O hipocondríaco é, antes de tudo, um forte
Tudo é uma questão de ponto de vista.
A frase é extremamente idiota, eu sei. Mas dessas pequenas idiotices
do dia-a-dia a gente consegue extrair verdadeiras lições – ou são os
sábios que zelam por nós condensando em pílulas de conforto instantâneo
grandes ensinamentos?
Vamos exemplificar o ditado. Meu ortopedista. Grande sujeito, pai de
um amigo meu. Um dia, deu uma opinião reversa sobre o senso comum que
rodeia o meu prontuário médico e disse algo do tipo: “você não é uma
pessoa fraca, pelo contrário, é muito forte – caso contrário, já teria
empacotado”.
Vamos aos fatos: devido ao jornalismo, peguei muita pereba nesta
vida. De malária, foram duas, falciparum, uma em Timor Leste e outra em
Angola, durante coberturas. Não digo isso com orgulho, pelo contrário.
Jornalistas da antiga contam que mediam-se carreiras pelo número de
doenças tropicais contraídas. Mas o tempo passou e a régua foi para a
quantidade de textos censurados, depois para processos na Justiça e o
número de discursos inflamados de congressistas indignados. Ou seja,
pegar malária durante o exercício da profissão virou coisa demodê, quiçá
despreparada para usar um repelente caro do exército norte-americano.
Dengue foi uma, no interior da Paraíba, doída – sem manchas, pelo
menos. Teve uma mononucleose do Punjab paquistanês. Dizem que é chamada
de “doença do beijo”, pela forma de transmissão – a explicação que eu
trouxe para casa (e que colou, graças a Deus) foi de que em muitos
vilarejos, durante as refeições, o uso do copo era coletivo (isso mesmo,
“do”, artigo, definido, masculino, singular). Com o treco circulando
pela boca e pela mão de todos, não deu outra.
Outra vez, alguma porcaria se alojou perto do meu coração, gerando
uma pericardite – o que me deixou uma semana internado, comendo boa
comida. Nessa, achei que ia empacotar, tamanha a dor no peito logo no
começo. Foi um período bom para terminar o mestrado. Tranquilo, sem
muita gente ligando, cobrando textos ou dívidas.
Viroses e afins não entraram na lista, mesmo que ferozes, porque aí
teríamos uma capivara e não um post. Aliás, a virose é a “pescada” da
medicina. É aquele peixe genérico, que muitas vezes nem o médico sabe o
que é mas, pelos sintomas, recebe o tratamento básico – água,
alimentação leve e repouso.
(Ter na conta também o fato de ser hipertenso, conviver com uma
cardiopartia, dois discos mal colocados na coluna e uma artrose torna a
vida mais divertida – para dizer o mínimo. E como jornalismo é uma
profissão relaxante e o Brasil nem tem problemas na área de direitos
humanos, tá tudo na santa paz.)
E retornando ao pensamento inicial: pegar todas essas perebas em um
contexto como esse e estar de pé a ponto de ser um (péssimo) goleiro e
com o fígado pronto para aguentar os benefícios de um chope no final do
expediente não é para qualquer um, meu irmão.
Por que o texto? Uai, nada melhor do uma escrita hipocondríaca para passar o tempo na espera do hospital.
Tudo (realmente) é uma questão de ponto de vista.
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