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“Os mercados são hoje o coração do capitalismo cognitivo porque são o
centro do processo de financiamento da atividade em inovação e da
produção de conhecimento e, ao mesmo tempo, são elementos relevantes na
distribuição da renda, que se baseia na desigualdade.”
A opinião é de Andrea Fumagalli, professor de Economia Política da Università di Pavia, Itália, em entrevista a P. Elorduy, B. García e D. Grasso, publicada no jornal Diagonal, 17-01-2011. A tradução é de Anne Ledur.A entrevista está no sitio Diario Liberdade.
Eis a entrevista.
Bioeconomia
e capitalismo cognitivo estão escritos ao início do que conhecemos como
“a crise”. Você nesse tempo como se desenvolviam as teses que propunha
em sua obra?
A situação da crise que estamos vivendo é uma confirmação da tese principal do livro. Por exemplo, o que está passando na Europa, a partir da crise na Grécia até os protestos na França,
está demostrando que o problema da reforma das aposentadorias é capaz
de unificar uma frente de luta que não afeta só os sujeitos econômicos
mais interessados, nesse caso, os pensionistas, mas também os
estudantes, pessoas trabalhadores, etc. Isso se dá porque o que está em
jogo não é uma parte da vida, como pode ser o tema das pensões, mas o
interesse de todas as pessoas. Há uma centralidade do papel jogado por
mercados financeiros nesse momento na hierarquização social, na
distribuição da renda e no momento biopolítico.
Chegou o que se chama de “capitalismo cognitivo”?
Tem
dois elementos característicos do passo do paradigma industrial
fordista ao paradigma cognitivo imaterial, ou com uma tendência
prevalecente à produção imaterial. O primeiro é o aspecto da
financeirização. O segundo é a transformação do modelo produtivo que, de
um modo rígido e homogêneo, se transforma em uma estrutura em rede,
dinâmica, que cria novas modalidades de crescimento da produtividade que
são definidas pelo papel do conhecimento e a individualização da força
do trabalho. “Controlar o mecanismo da formação e do aprendizado é a
nova forma de controlar os trabalhadores”.
Por
parte da financeirização, os mercados são hoje o coração do capitalismo
cognitivo porque são o centro do processo de financiamento da atividade
em inovação e da produção de conhecimento e, ao mesmo tempo, são
elementos relevantes na distribuição da renda, que se baseia na
desigualdade. Por exemplo, nos mercados, se joga com a possibilidade que
a seguridade social, que está em contato direto com a vida, seja
privatizada. Isso significa passar o controle da vida da propriedade
pública à propriedade privada.
Você fala da importância que a produtividade dos corpos adquiriu nessa fase do capitalismo. O que significa isso?
O
processo de valorização hoje está baseado em um terço de produção
imaterial, um terço sobre a cobertura de serviços ligados à mercadoria, e
uma terceira parte formada por esses serviços imateriais que são a
produção da linguagem, a produção de convenções sociais, de controle, de
serviços financeiros, de inovações, de símbolos, etc.
De
um ponto de vista qualitativo, o tipo de prestação de serviço se
caracteriza porque o trabalho “maquínico”, o repetitivo, está
interiorizado no corpo humano, especialmente na atividade cerebral e
cognitiva. Nesse sentido, o controle do corpo é o controle dos nervos e,
sobretudo, do cérebro, dos sentimentos, dos desejos. A precariedade é
um exemplo dessa mudança de estratégia. Também tem muita importância o
controle do processo de formação da força de trabalho. Esse é o motivo
por que é muito importante nos últimos anos o problema da reforma da
educação superior, o processo de Bolonha, etc. Porque controlar o mecanismo da formação e do aprendizado é a nova forma de controlar os trabalhadores.
De
um ponto de vista quantitativo, o problema é a dificuldade ou a
impossibilidade de calcular o valor que produz a utilização biopolítica
do corpo e o cérebro humanos. Já que se a produção é material, tem uma
medida (quilos, etc.). O problema é como dar uma medida da ideia, o
pensamento ou o imaterial.
Como se traslada o indivíduo?
Em
economia, “alienação”, tem que ver com a ideia de ser humano como força
de trabalho, essa é a típica ideia de alienação da cadeia de montagem.
Hoje, quando a máquina se interiorizou no cérebro, o tipo de alienação
evidente no trabalho de produção imaterial é resultado do processo de
prestação de serviço e não está separado, como na cadeia de montagem.
A
alienação mudou e se integrou na atividade cerebral. O cérebro se
divide em duas partes. Uma funciona como máquina em atividades
rotineiras; a outra é a que busca que sejamos criativos; é necessário
que sejamos para favorecer o processo de produção. Em um contexto em que
aparentemente se pode exprimir a liberdade, quando termina a partida,
tu és mais infeliz que no começo. Tem um aumento do número de suicídios
que estão ligados ao funcionamento da economia, para dar um exemplo. A
autodestruição do corpo e mente está estreitamente ligada à dinâmica do
mercado de trabalho.
O que fica por conquistar os mercados de nossa vida?
A
crise financeira, ou econômica (porque a economia e as finanças já não
se diferenciam), mostra que não é possível sair dessa crise em um
sentido tradicionalmente reformista. Essa proposta era capaz de manter
juntos os interesses contrapostos: os dos trabalhadores e os do capital.
Era uma sorte de pacto social ou New Deal. Por que não é possível
agora? Porque, do ponto de vista econômico, a saída da crise financeira
passa por uma melhora na distribuição de renda, que permita um
crescimento da demanda em nível internacional. Uma medida, nesse
sentido, é a proposta de renda básica.
A
segunda intervenção seria uma maior liberdade do campo de geração e
difusão das variáveis estratégicas (conhecimento e atividade em rede), o
que implica numa reproposição da estrutura de propriedade. O problema
está em como sair dessa “transição” e introduzir um modelo que
propriedade baseado no conceito de comum, que, por outro lado, uma
propriedade pública sobre serviços como educação, saúde, controle de
meio ambiente, etc., e está também uma forma de propriedade que é a
comum, que afeta bens imateriais não sujeitos a escassez.
Essa
pode ser a solução reformista (aparentemente reformista) para sair da
crise. Mas, se se aprofunda no conceito de renda básica, se observa que é
contrário à possibilidade de capital de controle da força de trabalho,
porque minimiza o princípio de necessidade, que faz com que o trabalho
esteja subordinado ao poder e a quem organiza o sistema político. Isso é
perigoso para os sistema capitalista. Por outro lado, o conceito de
propriedade comum nega um princípio fundamental do sistema capitalista,
que é a propriedade privada e o processo de privatização.
Por
isso, há duas vias: de um lado, está a tentativa de sair da crise ao
modo capitalista, quer dizer, acelerar o processo de privatização. Isso
implica uma privatização total da vida natural e possivelmente da vida
artificial (o que afeta o controle da biogenética). Creio que essa
tentativa está destinada a fracassar, porque essa é uma crise de
crescimento, não de saturação. Nessa crise se deu o começo de um novo
paradigma, que é o do capitalismo cognitivo.
A segunda possibilidade é uma forma de New Deal,
a renda básica, a produção ecocompatível, etc., mas não pode ser uma
solução institucional, tem que ser imposta pela capacidade de
mobilização dos grupos sociais, das sociedades civis. Ninguém sabem qual
dessas posições se imporá à outra.
Quatro conceitos-chave da nova sociedade do capitalismo cognitivo segundo Fumagalli
Controle:
“No Fordismo, a disciplina da fábrica era a disciplina da submissão do
corpo físico. Agora, o controle da força de trabalho passa pelo controle
da atividade cognitiva”.
Propriedade Intelectual:
“Quanto maior é a troca de conhecimento, mais conhecimento se gera. Por
isso se criou o direito de propriedade intelectual: para introduzir
artificialmente um princípio de escassez de conhecimento”.
Renda Básica:
“A ideia da renda básica ameaça o controle do sistema capitalista sobre
o processo formador, a possibilidade de controle social, e pode fazer
crescer ideias mais subversivas, além do reformismo”.
Bioeconomia:
“É um paradigma econômico que tem como objetos de troca acumulação e
valorização, as faculdades vitais dos seres humanos, em primeiro lugar a
linguagem e a capacidade de gerar conhecimento”.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
'A saída do capital à crise é a privatização total da vida'
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