quarta-feira, 20 de julho de 2011

Após seis meses, Primavera Árabe segue e sinaliza abertura política


Protestos continuam no Cairo. A imagem é do dia 8 de julho | Foto: Lilian Wagdy/Flickr

Felipe Prestes e Igor Natusch no Sul21

Quem esperava uma onda de mudanças no mundo árabe, após as revoltas populares do começo do ano, pode interpretar o atual momento como pouco animador. Afinal, apenas dois países – Egito e Tunísia – derrubaram governos autoritários e ainda buscam um novo modelo político. Enquanto isto, outros países vivem confrontos sangrentos, especialmente a Líbia, com uma guerra civil que não dá sinais de solução. Pouco mais de seis meses depois da queda do ditador tunisiano Zine al-Abidine Ben Ali, ocorrida em 14 de janeiro, a “Primavera Árabe” pode não render manchetes como antes, mas ainda está longe de seu fim. Até o momento, a realidade indica um movimento em direção à democracia – embora não seja a democracia que nossos olhos ocidentais estão acostumados a ver.

– Qual é a situação de cada país árabe após os protestos populares

Antônio Jorge Ramalho da Rocha, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), identifica no mundo árabe sinais que apontam para uma flexibilização dos regimes, algo que vai além de Egito e Tunísia. “Não diria democratização, porque a palavra tem uma conotação inadequada no caso, mas vejo uma tendência a um grau menor de autoritarismo e uma comunicação maior entre governantes e governados”, avalia. Governos de países como Marrocos, Argélia e Iêmen, cientes de que não poderão se manter na base da força, sinalizam com a abertura gradativa e parcial. “Parece haver uma compreensão de que é preciso fazer concessões, de forma que a insatisfação da população não se avolume ainda mais. Com a maior circulação de informações, amplia-se o acesso do povo a instrumentos de pressão”, afirma.
O professor Renatho Costa, da Unipampa, concorda com essa leitura, mas faz ressalvas. Segundo ele, as particularidades de cada país indicam diferentes pressões internas. “Alguns países podem fazer concessões, mas o autoritarismo está na base de alguns regimes. O vício autoritário pode ser retomado se determinados reis ou ditadores sentirem-se ameaçados”. Mas o professor admite que a mudança de panorama é perceptível. “Há uma mudança na percepção do poder da população”, diz. “Para permanecer no poder, os governos estão entendendo que precisam negociar. Mesmo que alguns países façam uma repressão mais dura, há uma inclinação geral pela adoção de reformas”.
O professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Maurício Santoro, diz que as revoltas que obtiveram êxito ocorreram em países mais homogêneos, sem grandes tensões étnicas, tribais ou religiosas. São os casos de Egito, Tunísia e também do Marrocos, onde o rei Mohammed VI promoveu abertura significativa de seu regime. Em outros países, ditadores conseguiram utilizar divisões para obter o apoio de parte da população. “Nos países mais fragmentados ditadores conseguem explorar as diferenças para se manter no poder”, afirma.
O que Santoro diz é flagrante na Líbia e no Iêmen, onde há fortes divisões tribais, e na Síria em que uma minoria étnico-religiosa, os alauítas, detém o poder político diante de uma população majoritariamente sunita. Nestes países, os governos autoritários têm conseguido reagir, mas, segundo Santoro, na Síria e na Iêmen a tendência também é de maior abertura. “No Iêmen há uma negociação avançada que pode culminar com a renúncia de Ali Abdullah Saleh. Na Síria, não está claro se Bashar al-Assad conseguirá se manter no poder, mas se conseguir será de forma negociada”.
Foto: Al Jazeera English/Flickr
Segundo especialistas, conflito na Líbia não tem hora para acabar. "Emprego da força mostrou-se um erro", diz Antônio da Rocha, da UnB | Foto: Al Jazeera English/Flickr

Líbia: conflito não deve ter solução tão cedo

No momento, a Líbia é o campo de batalha onde a marca ocidental se faz mais presente. Desde março, tropas internacionais sob comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeiam o país e tentam garantir a saída de Muammar Kadafi do poder. No entanto, o conflito se arrasta, e o ditador líbio não parece dar sinais de que vá desistir – ainda que o governo dos Estados Unidos já tenha reconhecido oficialmente a autoridade rebelde como legítima governante da Líbia.
Para Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da UnB, o conflito na Líbia seguirá se arrastando por muito tempo. “O emprego da força mostrou-se um erro, ainda mais nos termos colocados pela resolução da ONU. Acabou fortalecendo Kadafi junto a seus acólitos, já que agora ele pode se enrolar na bandeira nacional e se colocar como alguém que resiste a um invasor externo”, argumenta. “Era uma situação complexa, já que parecia claro que Kadafi usaria força contra o próprio povo. O dilema era se omitir, deixando os rebeldes à própria sorte, ou agir, o que também traria consequências. Mas alguns países (do ocidente) foram contrários desde o início à intervenção, e a ação da OTAN não produziu resultados”.
“A Líbia ainda é uma carta aberta”, diz Renatho Costa, da Unipampa. O especialista detecta não apenas um confronto em aberto pelo poder líbio, mas uma luta das forças ocidentais por uma influência maior na região. “Kadafi não tem mais condições de permanecer, não é mais líder nacional. As batalhas já estão fora deste tabuleiro”, sustenta. Como exemplo, o professor cita a decisão da Rússia de não aceitar o Conselho Nacional de Transição, instituído pelos rebeldes, como legítimo governo da Líbia – decisão que foi anunciada recentemente pelos EUA. “Apoiar o governo paralelo, na prática, é alinhar-se com os Estados Unidos”, observa.
Maurício Santoro concorda. “O impasse não deve se resolver em pouco tempo. A intervenção não demonstrou força nem para impelir Kadafi a uma negociação”, diz. O professor da FGV ressalta que as potências envolvidas com a intervenção tem hoje preocupações internas muito maiores, com a crise econômica que abala Europa e Estados Unidos, o que certamente prejudica a luta contra o regime líbio.

Egito e Tunísia terão eleições no final do ano, mas seguem instáveis

Egito e Tunísia mantêm governos provisórios até o final do ano. O Egito, maior país árabe, terá eleições para uma assembleia constituinte em novembro. Na Tunísia, o mesmo pleito ocorrerá em outubro. Caberá a estas assembleias definir o sistema político e eleitoral para que a população escolha um novo governo. Enquanto isto não ocorre, os protestos continuam.
No Egito, manifestantes pedem a saída de todo e qualquer integrante do governo que tenha participado do regime do ditador Hosni Mubarak. Além disto, há uma preocupação crescente com a influência que o exército egípcio terá sobre o novo governo. São as Forças Armadas que estão à frente do governo provisório. Maurício Santoro acredita que os militares não tentarão manter o poder político e realizarão as eleições, mas explica que, de qualquer forma, continuarão com muito poder. “O exército parece comprometido com eleições, mas deve manter o seu poder, mesmo com uma ordem democrática. As Forças Armadas no Egito controlam várias empresas, têm muito poder econômico”, destaca.
A Praça Tahrir continua rugindo no Cairo. A imagem é de protesto no último dia 15 | Foto: Lilian Wagdy/Flickr

Tentando acalmar os ânimos, o regime de transição promoveu nesta terça-feira (19) mudanças em mais de 15 ministérios – mantendo, porém, nomes da velha guarda, como o ministro do Interior, Mansour Essawy, ligado ao regime de Mubarak. A indefinição política se reflete na economia, bastante desestabilizada. Não à toa, o ministro das Finanças foi um dos que teve sua cabeça cortada. O governo provisório tem distribuído alimentos aos egípcios.
Na Tunísia, a situação não é diferente. Já em fevereiro, a população tratou de correr o primeiro-ministro interino Mohammed Ghannouchi por ele ter sido tradicional aliado do ditador Ben Ali. Mudanças nos ministérios também têm sido recorrentes. O atual premiê, Beji Caid Essebsi, tem demonstrado preocupação ainda com os conflitos nas ruas, porque teme pela segurança na realização das eleições em outubro. Na segunda (18), um garoto de 14 anos foi morto por uma bala perdida disparada por forças de segurança, durante um protesto em uma pequena cidade próxima a Sidi Bouzid.
Não por acaso foi em Sidi Bouzid, cidade no centro do país, que tudo começou, em dezembro de 2010, quando um jovem desempregado ateou fogo ao próprio corpo. A Tunísia tem um nível de vida razoável se comparado aos demais países do Norte da África, mas sofre com uma crise econômica e com uma desigualdade entre o litoral e o interior do país. É no interior que vive a maioria dos 700 mil tunisianos desempregados, número extremamente significativo para uma população economicamente ativa de apenas três milhões de pessoas.
rachid ghannouchi
Rachid Ghannouchi, ao centro, lidera partido islâmico que quer conjugar na Tunísia religião e democracia, aos moldes da Turquia | Foto: Magharebia/Al Jazeera

Democracia com islamismo: Turquia pode servir de modelo

Na Tunísia, os conflitos também ocorrem entre intelectuais que defendem o estado laico e extremistas islâmicos. Estes últimos vêm ganhando terreno nas ruas desde a queda de Ben Ali, mão não se vêem contemplados no atual governo provisório. Jovens islâmicos já atacaram diversas delegacias de polícia nos últimos dias. Um exemplo ilustrativo dos conflitos ocorreu no final do mês de junho. Na capital do país, Túnis, ativistas religiosos quebraram os vidros de um cinema que passava o filme “Nem Alá, nem o Mestre”, em defesa do estado laico, e entraram em conflito com um grupo de advogados. Os islâmicos acabaram sendo presos.
Apesar disto, o partido político tido como o mais forte na Tunísia é o Al-Nahda (Partido do Renascimento, em português), que no mês de junho se retirou das conversas sobre a transição, acusando outros partidos de abuso de poder. O líder do partido, Rachid Ghannouchi, retornou ao país apenas 15 dias depois da queda de Ben Ali, após 20 anos de exílio. Em entrevista recente ao El Pais, Ghannouchi afirmou que é contra o extremismo, e que sonha em “conjugar islamismo com modernidade”. Quer a religião na Constituição, mas com igualdade entre gêneros, por exemplo. E cita como paradigma a Turquia, governada desde 2003 pelo partido Justiça e Desenvolvimento.
Para Maurício Santoro, o governo da Turquia deve balizar os novos regimes democráticos entre os países muçulmanos. “O que está se desenhando é um tipo de Estado onde a religião não domina a sociedade, mas tem papel importante na definição das leis, dos costumes e sobre os partidos políticos. A Turquia mostra que é possível ter um partido como este no poder, convivendo com liberdades democráticas”, avalia. O professor de Relações Internacionais ressalta, contudo, que isto não livrará estes países de tensões entre as liberdades individuais e a religião islâmica, tensões que ocorrem na própria Turquia.
Fotos de Gamal Abdul Nasser, Che Guevara e Osama Bin Laden são vendidas na Praça Tahrir | Foto: Lilian Wagdy/Flickr

Santoro vê mais força do islamismo na Tunísia que no Egito. Ele afirma que a Irmandade Muçulmana tem se fragmentado desde a revolta, principalmente porque os jovens do movimento não têm seguido à risca os ditames de seus líderes. Além disto, ressalta que a interferência religiosa na política sempre foi limitada por leis no Egito e que há uma minoria cristã que não pode ser desprezada. Ele lamenta que as eleições sejam realizadas em um prazo exíguo para a formação de novas organizações. “O prazo prejudica a participação do elemento mais inovador da revolução, que foram os jovens”.
Renatho Costa, da Unipampa, acredita que ocorre disputa de influência entre autoridades islâmicas e forças ligadas ao Ocidente. Ele acredita que o modelo que for adotado especialmente pelo Egito poderá servir como base para outros países árabes e ter grande influência sobre a região. “(Egito e Tunísia) são dois palcos onde se disputa pelo futuro de todo o Oriente Médio. O modelo que prevalecer ali vai ter amplas possibilidades de ditar regras políticas para todo o mundo árabe. Se a influência islâmica prevalecer nesses dois palcos, em especial no Egito, isso certamente provocará uma grande mudança geopolítica em toda a região”, prevê.
De qualquer modo, o panorama que surge aos poucos no mundo árabe aponta para algo novo, que vai além da visão ocidental sobre a região. Renatho, que recentemente passou dois meses no Irã, exemplifica com o que ouviu em conversa com aiatolás locais. “Discuti com alguns deles sobre as perspectivas que viam a partir das mudanças no Egito”, conta, “e eles se manifestaram de forma muito positiva. Para eles, o país pode passar por um processo semelhante (ao do Irã), integrando-se em uma comunidade islâmica. É uma visão diferente da nossa, que não tem o nosso olhar de integração pela ocidentalização”.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Clóvis Rossi acusa ‘petistas’ de apoiar concentração da mídia




A Folha de São Paulo passou a publicar “pornografia”. É literalmente indecente um artigo de um de seus principais pistoleiros publicado hoje (19/07) naquele antro de libidinagem intelectual. Se você não leu, tem que ler. Por penoso que seja ver um homem daquela idade se degradar tanto moralmente, o texto mostra a que ponto chegou essa gente.
Acredite quem quiser: ele escreveu um texto bradando contra a concentração da propriedade de meios de comunicação. Escreveu todos os argumentos que vimos escrevendo na blogosfera dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano. E colocou a culpa pela propriedade cruzada de meios de comunicação sabe em quem? No PT!
Leia e chore. Em seguida, um comentário final.
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FOLHA DE SÃO PAULO
19 de julho de 2011
Murdoch ou quando “Deus” fica nu
Clóvis Rossi
ED MILIBAND, líder do Partido Trabalhista britânico, tocou a tecla certa, em entrevista domingo ao “The Observer”: considerou “perigosa” a concentração da propriedade de meios de comunicação em poucas mãos, em alusão a Rupert Murdoch, o dono do império midiático hoje no centro de um imenso escândalo.
“Temos que ver o que fazer quando ocorrem casos em que uma pessoa controla mais de 20% do mercado de mídia”, disse Miliband durante a entrevista.
Bingo. Vale para o Reino Unido, vale para o Brasil, vale para o mundo. Aqui, tem sido “pouco saudável”, por exemplo, o domínio da família Magalhães sobre o principal jornal, a principal rádio e a retransmissora da Rede Globo na Bahia.
Diga-se o mesmo a respeito da família Sarney no Maranhão, bem como de outras famílias políticas em outros Estados, graças à farra de concessões de rádio e TV a políticos, tema de recente reportagem desta Folha.
É curioso que os petistas furibundos fizeram inúmeras tentativas de aprovar legislação sobre “controle da mídia”, mas que não tocavam no ponto chave que é a propriedade cruzada de meios de comunicação – capítulo que os Estados Unidos resolveram razoavelmente bem.
Controlar a mídia é tarefa do leitor/ouvinte/telespectador. Eu tenho horror ao sensacionalismo, mas sei muito bem que meu gosto é minoritário, no Brasil como no Reino Unido ou qualquer outro país.
Rupert Murdoch não tinha 2,7 milhões de capangas armados de metralhadoras para forçar os ingleses a esgotar a tiragem do “News of the World”.
Aliás, a propósito, vale reproduzir com uma ponta de orgulho corporativo a frase de Timothy Garton Ash, um dos intelectuais mais na moda na Europa, em seu artigo de ontem para “El País”: “O melhor jornalismo britânico pôs a nu o pior”, em alusão à incessante campanha do jornal”Guardian” para expor as indecências do “NoW”.
Pois é, deixado livre, o melhor jornalismo acaba se impondo, por muito que demore.
Se controle da mídia é função do público, o da concentração excessiva é, aí sim, tarefa da legislação.
Ainda mais se a concentração fica nas mãos de alguém sem escrúpulos, que acaba impondo o reino do medo, que paralisa o mundo político.
É o caso de Rupert Murdoch, assim retratado ontem, no “Guardian”, pelo colunista Charlie Brooker:”Poucas semanas atrás, Murdoch, ou, mais exatamente, as tendências mais selvagens da imprensa, representavam Deus. (…) Você nunca deve irritar Deus. Deus carrega imenso poder. Deus pode escutar tudo o que você diz. Você deve reverenciar Deus, e agradá-lo, ou Deus vai destrui-lo”.
Agora que “Deus” Murdoch está caindo em desgraça, o temor e as reverências deram lugar à constatações que deveriam ser óbvias há muito tempo, como a que fez Ed Miliband. E os “políticos britânicos fazem fila para denunciar Murdoch”, como completa Brooker.
O próprio “Guardian”, aliás, com o gostinho da vitória ainda fresco, pede a cabeça do primeiro-ministro David Cameron, por ter empregado Andy Coulson, ex-editor do “NoW”, como seu assessor de imprensa -típica atitude de quem queria comprar as graças de “Deus”.
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Sim, isso foi publicado no jornal que estampou, em sua primeira página, uma ficha policial falsa da hoje presidente Dilma Rousseff e que divulgou acusação ao ex-presidente Lula de ser um maníaco sexual.
Por que será que esse velhaco não citou a Globo, da Família Marinho, pela maior concentração de propriedade de meios de comunicação em todo o mundo? Ou o próprio grupo Folha, detentor de uma quantidade imoral de jornais e do maior portal de internet do país, um “grupo” que, em qualquer país civilizado, não poderia existir?
Com que tipo de gente estamos lidando? Ele acusa “petistas furibundos” de não pregarem o fim da concentração de meios de comunicação. Se tivesse saído de seu escritório com ar condicionado e ido cobrir a Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, não teria ouvido falar de outra coisa. Inclusive, teria lido esse pleito antigo no documento final da Confecom.
Rossi mente descaradamente dizendo que “petistas furibundos” pregam controle dos meios de comunicação em vez de veto à propriedade cruzada, quando qualquer um que já tenha lido o que se pede dia sim, outro também em espaços como este sabe que é a democratização da comunicação, ou seja, o fim da propriedade cruzada.
Há quanto tempo você vê a blogosfera se esfalfar pedindo o fim da concentração de meios de comunicação? Como lidar com gente assim? Com luvas de pelica? Será que este governo não tem ninguém com um mísero traço de coragem para dar uma resposta à altura a esse velhaco? Até quando este país será esbofeteado dessa forma?

Homossexuais uruguaios promovem ato para combater discriminação


Cerca de 300 uruguaios se reuniram neste último final de semana para combater a discriminação sexual com um "beijaço", na porta de um bar acusado de ter expulsado um casal de homossexuais após um beijo em seu interior.

Gays, transexuais, lésbicas e heterossexuais, convocados exclusivamente por meio de redes sociais, realizaram a manifestação perante as portas da discoteca Viejo Barreiro de Montevidéu, para entre risos, dança e música, beijarem para denunciar a homofobia que segundo sua opinião impera ainda no país, um dos mais avançados da América em direitos para os homossexuais.

A convocação foi realizada uma semana antes, quando dois rapazes que comemoravam um aniversário no local foram expulsos pela segurança após se beijarem, segundo explicou Mauricio Coitiño, um dos porta-vozes da organização defensora dos direitos homossexuais Ovelhas Negras.

"Os rapazes disseram que era discriminação, mas mesmo assim foram jogados para fora do lugar. Diretamente foram à delegacia e apresentaram a denúncia. Depois o discurso começou a tomar forma através do Facebook e surgiu a ideia de fazer esta atividade, que Ovejas Negras decidiu apoiar", disse Coitiño.

Os responsáveis do Viejo Barreiro, Mariano Gambaro e Diego Fernández, negam essa versão e consideram que os dois jovens foram expulsos "por manter atitudes obscenas em público, algo que vai além de um beijo".

"Não divulgamos publicamente nossa versão completa do assunto porque está em andamento uma investigação. Nem nós, nem o local nunca foi homofóbico e agora estamos envolvidos neste circo midiático", disseram à Efe enquanto aguardavam o "beijaço" no interior do local, que não abriu "porque não se sabe o que mais pode acontecer".

Mais de 6,9 mil pessoas tinham anunciado no Facebook que participariam da concentração, enquanto na rede social o debate levantou ameaças e insultos tanto a favor como contra a iniciativa.

"Isto não é um ataque ao Viejo Barreiro, é uma campanha a favor do amor, com algo que comove como um beijo. Cumpre o objetivo do movimento e já conseguiu envolver a sociedade civil. Não queremos arruinar uma casa noturna", apontou Bruno Baumann, um dos organizadores do evento.

No final, os "beijadores" decidiram encerrar seu particular protesto em quatro festas divididas pela cidade e se misturaram com a multidão que nessas horas festejavam nas ruas a classificação do Uruguai a semifinais da Copa América após derrotar a seleção Argentina.

Em Montevidéu, a comunidade homossexual é bastante reconhecida e seus bares e casas noturnas funcionam sem nenhum impedimento, apesar das queixas sobre comportamentos homofóbicos serem cada vez mais frequentes, segundo seus representantes.

Fonte: Ópera Mundi via VERMELHO

Euforia em torno de redes sociais reacende temor de bolha especulativa


19/7/2011 9:24,  Por Deutsche Welle

via CORREIO DO BRASIL

Jovens empresas online como o LinkedIn são atualmente as favoritas dos investidores. Munidos de gordas somas, eles especulam que algo grandioso irá acontecer, o que lembra os tempos da “bolha” da New Economy, pouco antes da virada do século.
Será a história que se repete? Desde meados de maio, empresas pontocom se lançam, uma atrás da outra, nas bolsas de valores dos Estados Unidos, aproveitando-se da euforia em torno das assim chamadas mídias sociais.
Segundo estimativa da emissora CNBC, o valor do Facebook, quando entrar no mercado de ações, deverá ultrapassar os 100 bilhões de dólares. Isso significa que o valor de mercado da rede social seria superior ao do Deutsche Bank, Deutsche Post e Lufthansa juntos – para citar três conglomerados alemães de peso internacional.

Paralelos e diferenças

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Reid Hoffman, fundador do LinkedInO número é respeitável: a rádio online Pandora é ouvida por mais de 90 milhões de usuários em todo o mundo. O problema é que o lucro da empresa é zero, e isso não deverá mudar num prazo previsível. Então o que justifica sua cotação de mercado de 3 bilhões de dólares?
Recentemente, tanto ela como a rede profissional online LinkedIn entraram na bolsa, enriquecendo seus proprietários originais. Nos próximos meses, várias outras firmas – como o site de jogos Zynga e o de descontos Groupon – planejam dar o mesmo passo, com cotações megalomaníacas.
Mesmo sem produzir um único centavo de lucro, a Pandora foi efusivamente saudada pela Bolsa de Valores de Nova York e pelos analistas de mercado. Já as ações do LinkedIn duplicaram de cotação poucas horas após seu lançamento. “Está uma loucura aqui”, descreveu a apresentadora da rede de TV ABC.
Só que, depois dessa vertiginosa valorização inicial, logo em seguida os títulos caíram sensivelmente. As comparações com a “bolha pontocom”, que explodiu no final da década de 1990, são inevitáveis. Scott Kessler, perito em internet da agência de rating Standard & Poor’s, estava em Wall Street na ocasião: “Havia centenas de empresas sem qualquer modelo de negócios. Todos sabem aonde isso levou”.
Porém aqui reside uma diferença quanto ao fenômeno atual: não são centenas, mas sim cerca de uma dezena de firmas pontocom e de mídia social lançando-se no mercado de títulos. E os calouros têm tanto um modelo de negócios quanto investidores poderosos por trás.

Cotações vertiginosas, faturamento zero

Há pouco a Zynga também anunciou a intenção de emitir ações. Ela é conhecida por jogos de computador, como o Farmville. E, bem ou mal, em 2010 alcançou um lucro de 90 milhões de dólares. Quando entrar para Wall Street, no próximo trimestre, deverá contar com uma cotação de aproximadamente 10 bilhões de dólares.
Já o Facebook ostenta 750 milhões de usuários registrados, em todo o mundo. O mercado espera uma cotação entre 100 bilhões e 200 bilhões de dólares quando a empresa entrar na bolsa, no início do próximo ano. Para comparar: a capitalização da HP (Hewlett-Packard), maior fabricante de computadores do mundo, encontra-se atualmente em 70 bilhões de dólares.
O empresário Bo Peabody criou sua própria plataforma online no final dos anos 90, e ainda hoje ele investe exclusivamente em empresas de internet. Mas mantém distância das redes sociais, pois não consegue perceber qual seria o modelo de sucesso delas.
“No caso das redes sociais, não se trata realmente de empresas de mídia. São as pessoas que falam e se comunicam entre si. Não é fácil ganhar dinheiro com algo assim. As operadoras de telefone, por exemplo, cobram taxas pelas conversas ou pela linha. As redes sociais tentam lucrar com a publicidade. Mas é difícil colocar propaganda no meio das conversas”, analisa Peabody.

Google-Yahoo x Facebook & cia.

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Google x Facebook: duas realidades virtuais diferentesKessler continua apostando no sucesso das empresas de tecnologia. Entretanto, em sua opinião, isso não significa investir nos novos cometas no firmamento internáutico. Os paralelos com a “bolha pontocom” existem, porém “uma grande parte das empresas de tecnologia, sobretudo as estabelecidas, estão com as cotações mais atraentes das últimas décadas”, afirma.
O perito se refere especialmente às cotações de empresas como Google ou Yahoo. Em sua opinião, elas estão extremamente subvalorizadas e, com o hype em torno de Facebook e companhia, foram deixadas de lado de forma precipitada.
Para que ocorra uma crise semelhante à de dez anos atrás, seria preciso que muito mais firmas – e muito mais obscuras – entrassem no mercado de ações. No momento, esse não é o caso. O que não significa que seja totalmente livre de riscos empatar capital em ações como as de Pandora, Facebook, Groupon, Twitter ou Zynga.

Autor: R. Wenkel / J. Korte / A. Valente
 
Revisão: Alexandre Schossler

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A história barateada e a recuperação da inocência

Escrito por Cassiano Terra Rodrigues  no CORREIO DA CIDADANIA


No livro Conversas com Woody Allen, é de se notar o seguinte:

Eric Lax: Como era a primeira ideia para A rosa púrpura do Cairo?

Woody Allen: Quando tive a ideia, era só um personagem que desce da tela, grandes brincadeiras, mas aí pensei, onde é que isso vai dar? E me veio a ideia: o ator que faz o personagem vem para a cidade. Depois disso, a coisa se abriu feito uma grande flor. A Cecília precisava decidir e escolher a pessoa real, o que era um passo à frente para ela. Infelizmente, nós temos de escolher a realidade, mas no fim ela nos esmaga e decepciona. Minha visão da realidade é que ela sempre foi um lugar triste para estar... mas é o único lugar onde você consegue comida chinesa.

O novo filme de Woody Allen, “Meia-noite em Paris” (Midnight in Paris, com roteiro e direção próprios, Espanha/EUA, 2011), retoma e inverte a ideia de A rosa púrpura do Cairo: agora, em vez de um filme, uma cidade (de muitos sonhos), Paris; em vez de uma mulher, um homem, Gil (Owen Wilson), roteirista de filmes de qualidade duvidosa em Hollywood, prestes a terminar seu primeiro romance, ambicioso para realizar todo seu talento e mudar a carreira; mas, em vez de um abandono da realidade maçante... bem, aí é que está o nó, digamos assim.

De certa forma, há a retomada da ideia da realidade eivada de sonho e fantasia: em Paris, Gil entra em um automóvel antigo que o leva de volta à Paris dos anos 20, povoada pelos artistas vanguardistas que ele tanto admira: Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Luís Buñuel, Picasso... Nessa viagem ao passado, ele se encontra como escritor, descobre o amor e a si mesmo. Ao mesmo tempo, esse deslocamento espaço-temporal – dos EUA à Europa, dos anos de 2010 aos de 1920 – articula ao menos dois temas importantes: a perda da inocência e a recusa da realidade do presente. Antes de prosseguir, um aviso ao leitor: quem não quiser saber o final do filme, deve parar a leitura.

O tempo todo no filme duas perguntas estão interligadas: que relação podemos ter com a cultura? Qual o sentido da permanência do passado? A primeira liga-se à perda da inocência e é um tema caro à literatura escrita nos EUA (lembre-se Henry James, por exemplo). Com efeito, a personagem que deixa os EUA e vai à Europa em busca de conhecimento, história, cultura etc. serve para discutir o que significa ser americano. Essa viagem a Paris (a real ou a idealizada) pode ser entendida como uma busca por legitimidade identitária, a colônia buscando sua identidade cultural retornando às suas raízes na metrópole. Assim como na literatura, também no filme (e já em Vicky Cristina Barcelona, de 2008) vemos uma contumaz crítica à futilidade e superficialidade da sociedade americana, dominada pelo consumismo e pelo utilitarismo: a noiva de Gil, Inez (Rachel McAdams), e sua família só pensam em dinheiro, em satisfação imediata pelo consumo e em manter seu alto padrão de vida. A fala de sua mãe, Helen (Mimi Kennedy), é reveladora dessa atitude: “Barato é barato.” Ela pensa que Gil é barato e só dá valor ao que pode ser comprado caro (uma cadeira antiga, roupas ou restaurantes etc.), mas a relação viva que Gil mantém com a literatura não lhe é cara – antes, parece-lhe excentricidade e esquisitice. Parece, assim, que o esnobe Paul (Michael Sheen) é um espelho de Helen: derramando nomes, conceitos, datas e análises formais, complicadas e equivocadas por todo lugar, a cultura parece ser, para ele, erudição a serviço da vaidade, um grande baú de objetos, um grande estoque de supermercado, do qual ele pode sacar o melhor para cada ocasião, o melhor para capitalizar seu verniz social. Inez, Helen e Paul são personagens que bem ilustram como, na pós-modernidade, a integração da produção estética à produção de mercadorias banaliza toda criatividade, barateia toda inovação. Sabe-se bem o resultado, exaustivamente analisado por Fredric Jameson: tudo é pastiche, tudo é “imitação de estilos mortos, a fala através de todas as máscaras estocadas no museu imaginário de uma cultura que agora se tornou global” (Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, p. 45).

Gil é o único a perceber o pastiche, mas tarda a perceber o caso entre Paul e Inez. Quando percebe, resolve abandonar definitivamente todo esse mundo. Desse ponto de vista, a perda da inocência pode significar que ele também deixa de lado o “american way of life” e sua ideologia de “winners x losers”. Mas, aqui, surpreende-nos um desvio! É o francês Gilles Deleuze, no belo ensaio “Da superioridade da literatura anglo-americana”, quem afirma: “Fugir não é exatamente viajar, tampouco se mover. Antes de tudo porque há viagens à francesa, históricas demais, culturais e organizadas, onde as pessoas se contentam em transportar seu ‘eu’”. É exatamente isso que faz principalmente Paul no filme; não desprezemos mais essa chama na rinha das vaidades França x EUA.

Durante todo o filme fica evidente que Gil não se sente bem em meio a tanto consumismo e vaidade. Ele sonha com uma Paris que não existe mais e, fugindo para ela, numa grande fantasia dentro do filme, encontra tudo o que quer e não tem em seu tempo. A fantasia do filme nos faz perguntar qual a função da arte numa sociedade consumista. É claro que temos de questionar qual o sentido da criação artística em nossas vidas; na verdade, que sentido damos à criação de nossas vidas. As pressões da noiva e da família dela são pelo uso instrumental de sua arte – Gil deve continuar escrevendo roteiros para filmes classe Z e, com isso, ganhar muito dinheiro para sustentar os gostos decorativos de sua noiva. A viagem à Europa, afinal, era só para um breve e profícuo aculturamento, que deveria, no retorno ao lar, se converter em muitos dólares – o ar de sofisticação de um produto local vem das brisas que ele tomou na Europa. Um belo ideal de macho burguês, no fim das contas. Já insistia Hegel, no século XIX: se a arte desistir dos grandes interesses do espírito, tornando-se meramente decorativa e ilustrativa, terá deixado de ser arte. E, com efeito, arte, em sentido pleno, já era para Hegel uma coisa do passado, que tinha atingido seu apogeu entre os gregos, já que o reconhecimento de nós mesmos e de nosso lugar no mundo só para poucos passa pela experiência artística – não à toa Gil sente-se deslocado, pois só ele parece recusar essa morte da arte. De fato, ele se desloca, uma vez no espaço e duplamente no tempo; e também podemos dizer que essa forma de Woody Allen problematizar a relação modernidade x pós-modernidade não dá de barato sua admiração pela história e pela cultura modernista.

A viagem ao passado o faz encontrar Adriana (Marion Cotillard), jovem estudante de moda que, na Paris dos anos 20, torna-se amante de Picasso. Juntos, fazem uma viagem ao passado dentro do passado, à Paris dos sonhos de Adriana: a Belle Époque de Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin, Degas e tantos outros expressionistas, simbolistas etc. Nesse momento, Gil tem uma revelação e é também então que a articulação espaço-temporal revela seu sentido. Ele recusa a possibilidade de aceitar totalmente a fantasia da fantasia e ficar na Paris da Belle Époque, numa viagem ao passado do passado; reconhece suas ilusões serem impossíveis, decide voltar a 2010 e viver em seu tempo.

Ora, isso não significa que, no fim, Gil se torne um esquizofrênico pós-moderno, um historicista fixado em imagens de um passado modernista e irrecuperável. Ao contrário, o filme parece sugerir justamente o oposto. Sua consciência súbita da insuficiência da nostalgia extemporânea não significa uma concessão ao consumismo superficial – antes, renova seu olhar: as ruas de Paris; a diferença de iluminação a marcar as diferenças entre as épocas; e, por fim, as luminosas cenas finais do close em Gabrielle (Léa Seydoux) e do close em Gil, indicam a possibilidade de renovação do olhar (arriscamos dizer que a luz – Paris, cidade luz... – é personagem central do filme; o trailer dá uma breve amostra e pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=BYRWfS2s2v4 ). Gil rompe com todas as suas relações, abandona a noiva fútil, a rendosa carreira de roteirista medíocre em Hollywood e decide ficar em Paris, dando novo sentido à sua vida – apenas por ter fugido da vida que tinha ele pode agora criar a própria vida.

Woody Allen certa vez disse que trazemos em nós mesmos as sementes de nossa própria destruição. “Meia-noite em Paris” acrescenta uma nota otimista a essa afirmação psicanalítica e trágica: também trazemos as sementes de nossa recriação. Descobrimos a terra fértil onde plantá-las ao começarmos uma fuga e um desvio.

Cordiais saudações.

* * *
AUTO-INDULGÊNCIA: Os leitores devem perdoar duplamente a este escritor. Em primeiro lugar, pela demora em escrever novos textos. Em segundo lugar, pela auto-propaganda: a partir de agosto, será oferecido, na PUC-SP, o curso de extensão “Diálogos entre filosofia, cinema e humanidades: o cinema como construção do conhecimento”, coordenado por este que vos escreve. Mais infos seguindo o link: http://cogeae.pucsp.br/cogeae/curso/4326.

Cassiano Terra Rodrigues é professor de filosofia na PUC-SP e sempre que pode busca traçar linhas de fuga.

Os preços e a exploração do consumidor no Brasil

Editorial do SUL21

Tudo no Brasil é caro. A ladainha de sempre é de que a culpa é dos impostos e do “custo Brasil”, formado basicamente por encargos sociais. Paga-se muito imposto no Brasil e, por este motivo, os produtos são caros, afirmam. Bela balela, pura mentira. Que se pagam altos impostos no Brasil é verdade, mas não é apenas este o motivo de o consumidor brasileiro pagar tudo muito mais caro do que os dos demais países. O “custo França”, com certeza, é equivalente ao brasileiro.
A matéria do final de semana do Sul21 sobre o preço dos livros no Brasil é um exemplo do que se afirma aqui. Os livros são caros não pelo motivo dos impostos, já que os livros são isentos de tributação desde os anos 50 do século passado. Tanto os livros quanto os automóveis, as ligações telefônicas (de aparelhos celulares e de fixos), as roupas, os dentifrícios etc. etc. etc. são caros basicamente porque, além dos impostos, o mercado consumidor brasileiro é relativamente pequeno, mas principalmente porque as margens de lucro praticadas no país são excessivamente altas.
Nada contra os lucros, quando eles são razoáveis. O produtor, o distribuir e o comerciante precisam ser remunerados. Não fosse assim, não existiria a economia de mercado e não há nada a vista que nos autorize acreditar que ela esteja prestes a se extinguir e/ou a ser substituída por outra forma de organização econômica.
Tudo contra a ganância desvairada, imperante no Brasil. Durante muitos anos, desde que se instalou a ciclo de industrialização dependente e associado (aos capitais internacionais) no país, o consumo restringiu-se a uma pequena fatia da população, nunca maior do que 25% do total populacional. Como se produzia para poucos, vendia-se (muito) caro para que se pudesse gerar o ganho necessário para manter e reproduzir o sistema.
Foi assim desde os anos 50, na era JK, com a introdução da indústria automobilística e sociedade de massas no país. Foi assim desde os anos 70, no período do “milagre econômico brasileiro” durante a ditadura militar, com a reserva de mercado e a dificuldade de importação de produtos de fora. Foi assim nos anos 90, na com a “abertura dos portos” e a invasão de produtos importados da era Collor de Melo.
Tudo começou a mudar nas eras Itamar Franco, FHC e Lula, com o aumento do mercado consumidor desde o Plano Real. As sucessivas (foram três) quebras econômicas do país e as privatizações não alteraram o ritmo da expansão do mercado interno brasileiro iniciado com Itamar e aprofundado com Lula.
A entrega de setores estratégicos da economia à iniciativa privada (internacional e nacional), ocorrida no período FHC sem a devida implantação de mecanismos de controle eficientes, gerou distorções que ainda hoje se mantém. Os serviços telefônicos no Brasil são os segundos mais caros do mundo (e de péssima qualidade)! Os automóveis brasileiros são tão caros que se paga aqui o preço de um carro de luxo (tipo um SUV de última geração) por um réles 1.4 parcamente equipado! As roupas de grife, vendidas aqui a preço de ouro (tipo Tommy, Lacoste, Zara), são compradas no exterior por cerca de 1/3 dos que se paga no Brasil! Hoje, muitos dos que possuem renda, viajam ao exterior para fazer compras. O que economizam por lá, paga a passagem, a estadia e sobra ainda para a poupança.
Há um problema de escala, sem dúvida. Como se vende menos, se compensa aumentando a margem de lucro para se manter o ganho final. Acontece que se os preços são altos em demasia, mesmo que os ganhos dos consumidores aumentem (como está ocorrendo atualmente), nunca se conseguirá atingir um volume de consumo que possibilite a diminuição dos preços finais, em virtude do aumento da escala de vendas.
Hoje, na verdade, nem mesmo a justificativa do tamanho do mercado consumidor interno brasileiro se sustenta. Os carros produzidos no Brasil, por exemplo, são vendidos no mundo todo, já que o mercado é global. Além disso, a ascensão social de mais de 32 milhões de pessoas e a queda de 43% da população miserável ocorridas no Brasil nos últimos oito anos fez com que fosse incorporado ao mercado interno do país um contingente de consumidores superior à população total da Espanha ou mais do que uma vez e meia a população do Canadá. O crescimento da classe média brasileira, neste mesmo período, foi equivalente ao número total de moradores de duas Bélgicas.
Segundo projeções do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (RJ), se for mantido o ritmo atual de crescimento, o Brasil terá incorporado até o ano de 2014 mais do que uma França de cidadãos às classes A, B e C ou um total de 68 milhões de pessoas. Está mais do que na hora, portanto, de o consumidor se impor e exigir redução de preços e melhoria de serviços. Que tal começar campanhas na internet, nas redes sociais e também por meios dos movimentos populares e partidos políticos pela redução das margens de lucro excessivas e pelo respeito ao consumidor?

domingo, 17 de julho de 2011

Governo destrói carreira dos educadores em SC

Vermelhos e Brancos (1967)

Créditos: FILMES ÉPICOS
 
NOME DO FILME   Título Original: Csillagosok, Katonák
  Gênero: Drama | Guerra
  Ano de Lançamento: 1967
  Duração: 90 min
  País de Produção: Hungria
  Diretor(a): Miklós Jancsó

Sinopse:

Considerado por alguns, como propaganda comunista, o filme é na verdade uma evocação minimalista da falta de sentido da guerra. A história segue o exército vermelho e o exército branco que se enfrentam em meio a revolução russa, liderada por Lênin, transformando o país em uma guerra civil pela formação da União Soviética. O filme mostra os detalhes dessa guerra. Considerado um dos mais fortes e contundentes filmes de guerra já realizados, esta obra-prima é quase desconhecida no Brasil e consagrou o importante cineasta húngaro Miklos Janksó.


Elenco:

József Madaras ... Hungarian Commander
Tibor Molnár ... Andras
András Kozák ... Laszlo
Jácint Juhász ... Istvan
Anatoli Yabbarov ... Captain Chelpanov
Sergei Nikonenko ... Cossack Officer
Mikhail Kozakov ... Nestor
Bolot Bejshenaliyev ... Chingiz
Tatyana Konyukhova ... Yelizaveta the Matron
Krystyna Mikolajewska ... Olga
Viktor Avdyushko ... Sailor
Gleb Strizhenov ... Colonel
Nikita Mikhalkov ... White Officer
Vladimir Prokofyev
Valentin Bryleyev

Dados do Arquivo:

Tamanho: 939 Mb
Formato: AVI
Qualidade: DVD Rip
Audio: Húngaro, Russo
Legenda: Português | Download da Legenda |
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Religião, religiosidade e educação

Por Jurema Nunes e Monica Valéria no ACORDA CULTURA

O sagrado constitui uma categoria universal da experiência humana. Uma das formas de relacionar-se com essa categoria é através do que conhecemos por religião. A religião e a noção de religiosidade estão entre nós desde sempre. A experiência religiosa, dizem alguns, está na base da ação social e dá-lhe sentido. Religião seria o resultado do que somos capazes de registrar em relação ao inefável e religiosidade seria a disposição do indivíduo para integrar-se às coisas sagradas. Advindo do latim, re-ligare, pode ser um conjunto de práticas e crenças relacionadas com o transcendental, que tem como elementos derivativos os rituais, os códigos e as leis morais. Enquanto algumas encontram a base de tais códigos e leis nos dogmas, outras têm preceitos e interdições.

A religião dá-nos, através dos ritos, mesmo que mínimos, uma noção de segurança - um como se - que transforma o mundo ameaçador e enigmático - como diria Bronislaw Malinowski (1884-1942), um dos fundadores da antropologia social. A religião é um fenômeno social e individual, inextricavelmente ligado a outros aspectos da cultura e da sociedade. Um exemplo disso é o fato de que, embora hoje, em África, as religiões tradicionais representem uma porcentagem menor que segmentos cristãos e islâmicos, ainda persiste a ideia de que “nascer, casar e morrer” tenha que ser permeado por tais tradições de alguma forma.

O cerne das religiões tradicionais do continente africano é, ao que parece, a criatividade e a emoção – importante legado para nossa afro-brasilidade. Afirma-se que a religiosidade tradicional de África possui uma interação muito flexível e fluida no ambiente institucional no qual opera. Os africanos em diáspora foram capazes de criar e recriar expressões de sua religiosidade tradicional em várias situações, reagindo a mudanças, perigos e possibilidades. A religião não está longe da ideia de oficio, tendo seu foco central na ação. Parte de uma estratégia de sobrevivência, de estar no mundo, de corporeidade no chão que se pisa, servindo a fins práticos, imediatos ou remotos, sociais ou individuais. O que não exclui possibilidades de contato com o transcendental. Velhos significados são remontados em novas formas e sentidos possíveis em cada realidade. Essa transformação foi fundamental na desenvolvimento da maioria das manifestações religiosas das Américas. Sendo primordialmente voltada para o grupo, as experiências coletivas e individuais são expressas na vivência da comunidade religiosa.

Nei Lopes afirma: “embora as religiões negro-africanas tenham suas peculiaridades, todas comungam de uma ideia central, segundo a qual a vontade do ser supremo manifesta-se por meio de heróis fundadores, entre eles vivos ou espíritos dos antepassados. Há, portanto, uma ontologia negro-africana, uma estrutura religiosa, embora os africanos não tivessem durante muito tempo um termo equivalente ao termo ocidental religião”.

Um vasto continente, cuja população “modelou” o outro – oponente ou parceiro – de tal maneira que não somente transformou o outro, mas também se adaptou, impregnando o conhecimento da noção de relatio, uma síntese criativa, coração e expressão da experiência religiosa africana e afro-americana. A ontologia que se configura explica o significado da vida, enquanto corpo e matéria, a criação do mundo, as relações entre os seres visíveis e invisíveis. Há a busca por explicar o permanente combate e recorrente inter-relação entre o bem e o mal, a vida e a morte, saúde e doença, prazer e dor, contentamento e sofrimento, fartura e escassez... saberes e fazeres expressados e mantidos através da oralidade, por gerações. E esta ação pode aquecer geração ainda não nascida se utilizarmos os aprendizados e debates sobre tal legado como subsídio educativo, jamais meramente ilustrativo, mas constituinte de nossa história e cultura.

Precisamos conhecer como se processa a cosmovisão “africana” buscando suas dimensões, e sua recriação no Brasil. Esse intento responde à renovação curricular que visa fortalecer o reconhecimento positivo das contribuições dos negros à sociedade brasileira.

Aproximadamente quatro milhões de africanos escravizados chegaram aos nossos portos em sucessivas levas, trazendo anseios, crenças e muito conhecimento. Trouxeram consigo o cabedal de memórias, tudo que fica além do esquecimento, algo que constrói e vivifica. Muitos sucumbiram, mas todos provaram sua resiliência cotidianamente. Aquele que resistiu, o fez em corpo, verbo, som e gesto. Corpo enquanto lugar, que recebe o eterno e o realiza.

As tradições aqui mantidas resistiram pela força deste corpo que se fez verbo pelo poder que a palavra traz. Mito reiterado no calor dos cânticos, no frescor das ervas, no cozimento das oferendas, no destemor dos combates.

O conceito de ancestralidade mítica compreende um tempo numa composição de eventos que aconteceram, estão acontecendo ou acontecerão num futuro próximo. Para fazer sentido, o tempo tem de ser experimentado, assim se tornando real. É através da sociedade, presente e passada, que ele é vivenciado. Tal sociedade pode ser a de hoje, mas pode ser e ter a mesma potência àquela de muitas gerações anteriores. Cada grupo, cada nação, cada casa religiosa tem um história, que se move do instante em que se vive para o enorme passado, uma história orquestrada pelo mito.

Há inumeráveis mitos no continente africano que narram a criação do universo, a origem do homem. O passado não está perdido, é lugar cheio de atividades e acontecimentos. Aqui o lugar corpo-memória se funde à pedagogia do cotidiano – intermediando as relações com o Todo. Aqui, no Novo Mundo, homens e mulheres lembraram-se de suas tradições ancestrais o que estava mais próximo de seus sentimentos e mentes. Como os poderes cósmicos permeiam a vida, o gênero humano escolhe manter tais poderes, destruí-los ou enfraquecê-los por meio de sua experiência. O ato ritualístico nesta perspectiva é validado no aqui-e-agora, na temporalidade do instante, porque tal momento contém o universo.

Conhecer, aprender e respeitar as expressões culturais negras
Em conversas com professores pode-se observar que o tema religiosidade é o mais difícil de ser trabalhado. Isto ocorre pelas vivências, em sua maioria constrangedoras, acontecidas em suas vidas pessoais e profissionais no espaço escolar. Apesar de discriminada, a religião de matriz africana é assunto na sala de aula. Para exemplificar, seguem dois relatos colhidos em capacitações do Projeto “A Cor da Cultura”, em 2006:

Uma professora nos conta que um aluno cita que nas redondezas da escola existe um “centro de macumba” que toca nos fins de semana a noite toda e, como ele é vizinho, já aprendeu todas as músicas. Neste momento começa um reboliço na sala com comentários contra ao Centro Espírita e uma defesa de alguns participantes (alunos ogãs e rodantes) já se pronunciam, em defesa do espaço religioso cantando os “pontos” que conhecem. Uns afirmam que aprenderam de tanto ouvir e outros admitem que frequentam o lugar.

A presença de um iniciado ao culto da tradição dos orixás, iaô, em sala de aula logo após o processo religioso, trouxe uma confusão para a turma. O desrespeito ao colega que utilizava seus aparatos (fios de conta e cabeça coberta) foi apresentado através das risadas e apelidos depreciativos ao “macumbeiro”.

Situações como as descritas acima possibilitam ao professor relacionar o momento com as re-significações que a Lei 10639/03 permite e determina a inclusão da discussão de forma elucidativa, através de novas informações alcançadas em pesquisas na área envolvida, no material do Kit do Projeto A Cor da Cultura e outras fontes. Desse modo, o alcance da pesquisa envolverá a toda comunidade escolar e, assim, abordar o tema e outros, que virão compor a discussão sobre a presença da população de origem africana no Brasil.

A partir dos anos 90, fruto de reivindicações do movimento negro, vimos uma nova abordagem sob a égide da Lei. Essa mudança paulatina apontava para a diversidade em termos de proposta curricular. Aponta-se para a importância de conhecer, aprender e respeitar as expressões culturais negras, entre elas a religiosidade. Valorizar tais manifestações possibilita compreender os diferentes modos de viver, conviver, pensar e ser no mundo. O desafio está em ampliar o olhar dos docentes e, consequentemente, dos discentes - para que haja uma real mudança nas concepções engessadas que o racismo e as pré-concepções nos legaram. Estamos numa forja, aprendendo. A escola brasileira não pode mais silenciar–se a esse saber, negando aos alunos tal conhecimento, que evoca a re-criação e a capacidade de resiliência que nos forma. Numa realidade como a nossa, isso é mais que válido.

Sabemos que essas tradições, tão importantes quanto qualquer outra, foram ditas como inferiores ou reduzidas a pecha de crendices, e ainda hoje precisamos de uma lei que imponha a necessidade de ensinar tal saber nas escolas. Esse é, na justa medida, o desafio da educação para diversidade. Uma valorização da história e ancestralidade africana e de suas manifestações no Brasil, não a partir de um “exotismo”, mas a partir do respeito e de um olhar sobre nós mesmos, nossa inteireza. A invibilização da portentosa herança africana em terras brasileiras foi cosida em racismos, pré-concepções e conseqüente falta de conhecimento, e isto foi feito por anos a fio. Tal ação não condiz com as propostas contidas na LDB, mas se constitui um real desafio. Entretanto, para alguns autores, é possível e necessário, confiar nos caminhos da ancestralidade como forma de apropriação pedagógica para compartilhar ensinamentos da cosmovisão africana em instituições de educação formal.

Márcio Pochmann: 70 anos de salário mínimo no Brasil


A política do salário mínimo no Brasil passou por profundas modificações, seja em seu objetivo, seja em seus resultados, desde sua introdução pelo presidente Getúlio Vargas, em 1940, durante o regime autoritário do Estado Novo (1937–1945). Sua história, contudo, registra quatro fases distintas.

Por Márcio Pochmann*
no VERMELHO

A primeira, entre 1940 e 1951, abrange a instituição e consolidação do valor do mínimo para os trabalhadores urbanos desde a fixação, em 10 de maio de 1940, do primeiro valor monetário. A segunda fase, entre 1952 e 1964, foi marcada pela elevação do poder de compra, como a incorporação de parte dos ganhos de produtividade da economia, ainda sem incluir os trabalhadores do setor rural. Nesse período havia 29 níveis de salário mínimo no país.

A terceira fase diz respeito aos anos de 1964 a 1995, quando a política do mínimo afastou-se e permaneceu distante dos objetivos originalmente definidos em 1940, embora tenha se mantido como um importante mecanismo de intervenção do poder público no mercado de trabalho. Os camponeses e as empregadas domésticas foram incorporados pela política do salário mínimo durante a fase de rebaixamento do seu valor real, apesar de a Constituição Federal de 1988 ter estabelecido compromissos políticos com a recuperação do seu poder de compra. A quarta fase inicia-se a partir de 1995, com o valor real do salário mínimo sendo elevado gradualmente acima da inflação. No ano de 2009, por exemplo, seu poder aquisitivo, foi 74,1% superior ao de 1995, porém se manteve valendo apenas 43,7% do que era em 1940.

Mesmo ainda distante de seus objetivos originais, o mínimo nacional, por ser a remuneração de ingresso no mercado de trabalho organizado e a base da hierarquia salarial de grande parte das empresas, se mantém como referência dos salários dos empregos secundários (não-chefes de família, mulheres e jovens), de empregos com alguma qualificação no início da carreira e, sobretudo, de trabalhadores (chefes de família) sem qualificação. No ano de 2008, por exemplo, 46,1 milhões de brasileiros tinham remuneração mensal referenciadas no valor do salário mínimo, o que representa 49,9% da população trabalhadora. Desse universo, 18,5 milhões eram beneficiados da Previdência Social, 14 milhões eram empregados assalariados, 8,5 milhões eram ocupados por conta própria, 4,7 milhões eram trabalhadores domésticos e 276 eram empregadores.

O setor público emprega somente 1% do total dos brasileiros com remuneração referenciada no valor do salário mínimo, o que equivale somente a cerca de 485 mil pessoas, sendo 6,2 mil na administração federal, 120,7 mil na administração estadual e 357,4 mil na administração municipal. Entre os que recebem o valor do mínimo nacional, 52% são homens e 48% são mulheres, enquanto 71% vivem nas cidades e 29% no meio rural. O setor de serviços absorve 44,2% dos ocupados com remuneração de até um salário mínimo, seguidos de 29% no setor agrícola, de 13,4% na indústria e de 10,6% no comércio. A região Nordeste concentra a maior parcela dos ocupados recebendo o salário mínimo nacional (58,6%), enquanto a região Sul apresenta a menor parcela (20,7%), seguida do Sudeste (22,5%), Centro Oeste (28,1%) e Norte (39,7%).

Decorrente do movimento de queda no valor do salário mínimo, o Brasil se transformou, ao contrário de outras economias que avançaram no seu processo de industrialização, num país de baixos salários. A permanência de um imenso contingente de trabalhadores ganhando tão pouco não pode ser atribuída ao fator econômico, já que entre 1940 e 2009 a renda per capita multiplicou-se por 6,5 vezes, enquanto o valor do mínimo não chega nem à metade do que era no momento de sua criação.

Se a atual Constituição Federal fosse observada, o valor do salário mínimo deveria ser capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que preservem seu poder aquisitivo. Não há dúvidas, porém, de que tais normas ainda não são cumpridas. O mínimo é suficiente para atender ao consumo de 13 alimentos básicos para uma pessoa, mas não para a alimentação de uma família e para as demais despesas que a Constituição define. Em São Paulo, por exemplo, o valor do salário mínimo comprava duas cestas básicas com 13 alimentos, enquanto em 1995 podia adquirir somente uma. Apesar deste avanço em relação à cesta básica, percebe-se que o salário mínimo necessário para atender todas as necessidades básicas, para além da alimentação individual, alcançou a soma de R$1.995,91 em dezembro de 2009. Ou seja, 4,3 vezes o salário mínimo vigente naquele mês. Como o Brasil pagou salário mínimo com maior valor, mesmo tendo a economia nacional capacidade de produzir e empregar mão-de-obra bem menor que a atual, entende-se que a política de recuperação do valor real do mínimo não pode parar. Se o Brasil almeja ser um país desenvolvido precisa considerar o crescimento contínuo do salário mínimo, conforme se observa na Dinamarca, cujo mínimo anual equivale a mais de 2/3 da renda nacional per capita.

Por ter como objetivo contrabalançar as tendências inerentes ao funcionamento do mercado de trabalho de gerar salários decrescentes e emprego precário, o que acentua a desigualdade da renda, a atual política de salário mínimo precisa ser mantida. Seguindo a tendência verificada desde 2007, quando foi criada a política de reajuste real do mínimo, serão necessários 27 anos para que o atual valor do salário mínimo passe a cumprir o preceito constitucional, ou 15 anos se a meta for o poder aquisitivo do primeiro valor do salário mínimo de 40 anos atrás.

*Márcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Fonte: Fórum (essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 86).