quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Um balanço do Fórum Social no Quênia


Roberto Malvezzi


1. Ele não pode ser comparado aos Fóruns acontecidos em Porto Alegre. A distância, os custos, a fragilidade organizativa da sociedade civil africana, certa precariedade da infra-estrutura, a presença oficial de 50 mil pessoas – que a gente não via na realidade – tornaram o Fórum bem mais enfraquecido. Entretanto, essas dificuldades eram esperadas e a intenção era tornar a África mais visível nas suas potencialidades e limites.

2. Aos menos nos corredores, nos eventos preliminares, pudemos ver e conhecer melhor a realidade africana. Países que têm muito potencial mineral, por isso sempre objeto de disputas entre transnacionais da mineração e da indústria de armas, que sempre atuam no sentido de dividir e provocar guerras fratricidas para facilitar seu acesso às riquezas africanas. A África continua sendo um continente saqueado.

3. Para mim foi válido ter participado do evento da CIDSE – pool de entidades católicas européias que atua em todo o mundo –, que debateu o impacto da indústria mineira em todo o mundo, particularmente na África. Quase cem pessoas participaram do evento.

4. Segundo o pessoal da Misereor que trabalha na África, lá não se pode pensar em movimentos organizados, muitas ONGs, assim por diante. Tudo lá acontece pelo viés das famílias, das tribos, dos clãs. Por isso as entidades têm muitas dificuldades de fazer uma atuação mais consistente.

5. Quando entramos em Nairóbi estamos diante de uma cidade irreal. Casas sofisticadas, avenidas apinhadas de carros novos japoneses, trânsito insuportável. Quando fomos à favela, vimos que ali não existe classe média. Ou se é rico, ou se é miserável. Quase 400 mil pessoas estão confinadas na favela de Kibera, num espaço onde parece não caberem 400 pessoas.

6. Aí se coloca a questão das classes e das etnias. O rosto brasileiro da miséria é negro. Na África também. Mas a cara da riqueza concentrada na África também é negra. Enfim, a questão étnica sozinha não resolve o problema das injustiças sociais. Quando se fala em criar uma elite negra nesse país, podemos nos perguntar onde é que queremos mesmo chegar, isto é, queremos superar as injustiças sociais ou apenas promover parte dos negros, para depois também oprimirem seus irmãos de cor que continuam na miséria?

7. As Igrejas marcaram muito mais presença, principalmente a católica. A insistência das organizações africanas para que a Igreja Católica esteja mais presente na realidade do povo era uma súplica emocionada. Mas os presentes eram os lutadores da base, não a hierarquia. Muito diferente a presença efusiva e marcante de Desmond Tutu.

8. O Fórum precisa ser repensado. Parece que os organizadores já estão fazendo essa reflexão. Edições automáticas poderão esvaziá-lo. Foi notória a ausência do rosto popular no evento.

Fonte: www.correiocidadania.com.br