O governo Tarso definiu, na tarde desta quarta-feira (24), o ocupante
de uma das secretarias mais problemáticas do governo gaúcho. José
Clóvis de Azevedo, ex-integrante da direção do Cpers e primeiro reitor
da Uergs, foi confirmado para a secretaria de Educação, uma pasta que
tem trazido problemas para os últimos governos estaduais. Tão complicada
é a situação da educação no estado que o PDT, partido que tem o ensino
como uma de suas principais bandeiras, declinou de indicar nomes para a
pasta.
Além das dificuldades de gestão, causadas pela falta de recursos e
pela grande necessidade de investimentos, há a urgência em retomar o
diálogo com o Cpers, sindicato que protagonizou alguns dos mais duros
confrontos com a administração de Yeda Crusius (PSDB). José Clóvis pode
ser o nome ideal para recuperar o diálogo com os professores. Filiado ao
sindicato, o novo secretário transita bem entre os dirigentes e é visto
na entidade como uma pessoa aberta ao debate. É considerado também um
dos maiores especialistas gaúchos na problemática do ensino fundamental.
“Quem recomendava que não fosse o José Clóvis não deve ter lido todos
os livros dele que eu li. O secretário reúne características de
qualidade política e conhecimento intelectual”, disse o governador
eleito, ao explicar a escolha do novo secretário. A demora no anúncio
ocorreu, segundo Tarso, para que ele e José Clóvis tivessem “uma
conversa de profundidade” sobre as questões educacionais do estado.
“Feita esta conversa, se estabeleceu uma identidade entre o que nós
queremos fazer e com o que ele pode contribuir. O diálogo com o
magistério, que hoje está interrompido, é uma destas coisas.”
A presidente do Cpers, Rejane Oliveira, acredita que o novo
secretário tem um “grande currículo”, e pode simbolizar uma mudança no
rumo das negociações com o governo estadual, depois da “experiência
péssima” com a atual governadora Yeda Crusius (PSDB). “Vamos solicitar
uma audiência, logo nos primeiros dias de governo, na qual vamos expor a
plataforma discutida dentro do Cpers. Queremos estabelecer uma política
de negociação e de diálogo com o governo”, afirma.
Já a ex-secretária de educação do governo Yeda, Mariza Abreu, se
disse “surpreendida” pelo nome do novo secretário. Segundo ela, trata-se
de “um nome do Cpers”, que teria sido citado pela atual presidente do
sindicato em artigos publicados na imprensa. “Não se trata de um
desabono”, ressalva, apontando que a proximidade com o Cpers pode
auxiliá-lo nas negociações, que envolvam reformas estruturais, como o
plano de carreira do magistério. “Espero que ele tenha disposição para
desatar esse nó”, afirma.
Lúcia Camini: “A realidade mudou, mas nossas escolas públicas estão paradas no tempo”.
O projeto de governo de Tarso Genro dedica várias páginas a descrever
os problemas que envolvem o ensino no RS. Entre as propostas para
melhorar a educação no estado, o novo governo se propõe a atuar em três
pontos principais: melhoria salarial para professores e funcionários;
qualificação permanente do corpo docente, com a garantia de novos
concursos públicos para o magistério; e investimentos na estrutura
escolar, tanto na infraestrutura dos edifícios quanto em recursos
didáticos e de manutenção. O documento assume compromissos também com a
democratização da gestão nas escolas, além de propor medidas que
integrem as classes populares e levem à universalização do ensino
fundamental.
Lúcia Camini, ex-secretária de Educação do governo Olívio Dutra,
acredita que o novo governo deve prestar especial atenção na formação
profissional dos educadores gaúchos, para que eles sejam capazes de
atender as necessidades do corpo discente. “A discussão pedagógica foi
refreada no atual governo. As necessidades dos alunos são diferentes, a
realidade mudou, mas nossas escolas públicas estão paradas no tempo. A
função social do ensino tem que ser dinamizada. Mais do que oferecer um
espaço de construção, a rede pública tem que motivar a busca por
conhecimento”, reforça.
José Clóvis de Azevedo acena nessa direção, garantindo que o próprio
governador Tarso Genro não é “de ficar na mesmice”. “No Ministério da
Educação, ele deu provas de ousadia e de busca de inovações. As
conquistas do governo federal mostram isso”. Em seu programa de governo,
Tarso acena com medidas voltadas à cultura popular, como a
implementação de oficinas de teatro, dança e música na rede pública
estadual de ensino.”Azevedo afirma ainda que é preciso “aproximar cada
vez mais a escola da realidade dos alunos. Durante seu período como
ministro, o futuro governador demonstrou essa sensibilidade”.
Outro ponto que, segundo os entrevistados, requer atenção especial
refere-se à infraestrutura das escolas estaduais. “Atualmente, as
escolas estão caindo aos pedaços. As salas de latão da governadora Yeda
são prova concreta disso”, critica Rejane Oliveira, presidente do Cpers.
Segundo ela, o atual governo cortou 30% das verbas de manutenção, o que
tornou quase inviável a administração das instituições de ensino.
“Muitas escolas são forçadas a fazer festinhas para arrecadar recursos,
ou a pedir merenda para outras escolas”, acusa. Para Rejane, essa é uma
realidade que precisa ser enfrentada com urgência pelo futuro secretário
de Educação.
“Não adianta construir uma bela escola, entregar a chave e pronto. Os
recursos básicos de material precisam ser oferecidos”, adverte a
ex-secretária do governo Olívio Dutra, Lúcia Camini. Para ela, a falta
de recursos acaba tendo reflexo em toda a realidade escolar, inclusive
no aumento da violência. “A educação gaúcha não precisa apenas de uma
injeção de recursos, mas também de ânimo. Professoras, alunos,
funcionários, todos precisam sentir-se valorizados. E isso tem relação
com tudo, desde um prédio bem cuidado até a certeza de que se vai ter
material didático e merenda para os alunos”, explica.
José Clóvis de Azevedo: “reverver o processo de empobrecimento” é compromisso do governo Tarso
O futuro secretário de educação, José Clóvis de Azevedo, diz estar
aberto para discutir um dos principais pontos na atual conjuntura do
ensino gaúcho: a remuneração dos professores, tanto dos aposentados
quanto dos que estão na ativa. “Ainda não tive oportunidade de discutir a
fundo esse assunto com o governador, mas é evidente que temos que fazer
uma projeção financeira que leve em conta a educação”, diz o futuro
secretário. Ele garante que o governo Tarso tem o compromisso de
“reverter o processo de empobrecimento” do magistério gaúcho, e afirma
que buscará “soluções mediadas” para a questão.
Para a ex-secretária de educação Mariza Abreu, demandas legítimas da
classe, como o aumento de salários e melhores condições de trabalho,
acabam sendo prejudicadas pelo problema de falta de recursos no RS. “Não
é fácil conciliar os interesses do magistério com os recursos
disponíveis”, argumenta. Ela acrescenta que, com a atual matriz
previdenciária da classe, se torna “inevitável” estabelecer uma
negociação por meio de trocas. “Tive que comprar brigas homéricas por
causa disso. Não é por nada que foi tão difícil, para Tarso, definir um
secretário de educação”, comenta.
Mariza Abreu: mudança do plano de carreira do magistério é inevitável
De acordo com Mariza, a mudança do plano de carreira do magistério é
inevitável, e precisa ser concretizada o quanto antes. A grande
quantidade de aposentadorias especiais e as regras de incorporação de
benefícios, que transferem gratificações para os proventos dos
professores aposentados, estariam levando a situação para um beco sem
saída. “Esse problema precisa ser encarado, não há outra saída. É algo
que vai estourar em 3 ou 4 anos. Ou desatamos esse nó, ou a coisa vai
estourar, e muita gente vai ficar sem aposentadoria”, adverte.
Uma visão que não encontra eco na posição da presidente do Cpers,
Rejane Oliveira. A entidade vê na manutenção do plano de carreira um dos
pontos fundamentais de sua pauta de reivindicações. “O cenário gaúcho
muda, mas a tarefa do Cpers não. Queremos um processo de negociação, mas
mantendo a mobilização. Não vamos adaptar a pauta do sindicato à pauta
do governo estadual. Vamos lutar para garantir as nossas bandeiras”, diz
ela, listando demandas como a adoção do piso nacional, a realização de
concurso público para o magistério e o abono para dias de greve,
descontados pelo governo Yeda.
Para a ex-secretária de Educação de Yeda Crusius, a discussão sobre
os recursos financeiros não pode ser “míope”. Segundo ela, os 35%
destinados à educação pela Constituição estadual são um indicador
“falho”, que acaba trancando a discussão. “Não tem como cumprir”, diz
ela. “E não adianta ficar dizendo ‘vocês não cumprem’, insistindo nesse
percentual e perdendo outros modos de financiar a educação. Nossa
preocupação tem que ser não com a construção de posições, e sim de
soluções factíveis”, defende.
Rejane Oliveira: “Não aceitamos a meritocracia de maneira alguma”
Um ponto que provoca polêmica no plano de governo de Tarso Genro
refere-se aos mecanismos de avaliação de desempenho. Na publicação que
trata do programa de governo, a Unidade Popular pelo Rio Grande defende a
aplicação de um modelo de avaliação que “ajude a ver o que falta” na
formação dos professores. Há o indicativo da concessão de um 14º salário
nas escolas estaduais de melhor desempenho. Na visão do Cpers, isso
caracteriza a adoção da meritocracia – o que é visto com muito desagrado
pelos representantes do sindicato. “Não aceitamos isso (meritocracia)
de maneira alguma. É uma tentativa de enfraquecer o plano de carreira da
categoria”, critica a presidente Rejane Oliveira.
De qualquer modo, as possibilidades de negociação do novo governo são vistas com otimismo pelas especialistas ouvidas pelo Sul21.
“Tarso tem uma vantagem, já que o governo federal já se comprometeu em
ampliar os investimentos na educação. Se ele conseguir retomar o debate
com o magistério, valorizando o planejamento estratégico e incentivando
uma gestão democrática na comunidade escolar, temos uma perspectiva
muito positiva. Nesse sentido, a secretaria de Educação pode ser uma
potência no futuro governo”, diz Lúcia Camini, ex-presidente do Cpers.
Mariza Abreu acredita que a política educacional de Tarso Genro será
“melhor” do que o programa de governo dá a entender. Na opinião da
educadora, o programa de governo foi coordenado pela DS (Democracia
Socialista, corrente interna do PT) e tem uma linguagem excessivamente
política, parecida com a de um programa eleitoral. Na prática, porém,
ela acredita que a postura será diferente. “Tenho visto entrevistas do
futuro governador, e gosto das posições que ele tem defendido. Minha
expectativa é positiva”, garante. “Tarso disse que levará a questão da
previdência para o Conselhão. Se ele fizer isso, será ótimo. Se não
fizer…”, diz Mariza Abreu, deixando as reticências no ar.
O futuro secretário de Educação, José Clóvis de Azevedo, garante que
as “instâncias de discussão” serão tratadas com prioridade em sua
gestão. “Não vai existir consenso sempre, há diferenças aqui e ali. Mas
vamos buscar sempre a convergência. O professor será o principal sujeito
do nosso projeto, obviamente valorizando o diálogo com sua entidade de
classe (Cpers)”, conclui.