Samir Oliveira no SUL21
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) faz da educação a sua principal bandeira. Ex-governador do Distrito Federal, ex-reitor da Universidade Nacional de Brasília e ex-ministro da Educação, ele chegou até a ser criticado por falar insistentemente no assunto quando disputou a Presidência da República em 2006.
Autor da lei que institui o piso nacional do magistério, o pedetista não economiza crítica aos governadores que não pagam o salário previsto na norma e regulado pelo Ministério da Educação (MEC). Para o senador, quem não cumpre a lei deveria ser cassado. “O Ministério Público precisa pedir o impeachment dos governadores e prefeitos que não cumprem o piso. Como é possível que um governador não cumpra a lei?”, indigna-se.
Nesta entrevista ao Sul21, Cristovam Buarque avalia a situação do Rio Grande do Sul e a atuação do governador Tarso Genro (PT), que o sucedeu quando deixou o Ministério da Educação – e o PT – em 2004. Para o senador, Tarso está “fora da lei” e não toma atitudes concretas para viabilizar o pagamento do piso.
“Quando o Tarso prometeu que pagaria o piso, ou ele conhecia e lei e foi demagogo, ou ele não conhecia e é despreparado”
Sul21 – Como iniciou o debate em torno da proposta de estabelecer um piso nacional para os professores?
Cristovam Buarque – A ideia começou já na Constituinte, quando o deputado Severino Alves apresentou um artigo na Constituição criando o piso. Mas isso ficou parado durante 20 anos. Em 2004 eu apresentei o projeto que criava o piso e em 2008 conseguimos que fosse aprovado, com o apoio do ministro da Educação (à época) Fernando Haddad (PT). Mas, assim que foi sancionada pelo ex-presidente Lula, a lei foi recusada por muitos governadores, que entrara com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou validando a norma.
Sul21 – Agora muitos governadores questionam a legalidade do reajuste de 22% determinado pelo Ministério da Educação (MEC), conforme o valor do custo por aluno do Fundeb, como regula a lei.
Cristovam – A proposta que veio do governo dizia que o reajuste seria no mínimo igual ao INPC. Mas, no mínimo, também, igual ao aumento do valor dos recursos transferidos pelo MEC para as prefeituras (Fundeb). Para o ministério, o aumento seria o maior índice dentre esses dois. E a variação do INPC foi de 6,8%, enquanto a transferência de recursos para as cidades foi de 22%. Então por isso o aumento terminou sendo de 22%. Os governadores tentaram impedir, mesmo depois de isso ser aprovado na Comissão de Educação, que se considerava aprovação terminativa e poderia ter ido direto para a presidente. Tentaram levar o tema para o plenário, mas não conseguiram.
Cristovam – A proposta que veio do governo dizia que o reajuste seria no mínimo igual ao INPC. Mas, no mínimo, também, igual ao aumento do valor dos recursos transferidos pelo MEC para as prefeituras (Fundeb). Para o ministério, o aumento seria o maior índice dentre esses dois. E a variação do INPC foi de 6,8%, enquanto a transferência de recursos para as cidades foi de 22%. Então por isso o aumento terminou sendo de 22%. Os governadores tentaram impedir, mesmo depois de isso ser aprovado na Comissão de Educação, que se considerava aprovação terminativa e poderia ter ido direto para a presidente. Tentaram levar o tema para o plenário, mas não conseguiram.
Sul21 – Com esse aumento, o piso passou a ser R$ 1.451. Muitos governadores não cumprem esse valor. O senhor tem defendido medidas enérgicas contra quem não paga o piso.
Cristovam – Isso é uma desmoralização das instituições políticas brasileiras. O Congresso tomou a iniciativa, o Executivo sancionou, o Judiciário legitimou e tem governador que não está cumprindo a lei. O valor de R$ 1.451 ainda é muito pequeno. O Ministério Público precisa pedir o impeachment dos governadores e prefeitos que não cumprem o piso. Como é possível que um governador não cumpra a lei?
Sul21 – Na sua avaliação, por que não pagam o piso?
Cristovam – Na maioria dos casos é falta de interesse. Claro que há também falta de dinheiro. Mas, ao lado disso, há a apropriação de recursos públicos. As assembleias legislativas abocanham o dinheiro do Estado. Há também as dívidas dos estados com a União. Há muitos anos que defendo a troca dessas dívidas para que o dinheiro seja aplicado em educação. Defendi isso internacionalmente para o país quando eu era ministro. E o Tarso Genro continuou defendendo, chegou até a negociar a dívida brasileira com a Espanha. O Tarso deveria estar liderando a troca da dívida dos estados com a União para colocar dinheiro na educação. É preciso negociar com os credores. A dívida com a educação e com as crianças é muito mais importante que a dívida com os bancos e com a União. Mas não vejo o governador se mover nessa direção.
“Se o MEC não tivesse legitimidade para determinar o reajuste, o STF já teria dito isso quando julgou a constitucionalidade da lei”
Sul21 – Há uma cobrança muito forte no Rio Grande do Sul, já que o governador foi ministro da Educação e assinou a lei do piso, na qualidade de ministro da Justiça, abaixo da assinatura do ex-presidente Lula, e hoje diz que o salário não deveria ser reajustado pelo MEC e não reconhece o aumento de 22%. O que o senhor pensa disso?
Cristovam – Durante a campanha eleitoral, quando o Tarso prometeu que pagaria o piso, ou ele conhecia e lei e foi demagogo, ou ele não conhecia e, nesse caso, é despreparado. Se ele realmente não estava preparado para saber das contas do Estado, deveria entregar as escolas do Rio Grande do Sul para que o governo federal tome conta. O governador Tarso Genro é advogado e foi ministro da Justiça. Não tem como ele dizer que o reajuste do MEC não é válido, ele sabe que isso não é verdade e não faz nenhum sentido. Se o MEC não tivesse legitimidade para determinar o reajuste, o STF já teria dito isso quando julgou a constitucionalidade da lei. Tarso está fora da lei, assim como os outros governadores que não pagam o piso de R$ 1.451.
Sul21 – Os professores dizem que o pai do piso não reconhece mais o seu filho…
Cristovam – O pai do piso sou eu. Mas eu não teria conseguido aprovar a lei sem o apoio do Fernando Haddad. Não vi o Tarso Genro em nenhum momento nas discussões que fazíamos para viabilizar a lei. Sem o Haddad, o projeto teria morrido na Câmara.
Sul21 – A lei também prevê que o governo federal ajude os estados que não conseguem pagar o piso. Mas os governadores reclamam que as exigências feitas dificultam isso.
Cristovam – O governador precisa pedir a ajuda do governo federal. Conversei com o ministro (da Educação) Aloízio Mercadante (PT) e ele é totalmente de acordo com esse aumento e está disposto a dialogar. Mas Tarso, em vez de conversar, quer que o aumento seja suspenso. Ele vai criar um passivo para o Estado, porque a Justiça irá mandar pagar o piso e com correções. Criar um passivo judicial é feio, mas criar um passivo judicial com os professores é mais feio ainda. Tem muito estado mais pobre que o Rio Grande do Sul que está pagando o piso.
Sul21 – Outra determinação da lei é que os planos de carreira do magistério sejam readequados. O senhor é favorável a isso?
Cristovam – Mudança de carreira para prejudicar os professores é uma maneira de burlar a lei. Agora, se for preciso fazer um plano de carreira que melhore a vida dos professores, tudo bem.
“Hoje o que atinge os governos são os estádios da Copa do Mundo. Então os professores do Brasil precisam ocupar esses estádios até que o piso seja pago”
Sul21- Como o senhor avalia as mobilizações feitas pelos professores para exigir o cumprimento da lei?
Cristovam – Os professores precisam lutar para que o piso seja adotado com o reajuste correto. Mas não consigo apoiar greve de aulas. As primeiras greves de professores tinham simpatizantes, mas hoje a sociedade já não costuma apoiar. Greve é apenas uma das formas de luta e não é a mais eficiente. É a que mais prejudica a sociedade e as crianças, alem de ser a que menos incomoda os governos, no caso dos professores. Os professores precisam de outros instrumentos de luta que não sacrifiquem os alunos.
Sul21 – Quais, por exemplo?
Cristovam – Defendo uma proposta que muitos dizem que é radical e até anarquista. Os professores precisam ocupar os estádios em reforma ou em construção para a Copa do Mundo. E isso sem parar as aulas. Basta 200 professores ocuparem para inviabilizar as obras de um estádio. Garanto que, se isso acontecer, até o Joseph Blatter vai pedir que o piso seja pago. Os professores deviam enviar uma mensagem à FIFA dizendo: “Senhor Blatter, o país que vai receber a Copa do Mundo não consegue pagar nem R$ 1.451 aos seus professores”. Os governos não se mobilizam diante de uma greve de professores. É preciso uma ação que atinja o governo e hoje o que atinge os governos, mais do que qualquer outra coisa, são os estádios da Copa do Mundo. Então os professores do Brasil precisam ocupar esses estádios até que o piso seja pago.
Sul21 – O senhor é um grande defensor da federalização da educação no país. Essa é realmente a solução para a área?
Cristovam – Os governadores dizem que não têm dinheiro para a educação. Está na hora de eles entregarem as escolas ao governo federal. No Brasil, a melhor média no IDEB é das escolas federais, não das particulares. Por que, em vez de 300 escolas federais, não temos 100 mil? Até chegar ao total de 200 mil escolas federais.
Sul21 – Mas a União teria dinheiro para manter todas as escolas?
Cristovam - Hoje não, mas isso pode e deve ser feito ao longo de 20 anos. Meu projeto nesse sentido prevê uma carreira nacional para o magistério pagando R$ 9 mil por mês e com seleção mediante concurso público. Seria uma carreira nobre. Em 20 anos, com 300 mil professores, representaria um gasto de 6,4% do PIB. Já estão falando agora em colocar 8% do PIB em educação a partir do próximo ano, sendo que a luta mesmo é de 10%. Com essa minha proposta ainda sobraria dinheiro para as universidades e outras atividades.
“A universidade brasileira é elitista porque não serve o povo e não deixa o povo entrar. Na universidade devem entrar os melhores, não os mais ricos”
Sul21 – O senhor já foi reitor da UNB. Como vê a situação das universidades brasileiras hoje? O senhor costuma criticar o elitismo das universidades?
Cristovam – Uma universidade não é elitista porque recebe poucos alunos, mas sim porque seus profissionais trabalham para poucos. Uma faculdade de Medicina precisa receber os melhores e seus profissionais precisam trabalhar para todos. Democrática é a universidade que serve a todos depois de formar. A universidade brasileira é elitista porque não serve o povo e porque não deixa o povo entrar. Na universidade devem entrar os melhores, não os mais ricos. Mas hoje entram os mais ricos e os pobres ficam de fora. Temos que dar condições para que os pobres disputem a entrada na universidade e isso só irá ocorrer com escola pública de qualidade para todos. Quando os filhos dos pobres e os filhos dos ricos estudarem na mesma escola, só entrarão na universidade os melhores. Não vejo nenhum problema no vestibular, desde que todos tenham um bom Ensino Médio. Como é que pobre vai disputar um vestibular se 10 milhões de pessoas não sabem ler? Dos que estudam, somente dois terços terminam o Ensino Médio e em escolas muito deficientes. Só com escolas iguais para todos conseguiremos que a universidade seja elitista intelectualmente, não socialmente. A universidade tem que representar a elite intelectual, não social.
Sul21 – Como o senhor avalia a situação atual do seu partido? Até agora, a presidente Dilma Rousseff (PT) não indicou um substituto para Carlos Lupi no Ministério do Trabalho.
Cristovam – A minha posição hoje é a mesma de quando Lula chamou o Lupi: sou contra. Se entramos no governo, deixamos de ser aliados e viramos atrelados. Sou favorável a apoiarmos a Dilma, mas não quero estar atrelado a ela. Porque aí o partido morre. E o partido vem morrendo há cinco anos. Em 2006, quando disputamos a presidência, o PDT tinha uma cara, não a minha cara, mas a cara da educação. Hoje, qual é a cara do PDT? Um avião viajando ao Maranhão. O PDT deveria dizer à Dilma que não precisa de um ministério para apoiá-la. Apoiaremos nas coisas boas. Nosso lado é a esquerda, não a direita.
“Devíamos estar lançando já alguns nomes como candidatos à presidência, para deixar claro que em 2014 teremos candidato”
Sul21 – O senhor diria que o PDT hoje é um partido de esquerda?
Cristovam – Eu sou um homem de esquerda. Quero educação igual para todos. Quero que o filho do patrão estude na mesma escola que o filho do trabalhador. Isso para mim é ser de esquerda. Mas sei que no meu partido tem muita gente que não quer isso. Quero aprovar a PEC que desapropria terras que utilizem trabalho escravo. Certamente no PT, no PDT e no PCdoB poderão ter pessoas votando contra isso. Mas de qualquer maneira nossa herança, com Brizola e o trabalhismo, está muito mais sintonizada com esses partidos do que com o DEM.
Cristovam – Eu sou um homem de esquerda. Quero educação igual para todos. Quero que o filho do patrão estude na mesma escola que o filho do trabalhador. Isso para mim é ser de esquerda. Mas sei que no meu partido tem muita gente que não quer isso. Quero aprovar a PEC que desapropria terras que utilizem trabalho escravo. Certamente no PT, no PDT e no PCdoB poderão ter pessoas votando contra isso. Mas de qualquer maneira nossa herança, com Brizola e o trabalhismo, está muito mais sintonizada com esses partidos do que com o DEM.
Sul21 – Na sua opinião, o PDT deve disputar a Presidência da República em 2014?
Cristovam – Devíamos estar lançando já alguns nomes como candidatos à presidência, para deixar claro que em 2014 teremos candidato. Defendo que escolhamos uns quatro nomes e coloquemos a rodar o país na condição de pré-candidato à presidência.
Sul21 – O senhor seria um desses nomes?
Cristovam – Sinceramente… Não sei se eu me motivaria. Mas tem outros nomes importantes, como o senador Pedro Traques (PDT-MT).