Luís Amaro*
“Quando
no final de 2008 Mary Carlin Yates, vice-comandante da Africom para as
questões civis-militares, esteve em Portugal para reuniões com
responsáveis militares (?) e disse ser «muito importante que ouçamos e
aprendamos com os nossos parceiros europeus, especialmente uma nação
como Portugal com uma história naquele continente que penso terá muitas
lições a ensinar-nos»”, não podiam ser mais clara: os americanos, com o
total apoio do Governo português, vão arrastar o país para a nova
aventura africana do imperialismo ianque, a qual já começou mas ninguém
sabe como vai acabar; quantas vidas se vão perder, quantos cortes se tem
que fazer no orçamento da saúde e da educação para pagar esta
aventura?”
(…)
Não esqueças, não tomes como uma fatalidade o que ainda não aconteceu,
nem como impossível de concretizar aquilo que mais desejas.
Epicuro, Carta a Meneceu
Os Estados Unidos da América são os mais vorazes consumidores de
petróleo do mundo, consumindo 21,7% de todo o petróleo extraído, muito
embora só tenham 5% da população mundial, importando 57 % do que
consomem, não parando de se retrair a produção1 própria.
«Mesmo aumentando a eficiência energética os Estados Unidos
necessitam de mais fornecedores externos, prevendo-se que em 2020 a
procura seja de 127 quadriliões de barris enquanto a produção interna
atingirá só 86 quadriliões»1 diz o relatório apresentado por Dick Cheney
ao presidente Bush, recomendando «a diversificação e aumento do
fornecimento externo»2 alertando que «uma significativa interrupção do
fornecimento externo lesará a nossa economia e a capacidade de promover
os nossos objectivos económicos e políticos».
Por outras palavras, as grandes multinacionais do petróleo – aqui
representadas por Dick Cheney – acham mais vantajoso a rapina do
petróleo e a Casa Branca secunda essa prática. De facto, baseando-se no
relatório, a administração Bush corta as verbas referentes ao aumento da
produção nacional e de procura de soluções alternativas nacionais,
querendo portanto dizer com isso que o fornecimento externo do petróleo
continuaria, aumentaria e diversificar-se-ia.
Era este o objectivo das grandes multinacionais da indústria, e era
esta a proposta do Council on Foreign Relations ao afirmar que «se deve
encorajar o fornecimento de petróleo para além do Golfo Pérsico»3.
Outros dos aspectos ligados à procura de novas fontes do petróleo
são de carácter técnico, melhor dizendo das reservas existentes
particularmente na península arábica; os grandes campos de petróleo na
Arábia Saudita estão em declínio como o de Ghawar que em lugar de
extrair 22 milhões de barris por dia, como estava previsto, se ficará
pelos 12,54, sendo este um sobejo motivo para se aumentar a procura
noutros locais, sendo de todos o mais apetecível a África Ocidental.
De facto os países da África Ocidental fornecem actualmente 18% do
petróleo que os EUA importam e este valor chegará aos 25% em 2015; esta
região, que possui reservas de 40 biliões de barris, é de importância
estratégica fundamental para os Estados Unidos e razão para que os seis
países que fazem parte da ECOWAS5 fossem cortejados pela administração
Bush que, subitamente, se enamorou do continente africano.
Há, portanto, razões para este súbito interesse.
Primeiro, porque as previsões das quantidades de petróleo existentes
são as maiores que se conhecem até hoje, «esperando-se que a África
Ocidental venha a ser o maior fornecedor do mercado americano»6;
segundo, porque a concorrência é fraca, visto a China focalizar os seus
interesses nos países da África Oriental; terceiro, porque a qualidade
do crude é de «alta qualidade e baixo em enxofre, sendo ideal para ser
refinado na costa Este»7 dos Estados Unidos; quarto, porque as
perspectivas são colossais no que se refere à Nigéria, a Angola, ao
Gabão e ao Congo-Brazzaville e os investimentos já realizados, no valor
de 3,5 biliões de dólares, na construção de um oleoduto que liga o Chade
aos Camarões na costa Ocidental de África, não são negligenciáveis.
Quinto e último: a docilidade dos governos em relação às
multinacionais e ao imperialismo, e a corrupção fomentada pelas grandes
companhias, tornam esta região do mundo o terreno ideal para a sua
transformação num novo quintal americano.
Existem também razões de carácter geopolítico que estão na base
desta mudança radical da política dos EUA em relação à África que passou
de um laissez faire a um engajamento rápido e de grandes dimensões
políticas, diplomáticas e militares e de interferência na vida de
estados soberanos.
A crescente presença da China, do Brasil e da Índia em África – que
não se pode comparar, nem na forma nem nos objectivos, com os objectivos
do imperialismo americano – é razão acrescida para esta mudança de
estratégia da política externa estadunidense em relação ao continente,
quer o residente da Casa Branca seja republicano ou democrata.
Fala docemente mas tem à mão uma moca…
Este provérbio, de origem africana, sintetizava a política externa
do presidente Theodore Roosevelt, que o usava frequentemente querendo
dizer: ou os países obedecem ao dictat dos interesses americanos, ou
falará a força, quer dizer, a agressão militar.
Mais de cem anos passados este continua a ser o cuore da política
estrangeira dos Estados Unidos, como muito bem expressou recentemente o
arqui-reacionário jornalista Thomas Friedman8 ao afirmar: «a mão oculta
do mercado nunca funcionará sem o punho oculto».
Para defender os interesses das multinacionais do petróleo em África é mesmo necessário um punho, e um punho forte.
«Em 2008 a Chevron teve um lucro de 23 biliões de dólares sendo
metade dele proveniente de África; a ExxonMobil teve 45,2 biliões de
dólares tendo 43% dele a mesma proveniência, bem como um terço das
importações da BP»9, para não citar outras. Com estes colossais lucros
não é de admirar que os grandes monopólios estejam interessados em
manter o status quo e para isso é necessário que alguém os defenda.
O punho de que o reaccionário Friedman fala tem um nome – Africom.
O governólio10 de George Bush, dando prossecução prática às
recomendações do CSIC11 que dizia: «dados os crescentes interesses
energéticos na região, recomenda-se que os Estados Unidos devem fazer da
segurança e do governo no Golfo da Guiné uma absoluta prioridade da
política externa dos Estados Unidos em relação à África, promulgando uma
política robusta para a região», por outras palavras - militarizar as
relações dos EUA com África. Assim, George, o incansável servidor dos
interesses das multinacionais do petróleo, viaja para uma tournée
africana em Fevereiro de 2008.
Palavras não foram ditas já George, o diligente, tinha criado uma
estrutura de comando independente para a África – a Africom, o punho –
deixando a continuação desta política ao carismático e cândido Obama
que, sem pestanejar, levará à prática a agressão, desta vez à escala de
um continente, confirmando que quanto mais as coisas mudam, mais ficam
na mesma na política externa do imperialismo.
Os maus da fita e os outros
Já em 2005, como preparatório do que se seguiu, o Pentágono tinha
lançado a Iniciativa Contra-terrorista Trans-sahariana (TSCTI) e, antes
disso, quer os Estados Unidos quer a França, particularmente esta
última, tinham uma presença militar em África.
Em abono da verdade, diga-se, os americanos não são os únicos maus da fita.
A França, como ex-potência colonial, continuou, até recentemente, a
assumir-se como o braço armado do neocolonialismo. Na Costa do Marfim
estão estacionados 3.000 soldados franceses e no vizinho Togo estão mais
homens e equipamento aerotransportado.
A França, por limitações orçamentais, viu-se obrigada a começar a
pôr um termo à aventura neocolonial, reduzindo o número de efectivos e
encerrando bases entre 1997 e 2002. Sarkozy foi o coveiro - muito a
contragosto, diga-se – da Françafrique, como era designada a política
francesa para a África, pretendendo-se agora a europeização da
intervenção militar, segundo o general Dominique Trinquand.
Esta pretendida europeização deixa-nos a nós, portugueses,
apreensivos no mínimo, dado a subserviência faces aos interesses
imperialistas manifestada inúmeras vezes pelos «nossos» governos.
De qualquer forma o pequeno complexado que mora no Eliseu não levará
avante a ideia; o império manda e ele não terá outra saída senão baixar
a crista.
De facto, antes de o imperialismo americano se lançar na
militarização de África, os mandantes da política externa do Tio Sam já
tinham avaliado as implicações/colisões possíveis da presença francesa
em África, e foram claros: «enquanto os franceses reduzirem as suas
forças em África os Estados Unidos aumentarão as suas…» e «… num sentido
lato podemos dizer que uma força dos Estados Unidos em África será um
sinal de que a exclusividade da influência militar francesa acabou,
efectivamente»12 .
Sarkozi, compreendeu. Adeus, França imperial!
Preâmbulos de uma ocupação
Foram feitas várias tentativas no sentido de localizar em África o
quartel-general do Africom, que se revelaram frustradas pela oposição de
vários países face ao repúdio popular que tais bases poderiam suscitar,
o que não coibiu as relações públicas da Africom de mentir ao afirmar
que «vários países africanos já se oferecem para receber o
quartel-general»13, lembrando ao mesmo tempo que «qualquer que seja a
localização do futuro quartel-general será necessário ter bases no Golfo
da Guiné…». Pudera! É lá que está a galinha dos ovos de ouro.
Esta ausência de um quartel-general não impede que militares
americanos e mercenários por ele pagos lancem operações clandestinas a
partir de bases de satélites estratégicos localizadas no Kénia e em
Djibuti.
Entretanto, o orçamento da Africom passou de 60 milhões para 310
milhões, excluindo custos operacionais; foi nomeado, como comandante, um
dos únicos cinco afro-americanos que chegaram à patente de general de
quatro estrelas; lança-se manobras navais de grande envergadura no Golfo
da Guiné; desenvolve-se intensas campanhas de persuasão, nomeadamente
com fornecimento de equipamento militar, cursos e viagens de estudo,
junto de altas patentes africanas designadas oficialmente como friendly
african militaires14 de modo a conseguir que fechem os olhos para o que
se vai seguir; no plano diplomático também é intenso o movimento, não só
entre as capitais africanas mas também europeias, e Lisboa em
particular.
Dinheiro não falta. Só neste ano vai gastar-se, num só programa de
431 actividades e envolvendo 40 países, 6,3 biliões de dólares.
O Pentágono designa o Africom como um comando de combate unificado,
que combinará funções militares e civis, esta pela necessidade de
promover a imagem de «bons rapazes» – goodfellas.
Toda a agressão imperialista sempre se apresentou, publicamente, da
forma mais altruísta possível; em África ela é apresentada como uma
acção humanitária para combater a doença e o analfabetismo, para a
construção de habitações, atribuição de bolsas de estudo e por aí fora…
só nobres objectivos.
O outro argumento é o do combate contra o terrorismo que tem as
costas largas e serve mesmo para encobrir as acções terroristas do
imperialismo estado-unidense.
Os verdadeiros objectivos desta nova agressão, que ainda vai nos
seus primórdios – e que, por isso, é urgente denunciar e já – foram
enunciadas nas linhas anteriores com clareza, espero eu.
A força ocupante e a NATO
A NATO há muito que deixou de ser uma organização «defensiva» do
Atlântico Norte, assumindo-se como um bloco militarista global, e
portanto também em África na qual, de resto, tem desenvolvido intensa
actividade nomeadamente no Corno de África e, particularmente, no Sudão;
se nesta parte de África os interesses não são exclusivos pode-se
imaginar o que está planeado para a África Ocidental onde se encontra o
petróleo vital para a América.
Nos vários países grandes produtores de petróleo nesta região a
Nigéria e Angola são os de maior potencial; mas há também S. Tomé e
Príncipe, cujo valor perspectivado das reservas de petróleo é mantido no
segredo dos deuses, não obstante as maiores companhias americanas
estarem a adjudicar blocos e a perfurar freneticamente, e a secretária
de Estado, Hillary Clinton, ter visitado o arquipélago – percebendo-se
assim que este pequeno país está na agenda de prioridades americanas – e
«oferecido» a construção de um porto, o que o primeiro-ministro
são-tomense agradeceu e disse, à comunicação social, ser um porto de
grandes dimensões, logo rectificado pelos americanos no que diz respeito
às dimensões… – era mais pequeno, disseram… Percebe-se.
Segundo um comandante americano na Europa, «este pequeno porto» como
diz Hillary Clinton, será uma base militar e naval da dimensão da Diego
Garcia no Oceano Indico.15
E nós, onde ficamos no retrato?
Em reuniões no Pentágono16 várias altas patentes americanas
referiram-se à acção do Africom como sendo de vital importância para os
Estados Unidos, o que já sabíamos, mas que só poderá ser realizada com
êxito em colaboração com as ex-potências coloniais, o que não sabíamos
mas suspeitávamos; mas disseram mais, referiram-se expressamente a
Portugal e à Grã-Bretanha.
Assim se compreende a intensa actividade diplomática da Africom em
Portugal; a embaixadora Mary Carlin Yates, vice-comandante da Africom
para as questões civis-militares17, esteve em Portugal para reuniões com
responsáveis militares (?) e disse ser «muito importante que ouçamos e
aprendamos com os nossos parceiros europeus, especialmente uma nação
como Portugal com uma história naquele continente que penso terá muitas
lições a ensinar-nos» – e continuou referindo-se ao general Ward,
comandante do Africom – «O general que esteve cá em Junho regressou
muito entusiasmado com o diálogo que teve com os responsáveis militares e
civis e pediu-me para vir e aprofundar o diálogo»18.
De facto o general Ward, que já tinha cá estado em 2008, voltou em
23 de Junho passado, para um Seminário de Dirigentes Seniores da
Africom, realizado no nosso país por insistência das autoridades
portuguesas19 – esta «insistência» diz bem do tipo de gente que está no
Palácio das Necessidades – ministro, assessores, Governo, todos eles são
a pandilha anti-patriótica e de traição nacional.
O general, que se fez acompanhar por William Bellamy, director dos
Estudos Estratégicos Africanos dos Estados Unidos, e por Johnnie Carson,
sub-secretário de Estado americano para os assuntos africanos,
enfatizou «a parceria e comuns objectivos que temos com Portugal e os
outros países lusófonos»20.
Mais claros não podiam ser e os perigos são evidentes: os
americanos, com o total apoio do Governo português, vão arrastar o país
para a nova aventura africana do imperialismo ianque, a qual já começou
mas ninguém sabe como vai acabar; quantas vidas se vão perder, quantos
cortes se tem que fazer no orçamento da saúde e da educação para pagar
esta aventura?
A recente compra dos famigerados submarinos é o primeiro capítulo;
se alguns dos nossos leitores ainda não sabem para o que servem, ou
estão inclinados a aceitar os argumentos estafados do governo21 de
«necessidades da defesa nacional», deixo-vos com esta notícia
transmitida pela BBC em 22 de Junho passado e confirmada junto de fontes
oficiais holandesas: «No mês passado a Holanda concordou com o pedido
da NATO para enviar um submarino para as costas da Somália».
Agora já sabemos para que servem os submarinos. Esta não é a única
razão, mas é uma das razões, pela qual desfilaremos em Lisboa no próximo
dia 20, sob o lema Paz Sim – NATO Não.
__________________
Notas:
1 Relatório do National Energy Policy Development Group (págs. 25 e 71) – 16 de Maio de 2001.
O grupo de trabalho que redigiu o relatório, feito em secretismo, era
dirigido pelo vice-presidente Dick Cheney e dele faziam parte os
presidentes das maiores multinacionais no domínio energético.
2 Idem (pág. 127).
3 in CFR – National Security Consequences of U.S. Oil Dependency – (pág. 31) – Outubro de 2006.
Quem, de facto, dirige a política externa dos Estados Unidos é, desde
1921, o Council on Foreign Relations dele fazendo parte as personagens
mais agressivas do imperialismo. O jovem senador Barak Obama era um dos
seus membros.
4 Kjell Aleklett – Association for Study of Peak Oil and Gas.
5 ECOWAS – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Angola, Chade, Guiné Equatorial, Gabão e Nigéria).
6 Idem 2 – (pág. 133).
7Idem.
8 in A Manifesto for the Fast World – New York Times Magazine, Março, 1989.
9 Center for American Progress – Rebecca Lefton e Daniel J. Weiss – Janeiro de 2010
10 Governólio – Governo do Petróleo
11 CSIC – Center for Strategic and International Studies
12 Andrew Hansen – Council on Foreign Relations, 8 de Fevereiro de 2008.
13 Stephanie Hanson – U.S. Africa Command, 3 de Maio de 2007.
14 Militares africanos amigos
15 in John Bellamy Foster – Main basse sur l’Afrique: la stategie de l’empire pour contrôler le continent.
16 Designação que se dá ao edifício do Ministério da Defesa, em Washington.
17 Nenhum Comando dos Estados Unidos (são seis) tem um civil como
segundo comandante. A indigitação de um diplomata para este posto é
indicadora da importância que os EUA dão à Africom, e a necessidade que
têm de obrigar a compromissos políticos e militares com outros países.
18 Lusa
19 Afirmação de William Bellamy na conferência de imprensa realizada em Lisboa em 23 de Junho de 2010.
20 General William Ward em 1 de Julho de 2010, dirigindo-se ao pessoal da Africom.
21 O PS, o PSD e o CDS estiveram comprometidos na aquisição dos
submarinos. Para mais sobre o assunto ver Avante! de 21 de Janeiro de
2010.