Quando falou ao repórter sobre a Lei da Anistia, Marcia Poole,
diretora de Informações e Comunicações da Anistia Internacional, foi
taxativa: “existem crimes que são imprescritíveis e as famílias dos
mortos e desaparecidos têm o direito de saber o que aconteceu com eles”,
disse, ao ressaltar a importância que teria para o País a constituição
da Comissão da Verdade.
Depois de 10 anos sem um posto no Brasil, a entidade vai reabrir seu
escritório aqui, só falta decidir a cidade, Rio de Janeiro ou em São
Paulo. Os avanços no desenvolvimento econômico do País e o novo papel
que passou a representar no âmbito internacional são as motivações
apresentadas por Marcia Poole, que visitou nesta quinta-feira 28 a
Redação de CartaCapital.
Na entrevista, ela se mostrou bastante motivada pelo novo desafio,
que começa no momento em que a Anistia Internacional completa 50 anos de
vida.
Para preparar o lançamento do escritório brasileiro, que deve
acontecer nos próximos meses, ela e o secretário-geral Salil Shetty
cumprem extensa agenda de reuniões e encontros, que deve culminar com
uma visita à presidenta Dilma Rousseff.
Para Marcia, as relações com o governo brasileiro são abertas e
cordiais e a entidade constata um avanço no País em relação ao respeito
aos direitos humanos nos últimos anos. Ela elogia os programas sociais
criados no governo Lula e reconhece que atravessamos um período de
diminuição das injustiças sociais.
Porém, não faltam ressalvas. A Anistia deve concentrar seu olhar nos
casos de violência contra a mulher, no tratamento dado às nações
indígenas e nas condições de vida dos pobres e miseráveis. “A Segurança
Pública também será nosso foco”, a diretora acrescenta, ao ressaltar que
apoia iniciativas como as UPPs no Rio de Janeiro, mas as vê “ainda como
pouco abrangentes”.
Atenta a tudo que acontece pelo mundo, ela não deixou de falar sobre
os eventos da Líbia, Síria,Tunísia e Egito. Instada a se posicionar
sobre as recentes denúncias do site WikiLeaks sobre as condições dos
presos da base americana em Guantánamo, ela foi categórica: “a Anistia
Internacional defende o fechamento da base e levou sua posição ao
presidente Obama antes dele tomar posse”.
A seguir, a entrevista que concedeu a CartaCapital:
CartaCapital: O que motiva a Anistia Internacional a montar seu escritório aqui no Brasil?
Marcia Poole: Basicamente, uma confluência de dois
fatores: um ligado ao Brasil e outro ligado à Anistia. O Brasil está
passando por um momento muito importante, a nível nacional e
internacional. Nós estamos vendo um avanço da questão dos direitos
humanos no Brasil. Mas com esses grandes eventos vindos para cá, as
Olimpíadas e a Copa do Mundo, há, por um lado, uma oportunidade para o
Brasil, se o País criar um modelo que beneficie os direitos humanos,
mas, por outro, ainda há certas preocupações.
A voz do Brasil tem um peso cada vez maior nos organismos
internacionais como as Nações Unidas e os fóruns, como o G-20. O Brasil
já tem um papel de liderança econômica e política, mas poderia ter uma
governança mundial, criar um novo paradigma.
A Anistia, em 28 de maio, completa 50 anos. Nesse momento, a nível
global, está sendo revitalizada. 98% dos membros e simpatizantes da
Anistia se encontram no chamado Norte global: Europa Ocidental, EUA e
Canadá. Nós achamos que é preciso ter uma presença maior – a gente quer
ser um movimento de fato global de direitos humanos – no Sul e,
sobretudo nesses países que estão emergindo como líderes. Temos um
projeto de expansão no Sul Global e nos chamados BRICS, porque a gente
inclui o S de África do Sul.
CC: Como começou o trabalho de vocês aqui no País?
MP: Temos uma relação muito especial com o Brasil.
Operamos de várias formas, mas tradicionalmente quando há gente correndo
risco, defensores de direitos humanos, pessoas presas por motivos
políticos, a Anistia mobiliza sua rede de membros e simpatizantes para
escrever cartas, para pressionar as autoridades para defender a vida
daquelas pessoas. A primeira ação urgente da nossa história foi no
Brasil, em apoio ao Luiz Rossi, professor universitário que na época era
preso político da ditadura. O nosso primeiro relatório global sobre a
tortura foi no Brasil, o ex-presidente Lula foi um preso adotado e
defendido pela Anistia, um preso de consciência da Anistia. Nós temos
esse relacionamento com o Brasil que já vem lá do nosso começo, coincide
nossa chegada aqui com o aniversário da Anistia. Não viemos para cá
para comemorar a Anistia, mas para celebrar a luta pelos direitos
humanos que temos feito pelo mundo. São três milhões de membros em todo o
mundo e ainda tem muito a fazer. Queremos estar no Sul e esse é um
momento muito importante para o Brasil também.
CC: Que estrutura vocês pretendem ter aqui?
MP: No Brasil, vamos começar com uma estrutura um
pouquinho diferente. Na Europa Ocidental e nos Estados Unidos temos
membros locais, como eu ou você, que se reúnem e elegem uma junta de
governança, dependendo do número de membros varia o número da junta e a
junta seleciona por sua vez o staff e o quadro de funcionários,
a começar por um diretor ou diretora. Aqui vamos começar abrindo um
escritório que seria mais ou menos uma filial do secretariado
internacional. No nosso plano de implantação no Brasil há uma estratégia
de 5 anos e esperamos que no final desse período tenhamos esse modelo
aqui. Nós vamos começar pelo escritório, até para ir um pouco mais
rápido, por assim dizer. Normalmente, no escritório da Anistia você tem
um diretor. A espinha dorsal do nosso trabalho é a apuração e
monitoramento da situação de direitos humanos, por isso temos
pesquisadores. Nesse momento, a maioria de nossos pesquisadores se
encontra em Londres e atuam para todos os países. Estamos fazendo um
projeto de descentralização para estar mais perto de onde ocorrem as
violações. Até porque, em um momento inicial, a razão de ter todo mundo
em Londres era por uma questão de segurança, pois se você estivesse no
país onde ocorriam os problemas você sofria mais ameaças. Por exemplo,
ter um pesquisador sobre o Zimbábue no Zimbábue. Ou antigamente, na
época da ditadura aqui no Brasil, você ter um pesquisador brasileiro
baseado em Londres era mais seguro. Estamos agora fazendo um modelo para
trazer essas pessoas para mais perto. Para começar, os pesquisadores
sobre o Brasil estarão em Londres, mas daqui a dois anos vamos trazê-los
para cá e contratar mais pesquisadores para podermos trabalhar ainda
mais no Brasil. Vamos encontrar pesquisadores de direitos humanos,
pessoas que fazem as campanhas de mobilização em cima do que a gente
apura. Vamos ter um diretor de captação de recursos e a parte da
comunicação, que é fundamental. Estamos pensando entre 12 e 15 pessoas,
no Rio de Janeiro ou São Paulo. Vendo essas questões relativas às
Olimpíadas e a Copa do Mundo, a gente está começando a considerar que
num primeiro momento talvez seja melhor ter o escritório no Rio.
CC: Vocês vão ter como foco as populações indígenas, a violência contra a mulher e os direitos dos mais pobres, não é isso?
MP: Sim, mas a questão da violência policial também é
importante, assim como a questão dessas grandes obras de
infraestrutura, no que toca às condições de trabalho. Jirau, Belo Monte,
Santo Antônio. Acompanhamos, sobretudo, a construção da hidrelétrica de
Belo Monte, como emblemática de toda uma problemática dessa área. A
questão do direito à moradia é uma coisa importante. Nesse contexto
aqui, acompanhamos de perto a questão das remoções forçadas, até por
causa desses grandes projetos no Rio de Janeiro. Trabalhamos de perto
com comunidades da Restinga, no Recreio onde vemos essa situação. No
Mato Grosso do Sul, os índios guarani-caiowa, acompanhamos a questão da
demarcação de terras.
CC: Você vê nos últimos anos uma melhoria das condições de
vida no Brasil? Distribuição de renda e justiça social: progredimos
nestes terrenos?
MP: Sim, olhamos a questão da distribuição de renda
não tanto pelo modelo econômico, a nossa ótica é totalmente voltada para
os direitos humanos. Toda gama de direitos humanos, liberdades
políticas, civis e direitos socioeconômicos. Nesse sentido, não resta
dúvida que certos programas do governo Lula –Bolsa Família, Minha Casa
Minha Vida e outros –, houve uma melhora nas condições de vidas das
populações mais carentes. Dito isso, ainda há muito que ser feito na
área dos direitos socioeconômicos básicos, o direito à moradia. Na
educação e na saúde, vimos que houve avanços, mas são áreas que a gente
acha que precisa haver mais progresso.
CC: No que se refere ao direito à educação e à saúde
gratuitas e de qualidade, você crê que o Brasil ainda está devendo muito
nessas áreas?
MP: Ainda são áreas onde deve haver um progresso
maior. Até porque a Declaração Universal dos Direitos Humanos não faz
distinção entre direitos. É um debate interessante porque essa divisão
que houve foi um fruto da “Guerra Fria”. Porque na época, os partidos
ocidentais privilegiavam os direitos políticos e civis e os países do
bloco socialista privilegiavam os direitos socioeconômicos, foi por isso
que no final das contas houve duas convenções, a Convenção dos Direitos
Políticos e a Convenção dos Direitos Socioeconômicos. E desde o final
da Guerra Fria estamos vendo que não dá mais para dividir assim e o
exemplo mais recente disso é o que está ocorrendo no Oriente Médio. A
Tunísia é um dos países com melhor desenvolvimento econômico, população
relativamente afluente dentro do Oriente Médio e, no entanto, seu
desenvolvimento socioeconômico não foi suficiente e as pessoas começaram
a reivindicar direitos políticos e civis. Na China, há um crescimento
econômico absurdo, mas problemas seríssimos no que toca a liberdade
política e civil. No Egito, por exemplo, um dos slogans, até muito
interessante porque é um dos carros-chefe da Anistia a nível global é
“exija dignidade”, que privilegia os direitos socioeconômicos. Um
blogueiro lá do Egito escreveu em uma das convocações para chamar as
pessoas para a Praça Tahrir: “venha se manifestar contra a repressão,
contra a tortura, contra o desemprego e pela dignidade humana”. A gente
não tinha mais nada a acrescentar: falou pouco e falou bem, como a gente
diz aqui. É o que se vê no Brasil, onde está havendo avanços, inclusive
na própria questão da segurança pública.
CC: A Anistia acompanha a situação do Rio de Janeiro e a constituição das UPPs?
MP: As UPPs são um passo importante e necessário,
mas não suficiente. É importante que prestemos atenção na questão da
Segurança Pública, não pode haver casos de impunidade em relação à
violência policial.
CC: Vocês têm conhecimento que nas delegacias de polícia as torturas a presos comuns ainda acontecem?
MP: A gente recebe relatos documentados de tortura e
de violência policial. Sobre a atuação da polícia, quando ela entra nas
comunidades, até mesmo antes das Unidades Pacificadoras, no período de
pacificação, sobre a atuação do Bope. Na segunda-feira nos reunimos com
uma rede de comunidades e movimentos contra a violência, com parentes de
vítimas e sobreviventes de operações no Complexo do Alemão no Rio, na
Cidade Alta. Essas denúncias de abusos têm que ser apuradas.
Mas, a polícia também sofre violências, tem o direito de se proteger,
tem o direito, mais do que o direito, a obrigação, de manter a ordem
pública. Agora, isso não pode estar em contradição com a obrigação da
polícia de observar os direitos humanos. A polícia tem, sim, que manter a
ordem pública para proteger a população. A Anistia condena a ação do
crime organizado, sobretudo quando há violência, não só em relação à
população civil, mas também contra a polícia, que tem o direito de
manter sua integridade física. Mas, quando há ocorrência de violência,
ela tem que ser apurada e as pessoas têm que ser condenadas. Não pode
haver impunidade.
CC: Vocês notam avanços nessa questão da punição da violência policial aqui no Brasil?
MP: Recentemente ocorreram dois casos, onde
policiais foram investigados, não lembro agora se eles chegaram a ser
condenados, mas houve investigações. Pelo que nós sabemos, o secretário
de Segurança Pública Beltrame tem uma gestão bem vista, tem feito um bom
trabalho, até por isso nós queremos conversar com ele, para
incentivá-lo a continuar o trabalho, com seriedade e não esquecer da
questão da impunidade. Mas, para além da questão das UPPs, há outras,
como as reformas do sistema prisional e do sistema carcerário, aonde têm
situações absurdas, devido até ao próprio excesso de lotação, com
abusos graves.
CC: Você deve ter tomado conhecimento de casos graves que aconteceram no Norte e Nordeste, não?
MP: Exatamente, mas o sistema judicial também é
importante. A gente soube inclusive de casos em que juízes sofrem
pressão. As políticas sociais, no momento são a prioridade manifesta do
governo, mas resta cumprir a promessa. É importante levar para essas
comunidades os direitos socioeconômicos básicos: educação, saúde,
segurança, moradia. Para resumir, a gente vê a questão das UPPs como
passo positivo, um avanço, mas não suficiente: é necessário fazer todas
as reformas, para que isso seja sustentável.
CC: Entremos agora na questão da Lei da Anistia. Você deve
estar acompanhando o debate sobre a formação da Comissão da Verdade, a
discussão sobre a Lei da Anistia e os crimes da ditadura. Como é que
vocês estão vendo essa questão no Brasil?
MP: A Comissão da Verdade é muito importante. Nós
ficamos muito decepcionados com a interpretação que foi feita aqui da
Lei de Anistia, porque há certos crimes que para nós são inafiançáveis,
que não podem ser perdoados. Crimes de tortura, crimes contra a
humanidade, não podem ser anistiados, pelo nosso parecer. Deve haver sim
essa reinterpretação para que esses crimes sejam punidos. A gente vê em
outros países, para a sociedade isso faz parte do processo de
reconciliação, é muito importante para a sociedade, para as vítimas.
Estivemos na segunda-feira com familiares de pessoas que sofreram abusos
de direitos humanos, inclusive uma mãe de uma menina que morreu em uma
chacina há 20 anos no Rio. Na época não havia corpos, até hoje não
acharam os corpos, mas finalmente eles receberam um documento, um
atestado de óbito. E ela contou, até muito emocionada, como foi
importante, 20 anos depois, ter aquilo. Ela disse: “não me resta nada,
apenas um papel, mas é um testemunho de que aquela pessoa, aquela vida,
existiu”. Antes de entrar para a Anistia, trabalhei para as Nações
Unidas, com missões de paz no Timor Leste e no Kosovo e vi como era
importante para nós das Nações Unidas eles terem a restituição dos
restos dos familiares. Às vezes, era uma urna do tamanho de uma caixa
de sapato, com poucos restos que a gente tinha conseguido identificar,
mas como isso era importante para os familiares! E, por outro lado, a
questão da Justiça é muito importante também para impedir que outras
pessoas façam o mesmo, não pode haver impunidade.
CC: Você esperava mais em relação ao governo Lula nesse terreno? E quanto ao governo Dilma?
MP: Nós ficamos muito bem impressionados com as
primeiras declarações da presidenta Dilma, ao dizer que vai priorizar os
direitos humanos na sua pauta, inclusive pela própria história da
presidenta, realmente esperamos que ela possa priorizar a questão dos
direitos humanos no Brasil, e com isso apoiar a Comissão da Verdade,
apoiar a questão da interpretação da Lei de Anistia para que se leve a
julgamento os responsáveis pelos crimes que foram cometidos e
internacionalmente também, onde, às vezes, há diferença entre o discurso
brasileiro. Por exemplo, a maneira como o Brasil vota no Conselho das
Nações Unidas deixa a desejar. Nós achamos que o Brasil, ao contrário,
tem um papel de liderança. Nesse sentido, a última decisão de apoiar a
renovação do mandato de um relator para a questão do Irã é uma coisa
positiva, o Brasil tem uma posição de peso cada vez maior no cenário
mundial.
CC: E como você vê a condenação do Brasil pela Corte
Interamericana sobre o caso da guerrilha do Araguaia e a falta de
posicionamento do governo até agora?
MP: Na realidade, a questão da guerrilha do Araguaia
eu não acompanhei tanto de perto, eu estou mais a par de como o governo
reagiu contra a medida cautelar da corte interamericana em relação à
usina hidrelétrica de Belo Monte. Surpreendeu-me a reação brasileira a
essa medida da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Isso volta à
questão que eu falava da Comissão da Verdade. Isso não se refere só ao
Brasil, mas a uma das maneiras de se superar um problema, há certa
herança negativa, é preciso se conscientizar e aceitar que aquilo
aconteceu. A partir daí, você tenta sempre através do processo legal,
levar à Justiça aqueles responsáveis por terem cometido crimes tentar
superar a questão.
CC: Nesse terreno a Argentina foi um exemplo, está num nível muito mais avançado da discussão, não é?
MP: Na América Latina, não necessariamente a
Argentina, a gente não é de comparar um país com outro, mas achamos que
outros países da América Latina estão mais avançados na questão de lidar
com a herança do seu passado, mais do que o Brasil e a gente espera que
o Brasil chegue lá também.
CC: A pressão contrária também é forte, para que não seja
retomada a questão da Anistia. Há quem diga que isso levaria a uma
situação de confronto dentro da sociedade.
MP: Não deveria. Num âmbito diferente, veja o
processo na África do Sul, há uma Comissão de Verdade e há
reconciliação. No Timor Leste, por exemplo, onde já houve uma Comissão
da Verdade, a Anistia defende a posição do Tribunal Internacional,
porque tem sociedades, que não é o caso da brasileira, onde o estado não
tem como lidar com isso, quando necessário até num tribunal
internacional de justiça. No caso brasileiro, isso não deveria levar a
conflitos, a sociedade brasileira está em um momento de avanço, de
deixar para trás esse legado, avançar e superar sim, esquecer não. Para
que o esquecimento não impeça que a coisa aconteça de novo. Não é uma
postura de vingança, de reviver o passado, é uma questão de aprender e
nós vimos isso em outros âmbitos, em outras situações. Por exemplo,
durante a administração do governo Bush, a gente sempre achou que certas
batalhas já haviam sido conquistadas. Nos EUA e na Europa achávamos que
a questão dos direitos civis já havia sido superada e vimos na suposta
guerra ao terror como essas liberdades foram ameaçadas. Achamos que é
muito importante não se esquecer. É preciso superar, confrontar e ir
adiante sempre, para que as coisas não se repitam, a gente nunca pode
achar que as coisas foram conquistadas e acabou, é importante ter uma
vigilância constante.
CC: Vocês têm uma relação boa com as autoridades brasileiras e os governos de estado?
MP: Sim, estamos tentando encontrar com a presidenta
Dilma pelo menos uns 15 minutos, no âmbito do Fórum Econômico da
América Latina que esta ocorrendo no Rio. Como ela diz que dá prioridade
para os direitos humanos, 15 minutos à Anistia não devem ser problema.
CC: E sobre Guantánamo, como tem visto essas denúncias dos últimos dias a respeito dos presos, reveladas pelo WikiLeaks?
MP: A Anistia sempre defendeu o fechamento de
Guantánamo, desde o começo, porque a gente acha que as pessoas que
estavam lá deveriam passar por um processo legal. Se ao final do
processo, se chegasse à conclusão que tivessem cometido crimes, que
cumprissem então penas normais, mas se não tivessem provas, que fossem
postas em liberdade, de uma maneira que não as colocasse em uma situação
de perigo ou de ameaça. Mas sempre defendemos o seu fechamento.
Inclusive, na visita do presidente Obama aqui, a gente pediu para a
presidenta Dilma, por meio de cartas, que levantassem a questão de
Guantánamo junto ao presidente Obama. Não sei se ela levantou ou não,
mas geralmente fazemos isso. Se o presidente Obama vai à Inglaterra, nós
enviamos uma mensagem ao primeiro-ministro inglês pedindo que ele
levante certas questões com o presidente e vice-versa. Fizemos isso aqui
no Brasil também e a questão de Guantánamo foi uma das questões. E nós
continuamos a defender seu fechamento. Na época foi um dos primeiros
decretos do Obama e, até hoje, Guantánamo ainda está lá.
CC: Nos países ricos a Anistia consegue também fazer essa interlocução? É respeitada pelos governos?
MP: Nós temos um bom relacionamento. Claro, como não
poderia deixar de ser, quando a gente critica, ficam um pouco
incomodados, mas é nosso papel. Não temos um papel de conflito, mas de
crítica e denúncia, e vamos cobrar. A Anistia tem três milhões de
pessoas no mundo inteiro, pessoas comuns, estudantes, professores,
religiosos. Nós articulamos a voz dessas pessoas, foi assim que a
Anistia surgiu, era um movimento de solidariedade internacional. Essa
questão do movimento de pessoas comuns é muito importante. Quando a
gente fala desses governos não é só a voz do secretário da Anistia, têm
pessoas comuns, inclusive os eleitores deles. Eles têm interesse em
acolher a anistia.
CC: Vocês se posicionaram em relação aos acontecimentos da Líbia?
MP: Somos uma organização que foca os direitos
humanos, então temos condenado os ataques aos civis, seja feito por quem
for. Sejam as forças líbias, sejam os rebeldes, seja a coalização
internacional, não há justificativas a ataques contra civis inocentes.
Isso é uma postura muito forte da Anistia. Também apoiamos a indicação
do coronel Kadaffi ao Tribunal Penal Internacional. Estamos apoiando que
o Conselho de Segurança também coloque o problema da Síria no Tribunal
Penal Internacional.
E dentro do quadro do Oriente Médio, de uma forma geral, nós temos
uma ação para a Tunísia e para o Egito, que é: remover uma pessoa
autoritária é um avanço, mas o problema é também o regime. Nós
acompanhamos já há muitos anos a situação lá. A remoção de Mubarak é um
passo importante, mas no momento as autoridades de transição têm que
respeitar os direitos humanos. Nas eleições que ocorrerão agora, tem que
respeitar a voz das mulheres, um papel de peso tem que ser dados às
mulheres, ainda há um aparato de leis repressivas. Em relação às pessoas
que foram presas na época em que eles estavam reprimindo os protestos, é
importante, primeiro que elas sejam restituídas em sãs condições, mas é
importante que os responsáveis sejam punidos. Há toda uma agenda para a
Tunísia e há também que cuidar da questão dos refugiados para a Europa.
Celso Marcondes
Celso Marcondes é jornalista, editor do site e diretor de Planejamento de CartaCapital. celso@cartacapital.com.br
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