mãos
do estado e recebem pequenas bandeiras de Rapa Nui como um símbolo de
que aquele lugar tem outro dono. Há um clima de tensão no ar. E há um
renascer dos movimentos originários que, apesar das diferenças entre os
clãs, voltam a se reunir e encaminhar lutas conjuntas. A recuperação do
território é a mais importante.
Na última semana o governo
decidiu endurecer e realizou, no amanhecer, uma brutal operação de
retirada de famílias. As pessoas ainda dormiam quando a polícia chegou,
derrubando portas e golpeando todo mundo. Houve reação, e muita gente
acabou ferida. Fotos mostram senhoras de idade com balaços de borracha
no rosto, uma das lideranças teve o olho destroçado, gente sangrando por
todo o lado, alguns gravemente atingidos. Depois de toda a cena de
brutalidade os soldados ainda se dispuseram a um último gesto de poder:
queimaram as bandeiras de Rapa Nui, numa demonstração de desconhecimento
das reivindicações e da cultura do povo autóctone. Nitroglicerina pura.
As famílias originárias estão em pé de guerra.
A ilha de Rapa
Nui é um importante centro turístico que recebe mais de 60 mil turistas
por ano, atraídos pelos misteriosos Moais e pelas praias paradisíacas.
Agora, está deflagrado um grave conflito entre o povo Rapanui e o Estado
Chileno. O que as famílias querem é um diálogo aberto e respeito, muito
respeito. Coisa que o ataque do dia 3 de dezembro mostra parecer
impossível. A gente da ilha quer negociar, mas está disposta a lutar se
preciso for. No caso deste clã que foi desalojado agora em 3 de
dezembro, a reivindicação envolve um espaço de 5, 5 hectares no centro
da capital. No terreno estão prédios importantes como a sede da
prefeitura, o Banco do Estado e outros prédios públicos. O clã da
família Hito reivindica um terreno onde está um dos mais importantes
hotéis da ilha. Enfim, é uma batalha gigantesca a que está sendo travada
agora naquela longínqua terra.
Quem acompanha a movimentação é o
jornal Azkintwe, veículo oficial do país Mapuche. Mas, no resto do
mundo poucos sabem da luta deste esplêndido povo,
esquecido no meio do pacífico.
Elaine Tavares - jornalista.
(Com informações de Elias Paillan – Jornal Azkintwe)
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