sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cem anos da Revolução Mexicana

Escrito por Grupo São Paulo  no Correio da Cidadania 
 
O legado da Revolução Mexicana nos traz dilemas e feridas ainda abertas até os dias de hoje. Nesse momento histórico e político da realidade contemporânea, em que o princípio das grandes revoluções parece ter se esgotado, será que compreendemos de fato quais foram as forças políticas atuantes naquele período? Para pensadores, como Adolfo Gilly, tratou-se de uma "revolução inacabada", nome dado inclusive para o seu célebre e ainda fundamental livro.
 
Os chamados neo-zapatistas estariam completando, em pleno século XXI, o que não tem sido feito há cem anos? Para refletir sobre isso é necessário, antes de tudo, compreender como estava, historicamente falando, o México pré-revolução. O quadro político do período que antecedeu à data oficial da revolução - 20 de novembro de 1910 – começou a ser delineado após declaração de independência do país, em 16 de setembro de 1810.
 
Daquele período em diante, conservadores, moderados e liberais iniciaram uma luta, muitas vezes sangrenta, para colocar em prática os seus interesses. Enquanto os conservadores ansiavam por um retorno ao passado, em que a hegemonia do poder estava nas mãos da Igreja Católica, os moderados perfilaram-se com os liberais mais radicais sem, no entanto, propor o fim dos privilégios da Igreja.
 
A aprovação da constituição mexicana de 1857 foi uma vitória dos moderados. Ela retirou da Igreja Católica o título de religião oficial, mas não aboliu os seus privilégios, desagradando tanto conservadores, como liberais. Essa turbulência política só veio a se dissipar após a chamada Guerra da Reforma (dezembro de 1857 a janeiro de 1861), quando o liberal Benito Juárez assumiu o poder.
 
Em seu longo governo (1858-1872), Benito Juárez delineou os primeiros contornos do que é o México hoje. Venerado como herói carismático, de um lado, ele jamais abandonou a sua origem indígena nem deixou a defesa de teses como respeito e liberdade; por outro lado, foi contraditório ao retirar as terras dos indígenas sob a justificativa de que o campo não deveria ficar para trás em relação ao frenético ritmo exigido pelo capitalismo.
 
Com a morte de Benito Juárez, o novo presidente, Sebastian Lerdo de Tejada, radicalizou as idéias liberais do Estado mínimo e da liberdade de mercado, o que desagradou os seguidores de Porfírio Díaz, alinhados à teoria positivista do Estado. Para os porfiristas, que ficaram no poder de 1876 a 1911, o capitalismo só progrediria se coibisse os excessos do individualismo liberal e reprimisse "desvios" de quaisquer espécies, o que significou a eliminação dos Ejidos (terras comunais indígenas) e o massacre de povos indígenas, considerados "primitivos" e contrários ao capitalismo monopolista. Resultado: entre 1876 e 1900, o México cresceu algo em torno de 8% ao ano, mas à custa do aumento da miserabilidade da grande maioria da população.
 
Estavam criadas todas as condições para a Revolução Mexicana de 1910. A frente revolucionária ficou dividia entre, de um lado, o grupo liberal democrata burguês, representado, entre outros, por Camilo Arriaga e Francisco Madero e, de outro lado, Emiliano Zapata e Pancho Villa, que dariam o tom mais progressista e realmente interessado em defender os interesses dos camponeses e indígenas.
 
Influenciados por um liberalismo mais radical e depois ligados à teoria anarquista, temos ainda os irmãos Ricardo e Enrique Flores Magón, que foram defensores de uma coligação com operários e camponeses na luta contra a desigualdade social, condenando um país em que a elite branca acumulava cada vez mais renda.
 
No período da revolução, o então ditador e presidente Porfírio Díaz temia que o avanço de Madero pudesse insuflar ainda mais os revolucionários Zapata e Villa. Já Madero desejava uma mudança pacífica, que abriria as portas do México para o capitalismo moderno. Na prática, o seu interesse era o de combater as massas e impedir que os movimentos camponeses e indígenas radicalizassem a revolução.
 
No outro lado dessa complexa realidade, apesar de muitos camponeses e indígenas terem sido cooptados pelos grandes fazendeiros, foram eles que revelaram o chamado "México profundo", um modo de vida que a subjetividade capitalista não conseguiu liquidar. O grito de "Ya Basta", proferido pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), em 1994, revelou que o México dos indígenas e camponeses de 1910 permaneceu vivo e pulsante.
 
Essa "memória coletiva", que não foi substituída pela crença no progresso e na homogeneização das relações humanas e culturais, manteve acesos os principais pilares deixados por Emiliano Zapata e Pancho Villa: Terra para quem nela trabalha. Foi esse o principal legado deixado pela revolução de 1910. Em nenhum momento, Zapata e Villa assumiram o poder. No entanto, eles não deixaram que a revolução seguisse apenas o pressuposto da homogeneidade. "Queremos um mundo onde caibam todos os mundos". Essas palavras, proferidas pelos zapatistas no final do século XX, vão ao encontro do que Zapata e Villa plantaram no início do século.
 
Guga Dorea, Marietta Sampaio, Andrea Paes Alberico, Elisa Helena Rocha de Carvalho, José Juliano de Carvalho Filho, João Xerri e Thomaz Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.
 
Colaborou Alejandro Buenrostro.

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