quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Michael Löwy: "Sem indignação, nada de grande e significativo ocorre na história humana"

Nesta entrevista à Fundação Oswaldo Cruz, no Brasil, o investigador do Centre National de la Recherce Scientifique (CNRS) diz que a dinâmica de movimentos como o dos “Indignados” é de uma crescente radicalização anticapitalista, embora nem sempre de forma consciente. 
 
 
As revoluções sempre tomam formas imprevistas, inovadoras, originais.

Michael Löwy esteve no Brasil no final de 2012 para lançar o livro ‘A teoria da revolução no jovem Marx', que foi publicado em 1970 na França e só agora tem uma edição em português.
Durante a sua estada no país, participou de muitos eventos e falou sobre temas diversos, como literatura e a questão ecológica. Nada que surpreenda no perfil de um pesquisador que circula com desenvoltura entre o estudo dos clássicos e a análise da conjuntura atual, e isso sem abrir mão da militância política de esquerda. Nesta entrevista, ele lança mão dos conceitos que aprendeu com os clássicos – principalmente Marx e Walter Benjamin – para discutir a crise que o capitalismo atravessa e os movimentos reivindicatórios que têm surgido em diferentes cantos do mundo. Além disso, explica os princípios e limitações da ideia de ‘ecossocialismo', com a propriedade de ter sido um dos autores do Manifesto que defende essa bandeira.
Brasileiro residente na França desde 1969, Löwy é diretor de pesquisas do Centre National de la Recherce Scientifique (CNRS) e responsável por um seminário na Écoles de Hautes Études en Sciences Sociales. Só em português, é autor de mais de 20 livros.
 
Como a teoria da revolução do jovem Marx, de que trata o seu livro, nos ajuda a entender o momento atual, com mobilizações de indignados no Estado espanhol, Grécia e vários outros países da Europa, além de movimentos de ‘ocupação' em vários locais do mundo? Esses são movimentos anticapitalistas?

Os movimentos de ‘Indignados' opõem-se às políticas ditadas pelo capital financeiro, pela oligarquia dos bancos e aplicadas por governos de corte neoliberal, cujo principal objetivo é fazer com que os trabalhadores, os pobres, a juventude, as mulheres, os pensionistas e aposentados – isto é, 99% da população – paguem a conta pela crise do capitalismo. Esta indignação é fundamental. Sem indignação, nada de grande e de significativo ocorre na história humana. A dinâmica destes movimentos é de uma crescente radicalização anticapitalista, embora nem sempre de forma consciente. É no curso de sua ação coletiva, de sua prática subversiva, que estes movimentos poderão tomar um caráter radical e emancipador. É o que explicava Marx na sua teoria da revolução, inspirada pela filosofia da práxis.
 
Marx escreveu no século XIX. As revoluções socialistas a que assistimos aconteceram no século 20. O que a realidade trouxe de diferente na forma como se concretizaram e na forma como se entende revolução nos séculos 19, 20 e 21?

As revoluções sempre tomam formas imprevistas, inovadoras, originais. Nenhuma se assemelha às anteriores. A Comuna de Paris (1871) foi um formidável levante da população trabalhadora da grande cidade e a Revolução Russa foi uma convergência explosiva entre proletariado urbano e massas camponesas. Nas demais revoluções do século 20, desde a Mexicana de 1911 até a Cubana de 1959, ou nas revoluções asiáticas (China, Vietname), foram os camponeses o principal sujeito do processo revolucionário. Não podemos prever como serão as revoluções do século 21: sem dúvida, não repetirão as experiências do passado. Por outro lado, existe o que Walter Benjamin chamava de ‘a tradição dos oprimidos': a experiência da Comuna de Paris inspirou a Revolução Russa e é ainda até hoje um exemplo de autoemancipação revolucionária das classes subalternas.
 
Com a crise capitalista de 2008 e o movimento de intervenção dos Estados para salvar a economia dos países, acreditou-se que a era neoliberal havia chegado ao fim. No entanto, tem sido intensificada cada vez mais a destruição dos direitos conquistados com o Estado de Bem-Estar Social, como temos visto acontecer na Europa (França, agora Espanha...). O que isso significa?

A intervenção dos Estados não significou de forma alguma o fim do neoliberalismo. O único objetivo desta intervenção era salvar os bancos, resgatar a dívida e assegurar os interesses dos mercados financeiros. Para este objetivo, foram sacrificadas conquistas de dezenas de anos de lutas dos trabalhadores: direitos sociais, serviços públicos, pensões e aposentadorias, etc. Para a lógica de chumbo do capitalismo neoliberal, tudo isto são ‘despesas inúteis'.
 
Um debate antigo da esquerda é sobre a relação entre revolução e reforma. O contexto do final do século 20 e do início do século 21, com situações como, por exemplo, a vitória eleitoral de partidos de esquerda na América Latina e mesmo em alguns países da Europa recolocam essa questão. Como analisa essa relação hoje?

Rosa Luxemburgo já havia explicado, em seu belo livro ‘Reforma ou Revolução?' (1899), que os marxistas não são contra as reformas; pelo contrário, apoiam qualquer reforma que seja favorável aos interesses dos trabalhadores: salário mínimo, seguro médico, seguro desemprego, por exemplo. Simplesmente, lembrava ela, não podemos chegar ao socialismo pela acumulação gradual de reformas; só uma ação revolucionária, que derruba o muro de pedra do poder político da burguesia, pode iniciar uma transição ao socialismo. O problema da maioria dos governos de centro-esquerda, seja na Europa ou na América Latina, é que as ‘reformas' que aplicam são muitas vezes de corte neoliberal: privatizações, regressões no estatuto dos pensionistas, etc. Tratam-se de variantes do social-liberalismo, que aceitam o quadro económico capitalista mas, contrariamente ao neoliberalismo reacionário, têm algumas preocupações sociais. É o caso dos governos Lula-Dilma no Brasil. Temo que no caso da França (François Hollande, recentemente eleito), nem a isto chegue...
 
Um desafio dessa esquerda que chegou ao poder na América Latina tem sido equacionar a dependência econômica da exploração de recursos naturais (como o petróleo na Venezuela e o gás natural na Bolívia) com a tentativa de superação da lógica capitalista de destruição do meio ambiente. Na sua opinião, essa equação é possível?

Contrariamente aos governos social-liberais, os da Venezuela, Bolívia e Equador têm levado adiante uma verdadeira rutura com o neoliberalismo, enfrentando as oligarquias locais e o imperialismo. Mas dependem, para a sua sobrevivência económica, e para financiar os seus programas sociais, da exploração de energias fósseis – petróleo, gás –, que são os principais responsáveis pelo desastre ecológico que ameaça o futuro da humanidade. É difícil exigir destes governos que deixem de explorar estes recursos naturais, mas eles poderiam utilizar uma parte do rendimento do petróleo para desenvolver energias sustentáveis – o que fazem muito pouco. Uma iniciativa interessante é o projeto ‘Parque Yasuni', do Equador, proposta dos movimentos indígenas e dos ecologistas assumida, após algumas hesitações, pelo governo de Rafael Correa. Trata-se de preservar uma vasta região de florestas tropicais, deixando o petróleo embaixo da terra, mas exigindo, ao mesmo tempo, que os países ricos paguem metade do valor (9 mil milhões de dólares) deste petróleo. Até agora, não houve iniciativas comparáveis na Venezuela ou na Bolívia.
 
A crítica à destruição do meio ambiente como intrínseca ao capitalismo já estava presente na obra de Marx?

Muitos ecologistas criticam Marx por considerá-lo um produtivista, tanto quanto os capitalistas. Tal crítica parece-me completamente equivocada: ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, é justamente Marx quem coloca a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, à ideia de que a produção de mais e mais mercadorias é o objetivo fundamental da economia e da sociedade. O objetivo do socialismo, explica Marx, não é produzir uma quantidade infinita de bens, mas sim reduzir a jornada de trabalho, dar ao trabalhador tempo livre para participar da vida política, estudar, jogar, amar. Portanto, Marx fornece as armas para uma crítica radical do produtivismo e, notadamente, do produtivismo capitalista. No primeiro volume de O Capital, Marx explica como o capitalismo esgota não só as energias do trabalhador, mas também as próprias forças da Terra, esgotando as riquezas naturais, destruindo o próprio planeta. Assim, essa perspetiva, essa sensibilidade está presente nos escritos de Marx, embora não tenha sido suficientemente desenvolvida.
 
O Manifesto Ecossocialista, que o sr. ajudou a escrever em 2001, diz que o capitalismo não é capaz de resolver a crise ecológica que ele produz. Como o sr. analisa as soluções a esse problema que vêm sendo apresentadas pelo capitalismo, como é o caso da economia verde?

A assim chamada ‘economia verde', propagada por governos e instituições internacionais (Banco Mundial, etc), não é outra coisa senão uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas ‘verdes' bastante limitadas. Claro, tanto melhor se alguma empresa trata de desenvolver a energia eólica ou fotovoltaica, mas isto não trará modificações substanciais se não for acompanhado de drásticas reduções no consumo das energias fósseis. Mas nada disto é possível sem romper com a lógica de competição mercantil e rentabilidade do capital. Outras propostas ‘técnicas' são bem piores: por exemplo, os famigerados ‘biocombustíveis' que, como bem diz Frei Betto, deveriam ser chamados de ‘necrocombustíveis', pois tratam de utilizar os solos férteis para produzir uma pseudogasolina ‘verde', para encher os tanques dos carros – em vez de comida para encher o estômago dos famintos da terra.
 
É possível implementar uma perspetiva como a do ecossocialismo no capitalismo?

O ecossocialismo é anticapitalista por excelência. Como perspetiva, implica a superação do capitalismo, já que se propõe como uma alternativa radical à civilização capitalista/industrial ocidental moderna. Por outro lado, a luta pelo ecossocialismo começa aqui e agora, na convergência entre lutas sociais e ecológicas, no desenvolvimento de ações coletivas em defesa do meio ambiente e dos bens comuns. É através destas experiências de luta, de auto-organizaçâo, que se desenvolverá a consciência socialista e ecológica.
 
A perspectiva ecossocialista pressupõe uma crítica à noção de progresso. Em que consiste essa crítica?

Walter Benjamin insistia, com razão, que o marxismo precisa libertar-se da ideologia burguesa do progresso, que contaminou a cultura de amplos setores da esquerda. Trata-se de uma visão da história como processo linear, de avanços, levando, necessariamente, à democracia, ao socialismo. Estes avanços teriam sua base material no desenvolvimento das forças produtivas, nas conquistas da ciência e da técnica. Em rutura com esta visão – pouco compatível com a história do século 20, de guerras imperialistas, fascismo, massacres, bombas atómicas –, precisamos de uma visão radicalmente distinta do progresso humano, que não se mede pelo PIB [Produto Interno Bruto], pela produtividade ou pela quantidade de mercadorias vendidas e compradas, mas sim pela liberdade humana, pela possibilidade, para os individuos, de realizarem suas potencialidades; uma visão para a qual o progresso não é a quantidade de bens consumidos, mas a qualidade de vida, o tempo livre - para a cultura, o ócio, o desporto, o amor, a democracia - e uma nova relação com a natureza. Para o ecossocialismo, a emancipaçâo humana não é uma ‘lei da história', mas uma possibilidade objetiva.
 
Quais as principais diferenças entre o ecossocialismo e a forma como o socialismo real lidou com os problemas ambientais? E a socialdemocracia, conseguiu construir alternativas a essa lógica destrutiva do capital?

O assim chamado ‘socialismo real' - muito real, mas pouco socialista - que se instalou na URSS sob a ditadura burocrática de Stalin e seus sucessores tratou de imitar o produtivismo capitalista, com resultados ambientais desastrosos, tão negativos quanto os equivalentes no Ocidente. O mesmo vale para os outros países da Europa Oriental e para a China. As intuições ecológicas de Marx foram ignoradas e se levou a cabo uma forma de industrialização forçada, copiando os métodos do capitalismo. A social-democracia é um outro exemplo negativo: nem tentou questionar o sistema capitalista, limitando-se a uma gestão mais ‘social' de seu funcionamento. Mesmo nos países em que governou em aliança com os partidos verdes, a social-democracia não foi capaz de tomar nenhuma medida ecológica radical. O ecossocialismo corresponde ao projeto de um socialismo do século 21, que se distingue dos modelos que fracassaram no curso do século 20. Ele implica uma rutura com o modelo de civilização capitalista e propõe uma visão radicalmente democrática da planificação socialista e ecológica.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Fórum Social Temático: Um Fórum que é Social só no nome


 
(*) Erick da Silva

Foi anunciada oficialmente a realização, em Porto Alegre, do Fórum Social Temático (FST) com início marcado para o dia 27 de janeiro.
Claramente promovido e organizado pela prefeitura de Porto Alegre, em um primeiro momento, algum desavisado poderá pensar que Porto Alegre, mais uma vez, será palco de um evento ligado ao Fórum Social Mundial (FSM). Infelizmente, esta não é a realidade. Teremos sim um evento, que de forma oportunista, tenta se utilizar do simbolismo e prestígio do FSM, mas com um sentido político muito diverso, para dizer o mínimo. Mas quais seriam estas diferenças que o distanciam do “espírito de Porto Alegre” presentes no FSM?
“Um outro mundo é possível”, sob esta insignia, o FSM representou um importante momento de virada na luta e resistência contra o neoliberalismo. A “Carta de Princípios do Fórum Social Mundial”, define que: “O Fórum Social Mundial é um espaço plural e diversificado, não confessional, não governamental e não partidário, que articula de forma descentralizada, em rede, entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo.” Esta diversidade foi a maior virtude do FSM, em um momento onde se buscava superar o refluxo das esquerdas a partir da ascensão do neoliberalismo, o FSM de Porto Alegre foi um espaço de grande importância, mesmo com todas as dificuldades e limites, para colaborar na reorganização e avanço da resistência contra o neoliberalismo.
Este sentido político do FSM está ausente do FST proposto pela prefeitura de Porto Alegre, aliás, este é um elemento problemático com relação à concepção deste evento: à centralização da organização pela prefeitura e à ausência de um envolvimento das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais, salvo aquelas com relação mais estreita com a administração municipal. A composição das entidades que estão no comitê do FST, junto com a prefeitura, é revelador de uma opção política conservadora.
Coordenado pela Força Sindical, conta com apoio de representantes do velho sindicalismo “pelego” como a Nova Central Sindical, a UGT, etc e outras entidades pouco afeitas as lutas sociais, como a presença da loja maçônica do Grande Oriente do RS. Pode se argumentar que o FSM sempre caracterizou-se pela diversidade, mas esta diversidade se fazia forte a partir dos elementos comuns que a unificava, como a crítica ao neoliberalismo e à construção de um “outro mundo”, o que não se coloca nesta composição.
O FST está sendo proposto sem uma estreita articulação junto ao Comitê Internacional do FSM e a agenda global que está sendo construída para 2013, tendo em março o FSM na Tunísia, como destaque. O que é revelador da concepção do FST como um mero evento, não enquanto parte de um processo político. A participação do sindicato patronal das empresas de turismo do RS na organização é autoexplicativa.
Retira-se o conteúdo político e contestador que compõe a essência do FSM e o mantém apenas como um simulacro. Algo vazio, oco e desprovido de todo e qualquer sentido político de caráter transformador. A exemplo do que a atual gestão da prefeitura já havia feito com o Orçamento Participativo, mantido formalmente, mas esvaziado politicamente, desprovido de toda a centralidade que teve em outros tempos.
É nítido que este espaço do Fórum Social Temático será “Social” apenas no nome, sem guardar nenhuma relação ou compromisso efetivo com o FSM. Fica o alerta a todas e todos aqueles que construíram e se identificam com o FSM sobre o que está em jogo. O risco da vulgarização e esvaziamento do FSM em Porto Alegre é um perigoso processo que pode enfraquecer um importante espaço político de resistência, o que não podemos permitir que ocorra.
 
(*) Graduando em história e blogueiro http://www.aldeiagaulesa.net/

Na Fase-RS, a juventude que a sociedade não vê também tem sua noite de Natal


Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no SUL21

Esperança, Solidariedade e Fé. Talvez em poucos lugares estas palavras, comuns em época de Natal, façam tanto sentido quanto no local onde adolescentes em conflito com a lei vivem privados de liberdade. No mundo à margem das festas com ceias fartas e troca de presentes, jovens entre 12 e 18 anos acabam confrontados de forma solitária com o reflexo do que fizeram na rua. Para alguns internos da Fundação de Atendimento Sócio Educativo (Fase-RS) o Natal é também a única oportunidade de uma reunião em família. Antes da internação, a data era mais uma oportunidade para farras, álcool, drogas e quem sabe mais um crime.
Os mais de 800 adolescentes da Fase-RS convivem diariamente com a possibilidade de uma renovação das esperanças de poder voltar para casa e com a ansiedade de retomar a vida que tinham antes da internação. É na época do Natal, como para muitas pessoas que vivem em liberdade, que as emoções ficam afloradas. “Eles ficam muito sensíveis. Alguns ficam mais quietos do que o habitual. Outros se agitam mais e ficam muito ansiosos. Na noite de Natal é comum ao apagar das luzes uma pedalada coletiva nas portas das celas”, conta Terezinha Pires, funcionária com 28 anos de Fase.
O colega Jovaldoir Lanza, que já passou dois natais trabalhando na Fase, conta que é impossível ficar indiferente ao assistir o desespero de alguns adolescentes. “Essas emoções podem levar a atos mais sérios. A gente também se imagina com a nossa família nesta hora. Não passamos o Natal com eles para estar ali (na Fase), muitas vezes com medo de um possível motim”, fala.

Funcionários preparam presente de Natal para os adolescentes | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Mas o espírito natalino fortalece o sentimento de solidariedade e fé dos profissionais que se dedicam a fazer mais do que o trabalho de servidor público. Enquanto os adolescentes do Centro de Convivência da Fase participavam de uma festa de Natal (no dia em que esta matéria foi produzida), Terezinha, Jovaldoir e outros colegas que promovem oficinas profissionalizantes aos adolescentes confeccionavam com disposição 50 peças de gesso como lembrança de Natal para os internos. “Eles não sabem. Por isso estamos dando uma corrida para aprontar tudo hoje”, contou Terezinha enquanto passava um verniz na peça.
O presente é uma mensagem com a Bênção da Casa. “Nesta casa não virá tristeza, nesta moradia não virá sofrimento, nesta porta não virá temor. Neste lar não virá discórdia, neste lugar haverá somente bênção e paz”, Terezinha fez questão de ler para reportagem. Mas também salientou que tanto o presente quanto a decoração de pinheiro de Natal e presépio da unidade não foram impostos. “Aqui temos jovens com muitos credos. Respeitamos todos e sempre que alguma entidade vem realizar alguma atividade é bem-vinda”, conta.

A fábrica da ‘Mamãe Noel’ não produz brinquedos

Oficina de produtos de limpeza é resultado da insistência de uma socioeducadora que acredita na ressocialização dos jovens internos | Foto: Arquivo Pessoal

Ao lado do local onde ocorrem as oficinas, a unidade Padre Cacique reserva uma história de persistência e devoção que chega a evocar algum milagre natalino. Há nove anos, uma sócio-educadora se dedica a recuperar os adolescentes por acreditar na possibilidade de um mundo melhor para eles longe do crime. Rosane Maciel conseguiu começar uma oficina de fabricação de produtos de limpeza e higiene depois de sucessivas tentativas de convencimento das diferentes direções da Fase-RS. Hoje, é na produção dos produtos químicos caseiros que ela ensina valores diferentes dos que eles aprenderam até chegar à internação. “É algo que me gratifica. Para mim o sentido de estar aqui é esse. Fazer algo a mais”, diz.
Com a produção de mil litros de detergentes, amaciantes, desinfetantes e alvejantes por oficina, ela auxilia na garantia de uma fonte de renda aos internos contratados para seis meses de trabalho. Parte dos produtos é para a limpeza da própria Fase-RS; o restante é destinado para venda dentro do complexo. “Vendemos para funcionários. Os guris com possibilidade de atividade externa vão na Kombi comigo percorrer as unidades e vender os produtos”, explica Rosane. A renda média gira em torno de R$ 150 a R$ 200 reais por mês. Um funcionário da unidade é o encarregado de controlar o dinheiro dos adolescentes e fazer as compras do que eles desejam adquirir. Geralmente, a primeira coisa que eles querem fazer é comprar um tênis de marca. Algo que será um sonho realizado neste Natal para o jovem T.L, de 17 anos, que começou em dezembro a participar da oficina. “Eu vou dar de entrada no Nike que eu quero”, fala.
Adolescentes produzem produtos de limpeza e mandam para família. O dinheiro arrecadado na oficina também é enviado para casa ou serve para trazer a família para um dia de visita  Foto: Arquivo Pessoal
Antes de conseguir apoio para a realização da oficina de produtos químicos, Rosane Maciel tentou várias outras atividades por não conseguir aceitar a falta de opções para ocupação dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. “Quando eu entrei aqui achei que ia mudar o mundo e que iria conseguir retirar todo mundo do crime”, disse, causando risadas entre os adolescentes que estavam na sala da oficina.
Ao descrever a batalha para conseguir o apoio da direção, adquirir os primeiros materiais da empresa de bases químicas e aprender a preparar os produtos — algo que ela não sabia fazer antes de começar a oficina –, a sócio-educadora causou outras reações além do riso nos adolescentes. “Bah, dona”, impressionou-se o jovem T.L.
Todos os natais Rosane prefere passar junto aos adolescentes para a intranquilidade dos filhos e da família. Ela já testemunhou três motins na Fase nesta época do ano, onde em um deles foi refém de um grupo disposto a fugir. “Eu já vi nestes anos muita coisa. Temos que ter esperança”, diz.
O adolescente M.V, de 17 anos, reincidente na Fase e há mais tempo na oficina, conta que costuma enviar os produtos de limpeza que fabrica para a mãe, em Osório. Este será o segundo Natal que passa privado de liberdade e ele espera poder passar de outra maneira os próximos. “Quando eles (familiares) vêm é muito sofrimento. Mas isso tudo a gente não pensa na hora da loucura. É ruim estar longe da família, mas cada um é responsável pelas suas escolhas. Eu estou sofrendo as minhas consequências”, afirma
Adolescentes que trabalham na oficina usam dinheiro para atender anseios de consumo iguais aos dos jovens de classe média alta. Nesta Natal, um dos internos dará entrada em um tênis Nike | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

M.V está migrando da oficina de produtos químicos para um trabalho de carteira assinada no Banrisul, por meio da iniciativa oferecida pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos. Ele espera conseguir manter a esperança de não ‘cair’ pela terceira vez na internação. “Eu vou tentar. A esperança é a última que morre”, diz.
Socio-educadora que promove oficina com jovens internos prefere passar o Natal trabalhando. Já passou por três motins e foi refém em uma tentativa de fuga dos adolescentes | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Internação é oportunidade para Natal em família 
“Natal em família a gente passa aqui. Lá fora a gente não pensa em nada”, diz jovem interno da Fase-RS | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Os adolescentes internados na unidade Padre Cacique são oriundos de fora de Porto Alegre, o que torna a oficina de trabalho remunerado uma oportunidade para as famílias estarem com os adolescentes. “Alguns enviam dinheiro para casa, outros já pagaram para trazer os pais no dia do Natal. É um dinheiro que ajuda nestas pequenas coisas, mas ensina a lutar e trabalhar para consegui-lo”, acredita.
O adolescente J.R, 17 anos, irá passar o primeiro Natal privado de liberdade e diz que será o primeiro que irá compartilhar com a família. “Natal lá fora a gente não passa com a família. A gente passava em casa só para dar um Feliz Natal. Depois saíamos para curtir. Lá fora, a gente não pensava em nada”, conta o jovem, que mudou a vida aos 13 anos quando se envolveu com o tráfico de drogas.
“Não gosto de comentários sobre os crimes que eles fizeram. Não gosto nem que conversem entre eles. Aqui são todos iguais para mim. A gente sempre orienta sobre outros valores. Claro que santo de casa não faz muito milagre. Porém, sempre temos a esperança de que eles assimilem alguma coisa”, diz a sócio-educadora Rosane Maciel.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Os EUA constroem um búnker subterrâneo no valor de 100 milhões de dólares numa base secreta de mísseis israelita



Richard Silverstein 
Mais um elemento sobre a colaboração EUA/Israel na preparação das condições para a escalada da guerra no Médio-Oriente. Uma coisa é certa: sempre que o imperialismo toma medidas de defesa, é garantido que está a preparar o ataque. Não lhe basta a tragédia há décadas vivida na zona: tenciona ampliá-la, admitindo até um cenário de utilização de armamento nuclear.

Há alguns dias Walter Pincus informou no The Washington Post que o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA solicitou a apresentação de propostas com o fim de encontrar empreiteiros com garantias de segurança máxima para construir uma instalação militar subterrânea no valor de 100 milhões de dólares para o exército israelita. O que segue é a descrição do projecto:
O Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA planeia a supervisão da construção de uma instalação subterrânea de cinco níveis para um complexo das Forças de Defesa de Israel, com o estranho nome de Instalação 911, numa Base da Força Aérea israelita próxima de Tel Aviv.
Espera-se que a construção demore mais de dois anos, a um custo de até 100 milhões de dólares. Terá salas de aulas no Nível 1, um auditório no Nível 3, um laboratório, portas resistentes ao impacto, protecção contra radiação não ionizante e uma segurança muito estrita. Todos os trabalhadores na construção darão garantias de segurança, haverá guardas na vedação e estará separada do resto da base por barreiras.
O artigo assinala também que no passado o Corpo já construiu instalações para mísseis nucleares de Israel. Portanto, não deveria surpreender-nos que uma fonte israelita de alto nível afirme que o local para este projecto é a base israelita de mísseis de máximo segredo Sdot Micha, localizada próximo de Beit Shemesh (a uns 24 quilómetros de Jerusalém). É aí que se encontra a frota de ICBM (mísseis com armas nucleares Jericó). O local é tão secreto que várias passagens de um artigo de 2010 al respeito em Yediot foram censurados. Provinha directamente do amplamente acessível sítio na web Global Security. Os censores costumam ser célebres pela sua subtileza, e muito menos pelo seu senso comum.
A instalação subterrânea construída pelos EUA será edificada à prova de armas nucleares, de modo que possa resistir a um ataque com armas de destruição massiva de um inimigo de Israel. Isso permitiria que o sistema de comando e controlo de mísseis de Israel se mantenha operacional mesmo nas condições de um possível ataque massivo e devastador. Segundo esta fonte, as FDI [exército israelita] já têm um centro de comando à prova de armas nucleares por debaixo de Kirya, a sua sede em Tel Aviv.
Como é sabido que Israel e os EUA se espiam um ao outro, considero que extraordinário que Israel confie nos EUA para construir uma das suas instalações militares mais confidenciais. De facto, tenho pessoalmente conhecimento de que o FBI interceptou durante anos a embaixada israelita em Washington D.C. A Mossad vem operando há décadas nos EUA ¿Por que não teme Israel que os EUA façam o mesmo no caso destas instalações?
Uma resposta pode ser que o projecto é financiado pelo programa de Vendas Militares ao Estrangeiro dos EUA, o que quer dizer que o nosso governo financia o projecto sem encargos para o contribuinte israelita. No caso de Israel, a economia triunfa sobre a própria segurança.
Há que preguntar: ¿de que inimigo se defende Israel ao construir este complexo? Como o projecto tardará dois anos a ficar concluído, isto será aproximadamente quando uma série de analistas crê que o Irão poderá ter capacidade nuclear se decidir criar uma arma.
Neste caso poderia haver duas considerações:
1. Israel prevê que o Irão terá armas de destruição massiva em 2014.
2. Israel prevê atacar o Irão em algum momento após a conclusão do Bunker subterrâneo.
Só pode haver um motivo para construir uma instalação semelhante: a protecção contra um ataque inimigo. Só há um inimigo que poderia pressupor uma ameaça semelhante para Israel: o Irão. De entre os inimigos actuais de Israel, só o Irão (para além da Síria, que está distraída pelos seus próprios problemas internos) tem capacidade de lançar mísseis de largo alcance contra ele. Ainda que actualmente não possa armá-los com uma ogiva nuclear, é concebível (na opinião de Israel) que esta situação mude. Por isso é crítico que Israel mantenha a sua própria capacidade nuclear para lançar um ataque e/ou responder a um ataque inimigo.
Uma vez que parece extremadamente improvável que os dirigentes iranianos lancem um ataque preventivo contra Israel, e certamente não um ataque nuclear, a construção de semelhante fortaleza indica que Israel prevê ele próprio a realização deste ataque e que tem que assegurar que as suas forças militares críticas permanecem intactas após uma reacção iraniana.
Mesmo que o nome de código do projecto 911 [acrónimo para 11-S] seja uma coincidência, é palpável o sentimento de um Armagedão iminente. Também há que assinalar que os três inimigos más formidáveis de Israel, Hezbollah, Hamas e Irão, têm consideráveis complexos militares subterrâneos. Pode admitir-se que Gilad Shalit tenha sido mantido em semelhantes búnkeres durante o seu cativeiro, e os altos dirigentes do Hamas retiram-se para complexos semelhantes durante os ataques israelitas, como o do mês passado.
Uma das tácticas mais efectivas do Hezbollah foi o uso de túneis que as FDI desconheciam para atacar as tropas israelitas a partir de diversos quadrantes com um efeito devastador. O Irão também enterrou a sua instalação avançada de enriquecimento de uranio Fordow sob 100 metros de montanha. Esta protecção impede que Israel destrua o local a menos que obtenha as bombas rebenta-búnkeres de 14 toneladas estado-unidenses. Portanto, Israel (juntamente com os seus adversários) está a colocar a sua infra-estrutura militar mais crítica e os seus sistemas de armamento debaixo de terra a fim de que possam resistir a uma possível sabotagem ou ataque frontal.
Pincus menciona algumas exigências religiosas verdadeiramente estranhas que são especificadas na solicitação da apresentação de propostas. Especifica as mezuzás :
O Corpo desenvolve uma detalhada descrição das mezuzás que o empreiteiro deve fornecer “para cada porta ou abertura com excepção dos serviços higiénicos ou cabines de duche” no edifício da Instalação 911. Uma mezuzá é um pergaminho com versos da Torá em hebreu, colocado num estojo e fixado na moldura da porta de uma casa de família judia como sinal de fé. Alguns interpretam que la lei judia requer –como neste caso– que em cada porta de uma casa seja fixada uma mezuzá.
Essas mezuzás, assinala o Corpo, “devem ser escritas em tinta indelével, em […] pergaminho de coiro sem revestimento” e escritas à mão por um escriba “possuidor de uma autorização escrita segundo a lei judia.” A escrita pode ser “asquenaze ou sefardita” mas “não uma mistura” e “deve ser uniforme”.
Também, “as mezuzás devem ser revistas por um computador numa instituição autorizada para a inspecção de mezuzás, bem como revistas manualmente no que diz respeito à forma das letras por um revisor autorizado pelo Rabinato Principal”. A mezuzá será fornecida com um estojo de alumínio com orifícios para que possa ser fixada à moldura da porta ou da abertura. Finalmente, “todas as mezuzás para a instalação serão fixadas pelo rabi da Base ou pelo seu representante nomeado e não pelo pessoal do empreiteiro”.
Francamente, nunca ouvi falar de alguma diferença entre mezuzás sefarditas ou asquenazes, nem de alguma diferença entre os estilos de escrita de uma tradição em relação à outra. O Parece mais que isto se terá baseado em informação inexacta sobre rituais judeus ou em interpretação errónea de alguma coisa que as FDI tenham indicado ao Corpo.
Mas, para além disso, sinto-me confiante ao saber que Deus, por meio deste poderosos amuletos religiosos, estará a proteger o povo judeu e seus defensores militares. A única interrogação que fica é ¿que divindade é mais poderosa: o Jeová judeu ou o Alá chiíta do Irão? ¿Mas não ofereceu Moisés um só Deus aos judeus? Que diria se visse agora o seu povo criar um Deus para Nós e outro Deus para Eles?. Espero que lhe provocasse tanto horror como me provoca a mim.

Richard Silverstein escreve o blog Tikun Olam que examina temas relacionados com a segurança nacional de Israel, os direitos humanos, e as ameaças contra a democracia israelita.

Este artículo foi publicado originalmente em Anti War
Fonte: http://www.informationclearinghouse.info/article33205.htm

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Golpe: a CNTE está abandonando a defesa do reajuste do piso para favorecer o governo federal, governadores e prefeitos


*Josenildo Vieira de Mello
 
No apagar das luzes, no final de ano, a CNTE golpeia a luta pela aplicação do Piso do Magistério, isso depois de ter corretamente lutado há anos em sua defesa e conquistado por meio de sucessivas mobilizações o Piso Salarial dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, assegurado no artigo 5º da Lei no 11.738/08, que estabelece:
Art. 5º - “O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009”.  Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei n11.494, de 20 de junho de 2007.”

A CNTE dá um passo atrás

Após este artigo ter gerado mais uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) de no 4.848, quando os governadores pedem a suspensão do critério do calculo atual, de forma retroativa e sugerem o INPC, como mecanismo do reajuste do piso, a CNTE, de forma conservadora e sem nenhum diálogo com a base das entidades fechou posição que vai contra a política de  valorização da categoria garantida através do artigo 5º da Lei 11.738/08, abrindo um precedente absurdo na luta histórica dos profissionais do magistério público da educação básica em defesa da valorização profissional, aumentando a dívida histórica que os governos têm para com o conjunto da categoria.
Em reunião com o Conselho Nacional de Entidades, no dia 19 de setembro de 2012, no Recife- PE, a CNTE aprovou uma proposta, no mínimo absurda pela posição política que ela representa, contrapondo ao artigo 5º da Lei, baseado no argumento da crise financeira que passam os municípios, os estados e a União, com dificuldades de manter a atual política de valorização da categoria e a grande possibilidade do cálculo passar a ser feito pelo INPC, de acordo com o Projeto de Lei nº 4.375/12, propondo assim, aplicação do valor do INPC + 50% do crescimento da receita agregado do FUNDEB, alegando que esta proposta supera todas as demais, como a do custo aluno ano ou a da variação do INPC, além de assegurar um ganho real permanente, mesmo na crise financeira, tendo ainda como preservar a capacidade financeira dos entes federados.
De que lado estão os dirigentes da CNTE e das entidades de base filiadas com esta tomada de posição, que vai contra todas as lutas e mobilizações dos últimos 30 anos de nossa categoria?
Como justificar para os profissionais do magistério a renuncia do avanço da Lei 11.738/08, no seu artigo 5º, em contraposição a esta postura que se alinha mais as reivindicações dos governadores e prefeitos, além de reduzir os gastos públicos com a educação?
A CNTE não buscou chamar uma discussão com a base dos profissionais do magistério nas suas entidades e já no dia 30/10/2012, em uma reunião de emergência com a UNDIME e Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, chegaram a um consenso em cima da posição da Confederação, que para Daniel Cara, Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foi muito positiva: “um dos principais méritos da nossa proposta coletiva é que ela permitirá, entre 7 a 10 anos, que o piso do Magistério alcance, ao menos, um patamar equivalente ao salário mínimo do DIEESE, que calcula uma remuneração capaz de garantir todas as necessidades do consumo para viabilizar um padrão mínimo de qualidade de vida. E esse é um importante passo”. Pura desfaçatez!
Ora, se as metas 17 e 18 do Plano Nacional de Educação dizem que os profissionais do magistério da educação básica, devem ter uma valorização para equiparar seus salários ao rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente (hoje está em torno de R$ 3.432,02), com essa nova proposta que é contrária a estas duas metas, em 07 a 10 anos, o Piso Salarial do Magistério ficará em torno de R$ 2.616,41 (dois mil, seiscentos e dezesseis reais e quarenta e um centavos), ou seja, provocará uma perda salarial de aproximadamente mil reais ao magistério em poucos anos. Se tomarmos como referência o cálculo do reajuste de 2013, que em vez de ser de 21.75%, que é a variação da média do custo aluno ano dos últimos dois anos, os reajustes passariam a ser de 12,71%, sendo 5,5% do INPC e 7,21% da média das receitas do FUNDEB, que em 2012 foi de 14,42%, claramente gerando um grande retrocesso no campo da valorização profissional e uma perda salarial inadmissível.
Esta proposta foi apresentada ao presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Marcos Maia (PT) no dia 31/10/2012 e que deverá receber ajustes finais para ser anunciada à Presidente Dilma, para que possa ser transformada em uma medida provisória, que tirará inclusive a eficácia a ADIN no 4.848 interposta pelos governadores. Ela teve o apoio da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e a CONSED (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação), todos representantes patronais dos entes federados, além da Campanha Nacional pelo Direito a Educação, uma organização não governamental que representa os mais variados interesses, principalmente dos grupos econômicos que financiam suas atividades e dos representantes da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, formada por representantes do Governo e da oposição e que em nada divergem da atual política de investimento de recursos públicos na educação.
A proposta da CNTE, que teve consenso de todos os demais que integram a Comissão de Educação encarregada de discutir os reajustes da categoria junto ao MEC, pegou a todos de surpresa. É uma política de conciliação entre as esferas da federação e os representantes dos trabalhadores da educação básica pública, o que para nós e entidades sindicais representativas deste segmento de trabalhadores e os próprios profissionais do magistério, não pode ser admitida. Trata-se de uma capitulação escancarada às políticas de ajustes fiscais impostas pela equipe econômica do Governo Dilma. Os professores e profissionais da educação não podem ser penalizados para supostamente  garantir aos governos sobras de recursos públicos, que com  certeza, irão ser canalizados para a corrupção ou desviados para finalidades obscuras, além de ajudar fazer o país atingir a meta do Superávit Fiscal Primário, encomendada pelos organismos financeiros internacionais, como o FMI .

Lutar e barrar esse retrocesso 

Esse famigerado acordo construído pela CNTE e seus “parceiros”, fará com que os governos das três esferas entrem com a “corda”, e nós trabalhadores na educação com o “pescoço”. Já tivemos grandes perdas salariais em 2009, 2010 e 2011, e por sinal estamos buscando nossos direitos na justiça, exatamente para assegurar os reajustes negados pelos governos, em especial o Governo Federal, o principal descumpridor da lei, que não assegurou o reajuste correto do Piso desde a sua implantação em 2008 conforme determina o artigo 5º da Lei 11.738/08, do qual agora a CNTE quer abrir mão, tentando desconstruir este direito já assegurado em Lei.
A CNTE precisa rever a sua posição e retirar esta proposta indecente da mesa de negociação sobre o reajuste salarial do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério e fazer valer o critério já está assegurado na Lei 11.738/08. Temos que lutar para não haver recuo financeiro em relação à garantia de valorização nos percentuais do custo aluno ano, que por sinal, nos países desenvolvidos, ultrapassa dez mil reais. Sem essa batalha não teremos garantidas as condições de assegurar aos nossos filhos o mínimo de direitos. Não teremos educação pública e gratuita.
A única saída para mantermos a política de valorização dos Profissionais do Magistério da Educação Básica é chamar à Greve Geral Nacional destes trabalhadores. Só assim poderemos assegurar a correção do Piso conforme determina a Lei e garantir, ao longo dos próximos oito anos, a equiparação salarial aos demais profissionais com a formação equivalente.. Esta luta tem que chegar a todas as regiões e rincões do Brasil, dando um norte político a partir de políticas reivindicativas, organizativas e de lutas, trazendo assim, avanços econômicos e sociais e garantindo melhores condições de trabalho para com isso assegurar uma educação verdadeiramente gratuita, publica e de boa qualidade para todos os filhos e filhas dos trabalhadores e para a maioria do povo.
A CNTE tem que cumprir o papel para a qual foi criada, a defesa intransigente dos direitos já assegurados à nossa categoria e a busca de avanços e novas conquistas. Ela não foi criada para desenvolver um papel de correia de transmissão ou braço sindical dos governos que sempre negaram a valorização dos profissionais do Magistério e desprezaram a educação pública e gratuita no Brasil. Estes governos que a CNTE quer salvar sempre representaram os interesses das elites econômicas e políticas que sempre deixaram a educação pública ao descaso e ao relento, como se fosse um mal necessário para manter os explorados e oprimidos subjugados. Queremos o direito humano universal de uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos.
Ao se encerrar o ano letivo a categoria deve se preparar para a luta no ano que vem e desde já denunciar o engodo realizado pela CNTE!

Sindicato é pra lutar e não para conciliar!

Os trabalhadores não pagarão pela crise! Que a paguem os patrões!

* Josenildo é Coordenador Geral do SINDUPROM-PE e militante da Esquerda Marxista

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

TV Globo e os terroristas do campo

Por Altamiro Borges
Em outubro de 2009, integrantes do MST ocuparam uma fazenda grilada pela empresa Cutrale no município de Iaras (SP). Revoltados com a lentidão da reforma agrária, ativistas destruíram pés de laranja com tratores. Apesar da direção do movimento ter criticado a iniciativa, a cena foi superexplorada pela mídia ruralista. A TV Globo, já em campanha para a sucessão de 2010, reproduziu o vídeo inúmeras vezes. Ontem, porém, ela silenciou sobre uma ação terrorista dos ruralistas em terras indígenas no Mato Grosso.
Segundo relato dos jornalistas Daniel Carvalho e Juca Varella, na Folha deste domingo, os fazendeiros que invadiram ilegalmente terras dos índios xavantes Marãiwatsédé, na cidade Alto da Boa Vista (MT), utilizaram métodos terroristas para sabotar ontem uma ação de despejo liderada por agentes do Incra e da Polícia Federal. “Eles usam táticas de guerrilha contra forças federais para tentar impedir despejo, queimam ponte, bloqueiam estrada e armam um ataque frustrado”. A emboscada poderia até ter causado mortes.
Emboscada e coquetéis molotov
Os grileiros chegaram a fabricar coquetéis molotov. “Quem está com bomba fica desse lado. Quem não está fica desse outro”, dizia um deles, de cima de uma caminhonete. “Era uma emboscada para os agentes de segurança. A ideia era atacá-los e depois tocar fogo ao caminhão com a mudança, em protesto. Um produtor da região, de cerca de 60 anos, puxou conversa com os jornalistas. Em tom jocoso, questionou se o repórter não estaria disposto a ‘pegar umas pedras’ e se juntar aos manifestantes”, descrevem os repórteres.
Ainda segundo os jornalistas, “a tensão ia aumentando. Uns, mais preocupados, diziam: ‘Dessa vez não vai ser bala de borracha’. Um homem retrucou: ‘Mas aqui também tem [bala de verdade]’. De repente, as luzes se apagaram. A escuridão era quebrada apenas pelos faróis do comboio de 20 carros de polícia que se aproximava. Um grupo de quatro manifestantes se aproximou do primeiro carro, de onde saíram quatro soldados armados. ‘Nem mais um passo, senão a gente atira’, gritou um soldado da Força Nacional”.
A seletividade da mídia ruralista
“O barril de pólvora que se armou na região não havia explodido até a conclusão desta reportagem, mas a disposição de quem está em Posto da Mata deixava claro que pode ser apenas uma questão de tempo. ‘Vai morrer homem, mulher. Estou disposto a morrer pelo que tenho’, dizia Odemir Perez”. A invasão da reserva dos Marãiwatsédé foi planejada por ricaços ruralistas, que alistaram pequenos produtores e contam com o apoio de políticos da direita. Dom Pedro Casaldáliga há muito denuncia o clima de tensão na região.
O conflito, porém, nunca foi destaque na mídia ruralista. Quando da ocupação da fazenda grilada da Cutrale em 2009, jornais, revistas e emissoras de tevê fizeram um baita escândalo. Eles ajudaram a criar o clima para a instalação da CPI do MST, visando criminalizar o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra. Agora, a mídia nada fala sobre a ação terrorista dos ruralistas no Mato Grosso. Nem sequer um vídeo no Jornal Nacional da TV Globo. E ainda tem gente que acredita na neutralidade da imprensa burguesa!

domingo, 16 de dezembro de 2012

Mercado solidário na Suíça. Quando Natal rima com solidariedade


Sergio Ferrari
Colaborador de Adital na Suiça. Colaboração E-CHANGER
Tradução:ADITAL
- ONG de cooperação e migrantes juntos sob o mesmo teto
- "Que a população desfavorecida também possa festejar”



Esse ano, o Natal começou antes na Suíça. De 13 de dezembro até o sábado, 15, mais de 30 associações de cooperação e de solidariedade com o Sul animam o mercado solidário. Uma forma nova de antecipar as festas.

Produtos e comidas provenientes da América Latina, da África e da Ásia; um clima festivo e de encontro intercultural; cerca de 2 mil visitantes esperados durante os três dias; mais de 30 mil francos de benefício projetado. Em síntese, um exercício ativo de solidariedade.
Após a primeira jornada "já percebemos que esse sexto mercado será novamente coroado com um êxito total”, expressa Maxime Gindroz, responsável de comunicação da Federação de Cooperação do Cantão de Vaud (Fedevaco). Recordando o slogan que motivou a atividade: "para que o Natal seja também uma festa para a população desfavorecida do Sul”.
Com essa filosofia de referência, a Fedevaco, junto com o Centro de Animação Cultural Polo Sul, promovem uma vez mais, como há seis anos, esse espaço de encontro, festejo e vendas, assegurando a participação de ONGs e associações sustentadas por cooperantes ou projetos em diferentes países. Desde o Equador até a Índia, passado pelo Peru, Brasil, Tibet, Togo, Madagascar, Marrocos, Serra Leoa ou Palestina.
Um carrossel de culturas com um ponto de encontro comum e a perspectiva de promover uma relação de proximidade "entre migrantes que vivem na Suíça e os povos do Sul, aproximando essa dupla realidade à população do Cantão de vaud”, enfatiza Fabio Cattaneo, responsável animador de Polo Sul, o local anfitrião, localizado no bairro de Flon, em pleno centro de Lausanne.
Um posto da Bolsa de Trabalho, ativa associação de apoio aos migrantes, particularmente no setor da formação de mulheres, "agrega um valor especial a esta edição”, enfatiza o responsável por Polo Sul ao avaliar a contribuição intercultural dessa inovadora iniciativa.
Para Cattaneo, esse mercado solidário "constitui uma ponte adicional de encontro” do mundo da cooperação ao desenvolvimento e das comunidades migrantes. "Todo esse processo de preparação; o trabalho de instalar o mercado e os três dias partilhando espaços comuns permitem aproximar realidades, conhecer-se melhor e promover novas sinergias com vistas o futuro”. Na concepção do responsável pelo Centro Intercultural, a vivência dos imigrantes que chegam a Suíça e a Europa e a de suas comunidades de origem –muitas vezes beneficiárias da cooperação- constituem duas caras de um mesmo espelho social.
O mercado natalino solidário é uma importante iniciativa, "um espaço privilegiado que permite confluir ideias, utopias e atividades muito práticas, como oferecer uma comida típica de um país distante ou vender um produto autóctone do Sul, que se converterá em um presente muito especial para celebrar as festas”, insiste.

‘Vidraça’ do Sul

As organizações "estamos convencidas da contribuição que há em oferecer às pessoas da Suíça o típico de outras culturas, abrindo uma janela especial no Cantão de Vaud a realidades muito distantes”, enfatiza Maxime Gindroz, que reconhece também para a importância de valorizar a tarefa de cooperação ao desenvolvimento promovida pela Fedevaco e pelas organizações que a integram.
Apesar de que uma prioridade essencial de "nosso trabalho é chegar à classe política, sensibilizando-a sobre a cooperação, abrir esses espaços adicionais ao grande público é também transcendente”, reflete. Facilitar que se conheça o diferente reduz medos infundados e diminui as distâncias e incompreensões,
Gindroz ressalta dois aspectos significativos do evento: o contínuo fluxo em aumento do público a cada ano desde o começo do primeiro mercado, em 2006. E a forte presença, também em crescimento, de jovens, muitos dos quais têm entre 20 e 25 anos. "Eles manifestam um interesse particular em conhecer melhor a realidade de outros povos e culturas”, explica.
Ao avaliar saltos qualitativos em relação às edições anteriores, Gindroz não duvida em enumerar vários elementos. O vídeoclipde apresentação do mercado solidário 2012, que permitiu fazer uma publicidade ativa nas redes sociais. O apoio midiático do jornal Le Courrier, cuja linha editorial é particularmente sensível à temáticas do Sul. A mobilização de um público cada vez mais numeroso e interessado. Sem menosprezar o próprio resultado econômico do mercado solidário, que permite reforçar projetos latino-americanos, asiáticos e/ou africanos.
Dinâmica de participação cidadã, segundo Gindroz, que "fecha um 2012 muito positivo para as ONGs suíças, devido ao aumento do orçamento oficial destinado à cooperação ao desenvolvimento, resultado da mobilização da sociedade civil suíça que anos atrás impulsionou com êxito a petição ‘Unidos contra a Pobreza’, exigindo esse incremento.
[Sergio Ferrari, em colaboração com swissinfo.ch e E-CHANGER, membro da Fedevaco].

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

‘Mídia brasileira ataca ´Ley de Medios` argentina por temer projeto semelhante no Brasil’

 Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação   do CORREIO DA CIDADANIA



Após cinco anos de sua idealização, a Argentina conseguiu concretizar a vigência de uma nova Lei de Mídia, redigida a fim de regulamentar a arena das comunicações e reordenar a ocupação do espectro eletromagnético, quebrando os monopólios da mídia comercial. Neste contexto, vários anos se passaram com os mesmos grupos empresariais dominantes bombardeando o governo de Cristina Kirchner, que estaria a “atentar contra a liberdade de expressão”.

Dessa forma, é para elucidar a chamada Lei de Serviços de Comunicação Audiovisuais que o Correio da Cidadania entrevistou o estudioso das comunicações, e editor da revista Caros Amigos, Laurindo Lalo Leal Filho. Com anos de estudo sobre os diferentes níveis de regulação midiática encontrados mundo afora, Lalo assegura que a nova lei é da mais alta consistência, além de amplamente debatida na sociedade: “são dois os grandes aspectos: o teórico-acadêmico e o da sustentação política”.

Como se trata de uma legislação que assegura grande parte das concessões audiovisuais para veículos de comunicação estatais e comunitários, abrindo grande campo para que movimentos e expressões sociais, inclusive minoritários, se manifestem, não foi nada imprevisível o rancor da mídia burguesa, cujos veículos comerciais se apresentam como únicos arautos da democracia.

“A Sociedade Interamericana de Imprensa (órgão que representa a mídia comercial nas Américas) é uma organização que não possui nenhuma legitimidade em relação à sociedade e às populações sobre as quais ela pretende influenciar. É uma organização empresarial, de um setor comercial das comunicações, defendendo os interesses de quem representa”.

Para avançarmos no debate da democratização das comunicações, Laurindo Lalo também recomenda que a lei argentina seja estudada nas escolas de comunicação do país, o que poderá gerar uma real compreensão de sua importância. Uma boa saída para o Brasil, haja vista nosso atual estágio de monopólio midiático, ao lado das dificuldades a serem enfrentadas para a aprovação de uma lei com tal conteúdo em um Congresso densamente permeado pelos interesses dos donos de concessões rádio-televisivas.

“Acredito que não só este governo, mas todos têm um receio muito grande de enfrentar esses poderosos grupos de comunicação. Acho que o fantasma do golpe de 64 perdura até hoje. É uma disputa bastante difícil, mas que aqui no Brasil já está passando da hora”.

A entrevista completa com o jornalista pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como o senhor analisa o projeto da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisuais, promulgada pelo governo argentino em 2009 e que passou a vigorar a partir do último dia 7 de dezembro, ainda que sob embargo de instâncias intermediárias da justiça local?

Laurindo Lalo Leal Filho: Por ora está embargado, é preciso aguardar um pouco, mas nos próximos tempos devemos ter nova decisão. De toda forma, avalio que essa lei de regulação audiovisual é a mais moderna e avançada de todo o mundo no momento. Serve como exemplo para a América Latina. São dois os objetos centrais da formulação da lei – de 2007. O primeiro é de que foi construída a partir de uma ampla análise jurídica e até acadêmica das legislações hoje existentes em países democráticos de todo o mundo, em relação à radiodifusão. Ela incorpora o que há de mais moderno e avançado em legislações da Europa, EUA e até América Latina.

A lei é muito consistente do ponto de vista teórico, pois, incorporando um pouco de cada uma das leis estudadas, avança para além delas, inclusive sobre os recentes avanços tecnológicos, respondendo também às exigências tecnológicas de hoje. Tenho dito que é muito importante que as escolas de comunicações estudem essa lei, discutindo-a com seus alunos, pois a partir daí vão descobrir como os países democráticos estão estruturados para dar conta das novas tecnologias da comunicação hoje em dia, no campo do audiovisual.

O segundo aspecto que dá consistência à lei é o fato de ter sido formulada através de um amplo debate na sociedade. É uma lei claramente construída de baixo pra cima. Quem tiver paciência de olhá-la por inteiro, poderá perceber que vários artigos e determinações são oriundos de propostas feitas por entidades do movimento social, dentre outras representações da sociedade, incluindo empresariais. Não foi formulada por um grupo fechado, de políticos ou acadêmicos, e imposta à sociedade. Começou com algumas e chegou, ao final de sua elaboração, a contar com praticamente 300 organizações sociais. É uma lei amplamente democrática, consolidada a partir da vontade popular.

Portanto, são dois os grandes aspectos: o teórico-acadêmico e o da sustentação política.

Correio da Cidadania: A seu ver, quais são os pontos mais importantes e que justificariam a aprovação da “Ley de Medios”?

Laurindo Lalo Leal Filho: O primeiro e mais polêmico, que segue dando pano pra manga e foi o que mais dificultou a aprovação da lei, é aquele que rompe um processo não só argentino, mas latino-americano, de concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos. Esse é o aspecto central, pois faz com que a lei amplie a liberdade de expressão na Argentina. Ou seja, um espectro eletromagnético hoje ocupado por poucos grupos passa a ser ocupado por um número maior de atores. Setores da sociedade que estão calados por não terem espaço de colocarem suas vozes terão agora a oportunidade. Como diz o documento “Hablemos todos”, todos têm o direito de falar.

Assim, esse é o aspecto prático mais importante da lei, dividindo o espectro de forma mais equilibrada, seja para as emissoras públicas, estatais ou comerciais. É uma lei que amplia a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que quebra monopólios. Isso tem um desdobramento político muito importante porque representa um aprofundamento da democracia. Não é só uma questão do campo das comunicações. Quando se amplia o número de vozes, idéias e valores, amplia-se a participação democrática da sociedade. Exemplo disso é o ponto que garante o espaço também para os grupos originários, como o de Bariloche, cujo grupo de habitantes de povos originários está colocando no ar sua emissora de TV. Um grupo que sempre esteve calado. Mas, com um terço do espaço reservado às emissoras públicas, agora também poderão falar à sociedade.

Portanto, esse é o aspecto fundamental, a voz a setores sempre silenciados. Mas existem outros, como a garantia da produção nacional, o que abre espaço a muitos grupos que querem mostrar seu trabalho. Há a classificação indicativa estabelecida em lei, porcentagens máximas de publicidade, enfim, uma série de aspectos, todos voltados não só ao aumento da participação pública, mas também à qualidade do que é oferecido ao público.

Correio da Cidadania: Como se viu, é necessário um grande movimento para levar adiante um combate aos monopólios midiáticos, tocando fortes interesses políticos e econômicos com diversos tentáculos de influência. O que teria a dizer, neste sentido, da decisão parcial da justiça de permitir que o grupo Clarín siga adiando seu processo de desmembramento, no qual deve abrir mão de boa parte de seus veículos de comunicação?

Laurindo Lalo Leal Filho: O grupo Clarín, como o grupo Globo aqui, foi ocupando os espaços, gradativamente, pela falta de uma presença mais forte do Estado na regulação. Quando o espaço estava vazio, era como um terreno baldio, e foi se criando o latifúndio. E depois se consolidou um grupo muito forte, como se viu, com 240 concessões de TV a cabo, 4 de TVs abertas, 9 emissoras de rádio AM e FM... É um grupo que tem um poder econômico e político muito grande.

Se fosse qualquer outro ramo social ou comercial, poderia ter só o poder econômico. O problema nas comunicações é que, quando se detém o poder econômico, também se detém o poder político. É um poder muito grande, que sempre se confrontou com o Estado, jogando muita influência sobre os outros poderes, isto é, o legislativo e judiciário. O poder judiciário também sofre muitas pressões do grupo Clarín. A lei foi promulgada em outubro de 2009 e até agora não se conseguiu aplicá-la pelas diversas ações promovidas pelo grupo Clarín sobre os vários poderes.

Superados pelo executivo e legislativo, que já deram vigência à lei (o judiciário também, em suas instâncias maiores), restam as instâncias intermediárias do judiciário para pressionar e conseguir recursos no sentido de adiar a aplicação da lei. O que acontece agora é uma disputa entre um grupo poderoso e os poderes da República.

Correio da Cidadania: O que você responderia aos setores críticos da lei, inclusive aqueles do próprio meio midiático, como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)?

Laurindo Lalo Leal Filho: A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) é uma organização que não possui nenhuma legitimidade em relação à sociedade e às populações que ela pretende influenciar. É uma organização empresarial, de um setor comercial das comunicações, defendendo os interesses de quem representa. Quer defender os mercados nos quais atua. Portanto, não tem sustentação política alguma.

É uma organização comercial, que tem a sustentá-la empresas comerciais da América que sempre sustentaram governos conservadores e até ditaduras. As ditaduras da América latina, dos jornais e da própria SIP. Basta lembrar que ela foi fundada durante a ditadura de Fulgencio Batista, antes da revolução cubana. Tem uma articulação com os regimes conservadores de direita muito grande.

Na verdade, quando esses governos populares da América Latina – como os da Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela – começaram a colocar algum limite ao poder de seus filiados, a SIP obviamente saiu em defesa deles. Mas é uma defesa de mercado, não tem nada a ver com cidadania, liberdade de expressão, de imprensa. Tem a ver com os interesses comerciais das empresas que a SIP representa.

Correio da Cidadania: Ainda quanto às críticas à nova lei, e talvez nesse mesmo sentido explicado, a maioria dos meios de comunicação de nosso país bombardeia que, a despeito de serem razoáveis as precauções contra o monopólio das comunicações, o que se vê na Argentina é uma “descarada perseguição movida pela presidente Cristina Kirchner contra um grupo de mídia, o Clarín, cujo principal pecado é publicar reportagens e opiniões que a desagradam” (segundo Editorial da Folha de S. Paulo, 09/12/2012). O que diria frente a um argumento desta natureza?

Laurindo Lalo Leal Filho: É uma forma de distorcer o debate, ofuscar o debate real. A mídia ressalta essa divergência existente entre o governo e o grupo Clarín para esconder a realidade da lei, que é a ampliação da liberdade de expressão. Pegam um aspecto – o confronto – e o colocam em destaque. O grupo Clarín representa hoje a oposição política ao governo Cristina. Mas isso é um aspecto parcial, é direito deles fazer oposição ao governo. Isso não tem nada a ver com uma questão muito maior, o debate em torno da ampliação do espaço para outras vozes e grupos, a fim de que possam estes também se manifestar.

Pra deixar claro, a lei não toca em momento algum nos meios impressos. É uma lei de comunicação audiovisual. E quando os jornais, como Folha, Estadão e Globo, falam em “ataques do governo ao Clarín” parece que o governo argentino está querendo intervir no jornal Clarín. Este jornal continuará fazendo o que faz hoje, com liberdade total. O que acontecerá com a aplicação da lei é que o grupo Clarín, não o jornal, será obrigado a abrir mão de licenças de rádio e TV que vão além do limite estabelecido pela lei.

Creio ser um aspecto importante porque aqui no Brasil os meios de comunicação gostam de misturar mídia impressa com eletrônica. A lei argentina é sobre a mídia eletrônica. A lei de mídia que se começa a discutir no Brasil também é sobre a mídia eletrônica. Porque a nossa lei é de 1962. O que esses grupos brasileiros fazem, para atacarem a Ley de Medios argentina, na verdade revela seu temor de que o exemplo argentino sirva de inspiração para os movimentos populares do Brasil e leve, finalmente, o governo a apresentar projeto de lei semelhante. O governo Lula, no final de seu segundo governo, através de seu ministro Franklin Martins, chegou a deixar pronto o projeto de lei, repassado ao governo Dilma para ser levado ao Congresso, guardando semelhanças com a Ley de Medios argentina.

Portanto, a carga que a mídia brasileira traz sobre o projeto argentino é uma forma de tentar evitar uma “contaminação” no cenário brasileiro pelo avanço ocorrido na Argentina.

Correio da Cidadania: E trazendo o assunto para o Brasil, como acredita que deveríamos olhar para a lei argentina e que tipo de debate podemos levar adiante?

Laurindo Lalo Leal Filho: Já cansamos de falar, mas o Brasil está atrasado em mais de 50 anos. A lei brasileira das comunicações é de 1962, assinada por João Goulart, e mesmo assim houve uma série de vetos deste governo, que foram derrubados por um Congresso onde os rádiodifusores tinham domínio total - como continuam tendo, configurando o poder que sempre se contrapôs ao avanço de uma legislação da área no Brasil.

Temos muita dificuldade em avançar porque essa é uma questão que ainda não está enraizada no Brasil. Não temos massa crítica para um debate público e popular, como o que existe na Argentina. Mas estamos avançando. Se formos pensar em quinze anos atrás, não tínhamos o debate que hoje já temos. O principal exemplo foi a realização da Conferência Nacional das Comunicações, no final de 2009, que mobilizou entidades da sociedade em número já razoável, indo além dos debatedores tradicionais, que eram as universidades, os sindicatos... Hoje não, temos associações de classe, mulheres, movimento negro, movimentos sociais, entidades regionais, que já começam a discutir pelo país a criação de uma Lei de Mídia.

O caminho para acompanharmos esse processo natural é mais ou menos o modelo argentino. É preciso enraizar socialmente o debate, mas é preciso também contar com o governo. Apesar de toda essa participação popular, o impulso final foi dado pelo governo de Cristina Kirchner, que sem dúvida alguma sancionou a lei usando, principalmente, os canais públicos de rádio e TV para conseguir levar o debate à sociedade. Enquanto isso não acontecer, fica muito difícil para o cidadão comum entender o que significa uma lei dessas.

Correio da Cidadania: Como analisa o governo brasileiro em sua atuação no campo das comunicações e sua relação com os grupos midiáticos?

Laurindo Lalo Leal Filho: Acredito que não só este governo, mas todos têm um receio muito grande de enfrentar esses poderosos grupos de comunicação. Escrevi um artigo chamado “A síndrome Jango, aos 50”, no qual coloco que o fato de os grupos de comunicação terem praticamente empurrado pra rua o governo Jango, colaborando muito para o golpe de 64, que depois sustentaram, fez com que todos os governos de lá pra cá tenham muitos cuidados, estejam sempre cheios de dedos para dialogar com a mídia. Acho que o fantasma do golpe de 64 perdura até hoje. Não só esse, mas todos os governos sempre tiveram um receio muito grande de ir à frente com um debate pra colocar a mídia e, principalmente, os meios eletrônicos em um enquadramento democrático.

Podemos perceber algumas pesquisas que mostram que, desde 1988, da Constituinte pra cá, já foram elaborados 20 projetos de lei pelos governos, mas que nunca foram colocados em debate na sociedade, muito menos levados ao Congresso Nacional. Pois, em determinado momento da discussão, vinha a ameaça de que o governo poderia ser alvo de uma campanha difamatória muito grande, que poderia até levá-los à desestabilização.

Portanto, é uma disputa muito delicada, sendo necessária uma vontade política muito grande. Mas essa vontade é necessária. E para ser vitoriosa, não basta que seja vontade política dos governos. É preciso que seja combinada com os movimentos sociais. É uma disputa bastante difícil, mas que aqui no Brasil já está passando da hora.

Correio da Cidadania: Acredita que o governo Dilma possa se espelhar no exemplo argentino e buscar caminhos para uma maior democratização do espectro midiático, tão dependente de poucos grupos empresariais?

Laurindo Lalo Leal Filho: Tenho visto a presidente Dilma tomar medidas que antes a gente achava impossíveis de serem tomadas. São os casos da redução da taxa de juros e agora da redução da tarifa da energia elétrica – mais a disputa que trava agora com as três empresas elétricas controladas pelo PSDB. Ela mostra muita coragem nesses enfrentamentos. Não posso descartar essa possibilidade, ainda mais agora que percebemos que ela tem uma estreita relação com a Cristina Kirchner. Assim, parece-me que a Dilma acompanha bem de perto o que acontece lá com a Ley de Medios. Acredito que o exemplo ela tem, o modelo está traçado. O modelo argentino cabe perfeitamente no Brasil, com pequenas adaptações.

É difícil dizer se fará ou não. É difícil acreditar totalmente porque o Brasil tem uma dificuldade a mais: a presença no Congresso Nacional de muitos parlamentares radiodifusores, ou seus representantes, e que fazem parte da base de apoio ao governo, principalmente dentro do PMDB. Esta é uma dificuldade real, coisa que na Argentina acabou sendo enfrentada, e a lei passou.

Não sei até que ponto o governo teria possibilidade de ir à frente numa lei de mídia contando com tal base de sustentação política no Congresso. É luta política, de conquista de apoio, indo à frente e enfrentando essa dificuldade. É muito difícil saber se será possível travá-la no primeiro mandato de Dilma, embora o movimento social e a luta pela democratização da comunicação já tenham claro que estamos muito atrasados, e ficaremos cada vez mais em relação a outros países latino-americanos.

Correio da Cidadania: Em sua opinião, quais seriam os pontos mais importantes de uma imaginária “Ley de Medios à brasileira”?

Laurindo Lalo Leal Filho: Sem dúvidas, tal como lá, um ponto é a divisão do espectro para ampliar a participação de outras vozes no debate político e cultural brasileiro. Em outras palavras, enfrentar o monopólio. Estabelecer limites máximos pra que grupos econômicos tenham determinado número de concessões de rádio e TV, permitindo que outros grupos da sociedade civil possam participar das disputas. Creio ser esta a questão central, tanto na Argentina como no Brasil.

E temos de ir além, porque o Brasil, com as dimensões continentais que tem, necessita de uma lei que dê conta de uma difusão maior nas concessões, estimulando a produção regional. Isso porque tivemos não só a concentração dos meios nas mãos de poucas empresas, mas também uma concentração regional dos meios, determinando que todas as pautas e valores que circulam pelo país continuem sendo produzidos no eixo Rio-São Paulo, passando um pouco por Brasília. A regionalização é fundamental e a lei precisa dar conta disso.

Além do mais, há outras coisas importantes, que nada mais são que a necessidade de regulamentar a Constituição Federal brasileira. A lei tem de vir pra regulamentar artigos da Constituição que garantem uma maior democratização da comunicação e que até hoje não foram colocados em prática. Tem a ver com a regionalização, tem a ver com cotas pra produção nacional, cotas pra produção independente... A lei deve dar conta de tudo isso, para que a comunicação seja algo de todos para todos, e não como é hoje, (feita) de poucos para muitos.

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Uma resistência de século



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carlosbarrientos

Guatemala - Brasil de fato - [Pedro Carrano] Monocultivos, megaprojetos e ataques à vida camponesa ainda assolam o país centro-americano

Ainda hoje, os movimentos sociais se posicionam contra os projetos voltados para o monocultivo e o extrativismo voltado à exportação. O recente governo de Otto Perez Molina, na avaliação de Carlos Barrientos, configura-se como de direita, no momento em que as oligarquias não aceitaram sequer as medidas assistenciais do governo anterior, de Álvaro Colom.
Carlos Barrientos tenta traduzir, em entrevista ao jornal Brasil de Fato, o atual cenário político do país, que não pode ser desvinculado da opressão e da formação socioeconômica, marcada pela resistência contra o processo de colonização. Ele integra o Comitê de Unidade Campesina (CUC), da Guatemala.
A repressão e a militarização se acentuam no país. A dependência econômica em relação aos Estados Unidos e a criminalização dos movimentos sociais seguem do mesmo modo na vida desse povo.


Brasil de Fato – Na condição de país atrelado ao Acordo de Livre Comércio da América Central com os EUA, qual tem sido o impacto da crise mundial do capitalismo na Guatemala?

Carlos Barrientos – A crise se sente, mas não em termos tão fortes. Por um lado, os EUA são o principal mercado da produção guatemalteca, que é sobretudo agrícola. Basicamente, o que se produz na Guatemala é café, em quantidade importante, cana, banana, borracha. Então houve sim uma baixa no montante que vem do setor empresarial, o que afetou os setores mais despossuídos, porque há um aumento da inflação. Todavia, não foi tão dramático como se esperava, porque, no caso do café, temos tido anos em que se recuperou o preço, comparado com o ano de 2000, quando houve uma crise dos preços do café.
Por outro lado, a produção de cana-de-açúcar se expandiu não só para o açúcar, mas para etanol. O mundo incrementou o consumo de etanol e agrocombustíveis, então isso permitiu que o impacto não fosse maior.
Creio que o impacto [da crise] veio de um fenômeno que se dá não só na Guatemala, como em muitos países da América Latina, da população que migra aos EUA e envia remessas. Em 2010, houve uma recuperação das remessas familiares.

Qual o papel dos agrocombustíveis na expansão do capital na Guatemala?

O outro fator que reduziu o impacto é que há uma posição dos setores empresariais e governamentais de abrir o país ao investimento estrangeiro que se deu no ramo de agrocombustíveis, monocultivo, e também na mineração. Curiosamente, nesses tempos de crise certos produtos estão tendo bom preço no mercado internacional, o que ajudou que o impacto fosse menor. Isso digo em termos econômicos, agora em termos da vida do povo, e da situação do país, estes processos de abertura comercial, ampliação da produção de cana e da palma africana tiveram um golpe muito forte.
Em alguma medida, nós fazemos a comparação entre o que está acontecendo agora com o que aconteceu quando entrou o cultivo do café, ao final do século dezenove, porque há certos padrões que se repetem. Um deles é que há novamente a expulsão dos indígenas e camponeses. O outro é a reconcentração de terras por diversas modalidades. Quando se introduziu o cultivo de café se modificou a área que se usava para certos cultivos. Só que agora é a cana, a palma africana, ou a mineradora e a construção de grandes hidrelétricas, com a ideia de vincular-se ao que era o antigo Plano Puebla Panama [agora Plano Mesoamericana], com o fim de exportar energia elétrica ao norte, uma vez que os EUA consomem a quarta parte da energia do mundo.

Na política, há um processo de perseguição do atual governo contra lideranças sociais?

Colom defendeu os interesses empresariais. Mas as pequenas medidas sociais foram mal vistas pela oligarquia guatemalteca. Preocupada, a oligarquia apoiou a extrema-direita, gerou um clima de muito terror, uma vez que a Guatemala é rota do narcotráfico.
O atual presidente, Otto Perez Molina, aproveitou isso muito bem. Ele é ex-militar, contrainsurgente, esteve em lugares como Nebaj (oeste da Guatemala), onde foi oficial no destacamento, um dos lugares onde houve uma quantidade muito grande de massacres. Mas ele foi oficial de Inteligência Militar e tem uma trajetória terrível. Conhece muito bem como criar um clima de guerra psicológica que lhe seja favorável, sobretudo nos centros urbanos.

Como tem sido a sua relação com os movimentos sociais e com o povo guatemalteco?

O governo de Colom encerra seu período, uns oito ou nove meses antes que terminasse, com um despejo massivo de treze comunidades que haviam ocupado terra em um lugar ao norte onde se está expandindo a cana-de-açúcar. Há camponeses assassinados, vários capturados e se despejou 800 famílias dessas distintas comunidades.
Há medidas cautelares da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que se proporcionasse segurança a estas famílias. Afinal, os guardas armados do engenho eram a lei e ordem na região, por isso havia que garantir segurança às famílias, mas o governo não faz nada, e se põe ao lado das famílias mais ricas da Guatemala.
Quando começa o novo governo de Perez Molina, há muito temor sobre sua postura. Todavia, as comunidades desalojadas, organizadas na Via Campesina, decidiram em março deste ano realizar uma marcha de 200 km, no sentido da capital, à qual se juntaram uma série de organizações, para demandar basicamente quatro grandes blocos: o problema da terra; que finalizasse a criminalização, processo que vem desde os governos anteriores; fim das explorações mineiras, monocultivos e megaprojetos; leis de desenvolvimento para comunidades camponesas.

Desde o Brasil, a impressão que temos é que a esquerda na Guatemala não tem uma expressão forte no campo eleitoral. Como você pode explicar isso?

Houve organizações guerrilheiras que por muito tempo lograram a implantação de um projeto militar, como o que se projetava no caso da Guatemala. Chegou- se a um momento de impasse, que nem Exército e nem a guerrilha poderiam vencer. Havia quatro organizações guerrilheiras, que se articularam em uma organização mais ampla que se chamou Unidade Revolucionária Nacional de Guatemala. Porém, quando a guerrilha se constitui em partido político, se dá um processo de entrar em cheio na dinâmica eleitoral, o que levou a guerrilha a se distanciar de sua base social tradicional, camponesa e indígena, e então começa a converter-se em partido com a mesma lógica dos demais. Isso gerou resultados eleitorais pobres e resultou em fracionamentos. Entre a esquerda inserida nos movimentos sociais, há também uma divisão entre luta política e luta social, o que não ajudou em nada. Então, a presença da esquerda (no parlamento) é muito pequena. Temos apenas dois deputados em um congresso de 158 pessoas. E sete prefeituras dentre 333, uma presença muito pequena. Esse é o grande desafio da esquerda: como articular o social com o político e como recuperar o que anteriormente foram suas bases de sustentação.

Você vê uma possibilidade de síntese entre a teoria marxista e a visão indígena?

Um primeiro aspecto é de caráter histórico. Os povos originários em Guatemala tem 500 anos de luta e resistência. Em uma sistematização se pode dizer que, durante quinhentos anos, não houve uma geração no território maia que não tenha experimentado uma rebelião, um levante; algum fato em que teve que enfrentar as autoridades constituídas, coloniais, republicanas, capitalistas, burguesas e assim por diante. Então, há uma trajetória de luta e resistência muito forte, algo que a oligarquia tratou de esconder e sequestrar, senão daria um mau exemplo se dissesse nas escolas que o povo maia nunca se rendeu e sempre lutou. É difícil encontrar informações sobre isso. Mas, sim, há evidências históricas desse processo de luta e resistência.
Há outro elemento capaz de falar de uma confluência. Na Guatemala, a riqueza se levantou sobre a base da expropriação do fruto do trabalho da população camponesa, e do despojo das comunidades originárias. Então, são duas contradições principais, uma é a contradição classista Capital e Trabalho, explorados e exploradores, a outra contradição é entre os Estados nacionais e os povos originários, porque nesse processo histórico os povos originários mantiveram sua cosmovisão e suas práticas de distinto tipo.

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