A CNTE, primando pela decência que rege suas relações
institucionais em defesa da educação de qualidade e da
valorização dos/as trabalhadores/as das escolas públicas
brasileiras, há mais de seis décadas, vem a público
repudiar matérias publicadas recentemente na revista Veja e no
jornal O Estado de São Paulo, as quais contêm opiniões
anacrônicas, reacionárias, preconceituosas e inverídicas.
Ambas as opiniões têm como ‘pano de fundo’
a vitória parcial dos conceitos de piso salarial definidos na
Lei 11.738 e que foram questionados no STF pelos então governadores
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do
Sul e Ceará - considerados pela comunidade escolar “Inimigos
da Educação, Traidores da Escola Pública”
- através de Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI 4.167).
Para quem acompanha atentamente as notícias da educação,
o artigo de Veja, assinado por Gustavo loschpe na edição
de 11/4/2011, sob o título “Hora de peitar os sindicatos”,
e do editorial do Estadão, de 9/4/2011, transpareceram, integralmente,
as posições dos que defendem a ADI 4.167. No primeiro
caso, trata-se de quase plágio da entrevista concedida pelo Secretário
de Educação de São Paulo às Páginas
Amarelas da citada revista, edição nº 2.136, de 28
de outubro de 2009, intitulada “Contra o corporativismo”.
Já a posição do Estadão sobre a composição
da jornada dos professores se pautou em argumentos considerados insuficientes
e sem comprovação pela maioria dos ministros do STF presentes
no julgamento da ADI 4.167.
Mesmo discordando da posição oficial do Estadão
- que carece de profundidade pedagógica e de credibilidade do
ponto de vista das supostas insuficiências financeiras de estados
e municípios -, reconhecemos que ela expressa, sem subterfúgios,
a concepção de Estado e Sociedade de sua linha editorial.
Repugnante, no entanto, é a posição de Veja, que
se esconde por detrás de um repórter supostamente representante
de uma determinada parcela social comprometida com a qualidade da educação
pública. Perguntamos, então, a ele (repórter) e
à revista: quem vocês representam, de fato, e a qual qualidade
educacional se referem?
Indagamos esse veículo de comunicação porque,
para a CNTE e para muitos/as brasileiros/as, Veja não passa de
um instrumento a serviço das elites desacostumadas a suportar
derrotas políticas e judiciais. E, se não bastasse o recorrente
desprezo pela imparcialidade - princípio básico do bom
jornalismo -, a revista, para vingar-se de quem ousa ir contra os interesses
de seus financiadores, incita a intolerância e o preconceito de
classes em pleno Estado Democrático de Direito. E essa é
uma postura arbitrária de quem nega a ‘democracia popular’
- constituída nos fundamentos e no aprimoramento da cidadania
- para se socorrer à velha ‘democracia burguesa’,
em que as leis e a justiça atendem exclusivamente à minoria
abastada.
Atendo-se, pontualmente, ao editorial do Estadão,
consideramos que:
1. O jornal, erroneamente, referiu-se a União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação como sendo uma Entidade contrária
à Lei do Piso. Essa informação foi desmentida em
nota divulgada pela Undime.
2. Os números das supostas contratações decorrentes
da hora-atividade computada à carga semanal de trabalho do/a
professor/a, constam dos argumentos jurídicos dos governadores
que arguiram a inconstitucionalidade da Lei 11.738, porém não
convenceram, até o momento, a maioria dos ministros da Suprema
Corte. Assim como a CNTE, alguns ministros contestaram esses números
e outros os consideraram pertinentes para atender ao preceito constitucional
de oferta da educação pública de qualidade, sem
perigo de ‘quebra’ dos entes federados.
3. Tal como na ADI 4.167, o editorial desconsidera o fato de a educação
possuir recursos vinculados constitucionalmente - inclusive para honrar
despesas com seus profissionais - e que a União, além
de possuir competência concorrente com os estados para legislar
sobre matéria educacional, também tem a obrigação
de suplementar os entes federados que não conseguirem honrar
os compromissos da Lei 11.738.
4. Em nenhum momento, o periódico aponta as inúmeras
irregularidades recentemente divulgadas pela imprensa nacional, que
comprometem sobremaneira o investimento na área educacional -
a exemplo do desvio de R$ 660 milhões constatado no Fundo da
Educação Básica (Fundeb) do Estado de São
Paulo, cujo valor representou, segundo informações publicadas
no jornal O Globo, em 10/5/2010, 28,6% das falcatruas cometidas (em
todo Brasil) contra os referidos Fundos Estaduais, no ano de 2009.
5. A alegação de governadores e prefeitos de que melhores
salários não influenciam a qualidade da educação
- questão apontada tanto no editorial do Estadão quanto
na matéria de Veja - não corresponde aos discursos eleitorais
da maioria desses gestores, tampouco aos resultados de pesquisas de
opinião pública e científicas realizadas recentemente.
Em maio de 2010, o Instituto Ibope divulgou pesquisa qualitativa, realizada
com eleitores de todo Brasil, sobre o tema educação, na
qual a valorização profissional dos educadores (composta
por melhores salários, formação inicial e continuada,
planos de carreira e jornada de trabalho apropriada) constou como primeiro
item de reivindicação da sociedade. Esta pesquisa corroborou
um estudo divulgado pela Unesco, em outubro de 2009, que apontou a necessidade
de se elevar o status do professor da educação básica,
através das imediatas implementações (i) da política
nacional de formação (concebida pelo MEC em parceria com
os entes federados) e (ii) do piso do magistério à luz
da Lei 11.738 - uma vez que 70% da categoria percebia vencimentos abaixo
de R$ 720,00, o que colocava o Brasil na 4ª pior posição
no ranking mundial de salários de professores da educação
básica.
Com relação à matéria de
Veja, além dos pontos já abordados, ressaltamos
o seguinte:
6. O tom arrogante e a contestável base teórica do artigo
revelam posições unilaterais, contraditórias e
anacrônicas de quem se tenta intitular os “defensores da
melhoria educacional do país”. Paradoxalmente, a matéria
não se dá conta de que os pseudo-defensores (financiadores
de Veja) integram as “elites que não querem um povão
instruído, pois aí começarão os questionamentos
que destruirão as estruturas do poder exploratório dessas
elites”, como bem frisou o jornalista.
7. A atuação da CNTE e de seus sindicatos filiados sempre
se pautou contra os interesses das elites do país, e fazemos
questão de delimitar nosso campo de atuação. Para
nós, essas elites são os verdadeiros cânceres sociais
do Brasil. Nosso projeto vincula a educação à estratégia
para se alcançar a soberania e o desenvolvimento para todos/as.
Defendemos escola pública de qualidade socialmente referenciada,
e não temos dúvida de que a desvalorização
da categoria, a superlotação das salas de aula, as duplas
e triplas jornadas de trabalho e a histórica desresponsabilização
do Estado para com a formação dos profissionais da educação,
só para ficar nas citações da matéria, sempre
fizeram parte do projeto de sociedade pensado e executado pelas elites
e seus agregados.
8. Não fosse a determinada atuação sindical, certamente
as elites teriam aniquilado a educação pública
e seus profissionais, como se tentou fazer em vários momentos
da recente história do país, especialmente na era neoliberal
(1990-2002). Além de impedir a privatização das
escolas e universidades públicas e de lutar contra o nefasto
arrocho salarial, educadores e estudantes se empenharam em ampliar o
direito à educação - severamente restringido pelo
Estado neoliberal.
9. Passada a fase de ataques às organizações da
sociedade (sindicatos, entidades estudantis, movimentos sociais urbanos
e rurais), essas representações iniciaram processo de
cobrança pela retomada da responsabilidade do Poder Público
frente a suas atribuições constitucionais. Pautada por
princípios humanitários, democráticos e igualitários,
a CNTE, junto com outros parceiros, lutou pela ampliação
do financiamento para a educação básica, profissional
e superior. O Fundeb, o fim da DRU na educação, a abrangência
do Salário-Educação para toda a educação
básica, assim como a política nacional de formação
do magistério e dos funcionários de escola, a aprovação
da Lei do piso do magistério, a ampliação da obrigatoriedade
do ensino da pré-escola ao ensino médio (EC nº 59),
a reserva de vagas em instituições de ensino superior
para negros, índios e estudantes oriundos da escola pública
e a implementação das disciplinas de história afrobrasileira,
africana e indígena (leis 10.639 e 11.645) são algumas
das pautas que nortearam as mobilizações da CNTE, nos
últimos anos, em prol da educação pública,
gratuita, laica, democrática, de qualidade e para todos e todas.
10. Sobre as teorias contra os Sindicatos - encomendadas por governos
neoliberais da década de 1990, as quais o repórter cita
-, as mesmas deixaram de ser defendidas por muitos de seus formuladores,
revelando o anacronismo da base conceitual da matéria publicada
por Veja. Como exemplo, em entrevista ao Estadão, em 02/08/2010,
a ex-secretária adjunta de educação dos EUA, Diane
Ravitch, pensadora dos testes nacionais e dos processos punitivos aplicados
aos professores e demais profissionais da educação, desaconselhou
a prática desses métodos e julgou prejudicial políticas
remuneratórias baseadas em avaliações meritórias.
Isso depois de concluir - empiricamente, após duas décadas
- que a educação é um processo que extrapola os
limitados testes. Lamentavelmente, o arrependimento da educadora americana
não se alastrou pelo Brasil, e muitos gestores continuam se apoiando
nesta fórmula falida.
11. A CNTE, com mais de 1 milhão de associados numa base de
2,5 milhões de trabalhadores/as, representa o terceiro maior
grupo de ocupação do país. Além de legítima
representante da categoria em território nacional, a Confederação
conta com expressivo reconhecimento internacional junto a organizações
da sociedade civil e de governo. Nos últimos dias 14 e 15 de
março, a CNTE participou da Cúpula Internacional da Educação,
organizada pela OCDE, em Nova Iorque. Numa perspectiva inversa à
defendida por Veja - de “peitar os sindicatos” -, a condição
para a participação dos países na Cúpula
era o envio de representações sindicais do setor educacional.
Também ao contrário do que pensa a revista brasileira
e parte dos gestores públicos descompromissados com a educação
de qualidade, a Cúpula alertou, por meio de relatório
disponível no site da OCDE, para a necessidade de melhorar o
status do professor, de recrutar pessoas qualificadas, de oferecer formação
permanente a elas e, sobretudo, de pagá-las melhor. Segundo o
relatório, tão importante quanto o salário é
fazer com que o professor seja respeitado, seja na estrutura de seu
trabalho pedagógico, seja como cidadão que contribui para
um amanhã melhor.
Em referência a essas últimas e atualizadas opiniões
formuladas por estudiosos, gestores e educadores de todo o mundo - em
recente evento mundial do mais alto gabarito - lamentamos, profundamente,
que um veículo de comunicação nacional, responsável
por formar a opinião de milhares de pessoas, se mostre porta-voz
de teses ultrapassadas de uma elite que tenta posar de ‘déspota
esclarecida’. Também não somos tolos para acreditar
em simples desatualização de informações
da revista Veja, fato que seria tão grave quanto à complacência
amoral desse órgão de comunicação que insiste
em se opor aos interesses da maioria do povo brasileiro.