Entre esta nova geração de proeminentes mulheres árabes, a
maioria escolhe usar o hijab. Urbanizadas e educadas, elas não são
menos confiantes e carismáticas que suas irmãs “desveladas”.
As revoluções árabes não somente estão abalando as estruturas da
tirania até suas mais profundas fundações, como estão destruindo muitos
dos mitos a respeito da região árabe que têm se acumulado por décadas.
No topo desta lista de mitos dominantes estão aqueles das mulheres
árabes como enjauladas, silenciadas, e invisíveis. Estes não são os
tipos de mulheres que apareceram na Tunísia, Egito, ou mesmo no
ultraconservador Iêmen nas últimas semanas e meses.
Não apenas as mulheres participaram ativamente nos movimentos de
protestos enfurecidos nestes países, como desempenharam também papeis
fundamentais. Elas organizaram protestos e piquetes, mobilizaram muitos
cidadãos, e eloquentemente expressaram suas exigências e aspirações por
mudanças democráticas.
Como Israa Abdel Fatteh, Nawara Nejm e Tawakul Karman, a maioria das
mulheres está na faixa dos 20 ou 30 anos. Há ainda casos inspiradores
de ativistas mais velhas: Saida Saadouni, uma mulher com seus 70 anos
na Tunísia, enrolou a bandeira nacional em seus ombros e participou dos
protestos de Qasaba, que conseguiram derrubar o governo provisório de
M. Ghannouchi. Tendo protestado por duas semanas, ela disseminou um
espírito revolucionário único entre os milhares que se reuniram a sua
volta para escutar seus discursos incendiários. “Eu resisti à ocupação
francesa. Eu resisti às ditaduras de Bourguiba e Ben Ali. Não
descansarei enquanto nossa revolução não chegar ao fim, por vocês, meus
filhos e filhas, não por mim,” disse Saadouni.
Seja nos campos de batalha virtuais da internet ou nos protestos
físicos nas ruas, as mulheres têm se provado como reais incubadoras de
lideranças. Isto é parte de um fenômeno mais amplo característico destas
revoluções. A política aberta das ruas fez nascer e amadurecer futuras
líderes. Elas crescem organicamente nos campos, muito mais do que
sendo impostas de cima por organizações políticas, grupos religiosos ou
imposições de gênero.
Outro estereótipo sendo desconstruído neste movimento é a associação
da burca com a passividade, submissão e segregação. Entre esta nova
geração de proeminentes mulheres árabes, a maioria escolhe usar o hijab.
Urbanizadas e educadas, elas não são menos confiantes e carismáticas
que suas irmãs “desveladas”. Elas são uma expressão da complexa formação
da cultura muçulmana, com processos de modernização e globalização
sendo a marca fundamental da sociedade árabe contemporânea.
Este novo modelo de líderes mulheres criadas em suas terras natais,
nascidas de levantes revolucionários, representa um desafio a duas
narrativas, as quais, embora diferentes nos detalhes, são similares em
referência ao mito da singularidade cultural árabe; ambos destituem a
figura da mulher árabe como criatura inerte e sem força de vontade.
A primeira narrativa – que é dominante nos círculos muçulmanos
conservadores – sentencia as mulheres a uma vida de reprodução e criação
das crianças; mulheres são feitas para viver nos estreitos confins de
suas casas com a permissão de seus maridos e parentes homens. Sua
presença deve se limitar em torno de noções de pureza sexual e honra
familiar; interpretações reducionistas da religião são procuradas para
justificar isto.
A outra visão é abraçada por euro-americanos neoliberais, que veem as
mulheres árabes e muçulmanas através do estreito prisma do modelo
Talibã: objetos miseráveis de pena que precisam de uma intervenção
benevolente de intelectuais, políticos ou mesmo militares. Mulheres
árabes aguardam a libertação da jaula escura do velamento para um jardim
prometido de iluminação.
As mulheres árabes estão se rebelando contra ambos modelos: elas
estão tomando para si as rédeas dos próprios destinos libertando a si
mesmas, ao passo em que libertam suas sociedades das ditaduras. O modelo
de emancipação que estão conformando com suas próprias mãos é definido
por suas próprias necessidades, escolhas e prioridades – e de ninguém
mais.
Embora possa haver resistência a este processo de emancipação, a
Praça Tahrir e Qasaba agora são parte da psiquê e da cultura das
mulheres árabes. De fato, elas finalmente têm voz para gritar seus há
muito silenciados anseios por libertação do autoritarismo – tanto
político quanto patriarcal.
* Tradução de Cainã Vidor.
* Publicado originalmente no site da Al Jazeera, em português no Envolverde.
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