domingo, 20 de fevereiro de 2011

ELLA FITZGERALD AND LOUIS ARMSTRONG

 

Extraido do blog From Russian With Love de 

ELLA FITZGERALD AND LOUIS ARMSTRONG: ELLA AND LOUIS - 1956


 

Faixas:
01. Can't We Be Friends? (Paul James, Kay Swift) – 3:45
02. Isn't This a Lovely Day? (Irving Berlin) – 6:14
03. Moonlight in Vermont (John Blackburn, Karl Suessdorf) – 3:40
04. They Can't Take That Away From Me (George Gershwin, Ira Gershwin) – 4:36
05. Under a Blanket of Blue (Jerry Livingston, Al J. Neiburg, Marty Symes) – 4:16
06. Tenderly (Walter Gross, Jack Lawrence) – 5:05
07. A Foggy Day (G. Gershwin, I. Gershwin) – 4:31
08. Stars Fell on Alabama (Mitchell Parish, Frank Perkins) – 3:32
09. Cheek to Cheek (Berlin) – 5:52
10. The Nearness of You (Hoagy Carmichael, Ned Washington) – 5:40
11. April in Paris (Vernon Duke, Yip Harburg) – 6:33

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Senha: http://farra.clickforuns.net

ELLA FITZGERALD AND LOUIS ARMSTRONG: ELLA AND LOUIS AGAIN - 1957



Faixas:
01 - Don't Be That Way
02 - They All Laughed
03 - Autumn In New York
04 - Stompin' At The Savoy
05 - I Won't Dance
06 - Gee Baby Ain't I Good To You
07 - I've Got My Love To Keep Me Warm
08 - I'm Putting All My Eggs In One Basket
09 - A Fine Romance
10 - Love Is Here To Stay
11 - Learnin' The Blues

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LOUIS ARMSTRONG AND DUKE ELLINGTON: THE GREAT SUMMIT - 1961



FAIXAS:
1. Duke's Place
2. I'm Just A Lucky So & So
3. Cotton Tail
4. Mood Indigo
5. Do Nothi'till You Hear From Me
6. The Beautiful American
7. Black And Tan Fantasy
8. Drop Me Off In Harlem
9. The Mooche
10. In A Mellow Tone
11. It Don't Mean A Thing
12. Solitude
13. Don't Get Arond Much Anymore
14. I'm Beginning To See The Light
15. Just Squeeze Me
16. I Got It Bad
17. Azalea

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A herança maldita do agronegócio



por Manuela Azenha no Viomundo

“O uso dos agrotóxicos não significa produção de alimentos, significa concentração de terra, contaminação do meio ambiente e do ser humano”

Raquel Rigotto é professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Coordenadora do Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, Raquel contesta o modelo de desenvolvimento agrícola adotado pelo Brasil e prevê que para as populações locais restará a “herança maldita” do agronegócio: doenças e terra degradada.
Desde 2008, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos para se tornar o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, é também o principal destino de agrotóxicos proibidos em outros países.
Na primeira parte da entrevista, Raquel fala sobre o “paradigma do uso seguro” dos agrotóxicos, que a indústria chama de “defensivos” agrícolas. De um lado todo mundo sabe que eles são nocivos. De outro se presume que haja um “modo seguro” de utilizá-los. O aparato legislativo existe. Mas, na prática… Raquel dá um exemplo: o estado do Ceará, que é onde ela atua, não dispõe de um laboratório para fazer exames sobre a presença de  agrotóxicos na água consumida pela população. Ela começa dizendo que em 2008 e 2009 o Brasil foi campeão mundial no uso de venenos na agricultura:
Na segunda parte da entrevista, Raquel diz que os agrotóxicos contribuíram mais com o aumento da produção de commodities do que com a segurança alimentar. Revela que cerca de 50% dos agrotóxicos usados no Brasil são aplicados na lavoura da soja. Produto que se tornará ração animal para produzir carne para os consumidores da Europa e dos Estados Unidos. Diz que o governo Lula financiou o agronegócio a um ritmo de 100 bilhões de reais anuais em financiamento — contra 16 para a agricultura familiar — e que foi omisso: não mexeu na legislação de 1997 que concedeu desconto de cerca de 60% no ICMS dos agrotóxicos. Enquanto isso, o Sistema Único de Saúde (SUS) está completamente despreparado para monitorar e prevenir os problemas de saúde causados pelos agrotóxicos:
Na terceira parte da entrevista Raquel diz que Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem sempre tem apoio dentro do próprio governo para tratar do problema dos agrotóxicos. Afirma que é tarefa de pesquisadoras como ela alertar o governo Dilma para a gravidade do problema, já definida por pesquisadores como uma “herança maldita” que as grandes empresas do agronegócio deixarão para o Brasil; doenças, terras degradadas, ameaça à biodiversidade. Ela lembra que o rio Jaguaribe, que corta áreas de uso intensivo de agrotóxicos, é de onde sai a água para consumo da região metropolitana de Fortaleza:

Transcrição da entrevista:

Viomundo – O Brasil continua sendo o maior consumidor de agrotóxicos do mundo?
Raquel Rigotto -  Os dados de 2008 e 2009 apontaram isso, eu não vi ainda os de 2010.  Mas nos anos anteriores tivemos esse triste título.
V – Porque a senhora acha que o Brasil vai nesse contra-fluxo? Os Estados Unidos e a UE proibindo o uso de agrotóxicos e o Brasil aumentando o consumo?
RR -  É um fenômeno que tem muito a ver com o contexto da reestruturação produtiva, inclusive da forma como ela se expressa no campo.  Nós estamos tendo na América Latina, como um todo, uma série de empreendimentos agrícolas que se fundam na monocultura, no desmatamento, são cultivos extensivos, de área muito grande, então isso praticamente obriga a um uso muito intenso de agrotóxicos. Então tem a ver com a expansão do chamado agronegócio na América Latina, como um todo.
V – Existem pesquisas que comprovam os malefícios dos agrotóxicos?
RR – Sim, os agrotóxicos antes de serem registrados no Brasil, eles são analisados pelo Ministério da Saúde, da Agricultura e do Meio Ambiente e eles são classificados de acordo com sua toxicidade para a saúde humana e de acordo com o seu impacto para o meio ambiente. Então desde o começo, quando eles são registrados, a gente já sabe que eles são produtos nocivos. Isso já vem descrito nas monografias que as próprias indústrias  fabricantes apresentam para os órgãos dos governos. Aqueles que são classificados como grupo 1, por exemplo, do ponto de vista da toxicidade para a saúde humana, são aqueles que são extremamente tóxicos, depois vêm os altamente tóxicos e os moderadamente tóxicos ou os pouco tóxicos.
Já sabemos desde o início que são substâncias nocivas à vida e têm impacto não só sobre as pragas mas sobre as pessoas e os ecossistemas. Agora, para além disso nós temos uma larga gama de estudos mostrando os impactos ambientais dos agrotóxicos, as contaminações de água, de ar, de solo, de redução da biodiversidade, de contaminação de alimentos, e também do ponto de vista da saúde humana, que vai desde a intoxicação aguda até os chamados efeitos crônicos.
V – Se a nocividade desses produtos é algo comprovado, porque eles não são banidos?
RR -  Na verdade, o que se construiu foi o que a gente chama de paradigma do uso seguro. Quer dizer, se reconhece que há uma nocividade mas também se propõe estabelecer condições para o uso seguro. Aí você tem limitações desde os tipos de cultivos em que cada produto pode ser usado, o limite máximo de tolerância dele no ambiente de trabalho, até mesmo na água de consumo humano, o tipo de equipamento de proteção que deve ser fornecido aos trabalhadores e também a informação que eles devem ter.
Você tem um amplo aparato legislativo que criaria condições para um suposto uso seguro desses produtos. Mas a partir das experiências nossas aqui de cultivo na fruticultura irrigada para exportação no Ceará, a gente vem questionando muito se existe esse uso seguro. Por exemplo, o governo estadual, que tem o órgão estadual de meio ambiente, que deteria a atribuição de acordo com a legislação federal de monitorar os impactos ambientais dos agrotóxicos,  não dispõe de um laboratório que seja capaz de identificar a contaminação da água por agrotóxicos. Na pesquisa, enviamos as amostras para Minas Gerais porque no Ceará não tem órgãos públicos que o façam. E nem mesmo no setor privado tem instituições de segurança. E existem uma série de outras evidências de que essas condições do uso seguro não estão vigendo.
V – Hoje o mundo precisa dos agrotóxicos?
RR – Vivemos um discurso de que os agrotóxicos redimiriam o mundo da fome. Isso nós experimentamos historicamente e própria ONU e a FAO reconhecem que houve o aumento da produção daquilo que chamamos hoje de commodities, como a soja, o açúcar,  a cana, mas isso não implicou segurança alimentar e redução dos padrões de desnutrição e subnutrição entre os mais pobres. Ampliou-se a produção dessas commodities mas sequer a gente pode chamá-las de alimentos porque o problema da fome persiste.
Quem produz alimentos, quem produz comida realmente no Brasil, é a agricultura familiar. No ano de 2008, mais de 50% dos agrotóxicos consumidos no Brasil foi nas plantações de soja. Essa soja é em grande parte exportada para ser transformada em ração animal e subsidiar o consumo europeu e norte-americano de carne. Então isso não significa alimentação para o nosso povo, significa concentração de terra, redução de biodiversidade, contaminação de água, solo e ar e contaminação dos trabalhadores e das famílias que vivem no entorno desses empreendimentos. Além das enormes perdas para os ecossistemas, o cerrado, a caatinga e até mesmo o amazônico, que está sendo invadindo pela expansão da fronteira agrícola.
Então é claro que deixar de usar agrotóxico não é algo que se possa fazer de um dia para o outro, de acordo com o que os agrônomos têm discutido, mas por outro lado nós temos muitas experiências extremamente positivas de agroecologia, que é a produção de alimentos utilizando conhecimentos tradicionais das comunidades e saberes científicos sensíveis da perspectiva da justiça sócio-ambiental. Esses sim, produzem qualidade de vida,  bem viver, soberania e segurança alimentar, e conservação e preservação das condições ambientais e culturais de cada cidade.
V -  Como a senhora avalia a política do governo Lula em relação aos agrotóxicos?
RR – O governo Lula teve um papel muito importante na expansão do agronegócio no Brasil. Para dar dados bem sintéticos, o financiamento que o governo disponibilizou para o agronegócio anualmente foi em torno de 100 bilhões de reais e para a agricultura familiar foi em torno de 16 bilhões de reais. Então há um desnível muito grande.
O governo Lula foi omisso em relação à legislações vigentes no Brasil desde 1997, que concedem uma isenção de 60% do ICMS para os agrotóxicos. Ou seja, existe um estímulo fiscal à comercialização, produção e uso dos agrotóxicos no país. Isso evidentemente, atrai no espaço mundial investimentos para o nosso país, investimentos que trabalham com a contaminação. Também poderíamos falar das políticas públicas, continuamos com o sistema único de saúde, que apesar de ser da maior importância enquanto sistema de universalidade, equidade, participação, integração, ainda é um sistema completamente inadequado para atender a população do campo.
Ainda é um sistema cego para as intoxicações agudas e os efeitos crônicos dos agrotóxicos. E com raríssimas exceções nesse enorme país, é um sistema que ainda não consegue identificar, notificar, previnir e tratar a população adequadamente.  Existe uma série de hiatos para a ação pública que precisam ser garantidos para que se possa respeitar a constituição federal no que ela diz respeito ao meio ambiente e à saúde.
V – Alguns agrotóxicos tem sido revistos pela ANVISA. Como esse processo tem corrido?
RR – A ANVISA pautou desde 2006, se não me engano, a reavaliação de 14 agrotóxicos.  Segundo estudos inclusive dos próprios produtores, as condições relatadas no momento do registro tinham se alterado e portanto pensaram em reavaliar as substâncias. Esse processo vem correndo de forma bastante atropelada porque o sindicato da indústria  que fabrica o que eles chamam de defensivos agrícolas, utiliza não só de suas articulações com o  poder político no Senado Federal com a Bancada Ruralista, mas também de influências sobre o Judiciário, e gerou uma série de processos judiciais contra a ANVISA, que é o órgão do Ministério da Saúde responsável legalmente por essas atribuições. Mas alguns processos já foram concluídos.
V – A senhora acha que essa reavaliação pode ser vista como um avanço na política nacional?
RR – A ANVISA é um órgão que tem lutado com competência para cumprir aquilo que a legislação exige que ela faça mas às vezes ela tem encontrado falto de apoio dentro dos próprios órgãos públicos federais. Muitas vezes o próprio Ministério da Agricultura não se mostra comprometido com a preservação da saúde e do meio ambiente como deveria, a Casa Civil muitas vezes interfere diretamente nesses processos, o Ministério da Saúde muitas vezes não tem compreensão da importância desse trabalho de reavaliação dos agrotóxicos. A ANVISA é uma das dimensões da política pública, no que toca as substâncias químicas, que vem tentando se desenvolver de maneira adequada mas com muitos obstáculos. No contexto mais geral, a gente ainda enxerga poucos avanços.
V – As perspectivas daqui pra frente, no governo Dilma, não trazem muita esperança, então…
RR – Acho que vamos ter a tarefa histórica, enquanto pesquisadores, movimentos sociais e profissionais da saúde, de expôr ao governo Dilma as gravíssimas implicações desse modelo de desenvolvimento agrícola para a saúde da população como um todo.  Porque não são só os agricultores ou os empregados do agronegócio, os atingidos por esse processo. Aqui no nosso caso, por exemplo, o rio que banha essas empresas e empreendimentos, que é o rio Jaguaribe, é o mesmo cuja água é trazida para a fortaleza para abastecer uma região metropolitana de mais de 5 milhões de pessoas. Essa água pode estar contaminada com agrotóxicos e isso não vem sendo acompanhado pelo SUS.
Nós temos toda a questão das implicações da ingestão de alimentos contaminados por agrotóxicos na saúde da população. Em que medida esse acento dos cânceres, por exemplo, na nossa população, como causa de morbidade e de mortalidade cada vez maior no Brasil, não tem a ver com a ingestão diária de pequenas doses de diversos princípios ativos de agrotóxicos, que alteram o funcionamento do nosso corpo e facilitam a ocorrência de processos como esse, já comprovado em diversos estudos. Então é preciso que o governo esteja atento.
Nós temos uma responsabilidade de preservar essa riqueza ambiental que o nosso país tem e isso é um diferencial nosso no plano internacional hoje. Não podemos deixar que nossa biodiversidade, solos férteis, florestas, clima, luz solar, sejam cobiçados por empresas que não têm critério de respeito à saúde humana e ao meio ambiente quando se instalam naquilo que elas entendem como países de terceiro mundo ou países subdesenvolvidos.
V – Porque o Brasil com tamanha biodiversidade, terra fértil e água necessita de tanto agrotóxico?
RR – Porque a monocultura, que é a escolha do modelo do agronegócio, ao destruir a biodiversidade e plantar enormes extensões com um único cultivo, cria condições favoráveis ao que eles chamam de pragas, que na verdade são manifestações normais de um ecossistema reagindo a uma agressão. Quando surgem essas pragas, começa o uso de agrotóxico e aí vem todo o interessa da indústria química, que tem faturado bilhões e bilhões de dólares anualmente no nosso país vendendo esse tipo de substância e alimentando essa cultura de que a solução é usar mais e mais veneno.
Nós temos visto na área da nossa pesquisa, no cultivo do abacaxi, era utilizado mais de 18 princípios ativos diferentes de agrotóxicos para o combate de 5 pragas. Depois de alguns anos, a própria empresa desistiu de produzir abacaxi porque ainda com o uso dos venenos, ela não conseguiu controlar as pragas. Então é um modelo que em si mesmo, é insustentável, é autofágico. As empresas vêm, degradam o solo e a saúde humana e vão embora impunemente. Fica para as populações locais aquilo que alguns autores têm chamado de herança maldita, que é a doença, a terra degradada, infértil e improdutiva.

A solução para os problemas do Egito está na ditadura do proletariado e na extensão da revolução árabe





200211_egyptians_002PCO - Ao contrário do que afirma a esquerda burguesa, de que a solução para o Egito estaria na democracia, a revolução colocou em questão o problema dos povos oprimidos, que só pode ser resolvido pela ditadura do proletariado.
A revolução no Egito que derrubou Hosnik Mubarak, há 30 anos no poder, foi, sobretudo, motivada pela miséria crescente da população e pelo aumento no preço dos alimentos no mercado mundial, em resumo, pelos efeitos diretos da crise capitalista mundial.
Hosnik Mubarak e seu regime eram um dos principais pontos de apoio dos Estados Unidos e de Israel no Oriente Médio. Os EUA eram os responsáveis por praticamente sustentar o aparato bélico das forças armadas egípcias com a transferência de milhões de dólares todo ano.
Após a queda de Mubarak pela ação revolucionária do povo egípcio, a esquerda burguesa e pequeno-burguesa e seus analistas de plantão procuram apresentar que a solução para o país seria a democracia, que mantêm bilhões de pessoas abaixo da linha da miséria para sustentar um punhado de capitalistas.
Um dos propagandistas dessa ideia é Mohamed Habib, professor da Unicamp e vice-presidente do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe).
Ele declarou recentemente: "Se Israel for inteligente, se for governada por pessoas inteligentes, tem que perceber que acordos firmados com ditadores não se sustentam. É melhor para Israel viver cercado por países democráticos do que por ditaduras supostamente amigas. É muito mais justo e muito mais duradouro também. Os dirigentes de Israel, dos Estados Unidos e da Europa precisam estar atentos a estes detalhes. Um ditador amigo e corrupto não é sinônimo de paz e prosperidade. Há chances muito melhores para paz se países democráticos estiverem sentados à mesa de negociações". Nada poderia ser mais falso. A revolução opõe-se verticalmente à sobrevivência do Estado de Israel.
Hosnik Mubarak foi fiel aliado de Israel e dos Estados Unidos por longos trinta anos. Inclusive, a política e o modo de agir dos países neoliberais, democráticos, é justamente sustentar ditaduras em países subdesenvolvidos. Elas são estabelecidas e mantidas para garantir a politica do imperialismo nesses países.
A questão no Egito não é, como declarou Habib, chegar a um acordo com os EUA ou com Israel ou estabelecer eleições e uma constituição, mas acabar com a situação de miséria em que vive a população do país, mantida por uma ditadura, a serviço da política neoliberal dos seus aliados.
A democracia é a política neoliberal de super-exploração e opressão
Para tentar justificar o fato dos Estados Unidos serem uma "democracia", o que seria a solução para o mundo árabe, e financiar ditaduras nos outros países, Habiba firmou: "Chega uma hora em que a incoerência começa a ter efeitos negativos. Os EUA são um país democrático. Mas, na sua política externa, não aplicam os mesmos conceitos que pregam em sua democracia interna. Essa incoerência acaba desmoralizando o seu discurso frente aos demais países. No caso da revolta no Egito, demoraram muito para abrir a boca e quando abriram foi para apoiar a indicação como vice do chefe de serviço de inteligência de Mubarak durante 18 anos, amigo da CIA e do Mossad. Acharam que os egípcios eram tão burros e ignorantes que aceitariam isso. Mas acabaram se surpreendendo com a reação do povo egípcio. Resultado: os Estados Unidos acabaram se queimando politicamente. Quando o mundo ficou sabendo de tudo isso, os EUA se desmoralizaram. Esse episódio mostra que, para o mundo viver em paz, deve-se buscar a coerência em primeiro lugar: democracia para todos e não apenas no nosso país. Aí poderemos ter um mundo mais justo, com ética e prosperidade...".
A democracia é o regime da burguesia e dos capitalistas, seu modo de atuar é subjugando países e continentes inteiros aos interesses do imperialismo. No entanto, mesmo assim, se os EUA são uma democracia como explicar que o seu reflexo no Egito seja uma ditadura brutal? É que, na realidade, os EUA são a maior ditadura do mundo dentro dos próprios limites nacionais norte-americanos.
Embora a democracia, defendida pela esquerda burguesa como solução para os problemas do imperialismo no Oriente Médio, seja um enfraquecimento da política do imperialismo nessa região, não revolve o problema das massas. Ela representa a política neoliberal, que precisa de milhões de miseráveis para sustentar um punhado de capitalistas.
O que foi colocado em questão pela revolução no Egito e demais países não foi a solução dos problemas do imperialismo no mundo árabe, mas dos problemas dos povos oprimidos do Egito e dos demais países da região.
Nenhuma democracia vai resolver os problemas de miséria, super-exploração e opressão dos povos árabes.
Nesse sentido, a revolução colocou o problema da ditadura do proletariado como única solução para a miséria e opressão dos povos do Oriente Médio.

A fuga para a frente de Hugo Chávez


O bairro 23 de Enero, em Caracas

por Luiz Carlos Azenha no Viomundo

Existe uma consistente crítica de esquerda a Hugo Chávez na Venezuela. Em alguns círculos bolivarianos, a crítica se dirige ao voluntarismo e ao militarismo do presidente. O jornalista e advogado José Vicente Rangel, que já foi vice-presidente e ministro de Chávez, mencionou as duas questões em uma entrevista com o presidente. Foi de passagem, mas deu para notar um certo mal estar no entrevistado.
Na recente viagem que fiz ao país, além de reler A Venezuela que se inventa, de Gilberto Maringoni, li também Venezuela: La Revolución como espectáculo, de Rafael Uzcátegui, e La Herencia de la Tribu, de Ana Teresa Torres.
O primeiro trata das contradições entre o discurso nacionalista e anticapitalista de Hugo Chávez e o fato de que o presidente, ao criar empresas de economia mista para explorar o petróleo, em parcerias da PDVSA com estrangeiros, na verdade criou um marco regulatório estável para as petroleiras de fora; da proximidade do governo com a Chevron; da subordinação do sindicalismo oficialista; da baixa tolerância à dissidência.
O segundo livro explora o mito em torno do herói da independência da Venezuela, Simón Bolivar, na tentativa de demonstrar como a associação com Bolívar foi explorada politicamente ao longo da história do país.
Os dois livros enquadram Chávez muito mais como mantenedor de práticas políticas antigas da Venezuela do que como verdadeiramente revolucionário.
Durante a viagem estive no bairro 23 de Enero, que fica bem atrás do palácio Miraflores, em Caracas. Na Venezuela se diz que quem controla politicamente o 23 de Enero, um antigo bairro operário, controla o país.
O curioso é que, na mesma entrevista a José Vicente Rangel, Chávez deu piruetas para agradar o bairro, naquele estilo retórico pomposo que é tradição de nuestra America. O presidente disse que tinha nascido espirituralmente lá.
A oposição venezuelana conseguiu avanços na recente eleição parlamentar. Diz que teve 52% dos votos, contra 48% do governismo. Uma demonstração, na avaliação dos oposicionistas, de que é possível derrotar Hugo Chávez nas presidenciais de dezembro de 2012.
A criminalidade, a falta de alguns produtos da cesta básica e a inflação alta podem ajudar a oposição, para não falar de uma certa improvisação que marca as ações de governo. Doze anos de poder desgastam. O problema é que, sob a aparente capa de unidade, a própria oposição parece incapaz de arrancar tração política de sua atuação no Congresso. A recente prestação de contas de ministros, transmitida ao vivo por emissoras de alcance nacional, deixou isso claro.
A tônica do governo foi a de prestar contas sobre os dois mandatos de Chávez, comparando os avanços do país neste período com o de governos anteriores. Em resumo, pendurando o FHC no pescoço do Serra.
Chávez “fugiu para a frente” dos problemas do país. Numa recente edição do programa Alô Presidente, assinou decreto desapropriando terras para construir 150 mil casas até o final de 2011. Ou seja, lançou a versão venezuelana do Minha Casa, Minha Vida. Curiosamente, o decreto não incluiu expropriações, mas transferência de áreas públicas para o programa habitacional.
Além disso, o governo venezuelano fez o cadastro de cerca de 500 mil pequenos proprietários de terra para incorporá-los ao programa de soberania alimentar (proporcionalmente ao PIB, a produção agrícola na Venezuela cresceu muito pouco nos últimos 12 anos). O governo também pretende facilitar o acesso popular ao crédito, o que talvez explique o interesse de Chávez pelas ações da Caixa Econômica Federal brasileira.
Casa própria, incentivos à pequena burguesia do campo, acesso a crédito. Que revolução é essa, diria a ultraesquerda venezuelana?
 

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Mubarak se foi, a indignação sindical permanece


Hosni Mubarak cometeu, nos últimos cinco anos, um dos maiores erros de seus 30 anos como presidente do Egito, de não aprender as lições das centenas de pequenas greves registradas nesse período.


Por Emad Mekay, na agência IPS

Isso lhe custou o poder. Estes fatos foram os verdadeiros precursores do levante que começou em 25 de janeiro e no dia 11 pôs fim a um governo de três décadas (1981-2011).

“Tivemos sorte pelo fato de, em sua arrogância e atitude distante, o regime não ter aprendido nenhuma lição com as muitas greves e os muitos protestos que aconteceram nos últimos cinco anos”, disse Mohammad Fathy, sindicalista de 46 anos radicado na cidade de el-Mahala, cuja candidatura para a União Geral de Trabalhadores – patrocinada pelo governo – foi dificultada por sua opinião contrária ao regime.

“Fomos, inclusive, mais sortudos por eles, os governantes, não compreenderem que havia genuínos problemas econômicos, profissionais e trabalhistas, especialmente aqui, em el-Mahala, no dia 6 de abril de 2008”, disse Mohammad. Nessa data, o Egito experimentou o primeiro exemplo em décadas de uma ação sindical que se converteu em um levante popular, uma minirrevolta nas ruas desta cidade industrial que atraiu homens, mulheres e crianças.

Foi aqui que os ativistas pelos direitos trabalhistas organizaram dois dias de protestos maciços, nos quais os moradores do lugar deixaram suas casas e retiraram imagens e cartazes de Mubarak, pela primeira vez desde sua chegada ao poder. Estes fatos assinalaram o nascimento do grupo de ativistas antiMubarak na Internet, o Movimento 6 de Abril, que tomou seu nome desse dia histórico. Quase três anos mais tarde, esse grupo ajudou a organizar os acontecimentos do dia 25 de janeiro. Desta vez, não só retirou as imagens de Mubarak, como também o próprio presidente.

Se Mubarak tivesse tomado nota dos protestos sindicais, poderia ter aprendido algumas maneiras de prevenir ou frustrar a revolução de 25 de janeiro, afirmam vários dirigentes sindicais. “A reação dos partidários de Mubarak foi a de que nós éramos apenas um punhado de jovens que podiam ser facilmente abatidos pela polícia. Sua única resposta foi cada vez mais segurança, nada político e nada econômico. Eles não se deram conta de quanto alterada estava a força de trabalho do país”, disse Fathy. De fato, essa força continua alterada mesmo após a derrubada de Mubarak.

Anos de assédio policial, políticas desfavoráveis aos trabalhadores e más condições econômicas deixaram profundas cicatrizes nos operários egípcios, que até agora sentem que ficaram foram do lugar que lhes corresponde. Assim, não surpreende que as manifestações sindicais tenham continuado, exortando o Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa o país, a emitir seu quinto comunicado, chamando especificamente os dirigentes deste setor a atenuarem seus protestos.

O governo interino de Ahmed Shafiq queixou-se ao Conselho Supremo de que as contínuas greves não ajudam esta nação de 85 milhões de habitantes a voltar à normalidade. Quase todos os setores da economia são afetados. O Banco Central teve de conceder um feriado bancário improvisado no dia 14, que se somou ao feriado religioso de ontem, em uma aposta para frustrar as crescentes greves no setor, cujos trabalhadores pedem a investigação dos altos salários dos principais executivos. Inclusive, a polícia culpa seus baixos salários para explicar a corrupção dentro dessa força, e pede mais benefícios trabalhistas.

Esta onda de greves posteriores à queda de Mubarak coloca em relevo a divisão existente entre os líderes sindicais, os que querem benefícios imediatos para os trabalhadores e aqueles que querem dar tempo ao novo governo provisório para atender suas demandas trabalhistas. Isto não quer dizer que o setor operário deixa de lutar por seus direitos, disse o ferroviário Mohammad Mourad, sindicalista de el-Mahala.

O ferroviário disse que a queda de Mubarak é boa notícia para a força de trabalho do país, já que significa o fim de algumas das políticas desfavoráveis aos trabalhadores. Entre elas, mencionou especificamente as privatizações de empresas estatais – o que sabotou as eleições sindicais – e a interferência policial como obstáculos que desaparecerão junto com a queda de Mubarak. Embora seja possível que isto aconteça, de todo modo não oferece um alívio imediato para os trabalhadores impacientes.

Em el-Mahala, o salário mínimo médio dos 25 mil trabalhadores têxteis da Egyptian Spinning & Weaving Company, a maior fábrica têxtil do Oriente Médio, é de apenas US$ 102. A maioria dos funcionários acaba buscando outros empregos para completar a renda. Para que essa situação mude, sugerem que o novo governo confisque milhares de milhões de dólares dos membros corruptos do regime anterior e os invista em benefícios para os trabalhadores. Mubarak gastou muito dinheiro em segurança, e esses fundos também poderiam ir para os trabalhadores pobres, segundo o sindicalista Hamdi Hussein.

Os dirigentes sindicais afirmam que a maioria das greves e dos protestos trabalhistas tem três objetivos: pôr fim à corrupção nas altas esferas de algumas empresas, aumentar o salário mínimo para pelo menos US$ 255 e realizar eleições sindicais livres. “Se essas três reclamações não forem atendidas logo, os trabalhadores continuarão agindo até que a revolução signifique uma mudança real para eles”, disse Hamdi, que trabalha para o Comitê Coordenador para as Liberdades e os Direitos Trabalhistas.

Fonte: Envolverde

DITADURA MILITAR - AS HISTÓRIAS QUE A FOLHA NÃO CONTA

Francisco Bicudo em seu blog
 
Retomo e desenvolvo neste texto alguns posts que escrevi no twitter. O tema merece.

Caderno especial publicado pela Folha de São Paulo neste sábado, 19 de fevereiro, sobre os 90 anos do jornal traz um breve relato a respeito do papel desempenhado pela publicação durante a ditadura militar. O texto adota a estratégia da afirmação que parece assumir, mas que acaba por sempre oferecer uma "nuance", uma "justificativa", uma "ressalva" ou um "mas...", suavizando e pulverizando o que se relata. 

A Folha admite que apoiou o golpe - "como praticamente toda a grande imprensa brasileira". É justificável o comportamento "maria vai com as outras, só porque os outros foram eu embarco também?"

O texto diz ainda que "jornal submeteu-se à censura, acatando proibições", mas ignora benefícios alcançados por conta do silêncio conivente. Será que não foi muito mais auto-censura, sem necessidade de intervenção direta dos militares, justamente porque o jornal compreendeu com bastante clareza o que era permitido e o que era proibido dizer? A Folha nunca precisou ter censores em sua redação. 

A matéria deste sábado alega que a redação da Folha da Tarde foi entregue a jornalistas entusiastas da linha dura como reação à presença de militantes da ALN. Será mesmo? Seria então aceitável transportar para o jornal a guerra suja dos milicos e permitir a atuação de agentes infiltrados no jornal? 

No final, diz o texto que "segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usadas por agentes da repressão para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros". O que os militantes contam, desde sempre,  é que a empresa emprestava viaturas de reportagem para transportar opositores do regime para centros de tortura. 

Vejamos o que escreve o jornalista Jorge Claudio Ribeiro, em passagem do livro "Sempre Alerta - Condições e contradições do trabalho jornalístico", da editora Olho D´Água, em parceria com a Brasiliense:

"A partir de 1969, a FT (Folha da Tarde) fez a festa da direita, atuando como porta-voz do regime militar e chegando até a ser aparelhada pela polícia. Lourenço Diaféria lembra como foi essa oscilação: 'A FSP sempre foi um jornal ambíguo; botava uns caras de direita, outros de esquerda. Já a FT era feita por gente ligada à ditadura. A empresa tinha ligações com delegados do Dops".

Em outro trecho da obra, Ribeiro cita a socióloga Gisela Taschner, autora de "Folhas ao Vento", que lembra que "jogando sempre dos dois lados no campo político nos marcos do capitalismo e, na medida de suas possibilidades, diversificando a linha de produção, mesmo com alguns desacertos do ponto de vista de segmentação, o grupo consolidou seu império. Para qualquer tendência de mercado ou da política que se esboçasse, ele tinha um produto pronto para ser ativado. Nos momentos de opacidade apostava dos dois lados. Tinha montado um aparato para seguir os ventos e tirar proveito deles, qualquer que fosse a sua direção".

Eis o famoso jornal-camaleão, a mudar de cor de acordo com a conjuntura política, que se cala e sustenta o projeto de terror da ditadura nos anos de chumbo para em seguida tentar se redimir e se consolidar como o porta-voz dos ventos da redemocratização no país, quando a tirania do regime militar já estava com os dias contados. Oportunismo ideológico de mercado, não? 

Em março de 2009, em ato de repúdio contra a Folha, que havia em editorial classificado a ditadura de "ditabranda", o ex-preso político Ivan Seixas lembrou que "o jornal colocava carros à disposição da tortura, colocou um jornal inteiro à disposição do DOI-CODI" (clique aqui para ver o vídeo do depoimento). Na época, Ivan chegou a enviar cartas para a Folha (jamais publicadas), lembrando que a empresa "empregava carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios, como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da Folha na porta da OBAN/DOI-CODI.” (clique aqui para ler artigo publicado na Agência Carta Maior). 

No Observatório da Imprensa, em resenha do livro "Cães de Guarda: Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988", de Beatriz Kushnir, a jornalista e à época mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) Juliana Sayuri Ogassawara destaca que "a Folha da Tarde pôde ser considerada um porta-voz, o "diário oficial" da Operação Bandeirantes, a Oban, por publicar informes oficiais do governo como se fossem reportagens. Além disso, a partir de 1969 passaram a circular pelas redações os setoristas, isto é, jornalistas credenciados e vinculados à seara policial, dentre os quais se destacam o repórter e major da PM Edson Corrêa e o editor de Internacional e agente do Dops Carlos Antonio Guimarães Sequeira".

Como se vê, há várias outras histórias sobre as relações da Folha com a ditadura militar. Mas o jornal crítico, plural e apartidário não dá conta dessas outras versões.

Mais uma vez, quem defende a tese da "ditabranda" tenta mudar a História e apagar a memória dos anos de chumbo no Brasil.

A ETA em busca de novos caminhos





Criação de novo partido pode levar ao abandono da violência e ser crucial para uma solução pacífica. Por Raphael Tsvakko. Foto: Rafa Rivas/AFP


Criação de novo partido pode levar ao abandono da violência e ser crucial para uma solução pacífica



Pequena nação encravada no norte da Espanha (e com ramificações no sul da França), o País Basco sempre esteve nas primeiras páginas dos jornais espanhóis. Seja pela sua encarniçada luta contra o regime franquista ou pela sua insistente luta por independência, os Bascos sempre foram destaque e grandes responsáveis por mudanças históricas em todo o Estado.
Há pelo menos 50 anos a ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e Liberdade, em língua basca) vem lutando contra o Estado Espanhol com o objetivo de conseguir a independência total do que chamam de Euskal Herria, ou País Basco e, para isto, se valem de extrema violência respondida na mesma mesmo medida pelas forças de segurança espanhola que, nos anos 80, chegaram até mesmo a formar grupos terroristas de direita para assassinar políticos bascos destacados.
Depois de décadas de luta, mortes, casos incontáveis de tortura e desaparecimentos, a ETA vem mostrando sinais de que pretende abandonar as armas e participar apenas da luta no campo político institucional. Desde a redemocratização espanhola (entre 77 e 79) que a ETA tem no Batasuna (“Unidade”) seu braço político. Ele chegou a angariar, em seu auge, cerca de 20% dos votos na chamada Comunidade Autônoma Basca, mas, desde 2002, se encontra ilegalizado pelo Tribunal Superior Espanhol sob acusação de ser o mesmo que a ETA. Todas as tentativas da militância de Esquerda Nacionalista ou Patriota (chamada localmente de Izquierda Abertzale) de fundarem novos partidos é barrada por este mesmo tribunal.
Virtualmente, cerca de 20% da população basca se encontra sem a possibilidade de se ver representada no parlamento basco e espanhol desde que, em 2008, o Partido Comunista das Terras Bascas (EHAK, em basco) foi ilegalizado por ser alegadamente uma continuação do Batasuna, logo, parte da ETA.
Desde então, diversas tentativas de fundar um novo partido esbarraram não só nas negativas dos tribunais espanhóis, mas também nas ações policiais contra os militantes nacionalistas (o que levou à prisão do maior número de pessoas ligadas à esquerda nacionalista desde o regime de Franco) e também na insistência da ETA em não abandonar a violência.
Em 2010, porém, a ETA deu os primeiros sinais de que estava pronta a se desarmar quando declarou cessar-fogo e aceitou a mediação internacional de um grupo composto por diversos ganhadores do Prêmio Nobel – como Mandela, Desmond Tutu e Mary Robinson, capitaneados pelo negociado sul-africano Brian Currin – e apoiou a assinatura da chamada Declaração de Bruxelas, onde acordou respeitar os chamados Princípios Mitchell e apoiar uma verificação internacional e independente de seu desarmamento.
Segundo Paul Rios, coordenador da organização Lokarri e responsável por levar à frente o processo de paz, a trégua veio em meio à intensa negociação envolvendo não só diversos atores, mas também devido a forte resistência por parte de políticos e de cidadãos, cansados da violência.
Ele ainda acrescenta que nada “pode garantir que o cessar-fogo da ETA seja definitivo, porém é difícil que aconteça um novo atentado”.
Para Pello Urizar, deputado pelo partido nacionalista EA (Social Democracia Basca), a ETA “entrou em um caminho sem volta” e que é hora de começar a negociar seu fim.
Apesar da descrença do governo espanhol (comandado pelos Socialistas do PSOE) e da franca oposição dos pós-franquistas do Partido Popular, a ETA e os remanescentes do Batasuna continuaram a seguir no caminho da via pacífica e da concordância.
Jesús Egiguren, presidente do Partido Socialista no País Basco foi um dos poucos ligados a partidos não-nacionalistas a apoiar a iniciativa de negociação com o grupo radical, o que o fez entrar em rota de conflito com o resto de seu partido. Na época, Eguiguren chegou a declarar que “o Batasuna recuperou a liderança no mundo nacionalista e está condicionando a atividade armada da ETA”.
Depois de meses de conversas e consultas com as bases sociais da Esquerda Nacionalista, no dia 07 de fevereiro de 2011, antigos membros do Batasuna e militantes históricos apresentaram o estatuto de um novo partido político que tem por objetivo superar a barreria legal imposta a esta significativa parcela da população pela Lei de Partidos, o instrumento utilizado tanto pela oposição pró-Espanha quanto pela justiça para ilegalizar o Batasuna e partidos tributários.
No dia seguinte o nome do novo partido foi divulgado: Sortu, que significa “recomeço” em Basco.
A Lei de Partidos explicita a necessidade de uma condenação completa e irrestrita de qualquer tipo de violência, buscando claramente dificultar a sobrevivência de qualquer partido que possa servir como braço de grupos armados. Segundo interpretações de tribunais superiores, o Batasuna seria, inegavelmente, braço da ETA, logo, não cumpriria com os preceitos básicos para ser legal.
O estatuto – e o discurso – do novo partido, redigido pelo advogado nacionalista Iñigo Iruin, porém, foi pensado para conseguir superar esta barreira e deixa explícito em diversos momentos o rechaço frontal a qualquer tipo de violência política e abre o caminho para futuras condenações caso a ETA resolva quebrar o acordo de não mais cometer atentados.
Iruin deixou claro que “a intensidade do rechaço a toda violência presente no estatuto do novo partido, deve bastar para acabar com qualquer presunção de conivência com a violência ou com organizações ilegalizadas”.
Não foi a primeira vez que a ETA declarou um cessar-fogo e alguns meses depois voltou a cometer atentados, ainda que desta vez os compromissos assumidos pelo grupo tenham ido mais longe do que nunca e existam sinais de que será duradouro.
Paul Rios se mostrou extremamente otimista com a oportunidade que se abre, ainda que este sentimento não seja unânime sequer entre aqueles de seu entorno. Depois de diversas tréguas e tentativas frustradas de superar o conflito político, os sentimentos são ambíguos. O primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodrigues Zapatero, chegou a comentar que a Esquerda Nacionalista “nunca tinha dado um passo assim” em direção a um repúdio tão explícito da violência.
Alfredo Rubalcaba, ministro do Interior, afirmou ter visto uma “melhora significativa” na postura dos ex-membros do Batasuna  e que esta é a “primeira vez” que tomam atitude firme e, em geral, o clima é de muita expectativa sobre a decisão da justiça espanhola sobre a possível legalização da formação.
Andoni Ortuzar, parlamentar no nacionalista PNV (Partido Nacionalista Basco) deu as boas vindas ao novo partido, felicitando-os pela iniciativa de rechaçar a violência, dizendo “antes tarde do que nunca, antes tivessem feito isto há 35 anos!”.
À direita, Antônio Basagoiti, presidente da seção basca do PP não é apenas cético como virulento em suas críticas contra a nova formação, que acusa de ser insuficiente em seu comprometimento com a paz e declarações. Em comunicado oficial, o PP se limitou a declarar que o partido que nasce “é o mesmo Batasuna de sempre”.
O vice-secretário de comunicações do PP, Esteban Gonzáles Pons, chegou a ser ainda mais crítico, declarando que “legalizar o Batasuna seria como se os aliados fizessem um pacto com os Nazistas ao entrar em Berlin”.
O novo partido, porém, ainda é um embrião e precisa passar não só pelo crivo da justiça, mas também pelo crivo da própria militância. O jornalista José Luis salgado acrescenta que “apesar da claridade com que o [partido] Sortu  cumpre com os requisitos exigidos na lei de partidos, sua legalização terá ainda de ser referendada pela justiça espanhola”, ao que Ignácio Escolar completa, afirmando que os descontentes não podem fazer nada “além de novamente pedir a ilegalidade do partido à justiça”, porque desta vez “nenhuma lei conhecida” pode proibir o novo partido de participar das eleições.
Resta agora aos promotores do novo partido, Sortu, esperar por uma decisão da justiça espanhola sobre a possibilidade ou não de concorrerem a cargos nas próximas eleições, marcadas para maio. Resta também a incógnita se a ETA irá regressar ao terrorismo ou irá fazer alguma declaração dando apoio à tese da Esquerda Nacionalista de que o grupo logo irá se dissolver.
Como comentado pelo historiador Iñaki Egaña, porém, a história da ETA é cheia de separações e rachas, e pouco se pode prever para o futuro do grupo.
CartaCapital entrevistou Paul Rios, coordenador da Lokarri:
CartaCapital (CC): Agora é possível falar em uma trégua definitiva da ETA e que a sociedade Basca poderá seguir pela via pacífica?
Paul Rios (PR): Não posso garantir totalmente que o cessar-fogo seja definitivo, mas acredito ser muito difícil que a ETA volte a cometer atentados. Depois do passo dado ontem (dia 7) pelos impulsionadores do novo partido, Sortu, é muito complicado para a ETA cometer um atentado sabendo que receberá o rechaço do setor político que até agora esteve mais perto de suas propostas e idéias.
Creio que a ETA enfrenta apenas um dilema: um final rápido e ordenado ou lento e desordenado. Em qualquer caso, o final da violência. E acompanha as decisões da Esquerda Abertzale, o final será mais rápido e será factível conversar com o governo questões técnicas (como armas, presos). Se decide continuar com a violência, se verá apartada da Esquerda Abertzale e, sem um braço político, a ETA ficará reduzida a um mero problema de segurança.
CC – Pensas que o Tribunal Constitucional (máximo órgão de justiça espanhola) permitirá o registro da nova formação (Sortu)? Como agirá o governo espanhol?
PR - O governo tentará impugnar o partido. Os estatutos do Sortu vão muito além do que é estabelecido na Lei de Partidos. Com ele em mãos, é muito difícil que um tribunal possa rechaçar a legalização. Outra questão distinta é que há um risco de que os tribunais não tomem sua decisão antes das próximas eleições.
CC – O que acha dos comentários negativos feitos pelo PP e a falta de entusiasmo do PSOE frente ao lançamento do novo partido?
PR - Deve-se matizar. O PSOE aprecia o passo dado, mas fica em cima do mudo e deixa a decisão nas mãos dos tribunais. Um governo responsável deveria permitir a legalização e, caso veja indícios de que se trata de uma enganação – o que não é o caso, estou convencido -, então pode pôr em marcha outro processo de ilegalização, como já fizeram no passado. Quanto ao PP e ao UPyD (oposição de direita), eles propõem diretamente vulnerabilizar o Estado de Direito. O respeito às leis é fundamental e se Sortu, o novo partido, as cumpre, não se pode propor ignorar a lei e inventar novos requisitos para a legalização, como estão fazendo estes partidos.

Milhares de manifestantes pedem o fim da dinastia sunita que governa o Bahrein


Protestos no Bahrein

Jorge Seadi no Sul21

Milhares de pessoas participaram, nesta manhã de sexta-feira (18), em Manama, capital do Bahrein, do funeral dos três mortos nas manifestações contra a dinastia sunita que governa o país que atacou os manifestantes na Praça da Pérola  com tanques e blindados de combate, deixando 231 feridos e prendendo centenas de outros.
Apesar do governo ter proibido, a partir de ontem (17), qualquer manifestação nas ruas do Emirado, a polícia e o exército ficaram distantes das demonstrações de dor durante o cortejo com os três corpos pelas ruas da capital. Milhares de pessoas levaram os caixões em uma onda de reclamações contra o governo e, pela primeira vez, contra o rei Hamad. O povo pede a saída da dinastia sunita comandada pelo rei Hamad há 40 anos.
Ahmed Makki Abu Taki, irmão de Mahmud, um dos mortos que está sendo enterrado hoje, disse que “havíamos apenas pedido a saída do governo, mas agora queremos que o rei também saia”. Os corpos dos três mortos estão sendo levados para o cemitério de Sitra, uma pequena cidade ao lado da capital do país. Após o sepultamento todos vão para uma mesquita, orar no dia sagrado para o islamismo (sexta-feira é o domingo dos árabes).
Além dos protestos nas ruas, a família real começa a enfrentar a oposição de destacados membros da comunidade sunita, que mantém o governo, e que parecem concordar com os pedidos da população. A pressão contra o regime aumentou nas últimas horas quando o maior líder religioso dos xiitas, Issa Qassem, qualificou a morte dos três manifestantes como “massacre”. Em um sermão para milhares de pessoas na mesquita xiita da cidade de Diraz, no noroeste do país, o clérigo advertiu que o “governo fechou todas as portas para o diálogo”.
E o governo não dá mostras de que deseja o diálogo. O ministro de Relações Exteriores, Jalid al Jalifa, disse que a ação do Exército foi necessária porque “as manifestações estavam polarizando o país e colocando o Bahrein à beira da guerra sectaria”.  Enquanto isto, líderes do movimento contra o governo se articulam para tomar a praça da Pérola como uma grande demonstração de força dos movimentos de oposição na manhã deste sábado. Observadores afirmam que a tomada da praça poderá provocar muita violência.    

 com informações do El Mundo, Espanha

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Desigualdade social e renda injusta


Frei Betto*
Escritor e assessor de movimentos sociais

Entre os 15 países mais desiguais do mundo, 10 se encontram na América Latina e Caribe. Atenção: não confundir desigualdade com pobreza. Desigualdade resulta da distribuição desproporcional da renda entre a população.
O mais desigual é a Bolívia, seguida de Camarões, Madagascar, África do Sul, Haiti, Tailândia, Brasil (7º lugar), Equador, Uganda, Colômbia, Paraguai, Honduras, Panamá, Chile e Guatemala.
A ONU reconhece que, nos últimos anos, houve redução da desigualdade no Brasil. Em nosso continente, os países com menos desigualdade social são Costa Rica, Argentina, Venezuela e Uruguai.
Na América Latina, a renda é demasiadamente concentrada em mãos de uma minoria da população, os mais ricos. São apontadas como principais causas a falta de acesso da população a serviços básicos, como transporte e saúde; os salários baixos; a estrutura fiscal injusta (os mais pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos que os mais ricos); e a precariedade do sistema educacional.
No Brasil, o nível de escolaridade dos pais influencia em 55% o nível educacional a ser atingido pelos filhos. Numa casa sem livros, por exemplo, o hábito de leitura dos filhos tende a ser inferior ao da família que possui biblioteca.
Na América Latina, a desigualdade é agravada pelas discriminações racial e sexual. Mulheres negras e indígenas são, em geral, mais pobres. O número de pessoas obrigadas a sobreviver com menos de um dólar por dia é duas vezes maior entre a população indígena e negra, comparada à branca. E as mulheres recebem menor salário que os homens ao desempenhar o mesmo tipo de trabalho, além de trabalharem mais horas e se dedicarem mais à economia informal.
Graças à ascensão de governos democráticos-populares, nos últimos anos o gasto público com políticas sociais atingiu, em geral, 5% do PIB dos 18 países do continente. De 2001 a 2007, o gasto social por habitante aumentou 30%.
Hoje, no Brasil, 20% da rendas das famílias provêm de programas de transferência de renda do poder público, como aposentadorias, Bolsa Família e assistência social. Segundo o IPEA, em 1988 essas transferências representavam 8,1% da renda familiar per capita. De lá para cá, graças aos programas sociais do governo, 21,8 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema.
Essa política de transferência de renda tem compensado as perdas sofridas pela população nas décadas de 1980-1990, quando os salários foram deteriorados pela inflação e o desemprego. Em 1978, apenas 8,3% das famílias brasileiras recebiam recursos governamentais. Em 2008, o índice subiu para 58,3%.
A transferência de recursos do governo à população não ocorre apenas nos estados mais pobres. O Rio de Janeiro ocupa o quarto lugar entre os beneficiários (25,5% das famílias), antecedido por Piauí (31,2%), Paraíba (27,5%) e Pernambuco (25,7%). Isso se explica pelo fato de o estado fluminense abrigar um grande número de idosos, superior à media nacional, e que dependem de aposentadorias pagas pelos cofres públicos.
Hoje, em todo o Brasil, 82 milhões de pessoas recebem aposentadorias do poder público. Aparentemente, o Brasil é verdadeira mãe para os aposentados. Só na aparência. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE demonstra que, para os servidores públicos mais ricos (com renda mensal familiar superior a R$ 10.375), as aposentadorias representam 9% dos ganhos mensais. Para as famílias mais pobres, com renda de até R$ 830, o peso de aposentadorias e pensões da previdência pública é de apenas 0,9%.
No caso do INSS, as aposentadorias e pensões representam 15,5% dos rendimentos totais de famílias que recebem, por mês, até R$ 830. Três vezes mais que o grupo dos mais ricos (ganhos acima de R$ 10.375), cuja participação é de 5%.
O vilão do sistema previdenciário brasileiro encontra-se no que é pago a servidores públicos, em especial do Judiciário, do Legislativo e das Forças Armadas, cujos militares de alta patente ainda gozam do absurdo privilégio de poder transferir, como herança, o benefício a filhas solteiras.
Para Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, no Brasil "o Estado joga dinheiro pelo helicóptero. Mas na hora de abrir as portas para os pobres, joga moedas. Na hora de abrir as portas para os ricos, joga notas de cem reais. É quase uma bolsa para as classes A e B, que têm 18,9% de suas rendas vindo das aposentadorias. O pobre que precisa é que deveria receber mais do governo. Pelo atual sistema previdenciário, replicamos a desigualdade.”
A esperança é que a presidente Dilma Rousseff promova reformas estruturais, incluída a da Previdência, desonerando 80% da população (os mais pobres) e onerando os 20% mais ricos, que concentram em suas mãos cerca de 65% da riqueza nacional.
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Artigo 2:
Os sonhos de Kepler
No século XX, o ser humano conquistou o "impossível". Sabemos voar como os pássaros, navegar sob as águas como os peixes, correr mais rápido do que os coelhos e somos capazes de nos comunicar a distâncias outrora inimagináveis. Somos a geração automotiva. O relógio mede cada segundo do nosso tempo, cavalos e carruagens cederam lugar a carros e aviões, trovadores invisíveis cantam através de nosso equipamento de som, arautos sem rosto divulgam os fatos pelo rádio, o circo e o teatro irrompem em nossa sala nas dimensões de uma pequena tela eletrônica.
Melhor do que dividir a história em antiga, medieval, moderna e contemporânea, é distingui-la pelas eras agrícola, que durou 10.000 anos; industrial, nos últimos 100 anos; e, agora, cibernética. Johannes Kepler, nascido na Alemanha em 1571, atraído pelo faro estético dos gregos -que acreditavam ter o Universo uma natural simetria- descobriu a arquitetura do sistema solar e levou quatro anos para calcular a órbita de Marte, uma elipse perfeita. Com um computador, bastariam quatro segundos.
Kepler, que escreveu um livro intitulado O Sonho, teria invejado a nossa geração se imaginasse quanto tempo poderíamos poupar. Daria asas à imaginação, sonhando em fazer tudo aquilo que o trabalho exaustivo não lhe permitia: desfrutar da vida campestre, perder tempo com os amigos, ficar na igreja ouvindo o som inebriante do órgão, contemplar o céu noturno para captar a música das estrelas. O que ele jamais poderia supor é que, com tanta tecnologia, a nossa geração dispõe cada vez mais de menos tempo.
Somos incorrigivelmente vorazes. Queremos processar o máximo de informações no mínimo de tempo. Desafiamos, a cada momento, as barreiras do espaço. Ansiamos por estar lá -não no caminho- e, por isso, afundamos o pé no acelerador do carro possante e afugentamos os pedestres, disputando com o motorista ao lado um palmo de asfalto, como se à frente não houvesse sinais vermelhos contrários à nossa sofreguidão. Reduzimos as distâncias com telefones celulares e operações digitais no computador.
Ainda que no trânsito ou no aeroporto, no trabalho ou no clube, a "coleira eletrônica" impede que nos percam de vista. Entre uma marcha e outra, uma flexão abdominal e outra, uma decisão e outra no trabalho, controlamos os filhos, as aplicações financeiras, os negócios geograficamente distantes. Como Prometeu, queremos arrebatar o fogo dos deuses, fazendo de conta que não somos frágeis e mortais.
Porque precisava pensar, Kant nunca saiu de Königsberg, onde construiu uma obra filosófica monumental. Ora, para que livros se há milhares de vídeos interessantes? Basta saber que o patrimônio cultural da humanidade se encontra armazenado nas bibliotecas. Relaxados, passamos horas, dias, meses e anos de nossas vidas vendo um punhado de homens correrem atrás de uma bola e carros velozes desafiando as curvas da morte. Nossos heróis estão distantes da arte musical de Mozart, da física de Planck ou da literatura de Machado de Assis. Veneramos aqueles que quebram limites. O Evangelho da "pós-modernidade" são os índices do mercado financeiro. A Bíblia, o Guiness Book of the Records. Pelé fez 1.000 gols. Michael Jackson coloriu de branco sua pele negra. Ayrton Senna andou mais depressa grudado ao solo que qualquer outro mamífero.
Só não descobrimos o elixir da felicidade. Por que nenhuma empresa vende o que mais procuramos? Ora, talvez possamos deixar de pagar, com o sacrifício da própria vida, o preço letal dessa busca, se abraçarmos os sonhos de Kepler: a vida campestre, a roda de amigos, o coro de anjos numa igreja e a melodia das estrelas.

[Frei Betto é escritor, autor do romance "Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

István Mészáros e a educação para além do capital

Escrito por Demetrio Cherobini  no Correio da Cidadania
 
Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008, pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente, tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação, entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
 
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital, concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto, pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização" da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo húngaro em sua totalidade.
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Sem compreender isso, qualquer empreendimento que vise elucidar criticamente as proposições de Mészáros sobre as formas – atuais e vindouras - de mediar o sócio-metabolismo humano fica tremendamente prejudicado. A educação é importante para um projeto político-social alternativo porque a superação da alienação só pode ser feita por meio de uma atividade autoconsciente. Esta é, pois, a condição para passarmos de uma situação onde nos encontramos completamente fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas próprias criações materiais e estranhos em relação aos nossos semelhantes, para uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
 
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado. Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
 
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim, em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater precipuamente o "neoliberalismo".
 
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado, que faz parte de sua base material e que deve ser superado em concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
 
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
 
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida, seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam (acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
 
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes, articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da "classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e alienantes de produção e reprodução do capital.
 
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico, realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
 
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores livremente associados de que falava Marx.
 
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a revolução, auto-determinada e permanente.
 
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência) radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova forma histórica".
 
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem concessões de que as instituições de ensino e seus participantes – educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar – entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que, em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade. Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente, a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal, cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
 
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora, contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado, o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital, suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos - principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da própria esquerda...
 
Ficha
 
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
 
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis, tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha, onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia (1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra (1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977, retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a Londres.
 
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).