Do IHU On-Line via MST
Fugir das leis ambientais rígidas dos países desenvolvidos e a possibilidade de adquirir terra produtiva e barata fazem do Brasil um dos países em que o mercado da celulose mais se expande.
Um estudo recente apontou que, em menos de dez anos, o Brasil
reservou 720 hectares por dia para plantações de eucalipto e a maior
parte dessas terras pertence a empresas estrangeiras.
“O Brasil tem custo de mão de obra mais barato e a desregulação
ambiental e social ou a possibilidade de violação das leis”, alerta a
professora Dirce Suertegaray
Dirce Suertegaray é graduada em Geografia pela Universidade Federal
de Santa Maria e realizou, na mesma área, o mestrado e o doutorado pela
Universidade de São Paulo. Atualmente, leciona na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.
O Brasil ganhou, nos últimos anos, 720 hectares por dia de
plantações de eucalipto e parte das novas áreas pertence a empresas
estrangeiras. O que isso significa?
Há um projeto, no campo das empresas internacionais, ambicioso da
produção de eucalipto para celulose e direcionado aos chamados “países
da periferia do sistema capitalista”. Alguns países são selecionados a
partir de suas características naturais e sociais. Isso é um projeto do
mundo globalizado para ampliar a produção de celulose em função da alta
demanda mundial por papel, e, consequentemente, por celulose.
Os países são escolhidos por conta do menor controle ambiental, menor
regulação social e por demanda de terras com preço reduzido. Isso do
ponto de vista econômico. Mas gera também grandes problemas sociais.
Diferente do que apresentam as empresas de celulose, o trabalho é muito
restrito à monocultura do eucalipto, ele é temporário, é de baixa renda e
é produtor de miséria nas cidades que acolhem esta população que vai
plantar o eucalipto porque todo o processo, inclusive de corte, tem sido
mais mecanizado.
Essas empresas se instalam no Brasil para fugir de leis
ambientais mais rígidas dos países desenvolvidos. Quais são as
principais diferenças entre a legislação do Brasil e dos países de
origem dessas empresas?
De um lado, essas empresas vêm para fugir das leis ambientais mais
rígidas. O Brasil tem leis ambientais importantes, mas os interesses
econômicos rompem com facilidade o campo da política, o que não ocorre
nos países centrais. Por isso, nos tornamos alvos fáceis no que diz
respeito à violação de uma lei ou uma regulação federal ou estadual
ambiental. A demanda da monocultura do eucalipto também está associada
ao preço da terra mais barato no país. Além disso, o Brasil tem custo de
mão de obra mais barato e a desregulação ambiental e social ou a
possibilidade de violação das leis.
Uma das razões que também estimula o plantio de eucalipto no Brasil,
entre outros países da América Latina, é a espécie que é desenvolvida e a
rapidez de crescimento. Nos países centrais, as plantas de produção de
celulose têm algumas exigências do ponto de vista tecnológico, o que
encarece muito a produção.
No país, quais são os principais estados “escolhidos” por estas empresas e por que elas escolhem estas regiões?
A grande expansão da silvicultura no Brasil começa no Espírito Santo,
que é um estado cuja discussão no país é marcante. Isso acontece desde
os anos 1970 e foi um projeto do período da Ditadura Militar. Além do
ES, a silvicultura tem se expandido pelo sul da Bahia e norte de Minas
Gerais. Nós temos também problemas de silvicultura ou áreas com ocupação
de eucalipto, inclusive com conflitos sérios, em São Paulo, no Mato
Grosso, no centro do país e na Amazônia.
O Rio Grande do Sul vem sendo preparado para isso desde os anos 1970,
quando se colocou a discussão ambiental e se apresentou o eucalipto
como a única saída. Para agravar a situação, o atual governo estadual
tem estimulado o desenvolvimento da silvicultura na metade sul e usa um
discurso no sentido de que é para melhorar as condições econômicas da
região, que é a mais pobre do RS.
Agora, o que significa, do ponto de vista da geopolítica em termos
econômicos, é que, de um lado, há uma demanda das corporações
internacionais vinculadas à silvicultura de expandir a monocultura de
eucalipto nos países periféricos, de outro lado eles escolhem áreas
estratégicas. Esta área estratégica ultrapassa o estado; ela pega a
metade sul Rio Grande do Sul, que se associa ao Uruguai e, por sua vez,
se associa à Argentina. Se observarmos essa territorialização da
monocultura do eucalipto, veremos que ela se expande para um território
muito mais amplo na América Latina, o que é estratégico do ponto de
vista da circulação. Ela está localizada às margens do rio Uruguai com
uma saída pelo Mar Del Plata.
O que se observa, principalmente no sul, é a apropriação de uma terra
barata, sem grande densidade populacional e que aparentemente não tem
conflitos sociais. Então, este conjunto constitui uma territorialidade
para a expansão deste setor da economia, que é estratégico do ponto de
vista da expansão da economia mundial neste setor.
Qual a dimensão política em que o avanço da produção de eucalipto está inserido?
Do ponto de vista econômico, a perspectiva é sobre a possibilidade de
produção de matéria prima e exportação. No caso da celulose, não mais a
tora, mas a própria importação da planta para o Brasil agrega mais
valor. Então, isso faz com que, economicamente, as políticas brasileiras
observem a expansão do mercado da celulose como uma possibilidade de
crescimento da economia a partir de um produto com significativa
exportação e demanda no mercado internacional. Essa é a questão
fundamental.
Do ponto de vista político, as estratégias são mais vinculadas às
corporações internacionais, de domínio de espaços para além das
fronteiras originais, das regiões centrais do mundo, que apresentam
recursos naturais a serem explorados. Na realidade, eles não estão
explorando um recurso exclusivo do bioma pampa, mas sim uma terra que é
encarada pelas autoridades como um recurso pouco produtivo e, desta
forma, promove a entrada de uma nova matriz econômica nesta área.
De que forma as plantações de eucalipto podem influenciar o processo de arenização de cidades como Alegrete e São Borja, no RS?
Tenho acompanhado isto e o que eu tenho observado, até fazendo
relação com a biografia internacional, é que o eucalipto traz prejuízos
do ponto de vista ambiental como um todo. Para o Pampa ele traz
consequências dramáticas porque o eucalipto vai modificar os ciclos
local e regional da água. Essa árvore é uma grande consumidora de água e
os técnicos das empresas dizem o contrário. Só isso já demonstra que
haverá uma transformação no ciclo hidrológico regional. Existem
trabalhos internacionais que mostram como as monoculturas de eucalipto,
até faixas de precipitação em torno de 1250/1300 milímetros, promovem
desertificação do solo e escassez de água.
Nós já temos várias evidências empíricas dos proprietários rurais que
estão vivendo próximos a grandes monoculturas de que efetivamente a
água está se extinguindo. Este debate já está posto no Uruguai, pois as
cabeceiras fluviais das fontes do país vizinho já estão se extinguindo e
os uruguaios já estão promovendo este debate por conta da expansão da
monocultura.
Também tem a questão da diversidade biológica. Isso porque bosques de
eucaliptos diminuem a diversidade biológica. Os animais que vivem no
bosque normalmente não têm o alimento nesta região. Por isso, eles vão
procurar alimento em outros lugares como as lavouras e pomares próximos.
Há, portanto, uma série de consequências de ordem ambiental que vão
modificar realmente as características do Pampa e gerar problemas
sociais sérios.
Além disso, o eucalipto não vai impedir o processo de arenização,
porque este processo tem início com um tipo de escoamento bem específico
que é a formação de ravinas e mossorocas. Por isso, dependendo da área
onde ocorre esse plantio, o eucalipto não impede esse problema.
Trabalhos internacionais mostram que o eucalipto não pode ser
desenvolvido sobre solos arenosos, porque traz prejuízo ambiental
significativo, como desgaste e erosão.
Os solos da região de arenização são arenosos, por isso são frágeis
para este tipo de atividade econômica. O que está sendo colocado lá de
adubo, fertilizantes e de todo o pacote tecnológico para desenvolvimento
do eucalipto é significativo. E tudo isso vai contaminar o solo e a
água. Hoje, já somos capazes de produzir e plantar árvores no deserto,
mas as implicações disto são grandes e muitas vezes nós ainda não temos
os elementos para avaliar essas consequências. Mas a contaminação da
água do solo, a diminuição da diversidade, da diminuição da circulação
de água no campo regional, o esgotamento de fontes, de nascentes
fluviais isso tudo são evidências internacionais e nacionais.
Qual sua opinião sobre o documento de zoneamento ambiental da silvicultura do RS?
Esse documento foi produzido pela FEPAM por necessidade da regulação
ambiental para o desenvolvimento da silvicultura, ou seja, há uma
exigência legal para a constituição de um zoneamento ambiental para a
silvicultura. Este documento foi construído a partir de um conhecimento
associado às universidades, setores de pesquisa. Enfim, houve um
levantamento bastante detalhado no Rio Grande do Sul para promover o
zoneamento e indicar quais seriam as áreas mais indicadas para o plantio
de eucalipto.
Ressalvo o seguinte: esse documento não é um impeditivo à
silvicultura, ele diz onde pode ser plantado o eucalipto e prevê a
possibilidade de nove milhões de hectares reservados para o plantio
dessa árvore. As áreas, técnica e cientificamente definidas como
passíveis de serem áreas de produção de eucalipto, não foram aceitas
pelos silvicultores e nem pelas políticas de estado. Não foram aceitas
porque eles já tinham adquirido terras num momento anterior a este
processo e as terras que foram adquiridas não necessariamente estavam
vinculadas as áreas possíveis. Então, o que se faz do ponto de vista do
jogo político em uma situação como esta? Entre eu vender essas áreas e
comprar se tiver disponibilidade nos locais apropriados, vou tentar
mudar a legislação. E foi o que aconteceu.
Foi feito todo um movimento político, vinculado inclusive ao governo
do estado, para a não aceitação deste documento. Lembro que este
documento normatizou segundo uma legislação nacional. A não aceitação do
documento gerou tensos conflitos políticos na FEPAM, com mudança
inclusive da presidência, troca de alocação e de técnicos. Isso
demonstra um jogo político que envolvia a não aceitação do zoneamento
porque este não estaria de acordo com os interesses das políticas de
governo associadas a este capital. Do meu ponto de vista, é um
zoneamento que, no campo ambiental, ainda não seria o ideal, mas pelo
menos teríamos um regramento vinculado à legislação brasileira, o que
daria certa ordenação. Agora nós não temos isso.
E sobre o novo Código Florestal Brasileiro?
Nós estamos vivendo outro momento histórico, que é muito diferente
dos anos 1970 quando se buscava um ideal de regulação. Hoje, essa
regulação não está servindo para este avanço desenfreado do capital
sobre as áreas onde temos uma grande reserva de recursos naturais. Temos
uma diversidade de recursos muito importante, uma reserva fantástica de
recursos naturais. O interesse no novo Código Florestal é para que se
flexibilize a lei atual e, assim, se possa, efetivamente, explorar mais
nossos recursos. Vivemos um momento político diferente e precisamos
ficar atentos. Diria que, mais do que a questão ambiental, a questão
política hoje é o centro do debate, porque o ambiental implica na
política.
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