Código Florestal e a ineficiência do agronegócio
Por Gerson Teixeira
No site do MST
Às vésperas da provável aprovação, pela Câmara dos Deputados, do
Substitutivo Aldo Rebelo ao PL que altera o Código Florestal, todas as
complexas dimensões da matéria foram mais ou menos abordadas nos debates
do tema processados nos últimos meses. No entanto, as ponderações mais
importantes da comunidade científica, amplificadas por políticos,
lideranças da sociedade civil e ambientalistas, sobre os potenciais
danos socioambientais da propositura, dificilmente serão observadas no
texto da futura Lei.
Está claro que na perspectiva dos interesses seccionais do
agronegócio, os objetivos essenciais para a aprovação do texto do
Substitutivo na versão que circulou até a semana passada, envolvem: (i) o
resgate da regularidade ambiental, por meio da anistia de multas e do
rebaixamento dos compromissos com a recuperação de passivos ambientais,
especialmente em RL e APP; e (ii) a liberação de áreas para a expansão
das suas atividades através da institucionalização das chamadas “áreas
consolidadas” e da precarização da legislação ambiental, via a sua
descentralização.
No plano da prática política dos ruralistas, essas demandas replicam,
na temática ambiental, as estratégias políticas exitosas consagradas
nas sistemáticas ações pelo alongamento, repactuação e remissão de
dívidas no crédito rural.
Contudo, se no caso do endividamento os ruralistas sempre enfrentaram
(com êxito), resistências políticas por conta dos desdobramentos
fiscais dessas medidas, os propósitos de relaxamento dos passivos e da
legislação ambiental, encontram receptividade, ainda que tácita, em
parcela razoável da sociedade e do governo.
Isto porque, os pesados ônus políticos e ambientais de tais
concessões são relativizados ante as projeções dos substantivos “ganhos
econômicos” para o país com a forte inserção do agronegócio brasileiro
em um mercado internacional progressivamente mais atrativo para as
commodities agrícolas.
Por essa razão (entre outras), os ruralistas demandam a aprovação da
proposta Aldo para disponibilizar mais áreas para a atividade agrícola, e
assim libertar a atividade do suposto engessamento institucional atual
para a viabilização do potencial produtivo da agricultura brasileira.
Na realidade, trata-se de discurso oportunista na busca de “saída
fácil” para as insuficiências estruturais da base primária do
agronegócio.
Afora a confortável posição do Brasil em termos de disponibilidade de
áreas agricultáveis (não exploradas ou ineficientemente exploradas), a
realidade mostra que o grande óbice aos objetivos produtivistas da
atividade agrícola no Brasil está associado aos discretos índices de
produtividade dos seus principais produtos no plano mundial.
Uma eventual aproximação dos níveis de produtividade desses produtos
aos verificados nos países de primeira linha possibilitariam o
crescimento exponencial da produção agrícola brasileira, sem a
necessidade de concessões descabidas e de mutilações das normas
ambientais em vigor.
Os dados da FAO, referentes ao ano de 2009 confirmam essa realidade
para produtos estratégicos do agronegócio, desautorizando, portanto, as
pregações acerca da excelência dos padrões técnicos do agronegócio
brasileiro.
No caso do arroz, a produtividade média do produto no Brasil, de
4.365 Kg/Ha, coloca o país em 37ª posição no ranking mundial, atrás de
países como El Salvador, Peru, Somália, Ruanda, etc.
A produtividade média do milho no Brasil é ainda mais irrelevante em
termos globais. Ocupamos a 64ª posição mundial com produtividade média
de 3.7148 Kg/Ha.
No trigo, a insignificância dos níveis médios da produtividade do
produto no Brasil assume proporções vergonhosas. Com 2.200 Kg/Ha, o
Brasil está situado na 72ª posição.
Mesmo na soja, o produto carro-chefe do agronegócio exportador
brasileiro, a produtividade média, de 2.636 Kg/Ha, coloca o país na 9ª
posição no ranking mundial.
Na média de todos os cereais, a produtividade no Brasil em 2009, foi
de 3.526 Kg/Ha, o que colocou o país no 56º posto em termos globais.
Na pecuária de corte, afora a sofrível relação UA/área, o nosso
índice médio de produtividade, expresso em peso da carcaça, de 220
Kg/Animal, posiciona o país na 48ª colocação em todo o mundo.
É óbvio que os níveis da produtividade são fruto da interação de
muitas variáveis. Em cima desse fato, poderia haver a alegação de que
diferenças de fertilidade ou outras condições justificariam tal
desempenho do agronegócio brasileiro vis a vis os países que lideram os
níveis de produtividade.
Não obstante as nossas inegáveis potencialidades naturais para a
atividade agrícola, essa argumentação perde substância diante dos gastos
desproporcionais do país com fertilizantes e agrotóxicos. Em tese, a
utilização superintensiva desses produtos contrarrestaria os fatores, na
esfera natural, que propiciariam a outros países maiores desempenho em
produtividade.
De acordo com o IFA – International Fertilizer Industry Association, o
Brasil é o 4º maior consumidor de fertilizantes em todo o mundo, atrás,
apenas, da China, Índia e Estados Unidos. Observe-se que, por exemplo, a
área com cereais na China é 4.4 vezes superior á do Brasil; nos EUA, é 3
vezes maior; e, na Índia, 4.8 vezes superior que a área com cereais no
Brasil.
Quanto aos agrotóxicos, desde 2009 nos transformamos nos maiores
consumidores mundiais desses produtos conforme estudo encomendado pela
ANDEF – Associação Nacional de Defesa Vegetal.
Corroborando essa posição, os dados da FAO (FAOSTAT), atestam que a
partir de 2007 nos transformamos no principal país importador de
agrotóxicos.
Naquele ano, importamos US$ 282 milhões em inseticidas (incremento de
217% sobre o ano de 2000); com o Vietnã em segundo lugar, com
importações de US$ 150.2 milhões.
Em fungicidas, importamos US$ 242 milhões (incremento de 473% sobre
as importações de 2000), contra US$ 140 milhões da China, segundo maior
importador. Os dispêndios com importações de herbicidas somaram US$ 276
milhões (incremento de 139% sobre o ano de 2000). A Ucrânia, em segundo
lugar, importou US$ 171.4 milhões.
Em suma, esses dados mostram que, dominantemente, a agricultura
braseira ainda não completou a modernização conservadora, daí os níveis
relativamente medíocres da produtividade. Ou seja, ainda estamos no
curso de uma “revolução verde” tardia. Não é à toa que, diversamente da
maior parte dos países com tradição agrícola, somente na primeira década
deste século os índices de produção líquida per capita de alimentos no
Brasil passaram a ser positivos, i.e, a taxa de crescimento da produção
passou a suplantar a taxa de incremento populacional.
Significa que mesmo nos marcos da ciência agronômica que fornece o
substrato técnico do modelo produtivista, o Brasil não incorporou as
mais modernas inovações produtivas e de gestão.
A eloqüência dos discursos dos ruralistas sobre a excelência
produtivista do agronegócio encontra-se bem a frente dos indicadores
reais da atividade. Estivessem esses indicadores, compatíveis com os
discursos, o Brasil já teria multiplicado a sua produção agropecuária
sem a necessidade de precarizar ou afrouxar as normas ambientais em
prejuízo do futuro do próprio país.
Enfim, essa alegação para a alteração do Código Florestal não passa
de uma confissão da própria incompetência. Reafirma o descompromisso
natural de grande parte dos ruralistas com qualquer coisa que ultrapassa
o mata-burro da fazenda.
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