domingo, 1 de julho de 2007

Serra, Folha e a reforma agrária


Altamiro Borges*

Primeiro foi o governador de São Paulo, José Serra, que “teorizou” sobre a inviabilidade econômica da reforma agrária, talvez incomodado com as novas ocupações de terras no Pontal do Paranapanema. Num encontro com a juventude do PSDB, no último final de semana, o tucano-mor afirmou que é “impossível” realizar uma reforma agrária “bem feita”, devido aos custos “caríssimos”.


Ele se baseou num estudo feito no governo FHC, que estimou o gasto desta reforma em US$ 35 mil por família, incluindo desapropriação das terras, créditos rurais e infra-estrutura para os assentados. Revelando que a sua fiel adesão aos dogmas ortodoxos é antiga, ele confessou que chegou a essa conclusão nos anos 70, durante o seu exílio no Chile.

“[A reforma agrária] é impossível, pelos custos... Nenhuma sociedade moderna, dos países que ainda tem agricultura grande, na América Latina, tem dinheiro para fazer uma coisa bem-feita”, afirmou Serra, que também desdenhou de outras duas bandeiras da esquerda, “a maior presença do Estado” e “a luta contra o capital estrangeiro”. Para ele, que não esconde mais sua conversão neoliberal – mais ainda engana muita gente –, estas três propostas “estão superadas”. Na mesma semana, o tucano voltou à carga, desta vez para atacar o MST devido às ocupações de terras – que nem foram organizadas pelo movimento. “Este pessoal não está à vontade na democracia”, esbravejou Serra, logo ele que marca a sua gestão pela truculência.

O “economicismo” dos neoliberais

No mesmo tom, como mero repetidor das “teorias” tucanas, o editorial da Folha de S.Paulo condenou a reforma agrária. Amparado numa pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Agrário, afirmou que “o gasto médio para o assentamento de uma família é de R$ 31 mil” – menos da metade do valor alardeado, com ares de verdade, por José Serra. Mesmo assim, o jornal da famiglia Frias questionou: “À diferença de um programa de renda mínima, a reforma agrária se pretende uma política emancipadora. É preciso saber se os empregos gerados se sustentam ao longo do tempo e se produzem um nível mínimo de renda sem o concurso do poder público. Caso contrário, a reforma agrária se torna uma doação contínua de dinheiro do Estado e deveria ser substituída por ações como o Bolsa Família, mais baratas e eficientes”.

Com uma espalhafatosa manchete na capa e um longo artigo na sua principal página de política, a Folha ainda fez terrorismo contra o dinheiro investido na reforma agrária. “O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem desembolsado uma média de R$ 31 mil para assentar cada família sem terra do país. O custo é suficiente para manter por 27 anos um casal com três filhos no programa Bolsa Família”. Mesmo ouvindo o “outro lado” – no qual o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, afirma que “o valor é alto, mas compensa” –, a Folha insistiu na tese de que é melhor investir no Bolsa Família do que na reforma agrária. Como “partido da direita”, adepto dos dogmas neoliberais, ela prefere as medidas compensatórias às mudanças estruturais, que alterem a concentração de renda e riqueza no Brasil.

Recursos para grileiros e latifundiários

As declarações de José Serra e o editorial de Folha, assim como as reportagens sempre agressivas da TV Globo, revelam que a elite burguesa não gosta nem de ouvir falar numa profunda reforma agrária. Como é um afronta a concentração fundiária, em que 1% dos proprietários detém 56% das terras agricultáveis, ela agora resolveu usar o argumento “econômico” para negar a urgência desta reforma. Ela nunca criticou os milhões do Proer dados por FHC aos banqueiros, ou os milhões do BNDES usados para bancar poderosas corporações ou mesmo os empréstimos do governo aos “donos da mídia”. Quando o dinheiro público é para os ricos, é investimento; quando é para os trabalhadores, é “gastança”. A tese “economicista” serve apenas para esconder a injustiça social e para ocultar o caráter eminentemente político deste tema.

Como denuncia Soraia Soriano, da coordenação nacional do MST, “o governador diz que não é possível fazer a reforma agrária, no entanto, ele continua direcionando recursos para o campo, mas apenas para o grande produtor rural. O governo inclusive está legalizando terras griladas por fazendeiros no Pontal do Paranapanema. Segundo dados do próprio governo, cerca de 400 mil hectares são comprovadamente de terras devolutas na região, invadidas irregularmente por grandes latifundiários”. Para ela, as pretensas razões econômicas contrárias à reforma agrária servem somente para encobrir a perversa distribuição de terras no país. “O problema é político, de justiça social, é não exclusivamente econômico”, opina.

Programa eficiente e barato

Apesar da lentidão da reforma agrária, que tem gerado duras críticas dos movimentos sociais do campo, o governo Lula aparentemente ainda não se dobrou às teses “economicistas”. O próprio ministro Guilherme Cassel fez questão de frisar à Folha que “tenho certeza que a reforma agrária vale a pena, pela ocupação do espaço, pela geração de emprego e renda e pela comparação com outras atividades”. O estudo do seu ministério já provou que cada família assentada representa a geração de 4,7 novos empregos, sendo três deles diretos – o que não foi destacado na citada manchete. Indicou ainda que cada R$ 1 milhão investido pelo governo na reforma agrária reverte-se em 136 empregos diretos, 31 indiretos e outros 46 induzidos (efeito-renda), o que é superior aos resultados alcançados nos setores de transporte, comércio e calçados.

Conforme constatou a jornalista Verena Glass, “o estudo elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) sobre os aspectos orçamentários e financeiros da reforma agrária no Brasil, entre os anos de 2000 e 2005, mostra que o assentamento de agricultores pelo governo é um dos investimentos públicos mais baratos e eficientes na geração de postos de trabalho”. Para o pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Sérgio Leite, especialista na questão agrária, os resultados da reforma agrária na geração de empregos são impressionantes e justificam plenamente os investimentos do governo na área:

“Comparativamente, se pegarmos os dados do Ministério do Trabalho sobre políticas com o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), por exemplo, teremos um custo de R$ 13.600 para a geração de um emprego na indústria, de R$ 25.600 no setor de serviços e R$ 20.300 no comércio. O mesmo cálculo nesses setores, com base no resultado do Programa de Promoção do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (Pró-Trabalho), apontou uma despesa de R$ 23.000, R$ 35.500 e R$ 88.300, respectivamente, na geração de um posto de trabalho. Na reforma agrária, o valor cai para R$ 10 mil, considerados apenas os empregos diretos”, explicou Sérgio Leite à jornalista Verena Glass.

Urgência da reforma agrária

A própria “razão econômica” defendida pelos latifundiários, por José Serra e pela mídia é desmontada por outro dado revelador do estudo do MDA: o assentamento de trabalhadores rurais gera mais empregos do que o agronegócio, garante a alimentação da população e é fator indispensável para o desenvolvimento do país. “O sub-setor familiar gera 213 postos de trabalho e o patronal, 84. Ou seja, o primeiro é capaz de criar 2,5 vezes mais ocupações que o segundo... O principal elemento que os diferencia é o emprego direto de cada um deles (136 postos frente a 22). Segundo o mais recente Censo Agropecuário, a agropecuária familiar é responsável por 78% do pessoal ocupado na agricultura”, afirma o documento.

Em síntese, a reforma agrária continua sendo uma exigência política, social e, inclusive, econômica. Os problemas no campo brasileiro não serão resolvidos com programas como o Bolsa Família, assim como deseja a elite burguesa. “A política assistencial é para conter uma situação conflituosa. 200 mil famílias acampadas é uma situação de conflito, que precisa de políticas assistenciais. Mas não resolve as questões estruturantes”, argumenta Sérgio Leite. “Justamente para que as famílias não precisem ficar 27 anos no Bolsa Família é fundamental a reforma agrária”, acrescenta Vicente Marques, assessor especial do MDA.




*Altamiro Borges, Miro é jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)

Proeza: Cuba realiza transplante inédito de células-tronco


O primeiro transplante com células-tronco no sistema nervoso central foi realizado em Cuba, em um homem paraplégico de 32 anos. O paciente, não-identificado, evolui satisfatoriamente três meses após ter sido submetido à inovadora técnica, afirmou o neurocirurgião Amado Delgado Gómez à Agência de Informação Nacional (AIN).


O médico explicou que o paciente recupera a função motora nos membros inferiores e anda com o auxílio de órtese - dispositivo mecânico que exerce forças sobre uma parte do corpo. A técnica aplicada estimula a regeneração do tecido danificado e recupera em grande parte a função motora, depois de vários meses de reabilitação, afirmou o especialista cubano.

Delgado afirmou que se recomenda esse tipo de intervenção no tratamento do mal de Parkinson, dos tumores cerebrais, do mal de Alzheimer, da esclerose múltipla, dos transtornos cerebrais, das más-formações congênitas, enquanto estão em estudo em laboratório outras doenças.

Essa primeira intervenção, realizada por uma equipe integrada por neurocirurgiãos, anestesistas, hematologistas, instrumentistas e enfermeiros, se estenderá a outras instituições hospitalares do país, de acordo com a fonte.

História

Os transplantes de células-tronco são usados também no infarto do miocárdio, em tumores embrionários, no câncer de mama, na clonagem de órgãos e em cirurgias ortopédicas, entre outros. As pesquisas sobre as potencialidades das células-tronco em Cuba começaram em 2003.

No caso do tratamento celular para regeneração de outros tecidos, sua aplicação começou em 2004, primeiro na angiologia, e mais tarde em cardiopatias, segundo o presidente da Comissão Nacional de Tratamento Regenerativo do Ministério da Saúde Pública, Porfirio Hernández.

Instituições científicas e assistenciais cubanas iniciaram cerca de 40 pesquisas, das quais participam ao redor de 140 especialistas.

Fonte: Vermelho

CUBA NA ÁFRICA


Internacionalistas narram suas histórias

POR ROSE ANA DUEÑAS — especial para o Granma Internacional

OS médicos e professores cubanos já são familiares no mundo. Nas últimas cinco décadas, sua solidariedade tem contribuído para a saúde e a educação de milhões de pessoas fora da Ilha e milhares de jovens dos países do Terceiro Mundo estudam gratuitamente em Cuba.

No entanto, muitas pessoas desconhecem a ajuda histórica de Cuba aos movimentos de libertação nacional, nomeadamente na África, por várias razões: em primeiro lugar, pela omissão e/ou deturpação dessa história nos meios de comunicação social; em segundo, pela discrição necessária para proteger a vida dos lutadores, tanto cubanos quanto outros; e finalmente, pelo silêncio modesto dos indivíduos cujas ações contribuíram para mudar a história do mundo.

No passado, os inimigos da Revolução aproveitaram este desconhecimento — inclusive, do mesmo povo cubano — para difundir mentiras e calúnias, visando desacreditar Cuba e os movimentos antiimperialistas.

Tentaram comparar os internacionalistas cubanos com mercenários europeus e norte-americanos. Também afirmaram que Cuba só foi a Angola como fantoche da URSS, criando assim uma imagem completamente falsa dos fatos, e outros repetem a idéia de que o sacrifício não valeu a pena.

Na verdade, a única coisa que os cubanos jamais tiraram de Angola — um país rico em diamantes e petróleo ambicionado pelos imperialistas — foi seus mortos. Além disso, os cubanos determinaram prestar ajuda militar ao novo governo independente só depois, e não antes, de informarem os soviéticos.

Mas, agora, o governo cubano, as Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e os mesmos combatentes estão preenchendo esse vazio de informação sobre o que é chamado em Cuba da "epopéia da África".

AGORA PODEMOS FALAR

"Durante certo tempo, preferimos que os próprios povos fizessem a história", comentou o membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, Jorge Risquet, um dos organizadores da colaboração cubana com Angola.

"Contudo, já decorreram 30 anos. Agora, os que fomos protagonistas daquelas façanhas, daqui a uns anos, já não estaremos mais. Por isso, é melhor que, os que estivemos aí, escrevamos a história. Foi resolvido desclassificar uma série de documentos secretos que foram arquivados durante certo tempo."

Risquet convesou com o Granma Internacional, após um encontro, em 26 de maio passado, do qual participaram 190 dos 437 combatentes cubanos que cumpriram missão na Guiné-Bissau e em Cabo Verde no período de 1966-74.

Organizada pela Associação de Combatentes da Revolução Cubana, se realizou uma reunião destes veteranos, por ocasião do 41º aniversário do início da ajuda a essa luta pela libertação nacional, que fez com que os portugueses compreendessem que o colonialismo na África não podia se manter por mais tempo, como afirmou o general-de-brigada (aposentado) Harry Villegas "Pombo", Herói da República de Cuba, máximo dirigente das missões cubanas na África e vice-presidente da Associação de Combatentes.

Ao lado de Risquet, estava o coronel (aposentado) Pedro Rodríguez Peralta, que comandou as forças cubanas no front sul da Guiné-Bissau e foi preso pelos portugueses desde 1969 até 1974.

"Atualmente, não há combatentes na África, mas sim batas brancas, o exército de batas brancas (referindo-se à ajuda solidária médica)", sublinhou Risquet.

DOIS DOCUMENTÁRIOS NOVOS

A guerra, de per si, não é gloriosa: traz morte e penúrias. Em Angola, esse povo e os cubanos enfrentaram um inimigo que assassinou civis inocentes, como a notória chacina de Cassinga; e às vezes, foram presas da fome e da solidão.

Houve, ademais, heroísmo. Foram ensinados a ler e escrever aqueles que não sabiam. Foram atendidas as vítimas das forças invasoras. Os comboios cubanos de mantimentos fizeram milagres entre a floresta e a caatinga. Compartilharam tudo com seus irmãos africanos na luta, inclusive, na glória, como na decisiva batalha de Cuito Cuanavale, o princípio do fim para o regime racista da apartheid na África do Sul.

Operação Carlota e A Epopéia de Angola, documentários realizados pelo jornalista cubano Milton Díaz Cánter para a televisão cubana, e transmitidos nos finais de 2005 e de dezembro de 2006 a 1º de maio de 2007, respectivamente, são fruto do empenho do realizador, para que os protagonistas preservem e narrem esta historia verdadeira.

Díaz Cánter, combatente internacionalista que cumpriu duas missões em Angola (1976-1977 e 1985-1986), capta a dor, o orgulho e a convicção revolucionária dos combatentes cubanos, muitos deles, bem novos.

O primeiro documentário, Operação Carlota, que mostra dezenas de testemunhos de cubanos sobre a missão militar em Angola — cujo nome em código era operação Carlota — foi dividido em três etapas históricas. Foi transmitido em Cuba nos finais de 2005, por ocasião do 30º aniversário da operação Carlota, cujo nome foi tomado de uma escrava africana que, com um facão na mão, dirigiu uma revolta de escravos na província de Matanzas, em 1843.

O segundo documentário, A Epopéia de Angola, é composto por 22 capítulos — 11,05 horas de duração no total — e inclui, além de imagens valiosas e inéditas, entrevistas a centenas de cubanos e africanos. Destaca não só dirigentes, mas também homens e mulheres comuns que mudaram a história para sempre.

"Os dois seriados foram vertidos para outras línguas; de fato, foram realizados levando em conta sua difusão em outros países", disse Díaz Cánter. Agora está trabalhando num seriado curto (de três horas de duração) para terminar nos finais deste ano uma versão resumida de Epopéia.

LIVROS ÚTEIS

Um livro essencial para compreender a presença cubana na África é Missões em Conflito: Havana, Washington e África, 1959-1976. (2002, University of North Carolina, Chapel Hill), de Piero Gleijeses, professor da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. Este volume é fruto de muitos anos de pesquisas, incluindo o acesso que teve o autor aos arquivos cubanos, europeus e norte-americanos, bem como entrevistas com oficiais e líderes africanos.

É completado com Cuba e África: História Comum de Luta e Sangue, de Piero Gleijeses, Jorge Riquet e Fernando Remírez de Estenoz (editora Ciencias Sociales, 2007), dividido em três partes: um ensaio sobre a presença cubana na África de 1975 a 1988; o discurso de Risquet pelo 40º aniversário da missão no Congo, e um ensaio sobre a solidariedade cubana nesse continente desde a década de 1980 até hoje.

Eis outros livros:

Cem horas com Fidel (2006, várias editoras, em espanhol, francês, italiano e inglês), de Ignacio Ramonet.

Passagens da Guerra Revolucionária: Congo (editora Grijalbo-Mondadori, 1999), de Ernesto Che Guevara. (O diário do general-de-brigada Harry Villegas "Pombo" no Congo está em processo de publicação pela Editora Política).

De la Sierra del Escambray al Congo. En la vorágine de la Revolución Cubana (Pathfinder, 2002; Editora Política o publicará neste ano), de Víctor Dreke Moja.

Secretos de generales: desclasificado (editora SIMAR, 1996), de Luis Báez.

Histórias secretas de médicos cubanos (Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005), de Hedelberto López Blanch.

El segundo frente del Che en el Congo. Historia del batallón Patricio Lumumba (editora Abril, 2000), de Jorge Risquet.

Operação Carlota (Revista Verde Olivo), de Milton Díaz Cánter. Compilação de transcrições do documentário.

Nuestra historia aún se está escribiendo: La historia de tres generales cubano-chinos en la revolución cubana (Pathfinder, 2005), de Armando Choy, Gustavo Chui e Moisés Wong.

Cangamba (Verde Olivo, 2006), de Jorge Martín Blandino.

A Batalha de Cabinda (Verde Olivo, 2000), de Ramón Espinosa Martín.

Vitória a sul de Angola (Verde Olivo, 2006), de Pedro Hedí Campos Perales.

Angola: Saeta al norte (editora Letras Cubanas, 2003), de Jorge R. Fernández Marrero e José Ángel Gárciga Blanco.

Trueno justiciero, mis campañas en cielo angolano (editora José Martí, 1998), de Humberto Trujillo Hernández.


O presidente Fidel Castro, no discurso proferido por ocasião do 30º aniversário da missão militar em Angola, e do 49º do desembarque do iate Granma, Dia das Forças Armadas, em 2 de dezembro, disse:

"A história da pilhagem e do saque imperialista e neocolonialista da Europa na África, com o apoio dos Estados Unidos e da OTAN, assim como a solidariedade heróica de Cuba com os povos irmãos, não têm sido suficientemente conhecidas, embora só fosse como estímulo merecido às centenas de milhares de homens e mulheres que escreveram aquela página gloriosa que, para exemplo destas e das futuras gerações, jamais deveriam ser esquecidas. Tudo isso não contradiz a necessidade de continuar divulgando-a."


Solidariedade revolucionária

APÓS a vitória da Revolução, a primeira nação à qual Cuba demonstrou sua solidariedade foi a Argélia, onde lutavam para derrubar o colonialismo francês. Em 1961, um navio cubano levou armas à guerrilha e voltou carregado de feridos e órfãos. Depois, tropas cubanas foram à Argélia para defender suas fronteiras ameaçadas. Além disso, foi o primeiro de muitos países africanos a receberem médicos e pessoal da saúde cubana, tanto os que viviam em paz como aqueles que travavam guerra.

De 1964 a 1965, a chefatura do país respondeu ao pedido das forças de libertação nacional no antigo Congo-Léopoldville — hoje República Democrática do Congo — e o comandante Ernesto Che Guevara, junto a dezenas de combatentes cubanos, foram lutar com eles; outro grupo foi enviado ao antigo Congo-Brazzaville. Nesse tempo, o colonialismo português enfrentava vários movimentos de independência entre os povos da África subsaariana. Em 1966, os cubanos prestaram sua ajuda — militar, médica e material — às forças antiimperialistas do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), depois de uma década de luta armada, Portugal reconheceu sua derrota e em 10 de setembro de 1974, a Guiné-Bissau alcançou sua independência. Também os cubanos combateram junto aos revolucionários de Moçambique e da Etiópia e ajudaram os nascentes governos independentes a fundarem e treinarem suas forças armadas.

De 1975 a 1990, uns 400 mil cubanos abandonaram suas famílias e cruzaram os mares para lutarem voluntariamente ao lado do povo angolano, que, após se ter independizado de Portugal, enfrentava as invasões dos regimes da África do Sul e do Zaire e as forças contra-revolucionárias aliadas a esses governos e apoiadas pelos Estados Unidos. Mais de 2 mil internacionalistas cubanos entregaram suas vidas para defenderem a independência de Angola, alcançarem a da Namíbia e contribuírem decisivamente para a derrubada do regime racista da apartheid na África do Sul.

Muitos cubanos participaram destas lutas, alguns que combateram no Congo também lutaram — e morreram — por exemplo, em Angola.

"Os cubanos vieram a nossa região como médicos, professores, soldados, especialistas agrícolas, mas nunca como colonizadores", afirmou o líder sul-africano Nelson Mandela. "Estiveram nas mesmas trincheiras conosco durante a luta contra o colonialismo, o subdesenvolvimento e a apartheid. Centenas de cubanos entregaram suas vidas numa luta que era, em primeiro lugar, nossa e não deles. Juramos que nunca esqueceremos este exemplo extraordinário de internacionalismo desinteresseiro."

Posso escrever os versos mais tristes esta noite...


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Pablo Neruda

Pablo Neruda



Neftalí Ricardo Reyes Basoalto nasceu a 12 de julho de 1904, em Parral, no Chile. Porém é mundialmente conhecido pelo pseudônimo que adotou, Pablo Neruda.
Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1971.
Marxista e revolucionário, cantou as angústias da Espanha de 1936 e a condição dos povos latino-americanos e seus movimentos libertários.
Diplomata desde cedo, foi cônsul na Espanha de 1934 a 1938 e no México.
Quando do golpe do general Franco, Neruda, ainda diplomata, esqueceu-se de manter-se neutro e engajou-se na guerra ao lado do governo republicano acossado, usando como arma palavras e estrofes, compondo o impressionante “Espanha no Coração (“olhem para a minha casa morta/ olhem para a Espanha rota/ mas de cada casa morta sai metal ardendo em vez de flores”).
Fugindo para Marselha, Neruda conseguiu fretar um navio, o “Winnipeg”. Embarcou com ele os refugiados que quisessem ir para o Chile. Homens, mulheres e crianças, num total de 2.500 passageiros, uma autêntica nau de desesperados esperançosos, zarpando do porto francês de Trompeloup-Pauillac, no dia 4 de agosto de 1939, partiu então para Valparaiso, lá do outro lado do mundo. Um mês depois, no cais do porto chileno, quando desembarcaram em 3 de setembro de 1939, em meio ao regozijo geral, esperava-os um jovem médico de nome Salvador Allende. Neruda, que sempre foi discreto a respeito da sua atuação nesse episódio, confessou que aquilo, ter salvo aquela gente, fora o seu "mais belo poema".
Indicado à Presidência da República do Chile, em 1969, renunciou à honra em favor de Salvador Allende. Participou da campanha e, eleito Allende, foi nomeado embaixador do Chile na França. Em 23 de setembro de 1973, sucumbe à doença e, certamente, à amargura do golpe de estado vitorioso de Pinochet contra o governo de Salvador Allende. De uma forma geral, pode-se dizer que a poesia de Pablo Neruda tem quatro vertentes. A primeira refere-se aos seus poemas de amor, como em "Veinte Poemas de Amor y una Cancion Desesperada". A Segunda vertente é representada pela poesia voltada para a solidão e a depressão, como em "Residencia en la Tierra". A poesia épica, política, como por exemplo, em "Canto General" representa a terceira vertente e a poesia do dia a dia, como em "Odas Elementales", a Quarta. Allende e Neruda iriam encerrar suas vidas quase que juntos. Gravemente doente, refugiado na sua morada da Ilha Negra, Neruda não resistiu à notícia do golpe de 11 de setembro de 1973. Seu amigo Allende se suicidara e os tanques governavam o país.
Dois golpes militares violentos, o de Franco, em 1936, e o de Pinochet, em 1973, foram demais para o poeta. Em 23 de setembro de 1973 removeram-no para um clínica, mas de nada adiantou. As geladas mãos da morte fizeram-no parar de viver. Morreu a 23 de setembro de 1973 em Santiago do Chile, oito dias após a queda do Governo da Unidade Popular e da morte de Salvador Allende. A notícia do falecimento dele correu de boca em boca por Santiago. Quando o modesto caixão foi levado para o cemitério, uma enorme multidão acompanhou o esquife. Murmurando versos dele, as ruas foram se enchendo de gente, recitando trechos da “Canção Desesperada” , ou ainda a estrofe “Abandonado como um cais ao amanhecer/ É a hora de partir, oh abandonado! ”
Durante os quinze anos seguintes nenhum chileno ousou sair á ruas em protesto.
Em nome daqueles espanhóis, deserdados de tudo, que entraram na providencial lista de Neruda - cujos descendentes se tornaram “os filhos de Neruda” - , foi que o juiz espanhol Baltasar Garson entrou em ação.
Em outubro de 1998, quando o ex-ditador estava em Londres para um tratamento de saúde, o juiz enviou um requerimento solicitando ao governo britânico que detivesse e, em seguida, extraditasse o general Augusto Pinochet para a Espanha.
Não conseguiu o intento, mas expôs Pinochet frente ao mundo. Foi a maneira dos espanhóis poderem manifestar, ainda que tardiamente, a sua solidariedade a Neruda.

Baixando vídeo do Youtube



São várias as formas de baixar vídeo no You Tube. este talvez seja o método mais fácil.

* Primeiro - Tens que ter instalado o navegador firefox, que é mais rápido, mais funcional que o IE.Daí é só instalar um plugin bem legal, que não fará o donwload novamente, somente deslocará o vídeo que está salvo em arquivo temporário para a pasta que voce escolher em seu PC. O plugin chama-se Fast Vídeo e pode ser baixado no seguinte linck: https://addons.mozilla.org/en-US/firefox/addon/3590
Instalado o plugin aparecerá um ícone como o de baixo no canto inferior direito de seu navegador Firefox.
...Quando estiver assistindo o vídeo dê duplo clic neste ícone que o filme será guardado em formato FLV, caso não tenha tem que instalar, é bem pequeno e serve para assistir o vídeo nesse formato, pegue em: donwload

sábado, 30 de junho de 2007

Asterix ajuda a entender o capitalismo

Sérgio Domingues

Comparar Obelix e Companhia, de Goscinny e Uderzo, às obras de Marx, Engels, Lênin, Rosa, Trotski, Gramsci, não tem nenhum sentido. Mas, essa pequena obra-prima em quadrinhos merece a atenção de quem luta contra o capitalismo.

      "Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos nos campos fortificados de Babaorum, Aquarium, Laudanum, e Petibonum...".

A apresentação acima acompanha todos os álbuns de Asterix, personagem do italiano Albert Uderzo e do francês René Goscinny. A série de 31 álbuns é um dos exemplos do que há de melhor na literatura em quadrinhos.

O que a introdução não explica é que os "irredutíveis" gauleses devem sua invencibilidade a uma poção mágica. A bebida dá aos aldeões uma enorme força física e seus efeitos duram o suficiente para destruir qualquer tentativa romana de conquistar a aldeia. Esta, na verdade, simboliza o nacionalismo francês.

Cada álbum da dupla é uma obra-prima feita de belos traços e cores, humor, roteiro, ironia, conhecimento histórico e muita inteligência. Mas um deles é tudo isso e ainda pode ser usado para mostrar como as relações capitalistas podem corroer laços comunitários de convivência. Trata-se de Obelix e Companhia.

A história começa com a imagem da fortificação de Babaorum, a mais próxima da aldeia gaulesa (Prancha 1-A). As legiões romanas, famosas por sua disciplina e dedicação, estão entregues à mais terrível indisciplina e ao mais completo ócio. Só esperam a chegada das legiões que ficarão em seu lugar. As razões? A desmoralização diante das sucessivas surras tomadas dos gauleses.

      Vou fazer algumas observações a que chamarei de parênteses. Os leitores que os acharem desnecessários ou quiserem tirar suas próprias conclusões, podem seguir o texto principal sem prejuízos para a compreensão da história.

Enquanto isso, César, em Roma, está desesperado por uma saída para o impasse diante da aldeia de Asterix. Convocou senadores e patriarcas para aconselhá-lo na tarefa. Dentre estes, está Regius Velhacus, recém formado pelo "reformatório de ensino superior". Ele propõe a César derrotar os gauleses por meios não militares. Através da corrupção pelo ouro. César se interessa.

Mas, um dos presentes discorda. Diz que o melhor ainda é a boa e velha força bruta. Ao ouvir isso, César diz a ele: "Sim, Pediculus, eu me lembro! Você era um jovem tribuno corajoso, audaz, até pensava nos problemas do povo...Agora, com o ouro dos saques, veja em que você se transformou!" Depois, dirigindo-se a todos: "Sim! Vejam o que o ouro, as vilas, as orgias, as comissões na compra de armas fizeram de vocês! Gordos e decadentes!..." (Prancha 9-A)

César vira-se para Velhacus e pergunta: "Você acha que pode transformar aqueles gauleses em algo parecido com isso?", apontando para os gordos patriarcas. A resposta: "Pode crer! Eles vão lutar por outra coisa e nunca mais para defender sua aldeia!" (9-B).

      Os primeiros parênteses: há, nos Estados Unidos, quem defenda um modo mais eficiente de acabar com o regime cubano do que o embargo econômico. Bastaria estabelecer as mais amplas relações comerciais com a ilha. O efeito corrosivo da presença dos produtos capitalistas mais avançados colocaria por terra um sistema de poder que usa como pretexto a penúria a que o povo cubano foi condenado pela brutalidade norte-americana. Esta aventura de Asterix poderia dar razão à tese.

Velhacus parte para a Gália. Por acaso, encontra Obelix na floresta que separa a fortificação romana da aldeia gaulesa. Como sempre, o grande gaulês carrega um menir (1) de sua própria fabricação. Velhacus encontra o pretexto para por seu plano em ação. Compra o menir e pede para entregar mais um na fortificação romana no dia seguinte. Obelix faz mais um menir e o leva a Velhacus. Este lhe diz que vai pagar o dobro do que pagara pelo anterior. Diante do espanto de Obelix, o romano explica as razões do aumento nos seguintes termos: "... problemas de da economia, fluxo de oferta e demanda...reversão atípica das expectativas. Flutuação cambial...é complicado" (13-A).

Javali é o prato preferido na aldeia e o único item na gordurosa dieta de Obelix. Mas com o aumento das encomendas de menires, Obelix já não tem tempo para caçar. Se vê obrigado a oferecer dinheiro a um outro aldeão, Analgesix, para caçar javalis para ele.

Asterix estranha a intensa produção de menires e questiona Obelix. Este dá sua explicação nos termos em que aprendeu a pensar com Velhacus: "...Se a demanda for igual à quantidade de bens produzidos, divididos pela quantidade de moeda boa, multiplicada pela quantidade de moeda má que sai de circulação, os preços cairão" (15-B).

A vida da aldeia começa a entrar em colapso. Obelix recebe cada vez mais dinheiro de Velhacus. Passa a contratar gente para ajudá-lo na fabricação de menires. Ao mesmo tempo, outros aldeões são desviados de suas funções normais para caçar javalis. Estes são vendidos para quem não tem tempo de caçar por estar trabalhando para Obelix.

Ao sair para caçar, Asterix descobre que a floresta está apinhada de caçadores de javalis devido ao surgimento da troca de javalis por dinheiro.

As relações conjugais também não vão bem. Uma das mulheres da aldeia se insinua para Obelix, uma vez que ele comprou todo os belos tecidos do mercador que visita a aldeia regularmente. Obelix a contrata para fazer-lhe uma roupa. O marido cobra o almoço. Mas ela se nega a preparar a refeição porque está costurando para Obelix. "Como não posso contar com você, preciso arranjar um meio de ganhar dinheiro", diz ela. (23-B e 24-A).

      Mais parênteses: o enredo mostra como a forma de troca de mercadorias entre os aldeões vai se alterando. Antes eram trocas entre produtores diferentes. O peixeiro comprava do ferreiro, mas este também seria fornecedor do peixeiro, quando ele precisasse de uma nova balança ou de facas. O dinheiro está presente, mas seu caráter intermediário é mais claro. Com a especialização da aldeia na fabricação de menires, todo o resto começa a girar em sua órbita. Já não circulam produtos e serviços através do dinheiro, mas dinheiro através de produtos e serviços. Há uma passagem de O Capital, de Marx que diz: "... uma mercadoria não se torna dinheiro somente porque todas as outras nela representam seu valor, mas, ao contrário, todas as demais nela expressam seus valores, porque ela é dinheiro. Ao se atingir o resultado final, a fase intermediária desaparece sem deixar vestígios. (...) Ouro e prata já saem das entranhas da terra como encarnação direta de todo trabalho humano. Daí a magia do dinheiro."

Asterix sente que está em andamento um plano para desunir a aldeia. Prepara a reação. Estimula todos os moradores a entrar no negócio dos menires para concorrer com Obelix. A confusão aumenta. O ferreiro, o peixeiro, o quitandeiro, todos largam suas tarefas tradicionais para também fabricar menires. Ao entusiasmo geral pela nova atividade, Asterix adiciona um aumento de produtividade através do uso da mais avançada "tecnologia" local: a poção mágica. O resultado são entregas cada vez maiores ao acampamento romano.

A conseqüência é que César começa a se desesperar com a quantidade de menires que chega a Roma. Velhacus o tranqüiliza. Diz que vai estimular a compra de menires, usando um márquetim todo específico: "As pessoas compram, diz ele, A - o que é útil, B - o que é confortável, C - o que é agradável, D - o que causa inveja nos vizinhos. Está no item D o ponto básico da campanha." Propõe a massificação. Cita as qualidades que devem ser ressaltadas: "A - durabilidade, B - ineditismo e C - outras qualidades que ainda vou descobrir" (32-A).

A prancha 34-A mostra Velhacus apresentando a César os produtos que inventou para transformar a posse de menires em moda: Togas com menires bordados, relógios solares com ponteiros em forma de menir, jóias com o mesmo motivo e um estojo "faça você mesmo" com martelo e talhadeira para uso familiar.

      Parênteses: É uma idéia comum a de que o capitalismo inventa coisas desnecessárias para serem vendidas. No entanto, esta é uma discussão complexa. Qual o limite entre o que é estritamente necessário e o que passa a ser supérfluo? Muito difícil de determinar. Claro que alimento, vestuário e habitação poderiam ser considerados o nível mais básico. Mas em regiões muito quentes, a nudez total seria a regra? Não é o que se verifica. Mesmo entre indígenas em regiões tropicais, os adereços e acessórios simbólicos fazem parte da vida social. Não há uma relação direta entre necessidade e uso. Além disso, hoje já é muito comum ver tribos inteiras vestidas com roupas urbanas, mesmo que não sejam necessárias devido ao clima. Aí, já entra o fator da dominação cultural.

      Em O Capital, ao discutir quanto deve ser a soma dos meios necessários para manter a vida normal de um trabalhador, Marx diz que "a soma dos meios de subsistência deve ser (...) suficiente para manter no nível de vida normal do trabalhador". Mas, adverte que um elemento histórico e moral entra na determinação desse valor. É o caso de indígenas vestidos com camisas do Flamengo, usando relógios de pulso e consumindo bebidas e comidas estranhas à sua tradição e, teoricamente, inadequadas ao ambiente em que vivem.

Mas nem tudo dá certo. Começam a aparecer contradições. Um fabricante romano de menires inicia um movimento protecionista. O fabricante, que se chama Malentendidus, é questionado por César: "Que história é essa?" O fabricante responde: "Os menires gauleses estão colocando em risco a sobrevivência da classe empresarial". César discorda: "Mas quem fabrica são os escravos". Malentendidus: "Justamente! O trabalho duro é o único direito do escravo! Não podemos lhes tirar esse direito!" (34-B e 35-A).

A situação evolui para ações concretas. Uma barreira é colocada na entrada de Roma. Numa faixa está escrito "Menires Gauleses Go Home" (35-B).

      Parênteses: Um momento muito feliz dos autores. Primeiro, antecipam em pelo menos 15 anos (o álbum é de 1976) as contradições entre a globalização e os interesses de setores nacionais burgueses. Um famoso representante desses setores é José Bové (2), que é francês e lembra Asterix. Em segundo lugar, os escravos romanos não poderiam ter direitos, pois eram considerados coisas. Do ponto de vista formal e real, equivaliam a animais de tração. Portanto, Goscinny e Uderzo devem estar se referindo aos proletários atuais. Estes acreditam ter direitos. Mas só os têm do ponto de vista formal. Do ponto de vista real, seu único grande direito é o trabalho duro. Basta notar que em tempos de ditadura ou de ataque aos trabalhadores, direitos como o voto ou o salário-desemprego podem ser rapidamente suprimidos. Mas o direito a ser explorado continua valendo, nem que seja de modo informal e precário.

As táticas consumistas de Velhacus perdem fôlego. Menires começam encalhar nos estoques e a ser vendidos em liquidação. "Em cada compra de um escravo, dois menires de graça", diz um anúncio talhado em mármore (37-A).

César pega Velhacus pelos colarinhos, chacoalha e diz: "Foi por sua causa que quase abri falência e quase entramos em guerra civil! Nem mesmo Brutus me prejudicou tanto!" (37-B). Despacha o marqueteiro para a Gália para resolver o problema. Lá chegando, Velhacus simplesmente suspende a compra de menires.

Ao descobrir que os romanos já não querem comprar mais menires, os gauleses começam a se desentender. Uns acusando os outros de concorrência desleal. Mas Asterix lhes faz notar que os verdadeiros culpados são os romanos. Convida-os a acertar tudo com eles. A prancha 43-A mostra Os gauleses entrando numa coluna arrasadora pela fortificação de Babaorum, destruindo tudo e colocando os romanos em fuga. Inclusive, Velhacus.

A cena final é aquela que fecha todas as aventuras de Asterix. Um grande banquete, com muito vinho, os inevitáveis javalis e muita diversão. Só não há música porque o único bardo da aldeia tem uma voz horrível. Durante os banquetes, fica amordaçado e amarrado a uma árvore.

      Parênteses de encerramento: Podemos entender a vitória gaulesa sobre a estratégia de Velhacus como a impossibilidade de que relações capitalistas se estabelecessem naquele momento histórico. Ainda citando O Capital, Marx diz que "só aparece o capital quando o possuidor de meios de produção e de subsistência encontra o trabalhador livre no mercado vendendo sua força de trabalho, e esta única condição histórica determina um período da História da humanidade." Essas condições não aparecem nem em Roma, em que a força de trabalho é escrava, nem na aldeia, em que os moradores possuem seus próprios meios de produção (ou de subsistência através da caça e da coleta). Voltando ao exemplo cubano, a ilha governada por Fidel apresenta as duas condições. Força de trabalho assalariada e meios de produção controlados pelo Estado e não pelos trabalhadores.

      Mas é claro que os geniais criadores de Asterix não pretendiam qualquer exatidão histórica. O domínio do formato satírico lhes deu liberdade para fazer a crítica de aspectos da atual sociedade capitalista em plena antiguidade romana. E o fizeram de forma magistral através de um material bonito, divertido e fácil de assimilar. Que tal usá-lo em cursos de formação?


(1) Segundo o dicionário Houaiss, menir é um monumento megalítico do período neolítico, geralmente de forma alongada, altura variável (até cerca de 11 m) e fixado verticalmente no solo. Podia servir de marco astronômico. Também pode representar o totem ou outros espíritos, freqüentemente apresentando traços figurativos.Voltar ao texto.

(2) José Bové é criador de ovelhas e líder da Confederação Camponesa da França. Tornou-se conhecido em 1999 ao liderar a invasão de uma lanchonete McDonald's na França em protesto contra a globalização econômica. No final do mesmo ano, em Seattle, nos Estados Unidos, Bové participou de manifestações contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Participa dos Fóruns Sociais Mundiais.

Socialismo e individualidade

Chris Harman

Um argumento muito utilizado pelos defensores do capitalismo para tentar desacreditar o socialismo é o de que este destruiria a individualidade e reduziria tudo a uma conformidade sombria. E, por tabela, tentam passar a idéia de que o capitalismo proporciona para as pessoas vidas variadas e excitantes.

Nada poderia ser mais distante da verdade. O capitalismo proclama a individualidade como uma das suas virtudes mais elevadas. Fala-se de "liberdade de escolha", de se poder comprar qualquer produto desejado.

Isto é uma ilusão. A escolha que nos é oferecida é comprar os produtos semelhantes das multinacionais que dominam o mundo - McDonald ou Burguer King, Levi´s ou Wrangler, Pepsi ou Coca-cola. As ruas principais de quase todas as cidades médias são praticamente idênticas entre si, oferecendo os mesmos bens de consumo.

A maioria das pessoas usam roupas parecidas, comem comidas semelhantes, fazem compras nos mesmos lugares, dirigem carros praticamente idênticos, e vivem em casas ou apartamentos semelhantes. Este é um processo que está acontecendo no mundo todo, com o crescente controle das corporações globais. Também se baseia em quanta "liberdade de escolha" as pessoas dispõem para comprar. A individualidade está reservada para muitas poucas pessoas - a minoria que possui e dirige as enormes empresas que dominam a economia. Dos demais espera-se que trabalhem para essas empresas, realizando trabalhos monótonos em linhas de montagem ou escritórios, dos quais se exclui o máximo possível de individualidade.

De fato, o capitalismo poderia desenvolver-se, em primeiro lugar, destruindo deliberadamente a individualidade de seus trabalhadores. Quando as primeiras fábricas se desenvolveram na Inglaterra, a classe capitalista teve a intenção de “igualar” ao máximo os seus trabalhadores. Eles eram forçados a considerar o trabalho como o único objetivo de suas vidas, a sacrificar os seus pequenos prazeres pessoais ao trabalho interminável.

No capitalismo moderno este processo foi levado a cabo com maior intensidade. Nas escolas o que importa não é como uma criança aprende a desenvolver as suas capacidades individuais.

Ao invés disso, as crianças são medidas, uma contra a outra, em exames e provas cada vez mais numerosos. Esses exames sempre são prestados com base em uma única escala, como se os seres humanos não fossem diferentes de batatas, diferindo no peso.

O que é interessante é que os oponentes mais francos da uniformidade “socialistasão normalmente as mesmas pessoas que insistem para que as crianças vistam o mesmo uniforme escolar e tenham o mesmo comportamentodisciplinado”. Nas fábricas empregam-se pessoas especialmente destinadas para assegurar que as pessoas realizem seus trabalhos de modo eficaz e apóiem política da empresa.

Recursos volumosos tem sido investidos para desenvolver falsas ciências de mensuração de trabalho e relações industriais, em um esforço para destruir mais ainda a individualidade dos trabalhadores.

As coisas não são diferentes para a maioria das pessoas das classes médias. O leitor típico do “Jornal da Tarde” pode se enfurecer sobre a necessidade de proteger o indivíduo, mas é provável que o seu estilo de vida seja idêntico ao de centenas de milhares de outras pessoas, vivendo em casas suburbanas semelhantes, expressando as mesmas idéias, trabalhando em escritórios semelhantes, e indo ao trabalho em carros, ônibus ou trens quase iguais. Se a monotonia e a uniformidade caracterizam o capitalismo, como as pessoas adquiriram a idéia de que sejam características do socialismo?

Um processo de estrangulamento do desenvolvimento individual marcou os países que se reivindicavam socialistas, como a União soviética ou a China. A imagem popular do socialismo como um regime onde todos usam roupas semelhantes vem das práticas dos regimes stalinistas antidemocráticos. E isso não porque esses países tenham sido ou sejam socialistas. Eles nunca o foram.

Mas é porque os grupos burocráticos dominantes que dirigiram essas sociedades tentaram fazer o mesmo que os capitalistas fizeram no Ocidente. Quiseram desenvolver as suas economias o mais rapidamente possível, sujeitando os padrões de vida dos trabalhadores a esse imperativo, para que assim pudessem competir com o Ocidente e também entre si. A verdadeira individualidade, o desenvolvimento pleno e completo das capacidades distintas do indivíduo, será possível em um tipo de sociedade completamente diferente.

Teria que ser um mundo no qual o indivíduo e a sociedade não seriam opostos um ao outro. As pessoas não competiriam entre si, e não estariam sob a pressão de trabalhar mais e mais.

O mundo moderno cria uma enorme quantidade de riqueza, mas está perdido na competição cega entre empresas e estados rivais. Nas suas tentativas de vencer essa competição, essas empresas e estados exigem controles cada vez mais rígidos e maior exploração sobre os trabalhadores.

A verdadeira individualidade humana será possível quando os trabalhadores se unirem internacionalmente, quando utilizarem o seu poder coletivo para destruir as classes capitalistas e reorganizar a sociedade de forma que ela se baseie na satisfação das necessidades humanas, e não sobre as demandas da competição capitalista.

Primeiros passos de Sarkozy na presidência: o lobo em pele de cordeiro

Flor Beltrán - Socialismo ou Barbárie Internacional

As manifestações de descontentamento dos jovens e os chamados “à resistência” que fazem os partidos de esquerda, as associações militantes de trabalhadores e estudantes, os grupos de imigrantes, homossexuais e mulheres, têm obrigado Sarkozy a uma falsa “abertura” nomeando alguns ministro “socialistas”. Também convocou os burocratas sindicais traidores para negociar. Essa “abertura” serve para enganar e poder aplicar tranqüilamente as receitas duras do neoliberalismo. O governo anterior também tentou aplicar o contrato precário aos jovens, porém saiu derrotado.

Nessa situação o decisivo é que ninguém se confunda. Somente podemos esperar ataques desse governo. Um exemplo: diferente de Chirac, que se negou a apoiar a invasão do Iraque, contentando-se em alimentar o racismo antiárabe e a islãmofobia na França, Sarkozy foi aos EUA brindar seu apoio a Bush.

Sarkozy pretende aproveitar as férias de verão para aprovar um pacote de leis antioperarias e ultraconservadoras no Parlamento. Entre elas, uma sobre as horas extras que na prática liquida o teto de 35 horas de trabalho semanal, outra sobre o ensino superior e uma terceira sobre o tratamento de jovens “delinqüentes” e a diminuição para 16 anos da maior idade penal.

Um catálogo completo de medidas antioperárias!

A reforma das horas extras implica que não se paguem impostos e encargos sociais sobre os patrões. As negociações deverão se dar nos próximos dias sobre a remuneração das horas extras dos assalariados em tempo parcial e os efetivos. Em relação a essa lei, o governo tem vários problemas. O primeiro de caráter orçamentário, pelo custo global da medida para o Estado. O segundo e principal é que uma medida como essa obriga a abertura de um processo de negociação entre a patronal, os sindicatos e o Estado... o que poderia eventualmente abrir as portas a protestos e mobilizações. Sarkozy, mediante estas medidas fiscais, termina de fato com o teto de 35 horas semanais e abre as portas para uma extensão substancial da semana de trabalho. Além disso, está na agenda antioperária um endurecimento da legislação contra as greves, que pode afetar radicalmente esse direito dos trabalhadores.

Privatização das Universidades

A lei que outorga a autonomia das universidades se “votará no mês de Julho” declarou o primeiro ministro François Fillon declarando que esta reforma era “a mais importante” do governo. O governo retrocedeu nos pontos mais polêmicos, como a adoção do vestibular e o aumento da matrícula. A autonomia dos estabelecimentos, segundo o primeiro ministro, deve permitir que as Universidades se organizem como queiram, contratar professores, criar ou fechar cursos e estabelecer acordos de pesquisas com empresas sem ter que pedir autorização ao Estado.

O objetivo, prosseguiu o primeiro-ministro, é que as Universidades francesas encontrem a “excelência, já que antes eram as melhores do mundo”. O problema é que essa excelência a que se refere Sarkozy e Fillon na verdade é o início da abertura do processo de privatização das universidades.

Repressão para solucionar os problemas sociais

“Continuarei com a política de segurança com que estou comprometido desde 2002.” Com essa declaração, Sarkozy deixa claro que não haverá mudança de rumo, ao contrário, haverá uma aceleração com as medidas novas, como a diminuição da idade penal para 16 anos e as penas extraordinárias para os “reincidentes”. Este último é um princípio importado dos EUA que implica sanções, independente das circunstâncias e magnitude do delito. Isto permite aos EUA condenar a 25 anos de prisão os jovens negros ou latinos desempregados e à miséria os que cometam três inflações menores.

Agora, Sarko quer aplicar as mesmas medidas aos jovens imigrantes das cités (bairros pobres da periferia de Paris). Temos que relembrar que o agora presidente, enviou em maio de 2005, quando ministro do interior, tropas do Grupo de Intervenção da Polícia Nacional para agredir sindicalistas em greves dos Correios. Seis meses depois reprimiu violentamente os jovens pobres das cités chamando-os de canalhas. Agora, a tensão entre os jovens imigrantes e as “forças da ordem” seguramente vão aumentar.

O “Ministério da Identidade Nacional”, uma criação reacionária e racista

Sarkozy já criou o famoso “Ministério da Identidade Nacional”, algo que soa como a “Polícia do Pensamento” de Orwell. Essa havia sido uma velha consigna de Le Pen, máximo dirigente da extrema direita francesa.

Parece curioso que um filho de húngaros esteja tão apegado a “identidade nacional francesa”, porém, Sarkozy é um oportunista experimentado que utiliza qualquer argumento que o convenha. Sem dúvida, o mais importante é que este ministério não aponta contra “brancoides” descendentes de aristocratas nazistas que chegaram à França fugindo do “comunismo”, como os próprios pais de Sarkozy. Vai dirigido contra os desagradáveis africanos e magrebes, que foram trazidos para a França para serem explorados e cujos descendentes agora viraram problemas por causa do desemprego, miséria e racismo.

Sarkozy, quando ainda ministro, prometeu criar esse tal ministério, de imediato as associações de apoio aos imigrantes e de luta contra o racismo sustentaram que Sarkozy contribuía para consolidar preconceitos contra os estrangeiros ao sugerir que a identidade nacional francesa estaria ameaçada pela chegada de imigrantes. Somente o candidato de extrema direita, Le Pen e o conservador Philippe de Villiers, aprovaram a iniciativa. Mesmo o ex-primeiro ministro social-democrata Lionel Jospin, saiu a advertir que “impor a identidade nacional e transformá-la em objeto de uma administração é uma aspiração totalitária.”

Quando se trata de um país imperialista, como é a França, a identidade nacional não cumpre um papel progressista, como pode ser relativamente o nacionalismo antiimperialista dos países do terceiro mundo, ou a identidade de membros das comunidades indígenas, por exemplo.

Nos países imperialistas, a “identidade nacional” significa justificar a exploração e opressão dos povos dominados, idealizar sua sanguinária história de colonialismo e desculpar o mau trato racista aos imigrantes das colônias e seus descendentes.

O mais grave, é que também é uma arma da burguesia para apagar as diferenças de classes entre os mesmos “franceses descendentes de Asterix” e simultaneamente fazer com que se enfrentem entre si os trabalhadores e os pobres, segundo sua origem e cor da pele.

Preparando a resistência

As notícias do pacote de leis que prepara Sarkozy estão causando as primeiras respostas. Por exemplo, o anúncio pelo ministro Fillon de uma lei sobre a autonomia universitária motivou uma enérgica oposição entre os sindicatos do ensino superior e das principais organizações estudantis. O sindicato dos docentes lembrou que vários ministros da educação tiveram que renunciar diante das mobilizações contra leis semelhantes. Por sua vez, a UNEF, principal entidade estudantil exigiu o adiamento da votação da lei.

Entretanto, como de costume, grande parte da burocracia sindical tem iniciado uma traidora abertura de negociações, contribuindo com a manobra de Sarkozy de acalmar os ânimos e apresentar-se como aberto ao diálogo. Pensamos que não há nada a se negociar com Sarkozy, ao contrário, somente as lutas poderão deter seus intentos.

Porém, com as eleições legislativas em 10 de junho, os partidos que dizem se opor a Sarkozy, preferem se ocupar mas de pedir votos que chamar a mobilização. Isso não é surpreendente da parte dos socialistas, do PC e dos “antiglobalização”. Entretanto, que a Liga Comunista Revolucionária, seção do secretariado unificado, que tem participado das reuniões preparatórias destas mobilizações, também se oponha a convocá-la com o argumento de que terá pouca participação é uma vergonha total. O fato é que todos estão metidos até a cabeça em conseguir eleger um ou dois legisladores, enquanto Sarkozy e Fillon avançam rapidamente em seu plano de realizar o máximo de ataques aproveitando o recesso político e laboral do verão.