A Frei Caneca, brasileiro e americano que lutou contra os privilégios da nobreza brasileira.
Este artigo não se destina a atacar a classe média paulista ou
carioca. Ao contrário. O objetivo é entender os motivos de setores da
elite e da classe média terem votado contra o PT e concordarem com uma
campanha de claros contornos de extrema direita, que se aproximou
perigosamente de setores religiosos, como a Opus Dei e TFP, claramente
influenciados pelo fascismo.
Creio que dois fatores podem ajudar a entender melhor o que Chico Buarque, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, chamou de o crescente ódio das elites e das classes médias contra os pobres.
O primeiro fator leva em consideração a formação do estado nacional
brasileiro, quando se refaz o conceito de nobreza (diferente do sentido
e das práticas sociais do antigo regime português) e que se articula
com o que Modesto Florenzano, ao analisar a Revolução Francesa, chamou
de nobreza do capital. Em suma, um grupo dirigente que se via como
nobre, detentor de privilégios que os plebeus não poderiam almejar.
Chamarei isto de se “sentir nobre”, portanto apartado do mundo dos
pobres.
Nesse processo de formação história ainda presente em nosso
cotidiano, todos os que acham que têm um pouco de poder querem ser
chamados de “doutor”. Basta lembrar da frase dos jovens pobres
agredidos na Avenida Paulista por membros da classe média em 14 de
novembro de 2010, que afirmou indignado com a libertação rápida dos
seus agressores:
Se fosse eu que tivesse batido em um
grupo de “filhinhos de papai” estaria preso até agora. Mas eles têm
dinheiro para pagar advogado. O dinheiro que eu tenho é para ajudar a
minha mãe.
Mas valeria perguntar, pela ótica desta classe média, o que fazem os
pobres na Avenida Paulista? Como ousam invadir esse território sagrado
da classe média paulista?
Exatamente este é o ponto: a classe média percebe que a ascensão dos
pobres ameaça o que ela via como espaços exclusivos para “a nobreza”. O
mesmo se dá nos aeroportos e muitos outros locais. A ascensão dos
pobres no governo Lula é vista por estes setores como uma nova invasão
de bárbaros contra o Império Romano. Deste modo, a elite e a classe
média sentem cada vez mais ameaçadas a sua identidade como “nobreza”,
além dos seus privilégios. Devemos lembrar, por exemplo, que daqui a
20 anos os pobres que ingressaram na Universidade pelo PROUNI e ENEM
irão concorrer em condições mais igualitárias com os filhos da classe
média e da elite.
O segundo ponto leva em consideração que a elite e classe média
atual são marcadas por concepções neoliberais e de valorização do modo
de vida (norte) americano. Espalhou-se que o individualismo, o
consumismo e a mercantilização desenfreados são os novos valores que
devem reger a sociedade. Muitos brasileiros se recusam a ver que esse
modelo fracassou. A crise ecológica não permite mais ele se perpetuar,
visto que os recursos naturais são finitos. E as bolhas econômicas
destruíram a economia norte americana.
O modelo neoliberal aumentou as distâncias entre ricos e pobres.
Além disso, pretendia a exclusão de milhares de pessoas e se baseava na
separação física entre as classes sociais, demarcando territórios. Um
bom exemplo são os condomínios fechados em São Paulo.
Neste contexto, as práticas sociais da elite e da classe média
tenderam a uma radicalização, pois cada vez mais percebem que os seus
“privilégios” e “lugares sagrados” são atacados e invadidos por outros
grupos sociais.
Ainda chamo a atenção que muitos setores da classe média preferem um
Brasil com Z. Por exemplo, adoram comemorar o Hallowen e não o dia do
Saci. Identificam-se como norte- americanos e babam pelos valores
difundidos pela industria cultural deste país.
Ironicamente, a crise econômica e a recessão impulsionaram os
Estados Unidos e a Europa para a direita do espectro político e
favoreceram o crescimento de movimentos xenófobos e de extrema direita.
Já no Brasil o governo Lula vence a crise e o Brasil vive tempos de
prosperidade econômica. Nunca a classe média e as elites ganharam tanto
dinheiro, consumiram e viajaram tanto. Daí a pergunta, por que esta ingratidão com o PT e Lula, visto que preferiram um projeto de país marcado pela exclusão social?
Lembro ainda que o voto espelha uma identidade cultural e uma visão
de mundo, pois, 70% dos bairros da elite e da classe média paulista ao
votarem em Serra, reafirmaram convicções e valores que devem reger a
sociedade. Como se vê há um grupo que defende um Brasil para poucos
privilegiados, que se sentem nobres e se recusam a tolerar os pobres.
Por último, gostaria de lembrar a todos que depois de 300 anos de
guerras religiosas e da Revolução Francesa não me parece cabível querer
atacar um traço fundamental do Estado contemporâneo que está baseado
na tolerância e no respeito à diferença de pensamentos e de modos de
ser.
O Brasil necessita a radicalização da democracia e não do preconceito.
A verdadeira radicalização democrática é ampliar os recursos,
inclusive de mídia, para os trabalhadores e os mais pobres poderem
democraticamente desfrutar das mesmas condições que a elite tem para
divulgar os seus pensamentos e sua visão de mundo.
* Emílio Carlos Rodriguez Lopez é mestre em História pela USP
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