Para quem quiser ver, é seguir a Al Jazeera em inglês, aqui.
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Enquanto os aliados observam…
Egito: o dia do acerto de contas
Robert Fisk: The Independent, UK
Dia de orações ou dia de ira? Todo o Egito está à espera do sabbath
muçulmano hoje – para nem falar dos assustados aliados do Egito –,
enquanto o envelhecido presidente do país agarra-se ao poder depois de
noites de violência que já fazem os EUA duvidarem da estabilidade do
regime de Mubarak.
Até agora, há cinco mortos e mais de 1.000 presos, a polícia bateu em
mulheres e, pela primeira vez uma das sedes do Partido Nacional
Democrático reinante foi incendiada. Aqui, os boatos são perigosos como
granadas de gás lacrimogêneo. Um diário do Cairo publicou que um dos
principais conselheiros do presidente Hosni Mubarak fugiu para Londres
com 97 malas de dinheiro; outros falam de um presidente enfurecido, que
grita com os comandantes da polícia, exigindo mais força na repressão
das manifestações.
Mohamed ElBaradei, líder da oposição, Prêmio Nobel e ex-funcionário
da ONU retornou ao Egito ontem à noite, mas ninguém acredita – exceto
talvez os norte-americanos – que venha a converter-se em ímã que dê foco
aos movimentos de protesto que se alastram por todo o país.
Já aparecem sinais de que muitos, cansados do governo corrupto e
antidemocrático de Mubarak, tentam persuadir os policiais que patrulham
as ruas do Cairo a unir-se a eles. “Irmãos! Irmãos! Quanto eles pagam a
vocês?” um grupo de manifestantes pôs-se a gritar para os policiais no
Cairo. Mas ninguém negocia coisa alguma – não há o que negociar, exceto a
partida de Mubarak, e o governo egípcio nada diz e nada faz, mais ou
menos exatamente como nos últimos trinta anos.
Há quem fale de revolução, mas não há ninguém para ocupar os lugares
dos homens de Mubarak – jamais houve sequer um vice-presidente – e um
jornalista egípcio disse-me ontem que conversou com amigos de Mubarak,
preocupados com ele, presidente, isolado, solitário. Mubarak está com 82
anos e deu sinais de que se candidatará novamente à presidência – o que
é ultraje para milhões de egípcios.
A dura verdade, porém, é que, exceto pela força policial brutal e um
exército escandalosamente dócil – o qual, aliás, não apoia a indicação
de Gamal, filho de Mubarak – o governo está impotente. Essa é revolução
pelo Twitter e revolução pelo Facebook, e a tecnologia, já há muito,
derrubou as regras da censura.
Os homens de Mubarak parecem ter perdido toda a noção de iniciativa.
Os jornais do partido governista vêm carregados de falsas ilusões
autoimpingidas, empurrando as vastas manifestações de rua para os
rodapés, como se bastasse a diagramação para esvaziar as ruas – e como
se, de tanto esconder os fatos, conseguissem convencer-se de que as
manifestações não existiram.
Mas ninguém precisa dos jornais, para ver o que não deu certo. A
sujeira das ruas e das favelas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de
todos os funcionários do estado, as prisões sobrecarregadas, as
eleições risíveis, o vasto, esclerosado edifício do poder, tudo isso,
afinal, arrastou ou egípcios para as ruas das cidades.
Amr Moussa, presidente da Liga Árabe, observou ponto interessante, na
recente reunião de cúpula dos líderes árabes no resort de Sharm
el-Sheikh, no Egito. “A Tunísia não está longe de nós”, disse ele. “Os
árabes estão quebrados”. Mas… será que estão? Um meu velho amigo
contou-me história assustadora sobre um egípcio pobre, que lhe disse que
não tinha interesse algum em arrancar os líderes corruptos das
fortalezas superprotegidas onde vivem no deserto. “Hoje, pelo menos,
sabemos onde eles moram” – disse o homem. O Egito tem hoje mais de 80
milhões de habitantes, 30% dos quais com menos de 20 anos. E perderam o
medo.
Nas manifestações, observa-se uma espécie de nacionalismo egípcio –
mais do que algum islamismo. 25 de janeiro é Dia Nacional da Polícia –
dia em que se homenageia a força policial que morreu em combate contra o
exército britânico em Ishmaelia – e o governo não poupou discursos,
para dizer à multidão que estariam traindo os próprios mártires. A
multidão gritou “Não. Os policiais que morreram em Ishmaelia eram
valentes, nada a ver com os policiais de hoje.”
Mas o governo não é completamente cego. Há uma espécie de
inteligência na gradual liberação da imprensa e das televisões, nessa
pseudodemocracia em cacos. Os egípcios ganharam uma lufada de ar fresco,
o suficiente para respirarem, para que se acalmem e calem-se, e voltem à
docilidade de sempre, nessa terra de pastores. Pastores e agricultores
não fazem revoluções, mas quando são amontoados aos milhões nas grandes
cidades, nas favelas, nas casas e nas universidades em ruínas, que lhes
dão diplomas, mas não dão trabalho, alguma coisa pode ter acontecido.
“Os tunisianos ensinaram aos egípcios o que é poder orgulhar-se do
que se faz” – disse-me ontem outro jornalista egípcio. “São inspiração
para nós, mas o regime egípcio é mais esperto que o de Ben Ali na
Tunísia. Lá foi preservada uma semente de oposição, ao não meterem na
cadeia a Fraternidade Muçulmana, mas, ao mesmo tempo, dizerem aos EUA
que o grande inimigo seria o Islã, e que Mubarak ali estava para
proteger os EUA do “terror” – mensagem que os EUA sempre gostam de ouvir
já há dez anos”.
Há vários indícios de que o poder no Cairo percebeu que algo estaria
para acontecer. Ouvi de vários egípcios que dia 24 de janeiro já havia
soldados arrancando cartazes de Gamal Mubarak dos muros das favelas –
para evitar mais provocações. Mas o alto número de prisões, a violência
policial – que espancou homens e mulheres pelas ruas – e o virtual
colapso da Bolsa de Valores no Cairo mais sugerem pânico, que astúcia
política.
Um dos problemas foi criado pelo próprio regime; foram
sistematicamente afastados do poder todos que tivessem algum carisma,
mandados para o interior, castrando politicamente qualquer possível
oposição verdadeira, muitos, diretamente para a prisão. Hoje, EUA e
União Europeia dizem ao regime que ouçam o povo – mas que povo? Onde
estão as vozes de liderança?
O levante no Egito não é – embora possa vir a converter-se em –
levante islâmico, mas, além do grito em massa de milhões de egípcios que
despertam de décadas de humilhação e fracassos, só se ouve nas
manifestações o discurso de rotina da Fraternidade Muçulmana.
Quanto aos EUA, a única coisa que parecem capazes de oferecer a
Mubarak é uma sugestão de reformas – conversa que os egípcios ouvem há
muito tempo. Não é a primeira vez que a violência toma conta das ruas do
Cairo, é claro. Em 1977, ouve manifestações imensas de gente que pedia
comida – eu estava no Cairo, e vi multidões famintas, de mortos de fome
–, mas o governo de Sadat conseguiu controlar a revolta mediante preços
mais baixos e muitas prisões e tortura. Também houve motins nas forças
policiais – um deles reprimido a ferro e fogo pelo próprio Mubarak. Mas,
agora, está acontecendo algo de diferente.
Interessante de observar, não há nenhuma animosidade contra
estrangeiros. Várias vezes aconteceu de a multidão proteger jornalistas e
– apesar do vergonhoso apoio que os EUA garantem aos ditadores no
Oriente Médio – nenhuma bandeira dos EUA foi queimada. Já se vê que há
aí alguma novidade. Talvez a multidão que amadurece – e descobre que
vive sob um governo que é, ao mesmo tempo, senil e imaturo.
Ontem à noite as autoridades egípcias cortaram todos os serviços de
internet e de transmissão de texto por celulares, na tentativa de
impedir que os manifestantes se organizassem através de redes sociais. A
medida foi tomada no mesmo momento em que uma unidade policial de
elite, de forças antiterrorismo, recebeu ordem para tomar posição em
pontos estratégicos em toda a capital, preparando-se para o que se
estima que sejam as maiores manifestações até agora, previstas para
hoje.
Dentre os pontos estratégicos selecionados pelas forças
antiterrorismo está a Praça Tahrir, cenário das maiores manifestações
até agora. Facebook, Twitter, YouTube e outros sites de contato social
tiveram papel vital nos protestos no Egito, exatamente como na Tunísia,
para manter os manifestantes em contato e planejar a movimentação dos
grupos.
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