A necessidade de contrapor o mito da “democracia racial”
que apresentava ao resto do mundo, uma dinâmica cordial nas relações
sociais entre brancos e negros no Brasil, cordialidade essa que
resultava da aparente ascensão social do mulato (descendente de brancos
com negros), no período colonial, se tornou uma das principais bandeiras
que unificou e reorganizou a militância negra no período contemporâneo.
Clédisson Júnior *
É importante ressaltar o aspecto de reorganização da militância de
negros e negras, pois muito pouco, se tem pesquisado sobre o processo de
organização para fins de resistência dos negros e negras no Brasil em
especial no período em que perdurou a escravidão formal, a qual se
convencionou apresentar como característica inerente aos negros e negras
escravizados a passividade ante a sua condição de cativos.
O MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO
O processo de reorganização do movimento negro teve como auge o
surgimento do “Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial”
na década de 1970. O MNU apresentava ao conjunto da sociedade, a
denuncia de um Brasil invisibilizado pela crença na igualdade de
oportunidade entre negros e brancos e pela recorrente opção pela
universalização da disputa social fundamentada na exploração de classes
característica fundante do sistema capitalista, aonde intelectuais e
organizações de esquerda acreditavam que superada as desigualdades de
classes automaticamente se suprimiria as opressões étnicos-raciais.
Nos anos que se seguiram foram surgindo outras organizações que pela
luta social, buscavam combater a opressão vivida pelos negros e negras
no Brasil, que muito contribuíram para a consolidação do processo de
reorganização e colocou na agenda social, o combate ao racismo.
A DICOTOMIA RAÇA E CLASSE
A partir da segunda década do seculo XX, intelectuais e organizações
marxistas compreendiam o preconceito racial como elemento indispensável
na dinâmica de funcionamento da sociedade brasileira contudo pouco
contribuíram objetivamente sobre a discussão do racismo no Brasil.
Analises apontam que a lacuna deixada pela critica marxista no campo da
opressão vivida pelos negros e negras no Brasil se dá a partir do
entendimento de que o país se encontrava em um estagio semi-colonial no
que tange a sua estrutura econômica e era dirigido por uma aristocracia
agraria-feudal, e que esta disposição do quadro social travava o
desenvolvimento das forças produtivas, adiando deste modo o processo de
ascensão da burguesia e o aprofundamento do modo de produção
capitalista, etapa necessária para o surgimento do movimento
emancipatório da classe trabalhadora, como parte integrante do ideário
marxista-revolucionário.
Tal perspectiva secundarizou as discussões sobre o racismo no campo
das organizações de esquerda, resultando em um processo de afastamento
de grande parte dos intelectuais e das organizações do movimento negro.
Contudo é importante evidenciar que foi do Partido Comunista Brasileiro -
PCB o primeiro candidato negro a presidência da republica nas eleições
de 1930 com o operário Minervino de Oliveira e também do mesmo partido o
primeiro negro a ser eleito deputado federal nas eleições de 1945 com
Claudino Silva.
O MARXISMO E O MOVIMENTO NEGRO
Com o aumento de sua base social e um objetivo processo de
amadurecimento organizativa de suas direções, parte significativa do
movimento negro passa a compor cada vez mais o campo dos movimentos
identitários, movimentos esses que buscam alcançar direitos negados pelo
conjunto da sociedade, direcionando assim uma ação politica que pouco
ou nada dialoga com uma necessária ruptura com o modo de produção
capitalista que tem no racismo um de seus pilares estruturantes.
Muitas foram as contribuições do marxismo para o processo de
organização social, aonde elementos constitutivos como o materialismo
histórico, modo de produção da burguesia, a teoria da mais valia entre
outros permitiu ao longo de um largo período de nossa historia
contemporânea um método de analise e ação, que inspirou homens e
mulheres a se organizarem na busca por uma sociedade justa. Resultando
em algumas experiencias reais de chegada ao poder pela classe
trabalhadora.
Assim como a própria historia, o marxismo também viu suas bases
teóricas serem alteradas, a qual em sua primeira expressão marcada pela
verdade intransigente das lutas de classes a uma ideia de não
predestinação mas o reforço do determinismo da matéria, que ao atender
suas diferentes necessidades, alteram também as nossas opções e
concepções, conceituando assim a dialética marcada pela constante
transformação da historia.
Este processo de constante movimentação, que também podemos chamar de
atualização mediante as realidades vivenciada pelos marxistas culminou
em reorganização programáticas, aonde foi possível desenvolver uma
perspectiva da chegada ao poder da classe trabalhadora pela via
pacifica, utilizando da estrutura democrática para alterar o estado de
exploração.
Deste modo, o marxismo hoje também se coloca na condição de
apresentar e somar as pautas que dialogo com os movimentos identitários,
apropriando de parte de suas formulações e contribuindo com as suas
dinâmicas organizativas e com o processo de formação destes militantes.
A busca pelo dialogo necessário entre o programa apresentado a classe
trabalhadora e a luta pela igualdade nas oportunidades entre negros e
brancos, coloca em novos patamares o campo teórico analítico.
O INTELECTUAL ORGÂNICO E O MOVIMENTO NEGRO
O conceito de intelectualidade orgânica surge a partir da avaliação
critica de que as direções dos movimentos ligados a emancipação da
classe trabalhadora, se fechavam em analises abstratas sobre o processos
formulativo, estando alheios ao desenrolar objetivo da luta dos
trabalhadores e das trabalhadoras, esse distanciamento da direção
“pensante” do movimento, gerou desgastes e distanciamento da base, não
permitindo assim que a luta lograsse objetividade em seus intentos.
Segundo Antônio Gramsci, marxista italiano, que a partir de seus
estudos nos apresenta que o(a) intelectual orgânico é aquele(a) que
elabora uma concepção ético-politica que o(a) habilita a exercer funções
culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social
e o domínio da classe que representa.
Tal interface se observa com mais propriedade no processo de formação
de quadros dirigentes para o movimento social protagonizado por negros e
negras, aonde estes mesmos militantes cada vez mais se tornam parte
integrante de suas organizações, conectados com os avanços do mundo do
trabalho, com as novidades no campo analítico produzido pelas
universidades, em constantes contatos com as outras organizações
politicas-sociais, se tornando verdadeiro(a)s intelectuais
comprometidos, que organicamente tem por tarefa formular e promover
avanços nos aspectos da luta social para o movimento negro.
CONSTRUIR MAIORIA PARA DISPUTAR A HEGEMONIA
Com o acirramento da disputa por hegemonia e o crescente avanço das
correntes de pensamento conservadores da sociedade brasileira, se torna
tarefa do movimento negro e das organizações do campo progressista o
estreitamento de suas agendas e pautas emancipatórias, aonde se torna
essencial a compreensão de que a transição para uma sociedade solidaria,
justa e calcada em valores verdadeiramente democráticos será fruto de
muita mobilização social e aprofundamentos dos instrumentos que garantam
cada vez maior participação da população na dinâmica de direção da
sociedade.
Aos socialistas cabe apresentar ao conjunto do movimento negro, que
ao se deparar com uma sociedade injusta e desigual, a busca pela
equidade deverá ser precedida pelo tratamento diferenciado para aqueles
que vivem “sorte” desigual de oportunidades, construindo conjuntamente
instrumentos de compensação, avançando nas discussões sobre as
discriminações positivas para aqueles que historicamente vem sendo
oprimidos, assegurando as mulheres o direito inalienável a
autodeterminação de seu corpo e ao mesmos espaços na vida publica.
O processo de atualização do marxismo enquanto campo analítico, o
coloca na condição de cada vez mais ser elemento indispensável na
disputa social que enfrentamos cotidianamente.
A transição de um modelo de democracia representativa liberal que
falha ao colocar a margem do processo de socialização a maioria da
população do país em função de sua posição subalterna na estratificação
social e principalmente pela pertencimento étnico a que fazem parte,
somente obterá sucesso e transitará para um modelo de democracia, aonde a
solidariedade e a igualdade de oportunidades sejam elementos fundantes
se for colocado como centro estratégico a organização e o emponderamento
de negros e negras e a radicalização da luta pelo fim da racismo.
*Clédisson Júnior é militante do Coletivo Nacional de Juventude Negra Enegrecer e diretor de Combate ao Racismo da UNE.
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