terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Rumo a Confecom...


A boa hora da comunicação alternativa

Por Flávio Aguiar, da Carta Maior


Uma boa parte da mídia alternativa no Brasil se faz com organizações do tipo empresarial, ainda que, em geral, sejam pequenas ou médias empresas (ou cooperativas), por oposição às grandes corporações que dominam os mercados privados publicitários e/ou de concessão de verbas públicas. Está mais do que na hora de se buscar regras de financiamento que, para além das visões mercadológicas estreitas, garantam uma verdadeira pluralidade na construção da informação no Brasil.

Surge em boa hora a proposta de criação de uma Associação Brasileira de Empresários da Comunicação Alternativa. Ela vem maré montante da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que se realizará de 14 a 17 de dezembro próximo, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. A proposta é pertinente, inclusive, a partir do uso da palavra “Alternativa” para qualificar o empreendimento e, por tabela, seus empreendedores.

A expressão não vem sem controvérsia. Há quem a repudie, por várias razões. Primeiro, vamos a um pouco de história. A expressão “Imprensa alternativa” (então se falava muito pouco em “mídia”) ganhou ímpeto no Brasil dos anos 70 (1) . Ela surgiu de várias fontes (entre elas esse escriba), como uma resposta ao carinhoso apelido que o escritor João Antonio deu aos jornais, em geral pequenos, que se contrapunham à censura da ditadura militar e à auto-censura praticada no jornalismo convencional brasileiro: “imprensa nanica”.

O termo “nanica” não ofendia nem desqualificava. Pelo contrário, trazia à tona a metáfora de Davi contra Golias. Pitoresco, dava o sabor de um certo heroísmo, quixotesco ou não, à atividade dos grupos de jornalistas e intelectuais que se reuniam em cooperativas ou com outras formas de organização para se opor à hegemonia que a ditadura e a auto-proclamada “grande imprensa” construíam diariamente no campo da informação – não sem conflitos entre si, como atestam os casos de censura, por exemplo, ao Estadão e em outros episódios.

Mas se ele não desqualificava, tampouco qualificava muito. Não me refiro ao campo moral, mas sim ao conceitual. Deixava brechas importantes. Por exemplo: como qualificar o gigantesco empreendimento de Última Hora, de Samuel Wayner, de quem nos considerávamos herdeiros? Esse empreendimento nada tivera de “nanico”. Mas fora sim alternativo. Alternativo a quê? À busca de hegemonia pela então “grande imprensa” na sua luta (sanha, talvez) para derrubar Getúlio Vargas. O Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, era, na verdade, um “nanico” que só cresceu com o manto protetor de Roberto Marinho, com seu O Globo, e de outros órgãos da imprensa conservadora.

Assim, “na história brasileira os freqüentes alternativos seriam jornais [ou mídia, no sentido atual, mais amplo] que se oporiam ou se desviariam das tendências hegemônicas na imprensa convencional brasileira, que esta pretende [cartelizando-se] tornar hegemônicas no país” (2).

Além de ter profundidade histórica, a expressão “alternativa (o)” ganhou ampla aceitação acadêmica. O exemplo mais conspícuo disso é o clássico Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, de Bernardo Kucinski (3), tese de doutorado defendida pelo autor em 1991, na ECA/USP. Também deve-se citar que o termo “alternativa (o)” tem larga aceitação internacional, em várias línguas, na esteira do pensamento de Noam Chomsky, Edward S. Herman, Mike Gunderloy e outros, em contraposição ao que denominam, em inglês, a “mainstream mídia”, que, valendo-se do “propaganda model”, definido pelo primeiro, perseguiriam a construção de um “manufactured consent”.

Os que se opõem ao termo preferem, em geral, outras expressões, mas elas padecem de particularismo (como no caso de “mídia de esquerda”, “dos trabalhadores”, “popular”, etc.) ou vão ao encontro de palavras que os próprios próceres da mídia convencional (também chamada de corporativa ou conservadora) usam para se qualificar: “livre”, “independente”, por exemplo. Pode-se perguntar: “livre” ou “independente” do quê? Essas últimas expressões recendem a uma visão também convencional, aquela mesma que quer vender o peixe de que é possível um jornalismo “isento”, “neutro”, e outros pingentes da coroa liberal com que a mídia tradicional quer se cingir.

Quanto ao fato da proposta ser para a formação de uma associação de empresários, também isso vem em boa hora. É inegável que uma boa parte da mídia alternativa no Brasil se faz com organizações do tipo empresarial, ainda que, em geral, sejam pequenas ou médias empresas (ou cooperativas), por oposição às grandes corporações que dominam os mercados privados publicitários e/ou de concessão de verbas públicas, mediante publicidade ou outros meios (isenção de impostos, etc.). Está mais do que na hora de se buscar regras de financiamento que, para além das visões mercadológicas estreitas, garantam uma verdadeira pluralidade na construção da informação no Brasil, para que, ao invés do “manufactured consent” que a “grande mídia” quer impor cotidianamente, se dêem asas a possibilidade da dissensão, do contraditório, do múltiplo, em larga escala.

Esperemos que a iniciativa se concretize, já a partir da 1ª Confecom.

Notas
(1) V. Aguiar, Flávio – “Imprensa alternativa: Opinião, Movimento, Em Tempo”. Em Martins, Ana Luiza e De Luca, Tânia Regina (orgs.) – História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.

(2) V. Aguiar, Flávio – op. cit., nota 1, p. 236.

(3) São Paulo: Edusp, 2003. 2a. ed.

(Envolverde/Carta Maior )

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Interesse chines pela Namibia...

China ajuda poderosos na Namíbia


Carlos Gorito - New York Times – Nova Iorque

 Assim como os pais em todos os lugares do mundo, mães e pais na Namíbia, uma nação empobrecida no sul da África [que faz fronteira com Angola e Zâmbia ao norte, Botsuana a leste e sul, e África do Sul ao sul, e cuja capital é Windhoek], se preocupam com os custos universitários e com as oportunidades disponíveis para seus filhos. O governo chinês tomou uma atitude para ajudar nesse sentido – a uns poucos, seletos e poderosos.
Nesse ano, o governo de Pequim já concedeu secretamente bolsas de estudo na China para os filhos de nove oficiais do alto escalão, incluindo a filha do presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba. Dois jovens parentes do ex-presidente da Namíbia e patriarca nacional, Sam Nujoma, também receberam esse benefício.
A descoberta  dessas bolsas de estudo, reveladas primeiro por um contencioso jornal da Namíbia, desencadeou uma onda de fúria por parte de grupos da sociedade civil e de organizações de jovens locais. Num país onde cinco em cada seis formados no ensino médio não vão para a universidade, muitos consideraram inescrupuloso o fato de líderes do governo com altos salários aceitarem bolsas de estudo em universidades estrangeiras para seus filhos.
“Apenas pessoas em altos cargos do governo sabiam sobre as bolsas de estudo”, disse Norman Tjombe, diretor de um centro de assistência jurídica sem fins lucrativos. “Não foi dada nenhuma chance para o público em geral”.
A controvérsia reacendeu um tenso debate na Namíbia sobre as relações com o governo chinês, relações essas já sob análise dos promotores da Namíbia. Investigações lá e em outros países em desenvolvimento da África e da Ásia têm lançado uma nova luz sobre a maneira pela qual a China muitas vezes usa seu dinheiro de empréstimos e ajuda estrangeiros para criar alianças com elites locais e facilitar a aprovação de contratos de exclusividade.
Mesmo alguns dentro do partido governista da Namíbia, Swapo [sigla em inglês para Organização do Povo da África do Sudoeste, no poder desde 1990], estão se perguntando se a China está tentando comprar influência com as lideranças políticas locais para ganhar acesso às fontes de minério ou conquistar mercados para suas companhias bem relacionadas.
“Como é possível isso ter caído do céu como maná [alimento dado por Deus aos judeus direto do céu]?”, questionou Elijan Ngurare, secretário geral da liga jovem do Swapo, em uma entrevista por telefone. “é óbvio que eles devem querer algo.”
Para alguns especialistas em relações internacionais, a controvérsia das bolsas de estudo aponta o ponto cego na agressiva estratégia chinesa para cimentar alianças diplomáticas, conseguir os direitos sobre fontes de recursos naturais e fechar negócios no continente africano. Pelo menos na Namíbia, os oficiais do governo chinês parecem ter sido pegos de surpresa por um escrutínio público feito por uma vibrante sociedade civil.
O escândalo das bolsas de estudo foi revelado primeiramente pelo tablóide independente Informante, da capital Windhoek, como o orgulhoso lema: “você esconde, nós revelamos.” Não aconteceu assim na China, onde mesmo os mais agressivos meios de comunicação logo pararam de levantar questões desconfortáveis sobre as negociações dos altos oficiais ou de seus filhos.
Bates Gill, diretor do Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo [sigla em inglês SIPRI, organização que realiza pesquisas científicas em questões sobre conflitos e realiza ajuda de importância para a paz e segurança internacional], disse que a China estava habituada a relações obscurecidas e controladas com outros governos. “O envolvimento da China na África está indo mais longe e mais rápido do que sua habilidade de entender e saber o que está acontecendo lá”, disse Gill. Como resultado, “os constrangimentos serão inevitáveis.”
A lista na Namíbia está crescendo. Em julho, investigadores anticorrupção alegaram que uma estatal chinesa facilitou um negócio de 55,3 milhões de dólares [cerca de R$96 milhões] para vender ao governo da Namíbia detectores de metal com milhões de dólares em propina. A investigação é particularmente delicada porque até o ano passado, Hu Haifeng, filho do presidente [chinês] Hu Jintao, dirigia a companhia de materiais de segurança. Um oficial do Ministério do Comércio da China disse recentemente que seu país estava cooperando com as autoridades da Namíbia.
Outra investigação está centrada nas alegações de que uma companhia chinesa de armamentos forneceu 700 mil dólares [cerca de R$1,2 milhões] ao Tenente General Martin Shalli, comandante das forças armadas da Namíbia. O presidente da Namíbia suspendeu em julho o General Shalli de seu posto, que até agora não quis comentar o caso.
Bates Gill afirmou que tais alegações ameaçaram minar a impressionante campanha chinesa para ligar seu desenvolvimento ao da África. Acima de tudo, enquanto a China está fazendo “uma enorme e positiva contribuição ao desenvolvimento da África,” disse Gill, ela está desacostumada às dinâmicas de algumas democracias africanas.
No Fórum sobre Cooperação entre China e África este mês [novembro], o Primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, anunciou que a China dobraria o valor dos empréstimos oferecidos à África para 10 bilhões de dólares [cerca de R$17 bilhões] nos próximos três anos, aumentaria o número de bolsas de estudo e reduziria as tarifas sobre produtos importados das nações mais pobres.
Porém, ele pareceu frustrado quando foi perguntado se a China estava interessada somente nos recursos naturais da África. “Por que sempre há acusações contra a China?”, questionou Wen Jiabao numa entrevista coletiva concedida no dia 8 de novembro, no Cairo. “Esse é um ponto de vista da África ou particularmente o do Ocidente?”
Na Namíbia, cientistas políticos dizem que estão aumentando as inquietações sobre se oficiais estão negociando contratos teoricamente isentos de interesses com a China. “As pessoas estão pensando que a China está fazendo negócios secretos com o governo aqui, e elas estão tendo todo tipo de suspeitas,” disse Carola Engelbrecht, uma ativista.
Entre os que receberam as bolsas de estudo estão os filhos de alguns dos mais poderosos oficiais da Namíbia, incluindo o inspetor geral da polícia da Namíbia e o ministro da justiça, que é também o secretário geral do Swapo. Um grande beneficiário é o filho do ministro da Defesa, cuja agência compra armamentos da China. Um outro é o filho do ministro de Assuntos Internos e Imigração, cuja agência é responsável pela aprovação das autorizações de residência e trabalho para um exército de trabalhadores chineses cujas companhias ganharam contratos estatais ou privados para negócios com a Namíbia.
Outros três beneficiários são filhos de um ministro, um ministro-adjunto, e um oficial do terceiro escalão do Ministério de Minas e Energia. Em julho, o Ministério renovou a licença que dá a uma subsidiária de uma companhia estatal chinesa direitos exclusivos sobre o urânio e outros minerais em áreas com grande potencial de exploração.
A comissão nacional anticorrupção deu início a uma investigação preliminar sobre como as bolsas de estudo eram distribuídas. Oficiais do governo chinês reagiram de forma bem típica: três agências governamentais em Pequim não responderam questões por escrito.
Xia Lili, primeiro secretário da embaixada chinesa em Windhoek, afirmou que não tinha obrigação de responder perguntas. “Está encerrado,” ele disse.Porém, com as eleições nacionais marcadas para o final do mês, está claro que o assunto não está encerrado. Bill Lindeke, um cientista político do Instituto de Pesquisa sobre Políticas Públicas em Windhoek, afirmou que os oficiais da Namíbia poderiam ser forçados a pagar pela educação de seus filhos na China para acalmar a controvérsia.
Oficiais da embaixada chinesa inicialmente insistiram para que o Ministro da Educação fosse o responsável pelo processo de seleção. No entanto, o ministro Nangolo Mbumba disse em uma entrevista coletiva esse mês que seu ministério concedeu apenas 10 bolsas de estudo para estudantes carentes e que não tinha nada a ver com as outras concessões – algumas das quais aparentemente cobrem cinco anos de estudos.
O ministro ainda afirmou que a filha do presidente, Ndapanda Pohamba, que está atualmente estudando na Universidade de Cultura e Línguas de Pequim, “solicitou a bolsa de estudos por conta própria e só depois comunicou aos seus pais.”
A afirmação do ministro de que “não se pode subornar alguém com bolsas de estudos” desencadeou uma onda de indignação em uma nação cujas duas universidades podem atender apenas cerca de 2 mil dos 12 mil estudantes que se formam todo ano no ensino médio.
“Sr. Mbumba: qualquer coisa de valor que se aceite, ou ainda pior, que se peça, constitui propina caso se trate de um órgão público”, disse um cidadão em comentário postado no site do The Namibiam, um jornal diário de Windhoek.

Sharon LaFraniere


Tradução: Aline Oliveira

Para acessar o texto original, clique aqui.

Fotografia de Stephen Walli, retirada daqui

A hipocrisia americana e o Irã

 Luiz Eça - Correio da Cidadania

As visitas de Shimon Peres e Mahmoud Abbas ao Brasil não mereceram reparos nem da grande imprensa, nem dos intelectuais que passaram pelas mesas redondas e noticiários da TV. Mesmo os políticos de esquerda que vimos na emissora de TV do Senado trataram-nos com todo respeito.
 
Já com Ahmadinejad as coisas foram diferentes. Os meios de comunicação emitiram reprimendas ao governo por recebê-lo, além de veicularem acusações pesadas ao Irã da fina flor do conservadorismo americano e seus clones brasileiros.
 
Alguns comentaristas e políticos, no máximo, admitiram que a relação com o Irã pode trazer vantagens econômicas ao Brasil. Mas sempre insistindo na necessidade do governo Lula deixar bem clara sua oposição aos "graves desvios" iranianos, especialmente para manter-se fiel à amizade e aos princípios do nosso grande vizinho do norte.
O interessante, porém, é que uma breve análise mostra que os EUA praticam o mesmo tipo de ações que no Irã rotulam como demoníacas e ameaçadoras da paz mundial. A diferença é que, quando são de autoria americana, o Ocidente as vê com benevolência, sem nada de criticável.
 
Leia e tire suas conclusões
 
Torturas - Parece inegável que a polícia iraniana torturou participantes dos protestos contra as eleições. Só que nesse quesito os americanos ganham de dez a zero. Em Guantánamo, relatórios de ONGs e até do FBI provaram torturas aos detentos. Em Abu Ghraib, as brutalidades cometidas por soldados americanos chocaram o mundo. E os raptos de suspeitos no estrangeiro pela CIA para serem levados a países onde se tortura livremente foram flagrados em diversas ocasiões. Recentemente, um tribunal italiano condenou a penas de prisão agentes italianos e americanos que seqüestraram suspeito islamita e o levaram ao Egito onde foi devidamente torturado.
 
Eleições desonestas - No Irã continuam merecendo a indignação mundial. Mas não se deve esquecer que a primeira eleição de George Bush foi ganha no tapetão – não nas urnas.
 
Armas nucleares – Segundo El Baradei, chefe dos inspetores da ONU e Prêmio Nobel da Paz, não há sequer indícios de que o programa nuclear iraniano tenha objetivos militares.
 
Por outro lado, é de pleno conhecimento que Israel está muito avançado nesse setor, já dispondo de 150 a 200 artefatos nucleares, com capacidade de produzir 20 por ano, na base secreta de Dimona. Os EUA têm negado esse fato devido à emenda Symington, que proíbe ajuda americana a países que desenvolvam programas de enriquecimento nuclear fora do controle internacional. Por esta emenda, Obama teria de acabar com o envio anual de 2,5 bilhões de dólares a Israel.
 
Direitos Humanos - É fato que foram desrespeitados pelo exército e as milícias iranianas na repressão aos protestos contra as eleições presidenciais. Nesse assunto, de Direitos Humanos, as violações em Gaza foram muito mais graves: 1.500 árabes mortos, a maioria civis, inclusive centenas de crianças.
 
Investigando o que aconteceu no ataque, a comissão da ONU, presidida pelo juiz judeu Goldstone, respeitado internacionalmente, concluiu que o exército israelense cometeu crimes de guerra e contra a humanidade. Novamente os EUA defenderam o governo de Telaviv.
 
Contestaram o relatório final, sem fornecer um único argumento, e agora impedem que ele seja discutido no Conselho de Segurança da ONU. Apóiam o governo israelense que se nega a atender ao apelo, inclusive da França e da Inglaterra, para fazer uma investigação isenta sobre as acusações, identificando os culpados.
 
Outro desrespeito aos Direitos Humanos pelo governo dos EUA foi revelado na apresentação dos motivos para não fecharem Guantánamo no prazo dado por Obama: a necessidade de manter presos, sem julgamento, indivíduos considerados perigosos, pois não há provas capazes de condená-los.
 
Apoio ao terrorismo – Os EUA acusam o Irã de apoiar o Hizbollah e o Hamas, que consideram movimentos terroristas. Na verdade, ambos abandonaram o terrorismo há muitos anos. São hoje partidos políticos legais.
 
O Hizbollah defendeu o Líbano durante a última invasão israelense que causou a morte de 1.500 libaneses e destruiu parte da infra-estrutura do país. Recentemente, recebeu do governo libanês (apoiado pelo Ocidente) o direito de manter armas para proteger o país.
 
O Hamas governa Gaza e só começou a lançar foguetes sobre território israelense depois que o Telaviv fechou as fronteiras, causando uma verdadeira crise humanitária na região, que ficou privada de alimentos, medicamentos e materiais essenciais à sua economia.
 
Na verdade, quem ajudou terroristas foram os EUA. O governo George Bush supriu com recursos financeiros o movimento Jundalá, integrante da lista de terroristas dos próprios americanos e que atua na fronteira iraniana praticando atentados contra soldados, funcionários públicos e camponeses. Seu líder, Abdel Malik Regi, é assim descrito por Aléxis Debat, expert em contra terrorismo do Nixon Center: "Ele é parte traficante, parte talibã e parte ativista sunita".
 
Julgamentos de oposicionistas – Os acusados de liderar os protestos contra as eleições iranianas estão, de fato, sendo alvo de processos sumários com penas pesadas (cinco foram condenados à morte) e injustas.
 
Israel faz algo semelhante com acusados de ações terroristas. Muitos deles foram julgados secretamente (sem direito a advogados, portanto), não por tribunais, mas pelo Mossad. Tendo havido a aprovação do primeiro-ministro, seguiram-se as execuções dos presumíveis culpados, em casa ou na rua, através de mísseis disparados por aviões ou por raids de forças especiais, muitas vezes com a morte de pessoas que tiveram o azar de estar próximas. Trata-se, sem dúvida, de um rito processual mais próprio de Gengis Khan do que de um país civilizado. E que tem sido defendido pelos EUA como "direito de defesa" de Israel.
 
Além desses tipos de transgressões, compartilhados por Irã, EUA e Israel, algumas acusações, pautadas pela Casa Branca, foram repetidas à saciedade pelos seus seguidores no Brasil.
 
Assim, a negação do Holocausto é mostrada como algo criminoso. Eu diria que é absurda, que não faz honra à inteligência de Ahmadinejad. É mais uma afirmação demagógica, para agradar ao público islâmico de setores iletrados, indignado com o que os judeus fazem aos árabes na Palestina.
 
Como foi também a frase, "Israel deve ser varrido do mapa", a qual, porém, Ahmadinejad esclareceu. Disse que não pretende jogar os israelenses no mar... É, sim, contra o caráter racista do país, expresso, aliás, no início da sua Constituição: "Israel é um Estado democrático e judaico". Atacar o país seria uma loucura. Que chances teria contra as 200 bombas nucleares de Israel, sem falar do avassalador apoio militar americano? O que Ahmadinejad quis dizer é que a História tornará inviável o regime sionista e a Palestina (Israel + Cisjordânia) acabará se tornando um Estado de todos: judeus, islamitas e cristãos.
 
Acho que Israel não vai mudar. É um país que já existe há 41 anos como "lar nacional judaico", suas instituições estão plenamente consolidadas. Mas, defender a tese da injustiça e do fim inevitável de um Estado sionista e sua substituição por um país leigo e sem caráter racial é um direito, não um crime.
 
A criminalização do homossexualismo e a restrição aos direitos femininos no Irã são tristes realidades que vêm sendo paulatinamente ofuscadas pelo progresso da sociedade iraniana. São cada vez mais raros os casos de punições por questões de sexo, enquanto que as mulheres ganham cada vez mais espaços. Por exemplo: hoje existem mais universitárias do que universitários no Irã.
 
Não devemos esquecer que até os anos 70 havia até leis racistas nos Estados Unidos. Mesmo depois, o racismo sobreviveu, custando a desaparecer da sociedade americana, ainda que não completamente.
 
Não é preciso gastar muitas páginas para demonstrar que tudo que se critica no Irã é ou foi praticado pelos EUA, até mesmo com maior intensidade. No entanto, é tal o poder da hegemonia ianque que a maioria dos nossos jornais, intelectuais e políticos fazem vistas grossas a esta realidade. E competem entre si para imitar os grupos mais reacionários da terra do Tio Sam através da repetição das teses que interessam ao país do Norte, ainda que sejam contrárias a nós.
 
No caso da disputa com o Irã, a hipocrisia americana manifesta-se de uma maneira muito clara. E continua imperturbável, pois raros são aqueles detentores de poder no mundo que ousam denunciá-la.
 
Luiz Eça é jornalista.