Juremir Machado da Silva no Correio do Povo |
Vou falar de literatura brasileira. Sei que
isso não dá muito Ibope. Muitas pessoas só se inflamam realmente com
quatro assuntos: cachorros, carros, jogadores de futebol e reality
shows. Se falo do "BBB", recebo 50 mensagens. Se trato do Ronaldinho
Gaúcho, cem e-mails. Se abordo a origem do Fusca, 150 comentários. Se
meto meu focinho com os cachorros, 300 torpedos. É a vida. Cada época
com as suas preocupações e prioridades. O cronista deve humildemente
perceber o que anda no espírito do seu tempo. Afinal, não passa de uma
caixa de ressonância.
Mas vou falar de literatura brasileira. Tem autores que sofrem para usar uma expressão do querido professor de Cinema Aníbal Damasceno Ferreira, de "feiura de pajé". Não empolgam. Todo mundo debocha deles. Até eu. Josué Montello é um desses casos. Parece que escreveu 150 livros. Fez parte da Academia Brasileira de Letras. Nada que abone o currículo de um escritor por si. É comum rotular-se Montello de medíocre. Na melhor das hipóteses, mediano, se isso não for pior. Certo é que Josué Montello nunca abafou. Mas ele tem um livro, sua obra-prima, "Os Tambores de São Luís", que é melhor do que todos os livros da nova geração de escritores juntos. Certamente um dos melhores do século XX no Brasil. Acabei de reler.
"Os Tambores de São Luís" conta a saga da escravidão no Brasil através da história do negro Damião. Por que esse livro não alcançou a mesma repercussão de algumas obras de Jorge Amado, de "O Tempo e o Vento", de Erico Verissimo, ou "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa? Não há dúvida de que formalmente Guimarães Rosa foi muito mais escritor. "Grande Sertão" consegue malabarismos de linguagem altamente originais. "Os Tambores Silenciosos", no entanto, além de ser bem escrito, embora não tanto quanto "Grande Sertão", tem, se me permitem uma expressão fora de moda, maior relevância social. Aí está. Depois da fúria dos "cachorrólatras", despertarei a ira dos adoradores de Guimarães Rosa. Serei explícito: "Tambores de São Luís" tem mais conteúdo.
Outro escritor desprezado, Mario Palmério, publicou, sobre o sertão, um livro, "Chapadão do Bugre", que merecia rivalizar com "Grande Sertão". Guimarães Rosa, contudo, foi o homem certo na hora certa: o modernismo obcecado pela linguagem. Por que, por outro lado, Josué Montello, com seus "Tambores de São Luís", não ombreia com Jorge Amado e Erico Verissimo, que, do ponto de vista formal, são menos vanguardistas que Rosa? Por uma razão bem simples: Montello é da escola do nosso Cyro Martins. Não idealiza. É sem glamour. Os negros no seu livro são vítimas. Não há espaço para atos heroicos. O mito fica de fora. O sistema escravista tudo sufoca. Sem a positividade marqueteira, não há muito orgulho regional.
O livro de Montello é lindo e triste, desses de chorar. Quando a gente termina de ler, pensa assim: cotas para negros nas universidades? É muito pouco. Todo negro deveria ter lugar garantido, nos próximos 50 anos, em nossas universidades, sem vestibular, sem nada, como pálida compensação pela dívida impagável que temos com seus antepassados. Josué mostra a ferida. Aí é medíocre.
Mas vou falar de literatura brasileira. Tem autores que sofrem para usar uma expressão do querido professor de Cinema Aníbal Damasceno Ferreira, de "feiura de pajé". Não empolgam. Todo mundo debocha deles. Até eu. Josué Montello é um desses casos. Parece que escreveu 150 livros. Fez parte da Academia Brasileira de Letras. Nada que abone o currículo de um escritor por si. É comum rotular-se Montello de medíocre. Na melhor das hipóteses, mediano, se isso não for pior. Certo é que Josué Montello nunca abafou. Mas ele tem um livro, sua obra-prima, "Os Tambores de São Luís", que é melhor do que todos os livros da nova geração de escritores juntos. Certamente um dos melhores do século XX no Brasil. Acabei de reler.
"Os Tambores de São Luís" conta a saga da escravidão no Brasil através da história do negro Damião. Por que esse livro não alcançou a mesma repercussão de algumas obras de Jorge Amado, de "O Tempo e o Vento", de Erico Verissimo, ou "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa? Não há dúvida de que formalmente Guimarães Rosa foi muito mais escritor. "Grande Sertão" consegue malabarismos de linguagem altamente originais. "Os Tambores Silenciosos", no entanto, além de ser bem escrito, embora não tanto quanto "Grande Sertão", tem, se me permitem uma expressão fora de moda, maior relevância social. Aí está. Depois da fúria dos "cachorrólatras", despertarei a ira dos adoradores de Guimarães Rosa. Serei explícito: "Tambores de São Luís" tem mais conteúdo.
Outro escritor desprezado, Mario Palmério, publicou, sobre o sertão, um livro, "Chapadão do Bugre", que merecia rivalizar com "Grande Sertão". Guimarães Rosa, contudo, foi o homem certo na hora certa: o modernismo obcecado pela linguagem. Por que, por outro lado, Josué Montello, com seus "Tambores de São Luís", não ombreia com Jorge Amado e Erico Verissimo, que, do ponto de vista formal, são menos vanguardistas que Rosa? Por uma razão bem simples: Montello é da escola do nosso Cyro Martins. Não idealiza. É sem glamour. Os negros no seu livro são vítimas. Não há espaço para atos heroicos. O mito fica de fora. O sistema escravista tudo sufoca. Sem a positividade marqueteira, não há muito orgulho regional.
O livro de Montello é lindo e triste, desses de chorar. Quando a gente termina de ler, pensa assim: cotas para negros nas universidades? É muito pouco. Todo negro deveria ter lugar garantido, nos próximos 50 anos, em nossas universidades, sem vestibular, sem nada, como pálida compensação pela dívida impagável que temos com seus antepassados. Josué mostra a ferida. Aí é medíocre.
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