Vídeo que nos convida a olhar de uma forma diferente para o mundo em que vivemos e a questionar algumas das mais básicas premissas da vida no Capitalismo. Escrito e apresentado por Paddy Joe Shannon, produzido pelo Partido Socialista da Grã-Bretanha, com tradução e legendas de Glauber Ataide.
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Eduardo Guimarães: Onde e como organizar a mídia alternativa?
Eduardo Guimarães: www.patrialatina.com.br
Então onde e como organizar essa mídia “alternativa”?, perguntará o leitor.
Notadamente
nos últimos dois anos, vêm ocorrendo tentativas esparsas de se
organizar minimamente a mídia “alternativa”, o que seja ela, a
Blogosfera , sites jornalísticos e algumas revistas, de menor tiragem e
de poucos recursos, ditos "de esquerda", o que inclui a Carta Capital,
a Caros Amigos, a Fórum e a Revista do Brasil, entre o que conta.
A
dificuldade para se lograr tal feito explica o fato de o Brasil ter
essa situação esdrúxula de só existirem grandes meios de comunicação de
direita. Por que não podemos ter grandes jornais de esquerda como na
França, na Itália ou nos Estados Unidos? Na França há o Libération ou
L’Humanité, na Itália, L’Unità, ligado ao ex-Partido Comunista, e o
independente Il Manifesto; nos Estados Unidos, há o socialista The
Nation e, na Grã-Bretanha, The Independent.
Mas
e no Brasil, o que temos? Folha, Globo, Estadão, Correio Brasiliense,
Jornal do Brasil, Zero Hora... E por aí vai. Televisões? Todas de
direita. Rádios e tevês? Entre as que têm grande alcance, todas de
direita. Sobram à esquerda as revistas supra-mencionadas e os sites e
blogs, e essa é a mídia alternativa que se pretende organizar.
Aí
vem a questão: organizar como? Já surgiu a idéia de um portal de
internet, mas ninguém vai querer abrir mão de seu vôo solo para
escrever de graça, com obrigação a cumprir. É diferente de fazer um
blog, onde você decide o que e quando vai publicar sem ter que
respeitar prazos e quaisquer outras imposições que um veículo como um
portal de internet exigiria.
Como
se não bastasse essa dificuldade, não há dinheiro. Ninguém constrói
hoje um portal de internet sem muito, muito dinheiro. Um jornalista da
Record me disse que o recém-criado portal de Internet R7, da Igreja
Universal, conta com uma redação de uma centena e meia de jornalistas e
recursos ilimitados para produzir conteúdo. Estamos falando, pois, de
milhões de reais.
Outro
dia li acho que foi o blogueiro Ricardo Kotscho dizendo que o Brasil
tem mais “colunas” do que a Grécia antiga, pois estamos confinados a
opinar e opinar, ou reproduzir conteúdo dos grandes veículos. Por falta
de dinheiro.
Quando
se fala em “organizar”, o sentido é ao pé da letra. Formar uma
organização nacional dos veículos que, por conta de sua linha
ideológica (e este é o fato crucial), sofrem boicote de um empresariado
que acredita que comunistas comem criancinhas, e que é aquele que
poderia investir em uma fatia do mercado para jornalismo totalmente
desatendida no Brasil.
Diante
disso tudo, nesta quinta-feira estive reunido com o “Publisher” de um
dos mais conhecidos e respeitados veículos da mídia “alternativa”,
alguém que não recebe nome aqui porque não gosta de aparecer. Essa
pessoa se propõe a encabeçar os esforços para se criar uma associação
nacional desses veículos, entre os quais estaria este blog. Trata-se de
uma tentativa de avançar até onde for possível.
Estamos
vivendo um momento complicado, os que nadam contra a corrente da falta
de recursos para fazer jornalismo cidadão, ou seja, sem lucrar nada. O
ano eleitoral e a possibilidade de continuar fora do poder enlouqueceu
a direita, que começa a adotar um nível de radicalização com ameaças de
todo tipo aos que já começam a incomodar mesmo trabalhando de forma
artesanal e sem recursos financeiros.
Fontes
de financiamento, apoio jurídico, venda de espaços para publicidade,
entre outros, seriam preocupação dessa associação. Ela teria força e
representatividade, pois esses milhares de leitores deste, daquele e
daquele outro blog, site ou pequena revista, juntos constituiriam um
grande público.
Tenho
dado minha contribuição para a integração da mídia “alternativa” na
medida do possível. Em breve, colocarei outro anúncio gratuito neste
blog para outra importante revista. Muitos dos sites e blogs “linkados”
aqui dizem que o Cidadania lhes remeteu milhares de leitores. E há a
militância política na ONG Movimento dos Sem Mídia e o comprometimento
com este espaço que já nem me pertence mais.
Se
puder contribuir também para essa associação, contribuirei. Acho que o
Brasil precisa ter pluralidade no espectro ideológico de sua imprensa.
Essa situação de só a direita poder falar para muitos de uma só vez
precisa mudar, e só mudará se cada blogueiro, se cada editor de site ou
revista de esquerda se dispuser a colaborar.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
O retorno às origens...
Os novos sacerdotes e Abya Yala
Tal
e qual os “selvagens” povos da mesoamérica, os povos contemporâneos
empreendem guerras de busca de prisioneiros a serem oferecidos aos
deuses. Não há como esconder. Até mesmo nas grandes catástrofes se vê a
boca sangrenta do capital
Créditos: Portal Ciranda.net
Desde os anos 70 que das entranhas da América baixa
assoma o que hoje conhecemos como “o novo movimento indígena”. Diz-se
novo apenas porque apresenta outra configuração, uma vez que desde a
invasão, em 1492, as comunidades originárias sempre resistiram à
violência, à morte e à destruição de suas vidas e culturas. E esse
“novo” momento começa quando em boa parte dos países latino-americanos
as ditaduras calavam a voz de estudantes, sindicalistas e lutadores
sociais. Naqueles dias, no final dos anos 60, os povos originários
começaram a se reunir e discutir suas demandas. Pequenos encontros,
outros um pouco mais expressivos e, a cada ano, ia crescendo a
articulação continental. No México, problemas relacionados à questão da
terra levaram povos de várias etnias a realizar um congresso em 1974,
que acabou sendo um marco nesta reorganização. Na Bolívia os aymaras e
quéchuas também se organizavam e realizavam encontros, no Equador,
Guatemala, Colômbia, enfim, em vários pontos do continente se debatiam
e se discutiam os problemas relacionados ao território, aos direitos, à
saúde, educação, etc...
Nos anos 80 esta organização se fortalece, sai do
âmbito da briga por melhorias dentro da ordem, e em alguns países os
indígenas decidem fazer a luta efetiva. Não mais palavras ou pedidos,
mas ações concretas. Foi assim no Equador em 1990, quando os
originários ocuparam igrejas e prédios públicos no centro histórico
exigindo seus direitos. Em 1994, quatro anos depois, a luta explodiu
com os zapatistas e sua voz armada, enfrentando 12 dias de combate
contra o exército mexicano, os aymara na Bolívia com a guerra da água
(2000) e a expulsão de Sanchez de Lozada (2003), os originários do
Equador derrubando presidentes (2005). Hoje, passada a primeira década
do século XXI, é inegável a organização e as conquistas dos povos
originários em toda América Latina. Já foram realizados quatro grandes
encontros intercontinentais, dois países já incorporaram nas suas
Constituições o Estado Plurinacional, que garante aos indígenas o
direito de organizar sua vida segundo seus costumes, e ninguém mais
concebe a vida sem a participação das gentes originárias. Mesmo no
Brasil, onde as lutas indígenas ainda se travam completamente à margem
da grande mídia, cresce a organização e a avançam as conquistas.
O preconceito
Mas, apesar de toda esta luta e das sucessivas conquistas dos povos originários em toda América Latina, o preconceito e o racismo ainda são os grandes entraves para que as gentes passem a respeitar as demandas dos indígenas como legítimas e necessárias. É que ao longo dos séculos os países do continente foram dominados por uma elite criolla (gente branca ou mestiça nascida na América), que sequer chegou a cogitar ter ao seu lado, no comando da vida latino-america, os legítimos donos da terra de Abya Yala. O próprio Bolívar, quando volta do Haiti e incorpora as reivindicações negras e indígenas, é rechaçado pelos seus generais, que acabam por vencê-lo. Enquanto Bolívar agoniza de tuberculose, derrotado na sua concepção de estado, a nova América Latina que emerge das lutas de independência fica entregue a esta elite predadora, que se apropria das terras comunais, que rouba o indígena e o submete ao que José Carlos Mariategui chamou de “gamonalismo”, sistema de domínio dos latifundiários no qual não pode haver a redenção dos povos originários.
O foi justamente Mariategui, nos anos 30 do século XX,
o primeiro a afirmar que as reivindicações dos originários precisavam
sair do cultural e converterem-se em econômicas e políticas. Segundo
ele, a questão indígena deveria ser encarada com uma solução social, ou
seja, o centro não deveria ser racial ou moral, mas sim a propriedade
da terra. Sem resolver isso, nada mudaria. De qualquer forma, a voz do
marxista peruano não foi suficiente para que as elites
latino-americanas mudassem sua maneira de encarar o clamor indígena e,
ao longo dos anos que se seguiram, foi reforçado o preconceito, com a
idéia de que o índio é preguiçoso, sujo, bêbado e com isso, seguiu
aumentando o racismo que se perpetua indelével em toda a sociedade.
É por isso que nas escolas da maioria dos países
latino-americanos as crianças sabem muito mais dos egípcios do que dos
maias, assim como conhecem em profundidade a vida dos povos europeus
enquanto sequer sabem onde vivem os caraíbas, os chibchas, os arauak,
os tupinambás, os guarani. Suas formas de organizar a vida, então, são
absolutamente desconhecidas e o que é falado não foge do folclore ou
das aberrações.
Os sacrifícios humanos
E, ainda assim, desconhecendo, o povo que pensa o mundo (os chamados intelectuais) insiste em dizer que é impossível transladar as formas de viver dos originários para o nosso tempo. E mais, ainda há aqueles que buscam nos costumes mais lúgubres dos antigos os exemplos para respaldar isso. “Veja os maias. Eram uns sanguinários. Faziam sacrifícios humanos, assim como também os mexicas, os olmecas, teotihuacanos, astecas etc... Vamos voltar a sacrificar pessoas a um deus que exige sangue? É isso que se quer com a volta das culturas índias?” Este argumento nos faz refletir sobre os costumes antigos e os de agora. Sim, é verdade. Os maias e os demais povos que habitavam a mesoamérica realizavam sacrifícios humanos. Seus deuses eram implacáveis e era por isso que faziam incursões guerreiras. Buscavam prisioneiros para alimentar os deuses. Isso pode ser visto com bastante crueza no filme de Mel Gibson, Apokalipto, o qual narra a saga de um jovem capturado pelos maias e mostra com riqueza de detalhes os rituais de sacrifício.
Para os maias, assim como para os demais povos da
região, a religião era um contrato entre deuses e homens. Os primeiros
ajudavam no trabalho, davam alimentos e segurança, mas exigiam
pagamento antecipado. Por isso havia o ritual de “abrir a boca”,
chamado assim porque o sangue dos sacrificados era usado para untar a
boca do grande deus. Enquanto entregavam o pagamento aos deuses, os
sacerdotes pediam saúde, filhos, prosperidade, água e temporais para
que a vida florescesse, força para enfrentar os inimigos, folga e
descanso.
Naquela complexa sociedade que inventou o zero no
século III a.C - bem antes dos hindus que só chegaram a ele no século
VIII depois de cristo ou da Europa que só o conheceu na Idade Média -
que cultivava o milho e construía gigantescas pirâmides com degraus,
muito mais espetaculares que as egípcias, quem detinha o poder sobre a
vida e a morte eram os sacerdotes. Os homens comuns não podiam
interpretar a vontade dos deuses, só os sacerdotes eram capazes e por
isso tinham o domínio dos rituais, do ensino e da vida. Eles decidiam
quem vivia ou morria, eles eram os que repassavam as ordens dos deuses
e mesmo os reis eram obrigados a seguir seus conselhos. Então reverbera
nos ouvidos a pergunta: “Vamos querer essa barbárie outra vez?”
Os sacerdotes atuais
Desde a pergunta do amigo intelectual passo em revista os tempos modernos. Nos livros que se escrevem aos borbotões e que vem, sobretudo, da Europa, fala-se de uma pós-modernidade, de um tempo de fins, de fragmentações, de vazios. Conta-se de um tempo anômico, sem normas. Diz-se que houve uma época em que no mundo ocidental a norma era revelada, emanava de deus. Depois, com o iluminismo, a norma passa a ser uma construção humana. É o homem quem é o centro da vida. E hoje, não há mais normas. Tudo é válido. Existe apenas o fluxo, fluido e líquido. Mas, uma olhada mais apurada revela que o fluxo, dito sem forma e sem lei, está sim submetido a uma razão bem específica: é a do mercado capitalista. Este é o grande deus sanguinário, cuja boca aberta está borbulhante do sangue das vítimas que, implacavelmente, seguem sendo oferecidas.
Tal e qual os “selvagens” povos da mesoamérica, os
povos contemporâneos empreendem guerras de busca de prisioneiros a
serem oferecidos aos deuses, no geral travadas com pastas pretas e bem
trajados homens e mulheres, representantes das agências financiadoras
internacionais. Ou mesmo com guerreiros tradicionais como é o caso das
invasões estadunidenses. Nações inteiras são capturadas e submetidas.
Milhões de pessoas são sacrificadas todos os dias nas “bocas abertas”
do capital. Uma zapeada nos programas dominicais da televisão
brasileira e isso salta aos olhos. Não há como esconder. Até mesmo nas
grandes catástrofes se vê a boca sangrenta do capital, quando as gentes
são soterradas por estarem vivendo em áreas de risco, ou por serem
expulsas do centro da cidade, ou por estarem entregues à especulação da
natureza.
Os maias e os demais povos realizavam estes sacrifícios
em momentos rituais, sempre acreditando que o resultado seria o bem de
toda a comunidade. Exatamente como pontificam os novos sacerdotes do
sistema capitalista. É preciso que alguns se sacrifiquem para que a
vida de todos melhore. Primeiro crescer o bolo para depois repartir. Se
a pessoa trabalhar muito, ela chega lá. Não são estes os mantras que a
televisão, sede da mais-valia ideológica, passa todos os dias? Pois,
então, onde está o barbarismo dos maias? Não é exatamente igual ao que
vemos hoje?
Por todo o planeta economistas e políticos vomitam suas
fórmulas sobre crescimento, desenvolvimento, modernidade. Há que
privatizar, há que enxugar, cortar gastos públicos, diminuir o estado.
Há que criminalizar os movimentos sociais, há que prender aqueles que
se opõem a marcha inexorável do capital, há que eliminar terroristas,
hereges, subversivos. Há que invadir países, há que roubar riquezas
naturais, há que destruir todas as resistências. Nas telas de TV estes
novos sacerdotes aparecem como aqueles que são os únicos capazes de
interpretar a vontade dos deuses. Ao povo comum isso está vetado, tal e
qual no tempo dos maias. E se alguém se arvora a querer dizer: “mas não
é assim, pode ser diferente”, lá vem o garrote e o punhal. Elimina-se e
entrega-se à boca aberta do grande Murdoch ( que pode ser o antigo deus
babilônico ou o magnata da mídia).
É por conta disso que talvez seja bom pensar bem e
refletir se os povos originários eram mesmo os bárbaros ou
sanguinários. Eles estavam seguindo sua vida, evoluindo no conhecimento
da natureza e certamente chegariam a avanços se não tivessem sido
invadidos e exterminados. Não sei se seriam melhores ou piores que as
gentes de hoje, não sei se seguiriam realizando sacrifícios humanos ou
sustentando uma casta sacerdotal poderosa. Mas uma coisa me bate a
certeza. Seria diferente. A considerar o respeito que tinham pela
natureza, a sabedoria que carregavam de que o que acontece a terra
acontece também aos filhos da terra, os propósitos comunitários que
sustentavam a vida das civilizações mais avançadas, como a dos incas,
dos aymaras, quéchuas, não tenho dúvidas de que encontrariam uma forma
mais respeitosa de organizar a vida.
Um exemplo disso pode-se observar no povo Shuar, do
Equador, que hoje luta para preservar suas águas, entendendo que elas
são sagradas, ou os Mapuche, que querem preservar as araucárias onde
vivem seus deuses. Também se pode ver nos originários que ocupam o
território brasileiro, de sociedades menos complexas, mas igualmente
respeitosas com a vida que vive. Estas comunidades todas que
conseguiram ao longo dos séculos manterem vivas as memórias coletivas
de sua cultura são as que estão na ponta da luta pela preservação dos
recursos naturais. Elas sabem que o deus desse tempo é um deus de
destruição. Ele não protege o milho, não dá força, não manda águas e
temporais para que a vida floresça. Ao contrário, este ídolo de boca
aberta cria o transgênico, destrói a semente, faz assomar o tsunami,
joga bombas, arrasa tudo onde pisa, desfaz as comunidades.
Abya Yala é o novo
Hoje, a humanidade está colocada diante de um grande desafio. O modelo de desenvolvimento apresentado como revelação divina por políticos e economistas está esgotando os recursos e destruindo a vida. Mudar a maneira de viver no mundo é uma necessidade bioética. Não há escolhas. As pessoas “comuns”, a quem se lhes diz vedada a capacidade de interpretar as falas dos deuses precisam saber que isso não é verdade. Cada ser humano neste mundo sabe onde lhe aperta o calo. Os que vivem na pobreza, na miséria, na dor, devem saber que isso não é por conta de um “castigo de deus”. Não. A miséria de milhões só existe porque ela garante a riqueza de uns muito poucos. Esse é o dogma da teologia capitalista. Para que um viva, outro tem de morrer.
Mas, por todo o planeta existem culturas, comunidades,
seres, que sabem que há formas outras de organizar a vida, nas quais as
pessoas dividem o que tem e todos podem viver com dignidade. Não há os
muito ricos, nem os muito pobres. Todos cuidam da terra, das riquezas e
distribuem os bens. Isso é possível e real. E, agora, diante das
catástrofes, mudanças climáticas, degelos, furacões, tsunamis, ou é
isso ou é o fim.
Os maias, estes mesmos chamados de sanguinários, eram
extraordinários astrônomos e criaram no seu tempo um intricado
calendário no qual previram uma mudança radical da vida que viriam no
ano de 2012. Claro que não é a bobagem hollywoodiana que andou pelos
cinemas nestes dias de verão. A profecia é clara: a humanidade deve
escolher entre perecer por conta da estúpida exploração dos recursos
naturais, ou viver em harmonia com o universo. Parece uma coisa boba,
conversa de “velhos hippies”, utopias descabeçadas. Mas, os maias
sabiam que o sol era uma entidade viva, conheciam seus segredos, e
amavam a terra. Hoje, observando como o sistema-mundo capitalista
organiza a vida e todas as conseqüências que daí decorrem, talvez
“descabeçado” seja não entender que as coisas precisem mudar. Já basta
de entregar nossa gente à boca aberta do sanguinário deus.
Abya Yala desperta e se agiganta. Os movimentos
originários caminham na direção da preservação da sua cultura e mais,
apresentam novas liras para novas canções. Não querem a volta a um
passado perdido. Querem um futuro de paz, de respeito à natureza, de
cuidado com a mãe-terra, de solidariedade, de cooperação. Avançam na
construção de um outro tipo de estado que garanta o nacional/popular,
mas também o pluricultural. Não querem separação, mas direito de
governar junto. Propõe um passo além, dialeticamente, ao projeto
generoso de Bolívar. Uma pátria grande, na qual as etnias, as culturas,
as comunidades, sejam ouvidas, respeitadas e participem da esfera do
poder. Uma coisa nova, abyayálica, típica do nosso espaço geográfico,
mesclado de tantas culturas.
A "revolta da elite branca"...
As ideias demoníacas dos direitos humanos
Por Marcelo Salles
Poucas
vezes uma iniciativa foi tão atacada pela direita e suas corporações de
mídia quanto o Programa Nacional de Direitos Humanos. Mas não sem
razão. Uma proposta como, por exemplo, a cobrança de impostos sobre
grandes fortunas é realmente de arrepiar os cabelos de quem sempre os
deitou sobre a riqueza nacional – ainda que esta medida esteja prevista
na Constituição Federal e seja adotada pelos países que mais
progrediram no mundo.
Propor
um maior controle sobre a esculhambação e as mutretas que envolvem as
concessões de rádio e tv só pode ser um escândalo para aqueles que
fazem fortuna ao se arvorarem proprietários do espectro eletromagnético
que pertence a todo o povo brasileiro.
Fiscalizar
os latifúndios num país em que 1% de senhores feudais controla quase
metade das terras só pode ser comparado à criação de um “demônio”, no
dizer da senadora Kátia Abreu, do DEM, partido que tem suas raízes na
golpista UDN.
Deve
mesmo ser demoníaca a ideia de garantir direitos aos gays, lésbicas,
travestis e toda essa gente que ofende pelo único pecado de ser
diferente. Assim como só pode ser obra do capeta a proposta de ampliar
a participação direta do povo via plebiscitos, referendos, leis e vetos
populares. Por que as massas deveriam decidir diretamente os seus
destinos, se sempre, desde o genocídio inaugural, são vistas como
mão-de-obra barata e mal qualificada?
Poucas
vezes na história desse país uma iniciativa de um governo foi tão
bombardeada pela mídia, tanto em intensidade quanto na sua duração. Há
pelo menos 15 dias rádios, jornais e tvs de todo o país partem para o
ataque escancarado daqueles que defendem uma proposta democrática para
o Brasil.
Para
isso, omitem informações, descontextualizam fatos e até mesmo mentem.
Um bom exemplo é a surrada versão de que o que se pretende com a
Comissão da Verdade é rever a Lei de Anistia. Mentira. O que existe é
uma solicitação da OAB ao Supremo Tribunal Federal sobre dispositivos
de interpretação contraditória. A Constituição Federal, por exemplo,
considera que a prática da tortura não pode ser objeto de graça ou
anistia. Tratados internacionais estabelecem que crimes de
lesa-humanidade, como a tortura, são imprescritíveis. Comissões de
Verdade funcionaram ou funcionam muito bem em outros países, e isto é
sistematicamente escondido por meios de comunicação.
Mas
não é só isso. O fato de a Secretaria de Direitos Humanos só aparecer
nas corporações de mídia nesse contexto é, por si só, bastante
revelador dos propósitos das corporações de mídia. É como se não
houvesse políticas públicas de defesa dos direitos das crianças e
adolescentes, de pessoas com deficiência, idosos, LGBT, além dos
programas de proteção a pessoas ameaçadas, combate ao trabalho escravo
e até uma Ouvidoria-geral da cidadania. Iniciativas que poderiam ser
potencializadas pela visibilidade que lhe negam.
E
assim funciona a velha lógica do sistema: os ataques da direita
identificam os demônios para que sejam esconjurados por sua mídia. Mas
até que isso tem sua serventia. Revela a urgência da democratização dos
meios de comunicação de massa e deixa os inimigos da democracia
completamente expostos – todos com cara de santo, naturalmente.
Marcelo Salles, jornalista, é coordenador da Caros Amigos no Rio de Janeiro e editor do Fazendo Media(www.fazendomedia.com)
Esta no portal vermelho....
O flagelo da recessão nos EUA: 85 mil desempregados em dezembro
Umberto Martins *Os capitalistas norte-americanos destruíram 85 mil postos de trabalho em dezembro, segundo dados do governo divulgados nesta sexta-feira (8). A informação oficial, que coincide com estatísticas divulgadas na quinta (7) pela empresa que processa a folha de pagamentos do setor privado no país (ADP), caiu como uma ducha de água fria no ânimo do governo e de investidores e analistas que apostavam na recuperação do mercado de trabalho e esperavam um corte bem menor (de 8 mil vagas).
É
um claro sinal de que o fundo do poço da crise que perturba a maior
economia capitalista do mundo ainda não foi alcançado. A recessão teve
início há mais de dois anos, em dezembro de 2007, na sequencia da bolha
imobiliária, que começou a murchar em 2006. Desde então, 7,7 milhões de
trabalhadores e trabalhadoras foram acrescentadas ao exército de
desempregados, que já conta cerca de 17 milhões. Somente no ano
passado, as demissões líquidas (ou seja, descontadas as admissões)
somaram 4,2 milhões.
Efeitos desiguais
A taxa de desemprego aberto, calculada pelo governo, subiu de 4,6% para
10% no período. A realidade do mercado de trabalho é mais trágica do
que o índice oficial de desocupados sugere. Este considera apenas os
assalariados que procuraram emprego ao longo dos 30 dias anteriores à
pesquisa. Já os que vivem à base de “bico” e os desempregados no
desalento (aqueles que desistiram de procurar um novo posto de trabalho
durante a crise) são ignorados. Se fossem levados em conta, a taxa
subiria a 17,3%, segundo os especialistas.
Os números não deixam margem a dúvidas: esta é a mais grave crise do
capitalismo americano desde a Grande Depressão que atravessou os anos
1930 e contribuiu fortemente para ascender o pavio da Segunda Guerra
Mundial. Todo mundo padeceu e padece as conseqüências das tormentas
provenientes do poderoso império, embora de forma desigual.
Os países que compõem o chamado BRIC – China, Índia, Brasil e Rússia,
com exceção desta última -, sofreram menos. Tendo o desempenho do PIB
por critério, o Brasil praticamente perdeu o ano de 2009, que terminou
com taxa de crescimento próxima de zero. Mas a economia nacional já
está em franca recuperação, com um mercado de trabalho bem aquecido. O
comportamento da China, que tem a segunda maior economia do planeta,
foi muito melhor. O país mais uma vez surpreendeu o mundo ao exibir uma
taxa de crescimento de cerca de 8% (ano passado), tendo um papel
essencial no amortecimento da crise mundial, especialmente no Brasil,
de quem se tornou o maior parceiro comercial, desbancando o decadente
império do norte.
Alimento para a crise
As demissões nos EUA em dezembro atingiram a construção civil, a
indústria manufatureira e o comércio atacadista, segundo as informações
divulgadas pelo Departamento do Trabalho. É um cenário desesperador
para a classe trabalhadora, que embora não seja a responsável pela
crise do capitalismo é quem acaba pagando sua salgada conta. Isto
ocorre em função da condição subalterna que trabalhadores e
trabalhadoras ocupam no processo de produção e reprodução do capital e
das relações sociais (e de poder) estabelecidas no interior do sistema,
fundadas no monopólio privado dos meios de produção e na apropriação
(pelos capitalistas) da riqueza produzida, em detrimento dos produtores.
O desemprego não é apenas um flagelo para trabalhadores despojados dos
meios de produção, que necessitam vender sua força de trabalho para
sobreviver. É uma espécie de câncer para as economias, uma doença que
impede a recuperação da produção e realimenta a recessão ao deprimir o
consumo do povo e, por consequência, o comércio e a indústria. Por esta
e outras razões, apesar da euforia irracional das bolsas, enquanto o
mercado de trabalho não reagir positivamente é bobagem falar em
recuperação.
Ilusões reformistas
Imaginava-se que a eleição de Obama aliviaria o sofrimento da classe
operária. Foi uma vã esperança reformista. O novo presidente não teve
peito para enfrentar Wall Street. O governo que dirige destinou
trilhões de dólares aos banqueiros, a pretexto de salvar o corrompido
sistema financeiro da completa bancarrota. Pouco ou nada fez pelos
trabalhadores, que continuam sofrendo com as demissões em massa e as
execuções hipotecárias.
A verdade, que transparece nos fatos, é que os interesses da oligarquia
financeira continuam soberanos na definição da política (interna e
externa) dos EUA, uma política imperialista que, por definição, é
antissocial, antagônica aos interesses dos povos (inclusive o
norte-americano) e da própria humanidade.
O caminho para superar os impasses revelados pela crise mundial do
capitalismo é o da luta enérgica e sem fronteiras contra o sistema
capitalista e imperialista. O socialismo é uma necessidade histórica
candente.
* Jornalista, membro da Secretaria Sindical Nacional dodomingo, 10 de janeiro de 2010
Chiapas, México...
Libertados, os paramilitares voltam a Chiapas
12 anos do massacre da
etnia tzotil, segue a impunidade, com o agravante de que os 30
paramilitares presos foram libertados, alguns deles assassinos
confessos dos 45 tzotziles que rezavam em uma igreja.
Gloria Muñoz Ramírez
Desinformémonos
Acteal, Chiapas
No
dia 22 de dezembro de 2009, completam-se 12 anos do massacre em Acteal,
comunidade dos Altos de Chiapas, da etnia tzotil. Mais um ano de
impunidade, agora, com o agravante de que os 30 paramilitares que
haviam sido presos foram libertados, alguns deles assassinos confessos
dos 45 tzotziles (18 crianças, 22 mulheres e 6 homens) que estavam
rezando em uma igreja.
É
novembro, e, na comunidade, as crianças brincam no campo construído em
cima do cemitério onde estão enterradas as vítimas. Acteal mudou sua
fisionomia ao longo desses anos. O centro de toda comunidade está
marcado pelo pesadelo do dia 22 de dezembro de 1997. A neblina nos
Altos vai e vem. O ambiente frio como de costume, está carregado pela
recente notícia da libertação de um segundo grupo de nove paramilitares
que, assim como os 20 libertados em agosto deste ano, são responsáveis
pela matança, segundo informações de Las Abeja, associação próxima à
igreja à qual pertenciam todas as vítimas.
Sebastián
Pérez Vázquez, presidente da mesa diretora da Associação Civil Las
Abejas, afirma que os paramilitares continuam armados nas comunidades.
“Atualmente tem muitas armas de paramilitares nas comunidades de
Puebla, Yaxchemel, Los Chorros, Kanolal, La Esperanza e Acteal. As
denúncias vêm sendo feitas há mais de 11 anos e a situação segue igual.
Chiapas continua sendo um campo de batalha com mortos, desaparecidos,
presos... As terras continuam sendo ocupadas por paramilitares. Estão
dadas as condições para novas violências”.
Entrevistado
na sede da associação, no centro do povoado, Pérez Vázquez alerta que,
ao contrário do que preveem as indicações jurídicas que proíbem o
retorno dos ex-detentos para a região, “ao menos dois deles já estão
aqui”.
Mariano Luna
Ruiz, sobrevivente do massacre, acrescenta: “Queremos a justiça, mas o
governo não a faz. Nossa denúncia não é mentira, é a pura verdade. Sou
testemunha disso, vimos àqueles que nos mataram. Mataram minha esposa,
Juana Pérez Pérez, meu filho, meu cunhado, minha irmã e meus sobrinhos.
Ficamos sabendo que já libertaram 29 pessoas e não queremos que nenhuma
delas retorne aqui para a comunidade. Sabemos que foram eles que as
mataram, e isso ainda me causa muita dor, mesmo depois de 12 anos. Não
vamos parar de denunciar e de falar... que culpa tinha minha mulher?”.
María
Vázquez Gómez, outra testemunha e sobrevivente, protesta: “Foram mortos
minha mãe, meus irmãos e sobrinhos. São meus irmãos e companheiros que
estão mortos. Estamos muito incomodados com o fato de os paramilitares
terem sido libertados. Ainda hoje nos dói bastante, ficamos indignados
quando soubemos que a Suprema Corte os libertaria... Estivemos lá e não
nos levaram em consideração. Não voltaremos a ver nossos mortos, mas os
familiares dos paramilitares, sim, voltarão a encontrá-los”.
Sete franguinhos para cada família
O
líder da Las Abejas destaca que a atual estratégia do governo de
Chiapas é dividir as comunidades. “Há menos de um mês vieram aqui
pessoas do governo para nos oferecer bicicletas. Queriam entrar aqui
para fazer seu palanque e queriam trazer uma Virgem de Guadalupe para
Las Abejas. Aqui não estávamos sabendo de nada e recusamos a entrega. A
esposa do governador veio para entregar sete franguinhos para cada
família. Isso é uma clara provocação para dividir as comunidades. Agora
mesmo, enquanto conversamos, a esposa do governador está aqui perto
entregando coisas. Como é possível acreditar que vamos transformar a
justiça com franguinhos?”, questiona, indignado, Pérez Vázquez.
Em portugal, como no Brasil a proposta da social democracia(PSDB) é a mesma...
A OFENSIVA CONTRA
A FUNÇÃO PÚBLICA E O SERVIÇO PÚBLICO [1]
A FUNÇÃO PÚBLICA E O SERVIÇO PÚBLICO [1]
Neste texto de enorme interesse para todos os trabalhadores e não apenas os da função pública, o autor, Pedro Carvalho desmonta a falácia neoliberal que o governo PS de José Sócrates levou a um extremo onde a direita tradicional não conseguiu chegar.
A desqualificação dos serviços, através da diminuição de recursos, meios e funcionários, é sempre o primeiro passo para justificar para a privatização ou mesmo encerramento do serviço.
E o encerramento de serviços implica na grande maioria dos casos um contributo para acelerar a desertificação de uma determinada localidade ou região. Por outro lado, questões de eficiência e qualidade muitas vezes foram levantadas para justificar o encerramento de centros de saúde, maternidades ou urgências, ou noutros casos, a relação custo/benefício na manutenção de um determinado serviço, quando logo após o encerramento o serviço passa a ser garantido por privados.leia aqui na integra...
poesia revolucionaria...
Não cultives a fraqueza
Vive o fraco na fraqueza
o bom na sua bondade
vive o firme na firmeza
lutando por liberdade.
o bom na sua bondade
vive o firme na firmeza
lutando por liberdade.
Não cultives a fraqueza,
procura sempre ser forte,
que o homem que tem firmeza
não se rende nem à morte.
procura sempre ser forte,
que o homem que tem firmeza
não se rende nem à morte.
Educa a tua vontade
faz-te firme: em decisões,
que não terá liberdade
quem não fizer revoluções.
faz-te firme: em decisões,
que não terá liberdade
quem não fizer revoluções.
Se queres o mundo melhor
vem cá pôr a tua pedra,
quem da luta fica fora
neste jogo nunca medra.
vem cá pôr a tua pedra,
quem da luta fica fora
neste jogo nunca medra.
Francisco Miguel Duarte,
Poeta popular nascido no Alentejo,
Operário sapateiro, filho de camponeses
Homenageando o centenário do seu nascimento.
Com o apoio de "Caderno Vermelho"
sábado, 9 de janeiro de 2010
O futebol e a barbarie...
Por Rafael Pirrho, em Joanesburgo
Antes que se coloque tudo no mesmo saco, é preciso dizer que o ataque à delegação de Togo,
em Angola, não tem chance de se repetir na Copa do Mundo. A África do
Sul possui um leque de problemas sérios, incluindo a violência urbana,
mas entre eles não estão grupos terroristas ou separatistas. Além
disso, aqui há mais estrutura e experiência em grandes eventos, ao
contrário de Angola.
O problema é explicar isso àqueles que já se acostumaram a ver os 53
países africanos como um só. Se há crise em um deles, é comum que todos
recebam o mesmo rótulo. Por isso, não há como negar que, embora esta
seja uma análise equivocada, o que aconteceu em Angola respinga na Copa
da África do Sul.
Mas a barbárie mancha, sobretudo, a imagem de crescimento que Angola
tenta construir. O país é, ao lado da Nigéria, o maior exportador de
petróleo da África, mas engatinha em questões básicas como segurança e
infraestrutura. Tem grandes riquezas naturais, mas ainda sofre para
controlar seu próprio território.
Cabinda, local do atentado contra a seleção togolesa, é uma reunião
de todas essas características. De lá saem cerca de 80% da larga
exportação de petróleo angolano, mas, por isso mesmo, esta é uma região
instável, repleta de interesses econômicos. Ao colocar a cidade
(homônima da província) como sede da Copa Africana, Angola queria
mostrar que a situação por lá estava sob controle. Apostou alto e
perdeu.
Perderam também os milhões de angolanos que esperavam com ansiedade
por esta Copa Africana. Nas últimas semanas, uma enxurrada de
propagandas na TV mostravam como o país já respirava o torneio. Angola
convidou Pelé e Eusébio, festejou as presenças de Drogba e Eto’o,
sonhou com um inédito título continental, mas acabou atingida em cheio
pelos tiros em Cabinda. Os terroristas conseguiram acertar o alvo ao
exporem ao mundo as fragilidades do país.
A GENTE NÃO SE DESPEDE DE MARIO BENEDETTI
URDA ALICE KLUEGER, escritora.
"Mário
Benedetti entrou na minha vida através de um poema de amor que era
cheio de erotismo, e fiquei curiosa com aquele poeta que me chegava do
Uruguai (embora os tantos exílios), e tão curiosa fiquei que quis saber
mais..."
Ele já estava com mais de trinta anos quando eu nasci, mas só fui conhecê-lo em idade adulta. Um ser como ele, único na sua espécie, decerto já andava a espargir o seu pó de pirlimpimpim por sobre sangues, lutas e esperanças lá na altura em que eu nasci, mas muito tempo passou para eu tomar contato com a sua magia " fui criança, fui adolescente, fui jovem, tornei-me madura (será que algum dia a gente, realmente, amadurece?) sem me dar conta que ali, do outro lado da fronteira (fronteiras, pois também viveu como exilado. Como alguém com a espantosa grandeza d" alma que ele tinha não andar exilado em plena Operação Condor , quando os que nos dirigiam eram títeres formatados por algo nefando como a Escola das Américas[1]?) havia aquele homem que era pura luz, e que como nenhum outro até então soube contar e cantar esta nossa América na limpidez lúcida e corajosa dos seus versos ímpares.
Ele já estava com mais de trinta anos quando eu nasci, mas só fui conhecê-lo em idade adulta. Um ser como ele, único na sua espécie, decerto já andava a espargir o seu pó de pirlimpimpim por sobre sangues, lutas e esperanças lá na altura em que eu nasci, mas muito tempo passou para eu tomar contato com a sua magia " fui criança, fui adolescente, fui jovem, tornei-me madura (será que algum dia a gente, realmente, amadurece?) sem me dar conta que ali, do outro lado da fronteira (fronteiras, pois também viveu como exilado. Como alguém com a espantosa grandeza d" alma que ele tinha não andar exilado em plena Operação Condor , quando os que nos dirigiam eram títeres formatados por algo nefando como a Escola das Américas[1]?) havia aquele homem que era pura luz, e que como nenhum outro até então soube contar e cantar esta nossa América na limpidez lúcida e corajosa dos seus versos ímpares.
Mário Benedetti entrou na minha vida através de um
poema de amor que era cheio de erotismo, e fiquei curiosa com aquele
poeta que me chegava do Uruguai (embora os tantos exílios), e tão
curiosa fiquei que quis saber mais, e fui mergulhando na sua produção,
na sua longa obra de tão longos anos, até o dia em que me deparei com
aquele poema único dos únicos: "Te quiero":
"(...)
Tus ojos son mi conjuro
contra la mala jornada;
te quiero por tu mirada
que mira y siembra futuro.
Tu boca que es tuya e mia
tu boca no se equivoca
te quiero por que tu boca
sabe gritar rebeldia.
Se te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo.
Y en la calle codo a codo
somos muchos más que dos.
(...)" [2]
Céus, aquilo era o meu sonho de vida! "...Em la calle codo a codo somos
muchos más que dos." Calou-me tão fundo à alma que fiquei a pensar se
haveria para mim este parceiro que me completaria tão completamente,
tão completamente... Sonha-se; assim é a vida, e ninguém como Mário
Benedetti para nos atirar para dentro do mundo diáfano, colorido e real
dos sonhos " depois de se ler um poema assim, a gente passa a ver que
tudo é possível. Tomei-me de tal carinho por "Te quiero" que como que o
afivelei com toda a força ao meu coração sempre tão solitário, e ele
era como um arrimo para a minha solidão, enquanto descobria mais e mais
pérolas desse uruguaio único que era capaz de desestabilizar ditadura
cruéis com a força da sua palavra, a ponto de estar tendo sempre que ir
trocando de país por onde o Condor voava...
A gente querendo ou
não, a vida vai passando e muitas coisas vão acontecendo. Em maio de
2009 eu estava convidada para um evento cultural no Mestrado em Letras
da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai " URI -na cidade de
Frederico Westphalen/RS, grande evento internacional, que reunia gente
da área de Letras de mais de um país. Lá estavam três uruguaios
convidados: o escritor Ignacio Martinez, Mariel Cardozo e Graciela
Veiga. Foram dias e noites maravilhosas, onde desfrutamos de inúmeras
atividades culturais naquele cursos de Letras que me pareceu, também,
único " nunca vi outro com tal qualidade e garra pelos lugares onde até
hoje andei " e onde professores e convidados fazíamos as refeições
juntos em lindos restaurantes, refeições que acabavam se transformando
em tertúlias, e numa dessas noites, à hora da sobremesa, os uruguaios
passaram a declamar poemas de sua terra, notadamente de Mário
Benedetti, e eu pedi: "Ah, por favor, por favor, declamem Te quiero,
aquele que diz: Y en la calle codo a codo somos muchos más que dos!".
Muito vã a minha ênfase! Se eu cá de outro país, de outra língua, sabia tanto do poema para dizer seu nome e aquele pedacinho fascinante, o que esperar de legítimos uruguaios? Então houve o momento mágico: nuestros hermanos passaram imediatamente para o poema, mas não se limitaram a declamá-lo: no Uruguai, ele é música! Ignácio Martinez tomou de um violão, e pela primeira vez na vida eu ouvia, transformados em canção, aqueles versos únicos:
"(...)Te quiero em mi paraíso;
es decir, que em mi país
la gente vive feliz
aunque no tenga permisso (...)" [3]
Aquele foi um dos momentos pelos quais vale a pena viver! Emocionadíssima, coração aos saltos, lágrimas nos olhos, eu esperei o final daquela canção fascinante e então assegurei aos irmãos uruguaios: "Se Mário Benedetti morrer antes que eu, não importa se daqui a um ou a vinte anos, eu vou fazer uma crônica de despedida a ele relembrando este momento ímpar aqui em Frederico Westphalen, na companhia de vocês!".
Um dia ou dois depois voltei para minha casa " e no terceiro dia depois daquela noite, Mário Benedetti morreu, aos 89 anos. Gastara até o fim a sua vida usando a palavra como carícia e como arma contundente, e deixou para a humanidade um legado que dificilmente poderá ser suplantado. Eu fiquei com aquilo engolido na minha alma como se tivesse um espinho a atravessá-la, e só agora, mais de sete meses depois, é que me sento para fazer a despedida prometida lá em Frederico Westphalen.
Só que não é despedida, porém. Lá do outro lado da vida, Mário Benedetti não nos abandona. Faz um dia ou dois que ele, de repente, reaparece na telinha do meu computador, trazendo toda a esperança e a inquietação que sempre causou ao longo da sua vida:
"Que passaria se un dia
Despertarmos dandonos
Cuenta de que somos mayoría?
(...)
Que passaria?"[4]
Ah! Mestre, Mestre, não há como despedir-me de ti! És como nosso alter ego, nossa consciência mais profunda, nossa esperança mais certa, nossa sensibilidade mais aflorada! Que acontecerá quando na rua, lado a lado, formos muito mais que dois? Ai, Mestre, como me atinges profundamente o coração!
Blumenau, 06 de janeiro de 2010 " Dia de Reis
Urda Alice Klueger
Escritora.
--------------------------------------------------------------------------------
[1] A Escola das Américas, instituição estadunidense que funcionou desde 1946 no Panamá, formando torturadores e outros sádicos para dominarem a América dita Latina, atualmente está funcionando no Fort Benning, estado da Geórgia/EUA, com o nome de Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica.
[2] "(...) Teus olhos são meu conjuro/ contra a má jornada/ te quero por teu olhar/ que olha e semeia o futuro// Tua boca é tua e minha/ tua boca não se equivoca/ te quero porque tua boca/ sabe gritar rebeldia.// Se te quero é porque sois/ meu amor, minha cúmplice e tudo. E nas ruas lado a lado/ somos muito mais que dois.( ...)
[3] "Te quero em meu paraíso/ e dizer que em meu país/ as pessoas vivem felizes/ embora não tenham permissão.(...)"
[4] Que aconteceria se um dia/ despertarmos dando-nos/ conta de que somos mayoria? (...) Que aconteceria?
Muito vã a minha ênfase! Se eu cá de outro país, de outra língua, sabia tanto do poema para dizer seu nome e aquele pedacinho fascinante, o que esperar de legítimos uruguaios? Então houve o momento mágico: nuestros hermanos passaram imediatamente para o poema, mas não se limitaram a declamá-lo: no Uruguai, ele é música! Ignácio Martinez tomou de um violão, e pela primeira vez na vida eu ouvia, transformados em canção, aqueles versos únicos:
"(...)Te quiero em mi paraíso;
es decir, que em mi país
la gente vive feliz
aunque no tenga permisso (...)" [3]
Aquele foi um dos momentos pelos quais vale a pena viver! Emocionadíssima, coração aos saltos, lágrimas nos olhos, eu esperei o final daquela canção fascinante e então assegurei aos irmãos uruguaios: "Se Mário Benedetti morrer antes que eu, não importa se daqui a um ou a vinte anos, eu vou fazer uma crônica de despedida a ele relembrando este momento ímpar aqui em Frederico Westphalen, na companhia de vocês!".
Um dia ou dois depois voltei para minha casa " e no terceiro dia depois daquela noite, Mário Benedetti morreu, aos 89 anos. Gastara até o fim a sua vida usando a palavra como carícia e como arma contundente, e deixou para a humanidade um legado que dificilmente poderá ser suplantado. Eu fiquei com aquilo engolido na minha alma como se tivesse um espinho a atravessá-la, e só agora, mais de sete meses depois, é que me sento para fazer a despedida prometida lá em Frederico Westphalen.
Só que não é despedida, porém. Lá do outro lado da vida, Mário Benedetti não nos abandona. Faz um dia ou dois que ele, de repente, reaparece na telinha do meu computador, trazendo toda a esperança e a inquietação que sempre causou ao longo da sua vida:
"Que passaria se un dia
Despertarmos dandonos
Cuenta de que somos mayoría?
(...)
Que passaria?"[4]
Ah! Mestre, Mestre, não há como despedir-me de ti! És como nosso alter ego, nossa consciência mais profunda, nossa esperança mais certa, nossa sensibilidade mais aflorada! Que acontecerá quando na rua, lado a lado, formos muito mais que dois? Ai, Mestre, como me atinges profundamente o coração!
Blumenau, 06 de janeiro de 2010 " Dia de Reis
Urda Alice Klueger
Escritora.
--------------------------------------------------------------------------------
[1] A Escola das Américas, instituição estadunidense que funcionou desde 1946 no Panamá, formando torturadores e outros sádicos para dominarem a América dita Latina, atualmente está funcionando no Fort Benning, estado da Geórgia/EUA, com o nome de Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica.
[2] "(...) Teus olhos são meu conjuro/ contra a má jornada/ te quero por teu olhar/ que olha e semeia o futuro// Tua boca é tua e minha/ tua boca não se equivoca/ te quero porque tua boca/ sabe gritar rebeldia.// Se te quero é porque sois/ meu amor, minha cúmplice e tudo. E nas ruas lado a lado/ somos muito mais que dois.( ...)
[3] "Te quero em meu paraíso/ e dizer que em meu país/ as pessoas vivem felizes/ embora não tenham permissão.(...)"
[4] Que aconteceria se um dia/ despertarmos dando-nos/ conta de que somos mayoria? (...) Que aconteceria?
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