Escrito por Grupo São Paulo no Correio da Cidadania | |
O legado da Revolução Mexicana nos traz dilemas e feridas ainda abertas
até os dias de hoje. Nesse momento histórico e político da realidade
contemporânea, em que o princípio das grandes revoluções parece ter se
esgotado, será que compreendemos de fato quais foram as forças políticas
atuantes naquele período? Para pensadores, como Adolfo Gilly, tratou-se
de uma "revolução inacabada", nome dado inclusive para o seu célebre e
ainda fundamental livro.
Os chamados neo-zapatistas estariam completando, em pleno século XXI, o
que não tem sido feito há cem anos? Para refletir sobre isso é
necessário, antes de tudo, compreender como estava, historicamente
falando, o México pré-revolução. O quadro político do período que
antecedeu à data oficial da revolução - 20 de novembro de 1910 – começou
a ser delineado após declaração de independência do país, em 16 de
setembro de 1810.
Daquele período em diante, conservadores, moderados e liberais iniciaram
uma luta, muitas vezes sangrenta, para colocar em prática os seus
interesses. Enquanto os conservadores ansiavam por um retorno ao
passado, em que a hegemonia do poder estava nas mãos da Igreja Católica,
os moderados perfilaram-se com os liberais mais radicais sem, no
entanto, propor o fim dos privilégios da Igreja.
A aprovação da constituição mexicana de 1857 foi uma vitória dos
moderados. Ela retirou da Igreja Católica o título de religião oficial,
mas não aboliu os seus privilégios, desagradando tanto conservadores,
como liberais. Essa turbulência política só veio a se dissipar após a
chamada Guerra da Reforma (dezembro de 1857 a janeiro de 1861), quando o
liberal Benito Juárez assumiu o poder.
Em seu longo governo (1858-1872), Benito Juárez delineou os primeiros
contornos do que é o México hoje. Venerado como herói carismático, de um
lado, ele jamais abandonou a sua origem indígena nem deixou a defesa de
teses como respeito e liberdade; por outro lado, foi contraditório ao
retirar as terras dos indígenas sob a justificativa de que o campo não
deveria ficar para trás em relação ao frenético ritmo exigido pelo
capitalismo.
Com a morte de Benito Juárez, o novo presidente, Sebastian Lerdo de
Tejada, radicalizou as idéias liberais do Estado mínimo e da liberdade
de mercado, o que desagradou os seguidores de Porfírio Díaz, alinhados à
teoria positivista do Estado. Para os porfiristas, que ficaram no poder
de 1876 a 1911, o capitalismo só progrediria se coibisse os excessos do
individualismo liberal e reprimisse "desvios" de quaisquer espécies, o
que significou a eliminação dos Ejidos (terras comunais indígenas) e o
massacre de povos indígenas, considerados "primitivos" e contrários ao
capitalismo monopolista. Resultado: entre 1876 e 1900, o México cresceu
algo em torno de 8% ao ano, mas à custa do aumento da miserabilidade da
grande maioria da população.
Estavam criadas todas as condições para a Revolução Mexicana de 1910. A
frente revolucionária ficou dividia entre, de um lado, o grupo liberal
democrata burguês, representado, entre outros, por Camilo Arriaga e
Francisco Madero e, de outro lado, Emiliano Zapata e Pancho Villa, que
dariam o tom mais progressista e realmente interessado em defender os
interesses dos camponeses e indígenas.
Influenciados por um liberalismo mais radical e depois ligados à teoria
anarquista, temos ainda os irmãos Ricardo e Enrique Flores Magón, que
foram defensores de uma coligação com operários e camponeses na luta
contra a desigualdade social, condenando um país em que a elite branca
acumulava cada vez mais renda.
No período da revolução, o então ditador e presidente Porfírio Díaz
temia que o avanço de Madero pudesse insuflar ainda mais os
revolucionários Zapata e Villa. Já Madero desejava uma mudança pacífica,
que abriria as portas do México para o capitalismo moderno. Na prática,
o seu interesse era o de combater as massas e impedir que os movimentos
camponeses e indígenas radicalizassem a revolução.
No outro lado dessa complexa realidade, apesar de muitos camponeses e
indígenas terem sido cooptados pelos grandes fazendeiros, foram eles que
revelaram o chamado "México profundo", um modo de vida que a
subjetividade capitalista não conseguiu liquidar. O grito de "Ya Basta",
proferido pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), em
1994, revelou que o México dos indígenas e camponeses de 1910 permaneceu
vivo e pulsante.
Essa "memória coletiva", que não foi substituída pela crença no
progresso e na homogeneização das relações humanas e culturais, manteve
acesos os principais pilares deixados por Emiliano Zapata e Pancho
Villa: Terra para quem nela trabalha. Foi esse o principal legado
deixado pela revolução de 1910. Em nenhum momento, Zapata e Villa
assumiram o poder. No entanto, eles não deixaram que a revolução
seguisse apenas o pressuposto da homogeneidade. "Queremos um mundo onde
caibam todos os mundos". Essas palavras, proferidas pelos zapatistas no
final do século XX, vão ao encontro do que Zapata e Villa plantaram no
início do século.
Guga Dorea, Marietta Sampaio, Andrea Paes Alberico, Elisa Helena
Rocha de Carvalho, José Juliano de Carvalho Filho, João Xerri e Thomaz
Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se
revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto
Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima
para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.
Colaborou Alejandro Buenrostro.
Contato:
gruposp@correiocidadania.com.br
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Cem anos da Revolução Mexicana
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