Integra
da entrevista de Dilma Rousseff ao Washington Post, com tradução de
Paula Marcondes e Josi Paz, revisão de Idelber Avelar. Extraido do blog do Cadu
Ter sido uma presa política lhe dá mais empatia com outros presos políticos?
Sem dúvida. Por ter
experimentado a condição de presa política, tenho um compromisso
histórico com todos aqueles que foram ou são prisioneiros somente por
expressarem suas visões, sua opinião pública, suas próprias opiniões.
Então, isso afetará sua
política em relação ao Irã, por exemplo? Por que o Brasil apóia um país
que permite o apedrejamento de pessoas, que prende jornalistas?
Acredito que é necessário
fazermos uma diferenciação no [que queremos dizer quando nos referimos
ao Irã]. Eu considero [importante] a estratégia de construir a paz no
Oriente Médio. O que vemos no Oriente Médio é a falência de uma política
– de uma política de guerra. Estamos falando do Afeganistão e do
desastre que foi a invasão ao Iraque. Não conseguimos construir a paz,
nem resolver os problemas do Iraque. Hoje, o Iraque está em guerra
civil. Todos os dias, morrem soldados dos dois lados. Tentar trazer a
paz e não entrar em guerra é o melhor caminho.
[Mas] eu não endosso o
apedrejamento. Eu não concordo com práticas que possuem características
medievais [quando se trata de] mulheres. Não há nuances; não faço
concessões nesse assunto.
O Brasil se absteve em votar na recente resolução sobre os direitos humanos na ONU .
Eu não sou Presidente do Brasil
[hoje], mas eu me sentiria desconfortável, como mulher eleita
Presidente, não dizendo nada contra o apedrejamento. Minha posição não
vai mudar quando eu assumir o cargo. Eu não concordo com a forma em que o
Brasil votou. Não é minha posição.
Muitos norte-americanos
sentiram empatia pelo povo iraquiano iraniano que se rebelou nas ruas.
Por isso me pergunto se sua posição sobre o Irã seria diferente daquela
do seu atual Presidente, que possui boa relação com o regime iraquiano
iraniano.
O Presidente Lula tem seu
próprio histórico. Ele é um presidente que defendeu os direitos humanos,
um presidente que sempre apoiou a construção da paz.
Como a Sra. vê a relação do Brasil com os EUA? Como gostaria de vê-la evoluir?
Considero a relação com os EUA
muito importante para o Brasil. Tentarei estreitar os laços. Eu admirei
muito a eleição do Presidente Obama. Acredito que os EUA revelaram uma
grande capacidade de mostrar que são uma grande nação, e isso
surpreendeu o mundo. Pode ser muito difícil ser capaz de eleger um
Presidente negro nos os EUA - como era muito difícil eleger uma mulher
Presidente do Brasil.
Eu acredito que os EUA têm uma
grande contribuição a dar ao mundo. E, acima de tudo, acredito que o
Brasil e os EUA têm um papel a cumprir juntos no mundo. Por exemplo,
temos um grande potencial para trabalhar juntos na África, porque na
África podemos construir uma parceria para disponibilizar tecnologias
agrícolas, produção de biocombustíveis e ajuda humanitária em todos os
campos.
Também acredito que, neste
momento de grande instabilidade por causa da crise global, é fundamental
que encontremos formas que garantam a recuperação das economias dos
países desenvolvidos, porque isso é fundamental para a estabilidade do
mundo. Nenhum de nós no Brasil ficará confortável se os EUA mantiverem
altos índices de desemprego. A recuperação dos EUA é importante para o
Brasil porque os EUA têm um mercado consumidor fantástico. Hoje, o maior
superávit comercial dos EUA é com o Brasil.
A Sra. culpa o afrouxamento monetário [quantitative easing] por isso?
O afrouxamento monetário é um
fato que nos preocupa muito, porque significa uma política de
desvalorização do dólar que tem efeitos sobre o nosso comércio exterior e
também na desvalorização da nossas reservas de divisas, que são em
dólares. Para nós, uma política de dólar fraco não é compatível com o
papel que os EUA têm, já que a moeda dos EUA serve como reserva
internacional. E uma política sistemática de desvalorização do dólar
pode provocar reações de protecionismo, que nunca é uma boa política a
ser seguida.
Quando a Sra. planeja visitar os EUA? Sei que foi convidada para antes de sua posse, em 1º de janeiro, mas não podia ir.
Eu não estou aceitando os
convites que recebo. Não estou visitando países estrangeiros. Tenho que
montar o meu governo. Tenho 37 ministros para nomear. Estou planejando
visitar o Presidente Barack Obama nos primeiros dias após minha posse,
se ele me receber.
Então a Sra. convidará o Presidente Obama para vir ao Brasil?
Nós já o convidamos informalmente, durante a reunião do G-20.
Há preocupações na
comunidade empresarial dos EUA sobre se o Brasil continuará o caminho
econômico definido pelo Presidente Lula.
Não há dúvida sobre isso. Por
quê? Porque para nós foi uma grande conquista do nosso país. Não é uma
conquista de uma única administração - é uma conquista do Estado
brasileiro, do povo de nosso país. O fato de que conseguimos controlar a
inflação, ter um regime de câmbio flexível e ter a consolidação fiscal
de forma que, hoje, estamos entre os países com a menor relação dívida /
PIB do mundo. Além disso, temos um déficit não muito significativo. Não
quero me gabar, mas temos um déficit de 2,2 por cento. Pretendemos, nos
próximos quatro anos, reduzir a proporção dívida / PIB para garantir
essa estabilidade inflacionária.
A Sra. disse
publicamente que gostaria de ver as taxas de juro caírem. A Sra. irá
cortar o orçamento ou reduzir o aumento anual de gastos do governo?
Não há como cortar as taxas de
juros a menos que você reduza seu déficit fiscal. Somos muito
cautelosos. Temos um objetivo em mente: que as nossas taxas de juros
sejam convergentes com as taxas de juros internacionais. Para conseguir
chegar lá, um dos pontos mais importantes é a redução da dívida pública.
Outra questão importante é melhorar a competitividade de nossos setores
agrícola e de manufatura. Também é muito importante que o Brasil
racionalize seu sistema fiscal.
Se a Sra. quer baixar as taxas de juros, a Sra. tem que cortar os gastos ou aumentar a economia doméstica.
Você não pode se esquecer do crescimento econômico. Você tem que combinar muitas coisas.
Qual é seu plano?
Meu plano é continuar a
trajetória que seguimos até aqui. Conseguimos reduzir nossa dívida de
60% para 42%. Nosso objetivo é atingir 30% do PIB. Eu preciso
racionalizar os meus gastos e, ao mesmo tempo, ter um aumento do PIB,
que leve o país adiante.
Então o que a Sra. quer dizer com “racionalizar gastos”?
Não estamos em uma recessão
aqui. Nós não temos que cortar os gastos do governo. Nós vamos cortar
despesas, mas vamos continuar a crescer.
Estamos seguindo um caminho
muito especial. Este é um momento no qual o país está crescendo. Temos
estabilidade macroeconômica e, ao mesmo tempo, muito orgulho do fato de
que conseguimos reduzir a extrema pobreza no Brasil.
Trouxemos 36 milhões de pessoas
para a classe média. Tiramos 28 milhões da pobreza extrema. Como
conseguimos isso? Políticas de transferência de renda. O Bolsa Família é
um dos maiores exemplos.
Explique como funciona o Bolsa Família.
Pagamos um estipêndio, que é uma
renda para os pobres. Eles recebem um cartão e sacam o dinheiro, mas
têm duas obrigações a cumprir: colocar seus filhos na escola e provar
que eles comparecem a 80% das aulas. Ao mesmo tempo, as crianças também
devem receber todas as vacinas e passar por uma avaliação médica quando
recebem as vacinas. Esse foi um fator, mas não foi o único.
Criamos 15 milhões de novos
empregos durante a administração do Presidente Lula. Este ano, já
criamos 2 milhões de novos empregos.
A Sra. é tão próxima do Presidente Lula. Será mesmo diferente ou apenas uma continuação da administração dele?
Eu acredito que minha
administração será diferente da do Presidente Lula. O governo do
Presidente Lula, do qual fiz parte, construiu uma base a partir da qual
vou avançar. Não vou repetir a administração dele porque a situação no
país hoje é muito melhor do que era em 2002.
Eu tenho os programas
governamentais em andamento, que ajudei a desenvolver, como o chamado
Minha Casa, Minha Vida, que é um programa de habitação.
Meus desafios são outros. Vou
ter que solucionar questões como a qualidade da saúde pública no Brasil.
Vou ter que criar soluções para problemas de segurança pública.
O Brasil passou por mais de 30
anos sem investir em infra-estrutura em uma quantidade suficiente. O
governo do Presidente Lula começou a mudar isso. Eu tenho que resolver
as questões rodoviárias no Brasil, as ferrovias, as estradas, os portos e
os aeroportos.
Mas há uma boa notícia: descobrimos petróleo em águas profundas.
A Sra. está sugerindo que essa descoberta irá financiar a infra-estrutura?
Criamos um Fundo Social [no
qual] alguns dos recursos do governo oriundos da descoberta do petróleo
serão investidos em educação, saúde, ciência e tecnologia.
A Sra. tem que preparar o pais para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas.
Sim, mas eu também tenho outro
compromisso, que é acabar com a pobreza absoluta no Brasil. Nós ainda
temos 14 milhões na pobreza. Esse é meu maior desafio.
Todos os empresários que conheci
em São Paulo disseram que precisam estar muito preparados para as
reuniões com a Sra., porque a Sra. conhece bem a maioria dos projetos.
Sim, é verdade. Eu acho que é uma característica feminina. Nós apreciamos os detalhes. Eles, não.
O que significa, para a Sra., ser a primeira mulher Presidente do Brasil?
Até eu acho incrível.
Quando a Sra. decidiu que queria ser Presidente?
Foi um processo. Não há uma
data. Comecei a trabalhar com o Presidente Lula e ele começou a dar
algumas dicas sobre eu vir a ser indicada à presidência, mas ele não foi
claro no começo. Foi uma grande honra para mim, mas eu não estava
esperando.
A partir do momento que ficou
claro para mim que eu seria indicada, dois anos atrás, eu sabia que
tínhamos criado as condições adequadas para tornar possível a vitória
nas eleições. O Presidente Lula teve uma excelente administração e o
povo brasileiro reconheceu e admitiu isso. Somos uma administração
diferente - nós ouvimos o povo.
A Sra. recentemente lutou contra o câncer.
Sim, mas acredito que consegui
lidar bem com isso. As pessoas têm que saber que o câncer pode ser
curado. Quanto mais cedo você descobre, melhores suas possibilidades de
cura. É por isso que a prevenção é importante. . . .
Acredito que o Brasil estava
preparado para eleger uma mulher. Por quê? Porque as mulheres
brasileiras conquistaram isso. Eu não cheguei aqui sozinha, só pelos
meus méritos. Somos a maioria neste país.