sexta-feira, 18 de maio de 2012

Euforia com mega-eventos pode manter intactos retrocessos da era Teixeira

Escrito por Gabriel Brito, da Redação  do CORREIO DA CIDADANIA

Cerca de dois meses após a renúncia de Ricardo Teixeira da presidência da CBF, absolutamente nada no futebol brasileiro oferece sinais de mudança. Seu sucessor, José Maria Marin, entulho malufista e da ditadura, continua candidamente no cargo que parecia prestes a ser disputado em novas eleições, com o crescente beneplácito dos clubes, federações e governo federal.

Dessa forma, ficou até fácil para os asseclas de Teixeira, certamente em tom de gratidão, exaltarem o “legado” e o “brilhantismo” de sua gestão, que teria tornado o futebol brasileiro vencedor como nunca. Não faltaram exemplos da mídia, capitaneada pela Globo, ressaltando os títulos conquistados pela seleção em todas as categorias, e o esquecimento, nada inocente, das variadas formas de devastação que Teixeira e sua turma promoveram em nosso futebol.

Cabe, portanto, uma análise a respeito do que foram, de fato, os anos de Ricardo Teixeira à frente do futebol nacional e sua verdadeira herança.

O Ministério do Bom Senso adverte:

Antes que alguns precipitados saiam em defesa do que Romário definiu como “câncer extirpado”, é bom se ater a tais fatos, vide a subserviência com que certa parte da mídia tratou o cartola, inclusive em sua vexatória despedida através de carta lida por um “desconhecido” vice.

Em primeiro lugar, os atuais valores astronômicos que giram em torno da CBF e da camisa da seleção nacional não são nada mais que produto da valorização global adquirida pelo futebol a partir dos anos 90, tornado um grande e bilionário negócio em escala mundial. E nesse sentido, o Brasil ainda se encontra atrás de outros países, apesar de ser hoje a sexta economia do mundo e o propalado “país do futebol”.

Em segundo, quem trouxe e bancou a Copa do Mundo no Brasil foi o governo federal, cuja chancela foi fundamental para receber o voto de confiança da FIFA, que por sua vez tem escolhido somente países que permitem uma fácil ramificação de seus negócios – e também de seus parceiros. Além disso, a federação internacional estabeleceu, no fim dos anos 90, um rodízio de continentes para receber a Copa. Quando chegou a vez da América do Sul, o Brasil foi candidato único. E ainda a respeito do mundial, cabe lembrar que Teixeira garantiu que seria financiado pela iniciativa privada, algo que comprovadamente não acontecerá.

Em relação aos títulos da seleção, não passa de “apropriação indébita”, provavelmente a maior especialidade da figura cuja gestão distanciou como nunca a seleção brasileira de seus torcedores. Aceitou passivamente uma patética imposição da FIFA (em 2003), por pressão da UEFA (a Confederação Européia), de só realizar amistosos da seleção em território europeu (ou a 4 horas de distância de avião), o que caiu como uma luva em sua estratégia de terceirizar os jogos da seleção para uma empresa de marketing esportivo, que por sua vez se ocupa de “vendê-los” pelos mais lucrativos preços. Por isso a equipe canarinho acumulou dezenas de “clássicos” inexpressivos mundo afora, inclusive mantendo relações com os mais repugnantes governos.

Além do mais, jamais propiciou um ambiente de profissionalismo e organização nas federações e nos clubes, que passaram a maior parte desses anos acumulando dívidas estratosféricas e, mais diretamente, sendo roubados e degradados pelos mais diversos conluios de cartolas e empresários – assim como os estádios. Aliás, foi sob sua gestão que essa nova categoria surgiu com toda a força no futebol nacional, sem barreiras para atuação, o que levou ao assalto de inúmeras categorias de base. Acabou-se a velha Lei do Passe para que todo o poder fosse transferido aos empresários.

Dentro de tamanha desordem e insolvência financeira, não surpreende que as últimas gerações de jovens tenham se acostumado a assistir nossos melhores jogadores pela televisão, nas competições européias, nos mais diversos países e em clubes de todos os níveis. Em muitos casos, não há televisão que resolva, pois também mandamos enormes contingentes do nosso “pé-de-obra” para os países árabes, asiáticos, do leste europeu, dentre outros destinos que oferecem enorme comodidade estrutural e salários com os quais os clubes brasileiros não podem concorrer.

E a respeito da retórica estelionatária de que sua gestão trouxe incríveis 112 taças, de todas as categorias, incluindo as Copas de 94 e 2002, só nos resta o desprezo e aquele riso de canto de boca, de quem sabe que no futebol, especialmente o brasileiro, jamais se coloca na conta de dirigentes os títulos conquistados pelos jogadores. Um discurso francamente abusivo, pois jamais se viu Teixeira vivenciar e debater o futebol, de modo a demonstrar algum conhecimento que pudesse ser colocado na conta dos resultados da seleção, para bem ou para mal.

O futebol doméstico continuou parado no tempo, com um calendário extenuante e a eterna troca de favores com dirigentes de federações estaduais dando as cartas e mantendo tais competições com fórmulas caça-níqueis, desgastantes e cada vez piores tecnicamente. Já as divisões nacionais de acesso seguem ao relento, sendo absolutamente insuficientes para acomodar os cerca de 600 clubes profissionais que militam no país. Fora que as séries C e D são ainda muito precárias e desprestigiadas.

Com isso, privilegiam-se enormemente os grandes clubes, com um ano inteiro repleto de competições e jogos atraentes, o que obviamente os faz mais rentáveis, criando um grupo seleto de poucas dezenas, que basicamente são os times das séries A, e mais modestamente, B. A imensa maioria fica relegada a competições fracas e pouco úteis, ou simplesmente no ócio por meses, o que as impede de se sustentar com consistência e revelar novos jogadores.

Um tiro no peito do Norte/Nordeste

Na esteira de tamanho descaso com os clubes, por conta da excessiva atenção destinada aos negócios, não é de surpreender que as equipes das regiões Norte e Nordeste, e dos estados mais fracos em geral, sucumbissem aos tempos modernos. Descuidada a organização do futebol doméstico, por sua vez guiado pelos interesses particularistas da Rede Globo, é esperado que as equipes de segundo ou terceiro escalão também se vejam diante de dificuldades imensas.

Preocupada somente com audiência e retorno publicitário, a Vênus Platinada, grosso modo, só quer saber de Corinthians e Flamengo, o que relega equipes tradicionais e importantes, menos populares e de força mais regional, a papéis cada vez mais decorativos no cenário futebolístico, por vezes sequer servindo como formadoras de novos atletas, algo que em última instância prejudica todo o conjunto.

Contra a vontade da associação que congregava os clubes nordestinos, Teixeira e Globo extinguiram o Campeonato do Nordeste, competição que reunia os principais clubes da região e era um grande sucesso de renda e público, encerrado em 2002. O mesmo se deu com a Copa Norte, que mesmo de forma mais modesta também fortalecia alguns clubes da região.

Com esse fator, somado a uma distribuição cada vez mais elitizada do dinheiro e a eterna covardia dos dirigentes dos clubes, gente absolutamente do mesmo nível de Teixeira, talvez apenas com menos habilidades, o século 21 marcou o início da marginalização dos times dessas regiões, cuja distância para os grandes do Sudeste/Sul não parou de crescer.

Mesmo algumas potências campeãs nacionais como o Bahia e o Sport sofrem para se manter na primeira divisão, que dirá a respeito de ter grandes equipes por longo período, como se via antigamente. Hoje em dia, a principal divisão nacional abriga poucos clubes nordestinos, que via de regra lutam apenas pela permanência, jamais pelas primeiras posições.

Ao Norte, potências regionais como Remo e Paysandu não conseguem lugar sequer na segunda divisão, mesmo possuindo admiráveis massas torcedoras. Já os amazonenses, a despeito de sediarem a Copa, têm um futebol que mal pode ser chamado de profissional, sendo que seu campeonato amador supera o ‘oficial’ em popularidade.

O mesmo vale para o Centro-Oeste, com exceção de Goiás. Mas as sedes da região na Copa serão os novos estádios a serem erguidos em Cuiabá e Brasília. O belo e prontíssimo Serra Dourada não tem vez nessa grande onda de negócios em torno dos estádios/shoppings.

Como se não bastasse, um dos últimos atos de Teixeira foi ajudar a implodir a negociação coletiva dos clubes com a televisão pela transmissão do Campeonato Brasileiro, evitando a concorrência exigida pelo Cade e favorecendo descaradamente a Rede Globo, que mais uma vez levou a melhor rasgando as regras do jogo e usando seu cacife de emissora oficial da República.

Com isso, as agremiações partiram para negociações individuais, o que tende a mostrar efeitos nefastos para o futebol nacional até no curto prazo, uma vez que as equipes mais populares e com mais “força de mercado” assinaram contratos por valores incomparáveis. Isso certamente aumentará o abismo entre os times grandes e pequenos no país. Portanto, outra punhalada nos clubes do Norte/Nordeste, que, a depender das medições de mercado, sempre estarão (muito) atrás.

Um legado... para os amigos

Diante do apanhado, fica notório que Ricardo Teixeira não passou de mero balconista do mundo do futebol, isso na chamada era da globalização, isto é, no momento em que o esporte, como tudo na vida, se mercantilizou como nunca, trazendo diversos negócios associados e entes outrora estranhos interessados em investir. Sequer, portanto, pode ser chamado de visionário ou qualquer coisa que o valha.

Sua postura pessoal diante da imprensa e do público torcedor sempre foi marcada pela arrogância e triunfalismo nos momentos de vitórias, dentro ou fora de campo. Por outro lado, sempre agiu como rato nos momentos negativos ou de questionamentos, desaparecendo completamente do radar.

Tampouco utilizou as fortunas angariadas pela seleção brasileira no sentido de fomentar o futebol país afora, especialmente nos locais com menos recursos. Preferiu comprar jatinhos e financiar campanhas políticas de aliados, entre outros investimentos obscuros.

Jamais dialogou ou respeitou torcedores, sendo presença inexistente nos estádios e grandes jogos dos torneios nacionais, e nunca se importou com as condições de conforto e respeito aos jogadores e freqüentadores desses locais que agora passam por um claríssimo processo de higienização e elitização.

Pois, no que depender de gente como Teixeira, o futebol tem mais é que se tornar um espetáculo para quem pode pagar, de preferência cada vez mais, sem que haja problemas na substituição do torcedor pelo consumidor nas arquibancadas. Aliás, arquibancadas e gerais podem sumir e dar lugar somente às chamadas numeradas e seu seleto público abastado e passivo.

O governo, por sua parte, apesar de financiar Copas do Mundo e dívidas gigantescas desses clubes, nada faz, contentando-se em limá-lo do cargo, em nome dos fortes apelos públicos, e escrever mais uma página farsesca de sua “faxina contra a corrupção”, sem qualquer conteúdo político de fundo e propostas realmente renovadoras. Como dito em análise anterior, não passa de uma rápida aparada de arestas a fim de tornar todas as maracutaias vindouras mais discretas e palatáveis, pois, diante dos mega-negócios que se avizinham, um personagem como Teixeira só tinha a atrapalhar.

Teixeira foi pra bem longe, mas se o país se recusa a adentrar a maioridade política, administrativa e moral, não será o futebol, mero reflexo geral, a tomar a iniciativa. Por aqui isso está claro. E que venha a Copa e seus ilusionismos, sob a batuta da mesma CBF de sempre.


Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

Marcio Pochmann: ‘Ascensão da classe trabalhadora dá sinais de esgotamento’

Piero Locatelli

Piero Locatelli no CARTA CAPITAL

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, será candidato à prefeitura de Campinas Foto: Agência Brasil

Prestes a disputar a eleição municipal em Campinas, o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), nega a existência de uma nova classe média no Brasil em seu novo livro A Nova Classe Média?, da Editora Boitempo.
Na obra, o economista defende a tese de que a mudança social dos últimos oito anos não resultou na criação de uma nova classe média no País. Segundo ele, os empregos gerados nos últimos anos criaram uma classe trabalhadora consumista, individualista e despolitizada.
Esse movimento de ascensão da classe trabalhadora, segundo Pochmann, apresenta sinais de esgotamento, e agora o governo deve buscar outras maneiras de gerar emprego.
O economista deve sair em breve do Ipea, onde está desde 2007, para concorrer à prefeitura de Campinas pelo PT. O livro será lançado no próximo dia 29, durante debate na sede da PUC, em São Paulo.

CartaCapital: O senhor fala que há um despreparo das instituições democráticas para canalizar os interesses da nova classe trabalhadora. Por quê?

Marcio Pochmann: Estamos observando uma despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida nos valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70. Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com esse segmento que, possivelmente, liderará o processo político brasileiro. De alguma forma, esse segmento conduzirá a política brasileira. Seja pela direita, seja pela esquerda.
Os sindicatos, associações de bairro e partidos políticos estão observando esse avanço social que não se traduz em aumento das filiações nos sindicatos, nas associações de bairros, nos partidos políticos.
Veja que cerca de 1 milhão de jovens ingressaram na universidade através do Prouni. Isso é uma ascensão na universidade, mas se traduziu na ampliação e reforço do movimento estudantil? A gente não observa isso.
Acontece a mesma coisa em relação aos leitores. Houve um avanço de mais de 40 milhões de leitores no Brasil, mas a ampliação da mídia escrita não se traduziu nesse mesmo sentido.
CC: Há uma explicação para isso?

MP: As instituições democráticas não entenderam ainda o que tem sido essa mobilidade social. Como nós temos pouco conhecimento, não temos uma ação mais identificada. Os sindicatos acabam sendo mais defensores do passado que protagonistas do futuro porque não conseguem criar um diálogo com esse segmento. É um desafio evidente para todos nós.

CC: O senhor fala que a classe trabalhadora é consumista. Isso é necessariamente ruim?

MP: Não, é um movimento natural que ocorre quando você não tem a politização, consegue um emprego e tem a elevação da sua renda. Você entende como sendo resultado do seu esforço individual quando, na verdade, nós sabemos que a geração e a elevação da renda dependeram de um acordo político, de uma decisão política, de um resultado eleitoral.
Portanto, o que eu quero chamar a atenção é que essa manifestação que se observa de forma mais clara é natural do ponto de vista da individualidade de cada um. Mas se não vem acompanhada de um processo de conscientização, essa ascensão pode ao mesmo tempo retroagir ou ser encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente da que levou a uma ascensão social recente.

CC: Porque as pessoas identificam a ascensão como resultado do próprio esforço individual…

MP: Esse é o papel da politização, até porque você percebe que as coisas foram feitas com esses segmentos. Eles são favoráveis ao crescimento, ao emprego e assim por diante. Mas na questão dos valores mais amplos da política, como pena de morte, eles majoritariamente estão atrelados a visões muito ultrapassadas.

CC: A maior parte dos empregos gerados foi com rendimento próximo a um salário mínimo. Como o governo pode gerar empregos com melhor remuneração?

MP: Primeiro quero dizer que foi muito bom ter gerado esses empregos acompanhados da formalização e do aumento do salário mínimo, tendo em vista o estoque de desempregados que nós tínhamos. Nos anos 2000 eram praticamente 12 milhões de pessoas desempregadas. Se o Brasil não gerasse esse tipo de oportunidade, se gerasse empregos de classe média, que exigem maior escolaridade, esse segmento que ascendeu não teria ascendido. Mas esse movimento está apresentando sinais de esgotamento. Porque a questão fundamental neste momento é a ampliação dos investimentos para aumentar a capacidade produtiva. E o aumento de investimento, novas fábricas, novos avanços da produção vêm acompanhados de inovação tecnológica, maior exigência de qualificação, maior demanda de trabalhadores com escolaridade, portanto maiores salários e ocupações melhores.

CC: No livro, o senhor diz que as pessoas que acenderam socialmente nos últimos anos não podem ser consideradas de uma nova classe média. Por quê?

MP: Uma classe média tem ocupações diferentes dessas que foram geradas. Se fossem vinculadas a bancários, professores ou dirigentes de empresas, possivelmente nós poderíamos associar isso a classe média, mas não foram essas ocupações que deram razão a essa mobilidade social.
No caso brasileiro, parcelas significativas das ocupações não são geradas pela indústria, mas sim por serviços. Por isso, entendemos que são novos segmentos no interior da classe trabalhadora. A classe média tradicionalmente tem uma estrutura muito diferente desses segmentos novos que surgiram no Brasil. Ela tem mais gastos com educação e com saúde. O peso da alimentação é muito menor do que o que se identifica nesse segmento de renda de até 1,5 ou 2 salários mínimos mensais.
Ao mesmo tempo, a classe média poupa, não gasta tudo que ganha. Nela, a elevação da renda não se traduz necessariamente na elevação do consumo. Especialmente porque os bens que mais têm sido dinamizados no país, como eletrodomésticos, são bens que a classe média já possui. Então a classe média poupa. E isso é uma diferença que nós não identificamos nos segmentos agora em ascensão.
A classe média tem ativos e patrimônio. São várias características que infelizmente nós não conseguimos observar nesses segmentos que estão ascendendo. E são segmentos que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à classe trabalhadora, tal como foi o padrão de expansão do Brasil nesses últimos dez anos.

CC: Essas particularidades mudam, alguma forma o foco das políticas voltadas a essa parcela da população?

MP: Esse debate, de como se identifica essa ascensão social no Brasil, tem implicações evidentes no posicionamento do Estado brasileiro, das políticas públicas. Se nós identificarmos essa ascensão como um movimento vinculado à classe média, certamente o papel do Estado estaria ligado à difusão dos serviços privados, por intermédio de subsídios, como através do Imposto de Renda, que subsidia gastos do setor privado da classe média. Hoje é possível descontar despesas de educação, saúde e previdência privada. São interesses diferentes da classe trabalhadora, que são por bens públicos de interesse coletivo: saúde pública, educação pública, transporte público.

CC: Quando o senhor deve sair do Ipea para se dedicar à campanha?

MP: Essa é uma resposta que eu não tenho condições de dar. Até o 6 de julho, eu sei que tenho que sair inexoravelmente. O dia que eu vou sair depende da presidenta, estou aguardando o posicionamento dela.

CC: O senhor até hoje só tinha ocupado cargos técnicos e agora está tentando a sua primeira eleição. Por que tomou a decisão de ser candidato?

MP: Eu me considero um intelectual de perfil engajado. Foi a partir de uma conversa com o próprio presidente Lula, em que ele chamava atenção às mudanças que o Brasil estava passando no começo desse século. As mudanças são muito diferentes daquela que o Brasil estava passando nos anos 70, começo dos 80, quando o PT foi criado. Hoje temos um ciclo de lideranças que foram forjadas num Brasil que quase não existe mais. Existe uma necessidade de renovação do PT, especialmente quando o partido está no auge ainda.
E tem também, outro lado. Em geral, a prefeitura existe como um cargo com menor visibilidade quando se compara com o Executivo estadual e nacional. No caso do Brasil, uma federação, o exercício de um mandato na prefeitura é absolutamente fundamental. Quando se lança uma política pública, se fala da experiência em determinada localidade, para saber se dá certo, dá errado, de poder tornar um programa de abrangência nacional. Temos uma oportunidade de testar experiências inovadoras no ponto de vista da administração pública a partir da experiência local. Campinas é uma cidade que permite essa oportunidade de iniciar um ciclo de inovações em políticas públicas que são necessárias para o Brasil de hoje.

CC: O senhor foi indicado pelo presidente Lula, a exemplo do que aconteceu em São Paulo com o Fernando Haddad. Há setores do partido que se incomodam com essas decisões tomadas com base no desejo do ex-presidente.

MP: No meu caso, tive essa conversa com o presidente Lula e depois comecei uma conversação longa com os militantes, com o PT na cidade de Campinas e tanto assim que me submeti a uma prévia dentro do PT com outro candidato. Foi a prévia com a maior participação na cidade de Campinas e maior apoio a um candidato. Porque participei de um processo interno democrático, aprendi muito, gostei.

CC: Tem falado com o ex-presidente?

MP: Eu estive com ele há duas semanas e conversamos um pouco sobre esse período pós-prévia, organização da campanha. Ele manifestou desejo de apoiar da melhor forma que puder.

CC: A presidenta Dilma já disse como será a presença dela na campanha?

MP: Eu ainda não tive essa oportunidade. Estou esperando o momento oportuno para conversar com ela.

CC: Quais partidos vão fazer parte da aliança?

MP: Também não há definição. A gente ainda começa a ouvi-los, vai consultar vários partidos e fazer o balanço das oportunidades para partidos. E tem tempo para a definição até julho, na verdade.

CC: Campinas teve um prefeito cassado recentemente, Dr. Hélio (PDT). Haveria algum constrangimento em se aliar ao PDT?

MP: Não. Na verdade, eu imagino que a discussão nesse âmbito da prefeitura se deu no passado, embora isso seja um elemento a ser discutido. Se nós ficarmos discutindo o passado, não teremos respostas para o futuro. Quero ser um candidato do futuro, ter respostas para a sociedade. O passado serve só para a gente não repeti-lo nem cometer os mesmo erros.

Baixa aprovação em concurso é alerta sobre formação de professores, diz governo do RS


Rachel Duarte no SUL21

O debate sobre a qualidade do ensino está aberto novamente no Rio Grande do Sul. Os novos elementos são o resultado do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre o estado gaúcho ter o maior índice de reprovação (20,7%) no Ensino Médio e a baixíssima aprovação dos professores no recente concurso público do magistério. As duas notícias saíram esta semana e provocaram uma coletiva de imprensa do secretário estadual de Educação, José Clóvis, nesta quinta-feira (17). Na avaliação do executivo, os dados sobre o ensino médio são os mesmos desde 1975 e a gestão Tarso Genro já começou a Reforma do Ensino Médio no estado. Quanto aos pouco mais de 5 mil aprovados no concurso, ele anunciou novo concurso público para este ano e sugeriu uma reflexão sobre a formação dos professores.
“Não quer dizer que eles (professores) tenham baixa formação cultural, mas aquilo que eles estão aprendendo nas escolas de formação não está adequado ao necessário aos padrões do profissional para sala de aula”, afirmou o secretário José Clóvis. De acordo com o titular da Educação, diferente das críticas sobre o grau de dificuldade da prova aplicada no processo seletivo do magistério gaúcho, a prova foi “normal”. Clóvis explicou que a Secretaria Estadual de Educação efetuou nova verificação dos conteúdos e da bibliografia exigidos para o teste. “Não houve excesso. Tudo que apareceu nas questões é o que se discute sobre a prática de educação”, garante.
Secretário de Educação do RS, José Clóvis defende que Reforma do Ensino Médio já está acontecendo | Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

Foram quase 70 mil candidatos que realizaram as provas no dia 15 de abril. Destes, 92,45% foram reprovados. A composição da prova incluía Português, Legislação e Conhecimentos Pedagógicos, como tradicionalmente ocorria, e inovou com a exigência de conhecimentos específicos da habilitação do professor por área. Com a aprovação de apenas 5,2 mil aprovados, entre os 10 mil inscritos para o quadro em 131 habilitações diferentes, ainda será contabilizado quais as áreas onde mais pessoas foram aprovadas. “O importante é que nenhuma escola ficará sem professor. Onde não pudermos colocar os convocados pela lista do concurso, vamos colocar os professores contratados”, explica o secretário.
A realização do concurso foi pensada justamente para reduzir o universo de cerca de 20 mil professores contratados sem carreira no funcionalismo, fator que dificulta o vínculo com a comunidade escolar e influencia na qualidade do ensino. Com o baixo desempenho dos professores, o governo gaúcho anunciou a realização de novo concurso para este ano. As provas deverão ser aplicadas no final do ano ou no começo de 2013, no mesmo padrão de exigência. “Pensamos um concurso dentro de padrões que consideramos essenciais para um profissional adequado ao ensino de qualidade. O que pudemos perceber é que está havendo dificuldades na formação dos professores”, reforça José Clóvis.
O governo também irá promover o concurso público para funcionário de escola. O número de vagas não foi fechado, pois a Secretaria ainda está desenhando os cargos que serão disponibilizados. “Estamos trabalhando outra concepção. Repensaremos o quadro funcional de acordo com a realidade atual da escola pública: mais complexa, que oferece mais serviços e recebe mais aporte financeiro com os programas Mais Educação, Escola Aberta e RS Inovador. Precisamos de nutricionista para o controle de qualidade da merenda, que virou uma refeição completa, técnicos de contabilidade para gerenciar os novos recursos”, exemplificou José Clóvis.

“Melhor fazer novo concurso do que contratar pessoas que não estão preparadas”, diz Mariza Abreu

“É melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal preparadas", defende ex-secretária estadual Mariza Abreu | Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini

A ex-secretária de Educação do RS, Mariza Abreu concorda com a realização do concurso público aplicado na gestão atual. Segundo ela, as inovações por área do conhecimento e por região já haviam sido pensadas no governo de Yeda Crusius (PSDB). “Fico feliz que isto foi adequado. Nos outros estados as provas sempre foram separadas por áreas específicas, só no RS que não. E a continuidade nas políticas públicas é fundamental porque as mudanças na Educação acontecem de forma gradual. Acaba que em quatro anos nunca dá tempo de fazer tudo, porque a rede estadual é muito grande”, falou.
Mariza entende o baixo índice de aprovados como um fator positivo. “É melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal preparadas, que não se habilitam com formação continuada depois”, afirma a ex-secretária. Ela afirma que o fato da modificação por região e não por município ajuda a evitar desequilíbrios de ter mais ou menos professores por cidades. “Tínhamos casos em que faltava professores e outros locais sobravam”, comenta.
Porém, analisando apenas o edital do concurso, Mariza acredita que possa ter ocorrido algum equívoco na definição dos conhecimentos específicos. “Podem ter feito por disciplina e não por área. Existem várias licenciaturas que são por área. E só o fato de ter sido a primeira vez que se faz provas específicas já pode ter influenciado na aprovação. Não acho isso ruim. Se temos o estado maior empregador de professores exigindo no concurso, isso vai contribuir para melhorar os cursos de formação. Falta uma interlocução entre as agências de formação de professores e os empregadores. O resultado disso estoura no professor”, avalia.

“Sobrecarga dificulta preparação para as provas”, acusa Cpers

Rejane de Oliveira: elaboração de provas difíceis foi estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A discussão sobre os índices de aprovação dos professores perpassa também outros aspectos da carreira do magistério, na avaliação do sindicato da categoria, o Cpers. A presidente Rejane de Oliveira fala que um conjunto de elementos influenciou os resultados das provas. “Foi um concurso diferenciado. Nossa categoria saiu das provas dizendo que as questões foram mal elaboradas, deixavam margem para dubiedade de interpretações. Foi uma estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira”, acredita.
Rejane acusa que o grau de exigência foi intencionalmente seletivo para não aumentar o número de professores que engrossarão o bolo do pagamento do Piso Nacional do Magistério. “A precarização das relações de trabalho continua e o governo ainda tenta jogar na sociedade que falta qualificação da nossa categoria. Uma categoria com negativa do governo para pagar o piso tem que se desdobrar em três turnos para dar conta da sua sobrevivência e sobre pouco tempo para a preparação para uma prova tão exigente”, defende.
Maria Eulália Nascimento: estrutura salarial do magistério não é "a miserabilidade que se anuncia" | Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

secretária-adjunta de Educação Eulália Nascimento contesta dizendo que o discurso político da negociação sobre o pagamento do piso não pode ser caracterizado. “Temos que desmitificar a precarização da carreira do magistério. Dos 21 mil professores que estão na carreira e que receberam completivo, 17 mil estão aposentados. Somente 4 mil na ativa recebiam a menos que o piso. O que comprova que a estrutura salarial e a carreira do magistério não são a miserabilidade que se anuncia”, diz. Ela complementa dizendo que “a carreira defendida via Plano de Carreira, possibilita que do nível médio para graduação seja de 85% o aumento, e ainda acrescido os índices dos triênios e das possibilidades das classes que são de 5% a 50%”. O que significaria, segundo ela, uma margem de composição salarial ao longo da carreira do magistério que varia do 1% ao 400%. “Queremos mais do que isso ainda, mas não é a tragédia que se anuncia em relação ao valor do piso”, defende.

Reprovação e Reforma do Ensino Médio

Sobre a taxa de reprovação no ensino médio apresentada pelo Inep esta semana, em que o Brasil registrou os maiores indicadores desde 1999 e o Rio Grande do Sul lidera o ranking dos estados, os gestores do governo gaúcho alegaram não ser um reflexo desta gestão. “É um dado que o RS tem desde 1975. Sempre variou de 17 a 21%”, falou o secretário de Educação, José Clóvis comparando aos atuais 20,7%.
Bruno Alencastro/Sul21
Mudança de qualidade no ensino público é "de médio a longo prazo", diz secretário José Clóvis | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

A realização do concurso público foi uma das ações citadas pelo secretário como fatos concretos de uma mudança na qualidade do ensino público e que impactarão futuramente nos índices do Inep. “Desde 2011 estamos atentos a estes indicadores. Porém, os resultados são de médio e longo prazo. Estamos licitando 400 obras em escolas para reformas inovadoras. Escolas com cozinha industrial, áreas de esporte e lazer, sala de estudos para professores. O ambiente adequado para que a estrutura não comprometa a qualidade da aprendizagem”, justificou.
A precariedade das instituições públicas de ensino não passa batido aos olhos do sindicato que acompanha o dia a dia dos professores. “Temos escolas caindo aos pedaços. Não temos materiais pedagógicos adequados. Faltam condições de trabalho. Tentam sempre colocar nos ombros dos trabalhadores as mazelas da escola pública para justificar os baixos salários”, defende a presidente do Cpers, Rejane de Oliveria.

Na opinião da educadora Mariza Abreu, o índice é recorrente da escola que não atende as demandas da juventude. “Mas, não podemos responsabilizar os professores. Tem a responsabilidade da instituição que formou o professor e dos gestores públicos neste resultado. O pedagógico não pode ser imposto pela Secretaria de Educação aos professores. Eles não conseguirão dar aula de um jeito que não aprenderam, concordam ou se sentem aptos a fazer”, salienta.
Neste ponto, o atual secretário e a ex-titular da Educação no RS concordam. “O único responsável pela reprovação na concepção dominante acaba sendo o aluno. E ele não é. É o diretor da escola, o professor, a Secretaria de Educação e também o aluno. É uma questão que temos que enfrentar. A reprovação nos mostra algo bom que estamos debatendo: que a essência do trabalho educativo, que é alcançar a aprendizagem, não está dando certo”, disse.

Mariza Abreu concorda com o debate. “Temos que transformar o debate em um problema para podermos modificá-lo. Mas, para mudar isto é preciso mudar a formação dos professores e mudar os currículos. Tornar o Ensino Médio mais atrativo”, critica. E argumenta: “Não conseguimos fazer isso por sucessivos governos porque no fundo tem uma cultura que acha que ensino é um só. Para não ser discriminatório, os que entram no ensino superior, por exemplo, tem que saber de todas as áreas para poder entrar em uma área específica”, explica.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A mãe e a puta estão de volta


A crise e a falta de perspectivas individuais e coletivas parecem reativar a feminilidade mais arcaica, percebida como uma saída em uma sociedade dura, competitiva, implacável – seja no recolhimento do lar ou na busca por um lugar ao sol
por Mona Cholllet no LeMondeBrasil
Nos últimos meses, parece que os cineastas franceses assumiram a missão de mostrar às jovens das classes médias e populares como superar o destino que as espera: estudos inúteis, ou nenhum estudo, seguidos de uma longa vida de trabalho ingrato por um salário irrisório. Contudo, trata-se menos de encorajá-las a fazer uma leitura política de sua situação que de afirmar a existência de ricos e pobres hoje, ontem e amanhã. A pobreza é tratada como um dado estável da história da humanidade – ou mais ou menos estável, pois ninguém tem dúvida de que, recentemente, os mais pobres estão se tornando mais pobres, e os mais ricos, mais ricos. Isso faz suspeitar que haja certos mecanismos políticos operando nesse cenário, mas repeti-los pode revelar um populismo de mau gosto, sobretudo se você for uma linda jovem, que horror! Ademais, por que mergulhar em reflexões extenuantes se a natureza deu-lhe todo o necessário – um corpo jovem, sedutor e saudável – para superar essa situação?
Em dezembro, estreou na França o filme 17 filles [17 meninas], de Delphine e Muriel Coulin. Inspirado na história real de 18 estudantes norte-americanas que engravidaram ao mesmo tempo em 2008, foi transposto para o universo francês da cidade de Lorient e interpreta o acontecimento de maneira fortemente idealizada. As diretoras apresentaram a gravidez adolescente como uma rebelião romântica contra o universo opressivo de pais e professores, e colocaram em cena atrizes magras e lindas, filmadas com beleza e fascinação.1
Afirmar o caráter “subversivo” da maternidade precoce implica ocultar as campanhas de prevenção existentes há anos nos Estados Unidos e, em menor medida, na Europa. Após o filme norte-americano Juno, de 2007, as transmissões de Teen mom(Mãe adolescente) e 16 and pregnant(16 anos e grávida), na MTV; 16 ans et bientôt maman(16 anos e logo mamãe), no M6; ou Clem, maman trop tôt!(Clem, mamãe muito cedo) e Ados et déjà mamans(Adolescentes e já mães), no TF1, são testemunhas da estetização desse problema social. Na França, em 2011, o videoclipe da canção Aurélie, de Colonel Reyel, teve 23 milhões de visitas no YouTube e fez a alegria daqueles que se opõem à interrupção voluntária da gravidez (IVG): “Aurélie tem apenas 16 anos e espera um bebê/ Seus amigos e parentes aconselham o aborto/ Ela não está de acordo, ela quer fazer as coisas diferentes/ Ela diz que está pronta para ser chamada de ‘mamãe’”.
Apesar dessa atmosfera cultural, por enquanto os números seguem estáveis: na França, são registrados alguns milhares de maternidades precoces por ano – dez vezes menos que nos Estados Unidos. Por outro lado, o lar representa uma ocupação atrativa para mulheres de todas as idades perante os baixos salários e meias jornadas do mercado de trabalho; para as mulheres de hoje, assim como para as da década de 1970, emprego não é sinônimo de independência financeira.
Depois da mãe precoce, aparece a prostituta. Em fevereiro, estreou Elles [Elas], de Malgoska Szumowska, filme de ficção sobre a prostituição estudantil – um fenômeno em expansão a ponto de algumas faculdades lançarem campanhas internas de prevenção. Uma das heroínas paga aluguel, está fazendo cursinho e não tem tempo de estudar porque chega esgotada do trabalho em um restaurante de fast-food; a outra desembarca de sua Polônia natal e depara com o preço do aluguel de um quarto em Paris. Por acaso, as duas percebem que homens endinheirados podem repartir um pouco de suas fortunas em troca de momentos de cumplicidade carnal e intimidade. Em definitivo, o mundo não parece tão ruim.
Ambas são convocadas para uma pesquisa da revista Elle e entrevistadas por uma jornalista (Juliette Binoche) cheia de preconceitos, que não conhece o prazer erótico. O filme perpetua as representações misóginas inerentes à prostituição: o burguês frustrado é um ser sensível e triste, com esposa e filhos; a burguesa frustrada, por outro lado, é uma sombra brutalizada, uma criatura grotesca. Única responsável por seu fracasso, falta com seus deveres mais sagrados. Diante de suas interlocutoras, a jornalista percebe que ela “não compreende bem o tema sobre o qual as jovens falam sem dificuldade: dar prazer”. Note-se: dar, e não receber.
As cenas com os clientes são cheias de humanidade tocante, excessos charmosos, transgressões quentes e canções de amor com violão. Ao mesmo tempo, quando lançava sua própria linha de lingerie, a ex-prostituta de luxo Zahia Dehar, que em 2009 foi o “presente de aniversário” do jogador de futebol Franck Ribéry, era manchete do Next, suplemento de moda do Libération (4 fev. 2012). O estilista Karl Lagerfeld acreditava que ela se inscrevia “na linha de cortesãs francesas”, uma “tradição puramente nacional que o mundo inteiro admirou e copiou”. A jornalista ex-prostituta entendia sua história como um “imenso respiro” em uma sociedade “condenada à era dos herdeiros”: não, o elevador social não está bloqueado...
Se nem todas as mulheres se deixam seduzir por esse “conto moderno” (título do perfil da ex-prostituta), todas são convidadas com uma insistência particular a comportar-se como objeto mais que sujeito. Os critérios estéticos e as roupas que definem a qualidade “sexy” são sugeridos desde a mais tenra idade, e em geral com grande adesão: a moda e a beleza representam, ao mesmo tempo, a passagem para a ascensão social e a entrada em um universo de sonhos.2
Assim, a crise e a falta de perspectivas individuais e coletivas parecem reativar a feminilidade mais arcaica, percebida como uma saída em uma sociedade dura, competitiva, implacável – seja no recolhimento do lar ou na busca por um lugar ao sol (a panóplia da mulher fatal). Lado mãe ou lado prostituta, essa feminilidade se define em função das necessidades e expectativas dos outros. Aquelas que se conformam com essa condição reprimem seus próprios desejos, opiniões e ambições íntimas. “Bem longe do ideal das lutadoras de outrora, das mulheres livres, das intelectuais e mulheres de poder, a feminilidade hoje parece responder a apenas um atributo – a sedução – e ter um único objetivo – a maternidade. Os homens e as crianças primeiro!”, escreve Maryse Vaillant,3 que enxerga uma persistente censura intelectual sobre a sexualidade de suas semelhantes. Em Next, Zahia conta que quando criança, na Argélia, era a “primeira aluna da classe”. Adorava matemática e sonhava em ser “piloto de avião”.
Exercer uma profissão por gosto, existir socialmente por outras competências além da maternidade, da sexualidade e da sedução, e conquistar a independência financeira dormindo apenas com quem se quer: ser mulher, sobretudo se não se nasce em berço de ouro, significa lutar. Mas, atualmente, nem isso parece ser um objetivo.

Mona Cholllet é autora de Rêves de droite (Sonhos de direita), Paris, editora Zones, 2008.

Ilustração: Natalia Forcat

1 Cf. “17 filles et pas mal d’objections” [17 meninas e muitas objeções], 1º jan. 2012, Peripheries.net.

2 Cf. Beauté fatale. Les nouveaux visages d’une aliénation féminine [Beleza fatal. As novas faces da alienação feminina], Zones/La Découverte, Paris, 2012.

3 Maryse Vaillant, Sexy soit-elle. Propos sur la féminité [Sexy seja ela. Proposta sobre a feminilidade], Les Liens qui Libèrent, Paris, 2012. A única ressalva é que a autora opõe as evoluções atuais a uma feminilidade “autêntica”, que, em última instância, também está relacionada a outra série de clichês.

Do Homossexualismo ao direito de ser livre


Do Homossexualismo ao direito de ser livre
por: Anderson Castro e Tiago Silveira - Juventude do PSTU
     O dia 17 de maio entrou para o calendário do movimento LGBT’s como o Dia Internacional de Combate a Homofobia. Esse é o dia em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais (homossexualismo). Direito, esse, conquistado com muita luta e organização de LGBT’s para exercer sua sexualidade. Num breve histórico da luta dos homossexuais pela igualdade de direitos, vemos uma constante ofensiva ideológica, no sentido da preservação de uma moral que discrimina e oprime mulheres e homens no capitalismo. A luta contra as fogueiras, contra legislações que condenavam e perseguiam, a luta contra os campos de concentração que torturavam e matavam. Podemos aqui citar inúmeras perseguições aos que “saiam do padrão”.
     No século XX, a Revolução Russa foi onde mulheres e homens tiveram a mais importante vitória na luta pela igualdade, sendo o momento em que os homossexuais tiveram a equidade dos seus direitos, abolindo toda e qualquer legislação que condenava, mulheres e homens, por atos sexuais. Também marco da luta contra a opressão e discriminação aos homossexuais foi o 28 de junho de 1969, quando gays, lésbicas e travestis rebelaram-se contra a repressão policial, tomaram as ruas, tombaram e incendiaram carros, levantaram barricadas e transformaram o Bar Stonewall - NY (onde a revolta teve início) em “marco zero” da luta contra a homofobia, influenciados pelo maio de 68.
     No Brasil dos anos 80, quando o país era estremecido pelas greves do ABC paulista, cerca de 50 homossexuais entraram com faixas e cartazes em plena greve dos metalúrgicos apoiando a luta da classe trabalhadora elxs foram aplaudidos pelos mais 100mil operários, num gesto que demonstra que a luta dos explorados e oprimidos deve ser uma só.

 
Criminalização da Homofobia Já!

     Vivemos uma ofensiva brutal por parte dos setores mais reacionários e conservadores de nossa sociedade. Vimos no governo Lula, a falsa campanha “Brasil sem Homofobia” que em nada diminuiu as agressões e mortes de homossexuais no Brasil. Hoje estamos no segundo ano do mandato de Dilma e não foram poucos os “Bolssonaros” que apareceram por ai. Iremos para 10 anos de um governo de “Frente Popular” e hoje somos o país campeão mundial de violência homofóbica. São cerca de 250 assassinatos por anos, e os números só crescem. Apenas em janeiro de 2012 foram 36 mortes. Mesmo assim presenciamos “acordões” como o de Marta Suplicy (PT/SP) com os senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), ligado à Igreja Universal, e Demóstenes Torres (DEM-GO), líder do DEM no senado, que fizeram a mutilação do Projeto de Lei 122/06 que criminalizaria a homofobia, retirando ponto importantes como a proteção à demonstração pública de afeto e a criminalização do discurso homofóbico. Não podemos esquecer também do veto do “Kit Anti-Homofobia”, que iria incentivar o debate na escola no sentido de conscientizar e apresentar a questão da sexualidade desde a infância.

 
     Paridade de direitos entre homossexuais e heterossexuais!

     O PSTU defende o casamento Gay, nos termos da Constituição Federal de 1988 que mostra, no parágrafo primeiro do artigo 226, que o casamento não é religioso, “é civil e gratuita a celebração”, um procedimento jurídico ministrado num cartório por um juiz de paz. Também defende o direito à adoção, o acesso ao crédito por casais do mesmo sexo, licença-maternidade e paternidade, creches, reconhecimento do nome social de travestis e transgêneros em documentos e órgãos públicos e privados, uma rede de saúde 100% pública e laica que atenda às especificidades dos LGBT’s. Exige também a retirada da resolução da Anvisa que proíbe homossexuais de doarem sangue, a inclusão da educação sexual nas escolas e cursos de formação de professores e a criminalização da homofobia.
     O dia 17 de maio deve ser marcado como um dia de luta contra a opressão e discriminação à Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros. O dia de erguer a bandeira da paridade de direitos entre homossexuais e heterossexuais. Para nós, a defesa incondicional da mais ampla liberdade de expressão sexual é parte da luta pela construção de um verdadeiro socialismo.

 
No dia 12 de Junho a ANEL, o DCE/UFRGS, e outros coletivos irão organizar o 2° Beijaço em Porto Alegre, Participe de mais um Ato em defesa da igualdade, Contra a Homofobia!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O cenário eleitoral em Bagé=Rs hoje


Benedito Tadeu César * no SUL21

Contando com o 17º eleitorado e o 31º PIB do Rio Grande do Sul, Bagé terá uma de suas eleições municipais mais disputadas dos últimos anos. O grande arco de alianças partidárias, encabeçado pelo PT e que garantiu a este partido a vitória em três eleições seguidas e o governo municipal desde o ano 2000, foi rompido.
Desentendimentos partidários, ocorridos ao longo da atual gestão e que atingiram seu auge no final de 2011, provocaram a saída de três dos sete vereadores eleitos pelo PT em 2008, todos antigos integrantes do bloco político do ex-prefeito Luiz Fernando Mainardi, do PT, o grande articulador político no município.
Em decorrência destes fatos, duas grandes alianças estão sendo gestadas no município neste momento, com a possibilidade de polarizar as eleições. De um lado, o prefeito petista e candidato à reeleição Luis Eduardo Colombo dos Santos, o Dudu, e de outro, a vereadora mais votada no município, Adriana Lara Dias, eleita em 2008 pelo PT e hoje no PTB. Uma terceira via foi esboçada, mas, ao que parece, não se articulou.
Dudu tenta se reaproximar de Mainardi e procura atrair o maior número de partidos para sua coligação eleitoral. No momento, oito legendas apoiam sua candidatura: PT, PSB PCdoB, PR, PRB, PPL, PSC e PV. Adriana Lara tem como certo, até aqui, o apoio de sete partidos. Além do PTB, também PDT, PSD, PMN, PHS, DEM e PPS. PMDB e PP ainda não se definiram. Não está certo se lançam candidatura(s) própria(s) ou se apoiam Dudu ou Adriana. Tudo dependerá das negociações da vaga do candidato a vice-prefeito, das nominatas de vereadores e dos acordos programáticos que forem fechados.
Pesquisas realizadas durante o ano passado e que são as únicas publicadas sobre as preferências dos eleitores de Bagé até o momento, apontaram resultados contraditórios. A primeira delas, realizada no final setembro e de responsabilidade do Instituto Kepeler e do Sul21, indicava vantagem de 12,8 pontos percentuais de Dudu Colombo sobre Adriana Lara na menção espontânea e rigoroso empate técnico nos dois cenários estimulados testados. A segunda pesquisa, realizada pelo Instituto Methodus no início de novembro a pedido da Associação dos Jornais do Interior (ADI) e publicada pelo Jornal Minuano, apontava empate técnico entre Dudu e Adriana na menção espontânea e uma vantagem de 18,3 pontos percentuais de Adriana sobre Dudu na menção estimulada.
As pesquisas tinham metodologias, amostras e margem de erros semelhantes, sendo que a Kepeler/Sul21 entrevistou 400 eleitores residentes em Bagé e apresentou margem de erro admitida de cinco pontos percentuais para mais ou para menos e a pesquisa Methodus/ADI entrevistou 300 eleitores e considerou admissível uma margem de erro de 5,5 pontos percentuais. Além das diferenças de resultados apontados acima, outra disparidade chama a atenção: na pesquisa Kepeler/Sul21, apenas 23,5% dos entrevistados declararam não ter candidato preferido na menção espontânea, enquanto na pesquisa Methodus/ADI, 62% afirmaram não ter candidato escolhido. Aparecia, ainda, na pesquisa Kepeler/Sul21, na menção espontânea, a referência ao ex-prefeito Luiz Fernando Mainardi como o preferido de 18,8% dos eleitores.
Independente de quem esteja na frente hoje, se Dudu Colombo ou Adriana Lara, o que só poderá ser constatado por novas pesquisas, o que se pode afirmar é que a eleição para a Prefeitura Municipal de Bagé de 2012 terá um cenário diferente dos anteriores. O bloco político-partidário articulado por Fernando Mainardi foi desfeito, mas, ao que parece, o apoio do ex-prefeito será decisivo para definir o resultado das urnas.
. oOo.

 
* Benedito Tadeu César é cientista político, mestre em antropologia social e doutor em sociologia pela UNICAMP. Foi professor nas universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Espírito Santo (UFES). Fundador e primeiro coordenador do LABORS-IFCH (Laboratório de Observação Social) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. Ex-coodenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS. Consultor e analista político, especialista em pesquisas e comportamento político-eleitoral.

terça-feira, 15 de maio de 2012

A crise e os sindicatos (Ricardo Antunes)



Este texto, do professor Ricardo Antunes,  foi publicado em 1993, na  revista Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo. Foi escrito em meio à arrancada neoliberal no Brasil. Assim como o texto do teórico Ernest Mandel, precisa ser avaliado dentro de um contexto histórico, no entanto, será que muitas críticas contidas no artigo não poderiam ser perfeitamente aplicáveis à CUT e ao movimento sindical nos dias de hoje?
Boa leitura:

A crise e os sindicatos


As perspectivas generosas de emancipação humana, tão caras a Marx, foram ou estão sendo pouco a pouco trocadas pelos valores da acomodação social-democrata. Ao movimento sindical impõe-se a decisão: vamos elaborar um programa de emergência para gerir a crise do capital sob sua ótica ou avançar na elaboração de uma alternativa?

A crise que atinge o mundo do trabalho, seus organismos sindicais e partidários é de proporções ainda não de todo assimiladas. Sua intensidade e agudeza devem-se ao fato de que, simultaneamente, atingiu a materialidade e a objetividade do ser-que-vive-do-trabalho. Não foram poucas as transformações vivenciadas nesta última década, atingindo centralmente os países capitalistas desenvolvidos, mas com repercussões fortes, decorrentes da mundialização e globalização do capital, no conjunto de países do Terceiro Mundo, especialmente aqueles intermediários, com um significativo parque industrial, como é o caso do Brasil.

Indico, a seguir, alguns elementos que, no seu conjunto, compõem a causalidade deste quadro agudamente crítico: a automação, a robótica e a microeletrônica possibilitaram uma revolução tecnológica de enorme intensidade. O taylorismo e o fordismo já não são únicos, convivendo, no processo produtivo do capital, com o “toyotismo”, o “modelo sueco”, entre outros. Tais mudanças têm consequências diretas no mundo do trabalho, especialmente na classe operária. A flexibilização da unidade fabril, a desconcentração da produção, a arrasadora desregulamentação dos direitos do trabalho, os novos padrões de gestão e “envolvimento” da força de trabalho, como os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), experimentados no Japão – em realidade uma apropriação do fazer e saber do trabalho, sob o comando manipulatório do capital dos nossos dias, levando o estranhamento do trabalho (no sentido marxiano) ao seu limite – tudo isso, feito sob um “inquestionável domínio” da “produtividade” e da “modernidade social”, acabou afetando a forma de ser do proletariado fabril, tradicional. A classe-que-vive-do-trabalho metamorfoseou-se.

Se já não bastassem estas transformações, a crise atingiu diretamente a subjetividade do trabalho, sua consciência de classe, afetando seus organismos de representação, dos quais os sindicatos e os partidos são expressão. Os primeiros, os sindicatos, foram forçados a assumir uma ação cada vez mais defensiva, cada vez mais atada ao imediatismo, à contingência, regredindo em sua já limitada ação de defesa de classe no universo do capital. Gradativamente foram abandonando seus traços anticapitalistas visando preservar a jornada de trabalho regulamentada, os demais direitos sociais já conquistados e, quanto mais a “revolução técnica” do capital avançava, mais lutavam para manter o mais elementar e defensivo dos direitos da classe trabalhadora, sem o qual sua sobrevivência está ameaçada: o direito ao trabalho. ao emprego.
 
É nesta contextualidade adversa que se desenvolve o sindicalismo de participação em substituição ao sindicalismo de classe. Participar de tudo …. desde que não se questione o mercado, a legitimidade do lucro, o que e para quem se produz, a lógica da produtividade, a sacra propriedade privada, enfim, os elementos básicos do complexo movente do capital. As perspectivas generosas da emancipação humana, tão caras a Marx, foram ou estão sendo pouco a pouco trocadas pelos valores da acomodação social-democrata. Entre o estrago neoliberal e a bancarrota do Leste Europeu (equivocadamente assimilada por enormes contingentes da esquerda como o “fim do socialismo e do marxismo”), o universo político e ideológico do mundo sindical de esquerda, incapaz de buscar novas alternativas socialistas, refundidas, redescobertas e radicais, se insere cada vez mais na preservação do chamado welfare state, no universo da ação social-democrata. A luta pelo controle social da produção, presente com intensidade nos anos 60/70 e em tantos outros momentos da luta dos trabalhadores, parece cada vez mais distante. O moderno é o mercado, a produtividade, a integração, a negociação, o acordo, a conciliação, a concertação.

Incapaz de apreender a amplitude e a dimensão da crise do capitalismo, postado numa situação desfavorável que lhe obsta a possibilidade de visualizar e agir para além do capital, o sindicalismo, em seus traços e tendências dominantes, conduzido pelo ideário que tem conformado suas lideranças, a cada passo dado recua a um patamar anterior, assemelhando-se a um indivíduo que, embora pareça caminhar para frente, desce uma escada de costas, sem visualizar o último degrau e menos ainda o tamanho do tombo. Cada vez mais atuando sob o prisma institucional, distanciando-se dos movimentos sociais autônomos, o sindicalismo, vive uma brutal crise de identidade. Penso que se trata mesmo da mais aguda crise no universo do trabalho, com repercussões fortes no movimento dos trabalhadores. A simultaneidade da crise, tanto na materialidade quanto na subjetividade da classe-que-vive-do-trabalho, a torna muito mais intensa. Quais foram as consequências mais visíveis destas transformações?

No que diz respeito ao mundo do trabalho, as respostas são complexas e envolvem múltiplas processualidades que aqui somente podemos indicar, de modo a tentar configurar um esboço explicativo para a crise que assola a classe trabalhadora e em particular o movimento sindical. É visível a redução do operariado fabril, industrial, gerado pela grande, indústria comandada pelo binômio taylorismo-fordismo, especialmente nos países capitalistas avançados. Porém, paralelamente a este processo, verifica-se uma crescente, subproletarização do trabalho, através da incorporação do trabalho precário, temporário, parcial etc. A presença imigrante no Primeiro Mundo cobre fatias dessa subproletarização. Ora se confundindo, ora se diferenciando desta tendência. há um fortíssimo processo de terceirização do trabalho, que tanto qualifica como desqualifica e com certeza desemprega e torna muito menos estável a condição operária. Deslancha o assalariamento dos setores médios, incorpora-se o trabalho das mulheres no processo produtivo. Há qualificação em vários setores, como no ramo siderúrgico, acarretando, enquanto tendência, um processo de intelectualização do trabalho industrial (o trabalhador como “supervisor e regulador do processo de produção”, conforme a antecipação genial de Marx nos Grundrisse), e desqualificação em outros, como no mineiro. A processualidade é complexa e multiforme e tem como resultado uma classe trabalhadora mais heterogeneizada,fragmentada e complexificada.
 
O sindicalismo não permaneceu inume a estas tendências: diminuíram as taxas de sindicalização, na(s) últimas) década(s) nos EUA, Japão, França, Itália, Alemanha, Holanda, Suíça, Reino Unido, entre outros países. Com o aumento do fosso entre operários estáveis e precários, reduz-se fortemente o poder dos sindicatos, historicamente vinculados aos primeiros e incapazes, até o presente, de incorporar os segmentos não estáveis da força de trabalho. Houve, na década de 80, redução do número de greves em vários países do centro. Aumentaram os casos de corporativismo, xenofobia, racismo, no interior da própria classe trabalhadora. Tudo isso permite constatar que o movimento sindical encontra-se numa crise de proporções nunca vistas. Que atingiu com intensidade, na década de 80, o sindicalismo nos países avançados e que, na virada de 80 para 90, tocou diretamente os países subordinados, especialmente aqueles dotados de um parque produtivo relevante, como o Brasil. Quando se reflete sobre as transformações vivenciadas no sindicalismo nos países centrais e seus paralelos com aquele praticado no Brasil, é preciso fazer as devidas mediações. Participamos de um contexto econômico, social, político e cultural que tem traços universais do capitalismo globalizado e mundializado, mas que tem singularidades que, uma vez apreendidas, possibilitam resgatar aquilo que é típico deste canto do mundo e, desse modo, reter a sua particularidade. Trata-se, portanto, de uma globalidade desigualmente combinada, que não deve permitir uma identificação acrítica ou epifenomênica entre o que ocorre no centro e nos países subordinados.

O nosso sindicalismo viveu, na década de 80, ora no fluxo, ora no contrafluxo das tendências acima descritas. Diria que, na contabilização da década, seu saldo foi muito positivo. Houve um enorme movimento grevista; ocorreu uma expressiva expansão do sindicalismo dos assalariados médios e do setor de serviços; houve continuidade no avanço do sindicalismo rural, em ascenso desde os anos 70; surgiram centrais sindicais, como a CUT; procurou-se, ainda que de maneira muito insuficiente, avançar nas tentativas de organização nos locais de trabalho, debilidade crônica do nosso movimento sindical; efetivou-se um avanço na luta pela autonomia e liberdade dos sindicatos, onde sobressai a presença organizacional dos funcionários públicos; houve aumento nos níveis de sindicalização, configurando-se um quadro nitidamente favorável para o novo sindicalismo ao longo da última década.

Porém, paralelamente a este processo, nos últimos anos da década de 80 acentuaram-se as tendências econômicas, políticas e ideológicas que inseriam o nosso sindicalismo na onda regressiva. A automação, a robótica e a microeletônica, desenvolvidas dentro de um quadro recessivo intensificado, desencadearam um processo de desproletarização de importantes contingentes operários, de que a indústria automobilística é um exemplo forte. As propostas de desregulamentação, de flexibilização, de privatização acelerada, de desindustrialização, tiveram no neoliberalismo do projeto Collor forte impulso.
Esta nova realidade arrefeceu e acuou o novo sindicalismo que se encontrava, de um lado, frente à emergência de um sindicalismo neoliberal, expressão da nova direita, sintonizada com a onda mundial conservadora, (dê que a Força Sindical é o melhor exemplo) e de outro, frente às próprias lacunas teóricas, políticas e ideológicas no interior da CUT. Estas lacunas lhe dificultavam enormemente o avanço qualitativo, capaz de transitar de um período de resistência, como nos anos iniciais do novo sindicalismo, para um momento superior, de elaboração de propostas econômicas alternativas, contrárias ao padrão de desenvolvimento capitalista aqui existente, que pudessem contemplar prioritariamente o amplo conjunto de nossa classe trabalhadora. Neste caso, além da combatividade anterior, era necessária a articulação de uma análise aguda da realidade brasileira com uma perspectiva crítica e anticapitalista, de nítidos contornos socialistas, de modo a dotar o novo sindicalismo dos elementos necessários para resistir aos influxos externos, à avalanche do capital, ao ideário neoliberal, no lado mais nefasto e, ainda, à acomodação social-democrática, que apesar de sua crise no centro, aumentou fortemente seus laços políticos e ideológicos com o nosso movimento sindical, apresentando-se cada vez mais como a única alternativa possível para se combater o neoliberalismo.

Não é preciso dizer que o quadro hoje é agudamente crítico. O sindicalismo da Força Sindical, com forte dimensão política e ideológica, preenche o campo sindical da nova direita, da preservação da ordem, da sintonia com o desenho do capital globalizado, que nos reserva o papel de país montador, sem tecnologia própria, sem capacitação científica, dependente totalmente dos recursos externos.

Na CUT o quadro também é de grande apreensão. Ganha cada vez mais força, dentro da Articulação Sindical, a postura de abandono de concepções socialistas e anticapitalistas, em nome de uma acomodação dentro da ordem, daquilo que, dizem, é o possível. O culto à negociação, às câmaras setoriais, ao programa econômico para gerir pelo capital a sua crise, está inserido num projeto de maior fôlego, cujo oxigênio é dado pelo ideário e pela prática social-democrática. Trata-se de uma crescente definição política e ideológica no interior do movimento sindical. É uma postura cada vez menos respaldada numa política de classe. E cada vez mais apoiada numa política para o conjunto do país, o país integrado do capital e do trabalho.
No campo que se reconhece como socialista e anticapitalista no interior da CUT, as dificuldades também são de grande monta. Como é possível resistir a uma onda tão intensa? Como é possível elaborar um programa econômico alternativo que incorpore os milhões de trabalhadores que não participam do mercado e que vivem da miséria da economia informal? Como é possível gestar um novo modelo econômico que elimine definitivamente a superexploração do trabalho? Quais são os contornos básicos desse modelo econômico alternativo, cuja lógica deverá iniciar o desmonte do padrão de acumulação vigente no país? Como é possível pensar numa ação que não impeça o avanço tecnológico, mas o faça em bases reais, com ciência e tecnologia de ponta desenvolvida em nosso país? Como é possível um caminho alternativo que recupere valores socialistas originais, verdadeiramente emancipadores? Que não aceite uma globalização e uma integração impostas pela lógica do capital, integradora para fora e desintegradora para dentro? Como é possível, hoje, articular valores inspirados num projeto que olha para uma sociedade para além do capital, mas que tem que dar respostas imediatas para a barbárie que assola o cotidiano do ser que vive do trabalho? Em outras palavras, como superar um caminho meramente doutrinário e buscar a difícil e imprescindível articulação entre os interesses imediatos e uma ação estratégica, de longo prazo, de clara conformação anticapitalista? São, como se pode perceber, desafios enormes.

Se, entretanto, consegui traçar um quadro crítico aproximado, o desafio mais urgente do nosso sindicalismo pode ser assim sintetizado: como se efetiva, no contexto de uma situação defensiva, uma ação sindical que dê respostas às necessidades imediatas do mundo do trabalho, preservando elementos de uma estratégia anticapitalista e socialista?

Recorro a uma síntese que me parece feliz, para expor o “espírito” da resposta que me parece possível indicar:
“Sob pena de divisão, desmoralização e derrotas certas, o movimento operário não pode se contentar em opor à crise a simples proclamação da necessidade de uma luta anticapitalista de conjunto. A crise confronta os trabalhadores com problemas concretos angustiantes: dispensas, perdas de empregos, fechamento de empresas, ataques aos salários e à assistência social, aceleração dos ritmos, ataques aos direitos sindicais e políticos conquistados. Recusar o combate defensivo, através de reivindicações imediatas, sob pretexto de que não há saída no quadro do capitalismo, é condenar toda a classe operária à impotência… Não há melhor meio para desencadear um combate geral do que alguns combates parciais plenamente coroados de sucesso, que demonstrem na prática, aos trabalhadores, que eles podem defender o emprego, os salários e os direitos conquistados.
 
Mas é verdade que todo sucesso em um combate defensivo será frágil e provisório. É verdade que a longo prazo a lógica do capital se imporá, na medida em que continuamos no regime capitalista. Essa lógica do capital coloca-se de forma especial contra a classe operária em um período de desemprego massivo e de depressão econômica. Por isso, todo combate defensivo deve se integrar em uma estratégia anticapitalista de conjunto, que procure efetivamente favorecer a mobilização do operariado por reivindicações transitórias, que sejam contrárias às causas fundamentais do mal que o atinge”. (Ernest Mandel, “O movimento operário diante da crise”, A crise do capital, Editora da Unicamp).

Que caminho vamos adotar: negociar dentro da ordem ou contra a ordem? Elaborar um programa de emergência para gerir a crise do capital sob sua ótica ou vamos avançar na elaboração de um programa econômico alternativo, formulado sob a ótica dos trabalhadores, capaz de responder às reivindicações imediatas do mundo do trabalho, mas tendo como horizonte uma organização societária fundada nos valores socialistas e efetivamente emancipadores? Pode-se responder que para tanto é preciso muito mais que a ação sindical. É verdade. Mas pode-se responder que a ação sindical no Brasil dos nossos dias seguramente auxiliará, numa ou noutra direção, o que lhe confere uma enorme responsabilidade. E que não se pode permitir a omissão de todos aqueles que estão envolvidos na luta dos trabalhadores.

Ricardo Antunes é professor de Sociologia do Trabalho na Unicamp.
Original em: Teoria e Debate

Sindicatos promovem ato para criticar 500 dias de Dilma e Tarso


Cristiano Estrela / CPERS
Centenas de manifestantes cobraram compromissos de campanha de governador do RS e da presidenta | Foto: Cristiano Estrela / CPERS

Rachel Duarte no SUL21

Ao completar 500 dias, as gestões da presidenta Dilma Rousseff (PT) e do governador gaúcho Tarso Genro (PT) receberam críticas públicas de sindicatos de diversas categorias em um ato unificado realizado no Rio Grande do Sul. A manifestação ocorreu em frente ao Palácio Piratini desde as primeiras horas desta segunda-feira (14) e durou toda a manhã. O carro de som e centenas de manifestantes fecharam a Rua Duque de Caxias e gritavam palavras de ordem cobrando compromissos de campanhas dos gestores públicos e criticando medidas adotadas pela União e o governo Tarso em relação aos servidores públicos.
Diversos cartazes expressavam problemas comuns na esfera federal e regional, na avaliação dos sindicatos. Como o não cumprimento dos índices mínimos constitucionais em saúde e educação. No âmbito nacional, os protestantes acusavam o governo Dilma de desonerar a folha de servidores e priorizar terceirizações e privatizações nas ações de gestão. Já no caso do governo gaúcho, a cobrança era pelo não pagamento das RPVs, elevados juros do Banrisul, sucateamento do Instituto de Previdência do RS (IPE) e o já conhecido grito dos professores pelo não pagamento do piso nacional do magistério.
“O Tarso que tanto quis subir nos caminhões dos movimentos sociais durante a campanha eleitoral, completa 500 dias do segundo ano de mandato com reajustes e aumentos de Cargos em Comissão e benefícios de isenções fiscais para os empresários”, comparou o presidente da Associação dos Servidores da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul – ASCE, Érico Côrrea.
Eduardo Quadros
Grito de guerra dos servidores: “Um, dois, três, quatro, cinco, mil. Ou param as reformas ou paramos o Brasil” | Foto: Eduardo Quadros

A mini-reforma da previdência apresentada pelo executivo gaúcho ainda no ano passado e que foi novamente enviada para aprovação do legislativo gaúcho, alterando aumentando a alíquota da previdência para 13,5%, também esteve na lista de reinvidicações levadas na porta do governador Tarso Genro.
“Um, dois, três, quatro, cinco, mil. Ou param as reformas ou paramos o Brasil”, gritavam os servidores oriundos de diversas localidades do estado. Os líderes do ato salientavam dos microfones do carro de som às 12 horas de luta de algumas classes trabalhadoras que vieram de São Borja e outros locais distantes de Porto Alegre. Aos que entravam no Palácio Piratini, os manifestantes mandavam recados ao governador. “CCs entram a essa hora para trabalhar (quase 10 horas). Operários estão de pé desde as 5 da manhã. E, os reajustes só saem com muita luta”, disse a porta-voz do carro de som.

Contra auxílio-moradia de juízes 

O recente reajuste aprovado no Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) que permite o pagamento de auxílio-moradia aos juízes ainda não foi digerido pelo Sindicato dos Servidores da Justiça no RS (Sindjus-RS). Presentes no ato, os sindicalistas criticaram o direito concedido aos magistrados de receber R$ 115 mil de auxílio moradia. O valor é distribuído de forma parcelada ao longo dos meses sobre um salário que já está dentre os mais altos do Estado.
“Enquanto isso nos sobra o arrocho salarial, um rombo na previdência e rotineiras práticas de assédio moral no judiciário. Somos explorados com um volume de demandas humanamente impossível de vencer nos cartórios na mesma velocidade que os despachos são feitos nos gabinetes dos juízes. Recorrentes casos de lesões físicas por esforço repetido são registrados e nos acusam de fazer corpo mole para o trabalho”, exemplificou o sindicalista Osvaldir da Silva.

Um governo ainda fora da lei

A principal motivação do ato unificado de algumas centrais sindicais foi atender a convocação do Cpers/Sindicato que organizou um dia estadual de paralisação para esta segunda-feira (14). A data é considerada marco por completar 500 dias do governo gaúcho, que ainda não cumpre os critérios da Lei Nacional do Piso do Magistério no estado.
Cristiano Estrela / CPERS
Rejane de Oliveira não poupa críticas a Tarso Genro: "“É um governador que não honra o que disse e escreveu ao Cpers" | Foto: Cristiano Estrela / CPERS

Uma solução parcial e provisória para adequar o Rio Grande do Sul à lei federal assinada por Tarso Genro quando era ministro da Justiça foi proposta pelo governo estadual no final de abril. Em acordo com o Ministério Público Estadual do RS, a proposta foi o pagamento de uma parcela complementar a 20 mil professores que ainda não recebem R$ 1.451, valor estipulado como piso nacional da categoria. “Eles sentam às escondidas e depois apresentam um acórdão já assinado e homologado e explicando como eles pretendem fazer para não pagar o piso e atacar as nossas carreiras. Servidores do MP com salários de R$ 24 mil se acharam no direito de sentar com o goverandor para definir como um governo não cumprirá uma lei que irá afetar e trazer consequências para os trabalhadores”, acusou a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira.
Como a medida proposta como pagamento parcial do piso não irá incidir sobre o plano de carreira do magistério, Rejane alegou que o sindicato dos professores não irá permitir “que um órgão público como o MP-RS, que deveria garantir a legislação, se atrele ao executivo para legitimar artimanhas para o descumprimento da lei do piso”.
De acordo com a legislação federal, em seu artigo quinto, o piso deve ser reajustado anualmente tendo como base o custo por aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Entretanto, o governo gaúcho sempre reitera que o piso dos professores deve ser corrigido pela variação da inflação, calculada pelo INPC.
Para ilustrar o discurso dos dirigentes sindicais, falas do governador Tarso Genro quando ainda era candidato nas eleições de 2010, em debates com as categorias, foram reproduzidos no carro de som. “Eu estou formalmente, politicamente e moralmente comprometido com o piso salarial dos professores”, ouvia-se Tarso dizer em uma dessas gravações, onde o agora governador acrescentava que “a lei que instituiu o piso teve o seu parecer de constitucionalidade no ministério da Justiça, quando eu era ministro, e essa lei leva a minha assinatura”.
Ao final da reprodução da fala de Tarso Genro um coro de vaias foi feito em frente ao Palácio Piratini.
Foto: Cristiano Estrela / CPERS
Ao final do protesto, servidores soltaram balões pretos para marcar luto pelo não cumprimento de promessas de campanha | Foto: Cristiano Estrela / CPERS

“É um governador que não honra o que disse e escreveu ao Cpers. Que vergonha para o nosso estado ter um governador que coloca um conjunto de projetos em regime de urgência para evitar debate com o serviço público. Por isso que estamos aqui para marcar os 500 dias de um governo fora da lei que não cumpre o que prometeu. Se alguém tinha ilusão que este governo iria ser de palavra, agora já sabe”, afirmou Rejane.
Ao final do protesto, os manifestantes soltaram balões pretos simbolizando o luto em relação aos 500 dias dos governos Dilma e Tarso. Antes de deixar os materiais e voltar aos municípios de origem, os sindicalistas se comprometeram em retornar ao Palácio Piratini para novas manifestações. Por parte do Cpers, no dia 30 de maio está organizada uma redução nos horários nas escolas estaduais.