segunda-feira, 11 de abril de 2011

Hugo Chávez para presidente do Peru? Zero Hora acha que sim


Alexandre Haubrich
O imperialismo, enquanto braço forte do capitalismo moderno, é a principal bandeira da velha mídia internacional quando a pauta é política exterior. No Brasil, da mesma forma como ocorre nos outros países da América Latina, o mundo ideal da mídia (ainda) dominante é aquele no qual o próprio país é entregue aos mais poderosos (EUA, por exemplo, no nosso caso) ao mesmo tempo em que domina e explora os países menos “competitivos”. Assim as empresas – nacionais e internacionais – que financiam esses conglomerados de mídia seguem crescendo, avançando sobre a autonomia das nações menos desenvolvidas, e os grupos de comunicação crescem junto. Ao mesmo tempo, é sabido que as influências políticas externas acabam, de uma forma ou de outra, chegando aos países próximos. A guinada à esquerda da América Latina na última década segue esse caminho.
É nesse contexto que cada eleição em qualquer país latino-americano é motivo de preocupação para os conglomerados de mídia brasileiros. A consciência de autonomia dos povos, o anti-imperialismo, o fortalecimento do Estado e o empoderamento do povo vêm, obviamente, acompanhados da perda de força dos grupos que historicamente dominam a política, a economia e, por consequência, a mídia. E é isso o que, em medidas diferentes, tem acontecido na América Latina. A tendência é flagrante.
A estratégia é aplicada em conjunto pela grande imprensa internacional aliada ao capital multinacional: vincular os candidatos de esquerda a Hugo Chávez ao mesmo tempo em que constroem em Chávez a imagem do demônio. Essa última construção já foi mostrada aqui no Jornalismo B por diversas vezes.
Nos mais diversas veículos da direita brasileira, Chávez é ridicularizado, apontado como louco, ignorante, ansioso por mais poder, autoritário, ditador, cruel, etc etc etc. Raríssimas reportagens dão conta das mudanças na sociedade venezuelana, na política do país, enfim, do que acontece de importante por lá. Apenas intriguinhas aparentemente infantilóides, que, no desespero por atacar os avanços da esquerda latino-americana, infantilizam os leitores ou a audiência como forma de criar uma imagem estereotipada do presidente venezuelano.
Agora, a eleição no Peru. No último domingo aconteceu a votação em primeiro turno, com o candidato da esquerda, Ollanta Humala, aparecendo à frente nas pesquisas, seguido de Keiko Fujimori (filha do ex-presidente, hoje presidiário, Alberto Fujimori), com Pedro Paulo Kuczynski e o atual presidente Alejandro Toledo logo atrás. Como o jornal gaúcho Zero Hora destacou o dia do pleito? Uma cobertura de duas páginas: na segunda, uma entrevista com Humala; na primeira, a matéria “Peru vota temendo o chavismo”.
Nessa reportagem, da página 16, Keiko é citada uma vez, assim como Kuczynski. Toledo é lembrado em duas oportunidades. O foco do texto é Humala, cujo nome é citado nove vezes. Mas e o que dizer de Chávez? Seu nome e a palavra “chavismo” estão presentes no texto em sete oportunidades. Chávez é mais importante para a eleição do Peru do que os próprios candidatos? Como disse o sociólogo Cristóvão Feil no domingo, “Quem ler Zero Hora (grupo RBS) de hoje vai achar que Hugo Chávez é candidato a presidente do Peru”.
Na entrevista com Humala, três das cinco perguntas se referem às ligações do presidenciável com Chávez ou com o PT! Sim, porque há também uma retranca à matéria principal que conta a participação de brasileiros na campanha do candidato esquerdista. O texto tenta dar a entender que o PT estaria intervindo nas eleições peruanas.
A cobertura de Zero Hora é inteira um desrespeito à autonomia e à capacidade do povo peruano de escolher seus representantes com independência. Usa a eleição peruana para voltar a atacar Chávez e colocar sobre os movimentos de esquerda da América Latina a sombra de uma grande conspiração “subversiva”, “autoritária”.
Em tempo: ao menos no primeiro turno a tentativa de amedrontar e despolitizar o processo não funcionou, e Humala venceu. Vai enfrentar Keiko Fujimori no segundo turno. A mídia internacional segue perdendo batalhas na América Latina. E os ataques deverão ser cada vez mais violentos, é o instinto do animal acuado.

*Ressalte-se que a cobertura da Folha de S. Paulo não foi por esse caminho. Nas edições de sábado e domingo, trouxe reportagens equilibradas e realmente informativas.

*Sobre quem são os candidatos à presidência do Peru, vale a leitura de artigo do Altamiro Borges.

Seduc-RS apresenta concepção da proposta de Alfabetização e Letramento nos anos iniciais do Ensino fundamental


O secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, e o diretor pedagógico da secretaria, Sílvio Rocha, lançaram nesta segunda-feira (11) um desafio à Instituições de Ensino Superior (IES) do Estado: participação em um grande movimento de mobilização a favor da alfabetização e do letramento no Rio Grande do Sul, que constituem “prioridade zero” da gestão, segundo Azevedo. Este movimento, destaca o secretário, visa atender às diretrizes nacionais para os anos iniciais: a progressão continuada. “Somos favoráveis à medida, mas para implantá-la, precisamos qualificar o processo na rede estadual”, frisou.

A proposta, apresentada em encontro do Fórum Estadual Permanente de Apoio à Formação Docente, que representantes de Instituições de Ensino Superior (IES), está em formatação para ser aplicada aos três primeiros anos do ensino fundamental de nove anos e nas duas primeiras séries no ensino de oito anos. “Nosso objetivo é formatar um programa que atenda aos alunos que têm necessidades diferenciadas, acompanhando sua progressão. Não se trata de promoção automática”, frisa o diretor pedagógico da secretaria, Sílvio Rocha.

Boas práticas
 
A formatação do Programa de Alfabetização e Letramento a ser implantado nas escolas de ensino fundamental estaduais resultará do levantamento de Boas Práticas Educativas e, a partir delas, do diálogo com as IES que desejarem ser parceiras. A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) trabalha com dois eixos de ação: um emergencial, para 2011, começando em maio; e outro a ser formatado ao longo deste ano, para o triênio 2012-2014. As IES terão até o final de abril para manifestar o interesse em integrar o Programa. A partir da primeira semana de maio, a Seduc levará a proposta às Coordenadorias Regionais de Educação (CREs).
 
Estrutura
 
De acordo com Sílvio Rocha, a proposta em construção busca superar o trabalho nas séries iniciais com as duas áreas, português e matemática. Para isso, a Seduc propõe que os alunos tomem contato – desde o primeiro ano/série – com um conhecimento que articule quatro áreas: as linguagens, a matemática, as ciências naturais e as ciências da natureza. Além disso, a ideia é avançar a concepção metodológica, trabalhando o contexto sociocultural dos alunos, regionalmente. Rocha especifica que a organização da metodologia em âmbito estadual pode ser construída em parceria com as IES. A estrutura do trabalho terá a coordenação estadual, a cargo da assessoria da Seduc; uma comissão permanente de estudo, reunindo representação da Coordenadoria Regional da Educação (CRE), dos municípios e IES; 30 multiplicadores, que seriam indicados pelas CREs, e tutores em cada município, a serem indicados pelas IES. Esses tutores seriam responsáveis pelo acompanhamento – pelo menos semanal – das atividades nas escolas, estabelecendo a relação “prática-teoria” entre academia e escola.

A definição da proposta curricular e pedagógica resultará, portanto, da caracterização das boas práticas educativas e do conceito de qualidade social da educação e da formação dos alfabetizadores. “Além disso, é preciso desdobrar as quatro grandes áreas de trabalho no cotidiano desses três primeiros anos de alfabetização e desenvolver uma dinâmica para acompanhar o aluno e as condições em que ele avança na aprendizagem; não se trata de um ‘vai pra frente’ sem trabalho efetivo“, destaca Rocha. O secretário Jose Clovis ressalta que o ciclo de alfabetização deve se constituir como uma política de estado conceitualmente definida a partir da pluralidade cultural do Rio Grande do Sul. 
 

Investimento nuclear no Brasil é determinado por ‘poderoso (e corruptor) lobby’

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação  do Correio da Cidadania 
 
O planeta voltou a se deparar com o fantasma nuclear após o terremoto seguido de tsunami que varreu principalmente o nordeste japonês, causando posteriormente a explosão e vazamento dos reatores da usina de Fukushima. O governo japonês tenta tranqüilizar o público, sempre reiterando que os níveis de radiação no ar se encontram aceitáveis, mas não há quem se satisfaça com tais explicações e durma em paz.

 
Para falar desse tema cada vez mais polêmico em todas as discussões energéticas, o Correio da Cidadania entrevistou o mestre em Engenharia Nuclear e doutor em Energia Joaquim Francisco de Carvalho. Para o também ex-diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear), Fukushima apenas revela que a indústria nuclear continua "uma caixa preta no mundo inteiro", o que se evidencia flagrantemente neste caso, pois, mesmo com o devido acompanhamento da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), não se evitaram as falhas e negligências da empresa responsável.
 
No que se refere ao Brasil, Joaquim Francisco considera um despautério o investimento em novas usinas nucleares, uma vez que nossa matriz hidro-eólica folga em servir às necessidades de consumo interno. No entanto, o lobby nuclear, com espaço limitado nos países centrais, encontra guarida exatamente em países onde as instituições e políticos são mais vulneráveis. E num ministério aparelhado por Sarney não podemos esperar investimentos sensatos e voltados ao interesse público.
 
A íntegra da entrevista pode ser lida a seguir.
 
Correio da Cidadania: Como o senhor analisa o desastre nuclear de Fukushima, à luz dos fatos até agora revelados e admitidos pelo governo japonês?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: O desastre de Fukushima confirma o que muita gente já sabe: a indústria nuclear é uma "caixa preta" no mundo inteiro.
 
Correio da Cidadania: O senhor comunga da convicção de boa parte da opinião pública de que o governo japonês sonega ou segura informações sobre a real situação da radiação e seus efeitos? É possível crer que a radiação do ar e do mar esteja em níveis aceitáveis e não nocivos à saúde humana, como alega o governo nipônico?
Joaquim Francisco de Carvalho: A Tokio Electric and Power Company (TEPCO), empresa proprietária da usina, é a responsável pela operação e pela segurança daquela instalação. O governo japonês é o responsável pela supervisão e controle da aplicação das normas de segurança das instalações nucleares. Assim, direta ou indiretamente, empresa e governo são responsáveis e todos omitem informações, de um lado para salvar o que resta da reputação da empresa, de outro lado para evitar que o pânico tome conta da população.
 
Correio da Cidadania: É possível projetar se a radiação emitida após o acidente pode ter alcance em outros continentes, de forma a afetar os respectivos ambientes e habitantes?
Joaquim Francisco de Carvalho: O vazamento de produtos de fissão pelas fendas abertas nas contenções de pelo menos um dos reatores de Fukushima vai diluindo na atmosfera, de modo que as retombadas em outros continentes não devem ultrapassar os limites toleráveis. O problema é mais sério no tocante aos mares próximos, nos quais os peixes, que constituem a principal fonte protéica do povo japonês, poderão ficar impróprios para o consumo. Mas eu ainda não tive acesso a dados quantitativos sobre isso.
 
Correio da Cidadania: Diante de incidente tão trágico, pode-se também questionar o papel da AIEA, a Agência Internacional de Energia Atômica, na regulação e acompanhamento das atividades nucleares?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: A AIEA cumpre bem a sua função de regulamentar e acompanhar as ativadades nucleares no mundo. No caso de Fukushima, os jornais informam que a TEPCO falsificou documentos de vistorias técnicas, realizadas na usina. Ignoro se era da alçada do órgão fiscalizador do governo japonês ou da AIEA verificar se os documentos eram falsos.
 
Correio da Cidadania: Voltando o foco ao Brasil, como localiza a energia nuclear em nossa matriz energética? Pode ser, de algum modo, relevante, especialmente pelo fato de ser considerada uma energia limpa?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: O Brasil pode cobrir seu consumo de energia elétrica apenas com fontes renováveis de energia primária, sem apelar para usinas nucleares. Isto não significa que se devam negligenciar as aplicações de radioisótopos na medicina, na agricultura, na indústria e na pesquisa científica. Estas aplicações têm importância crescente e deveriam ser tratadas prioritariamente nos orçamentos federais e estaduais, para ciência e tecnologia.
 
Correio da Cidadania: Quanto à estruturação e funcionamento do setor ligado à energia nuclear no Brasil, o que pensa da Eletronuclear, criada em 1997 com a finalidade de operar e construir as usinas termonucleares? Qual é o percentual de energia consumida no país pelo qual ela se responsabiliza atualmente?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: A Eletronuclear, que na origem se chamava Nuclen (Nuclebrás Engenharia S.A.), era uma binacional, com 49% de capital alemão e 51% de capital brasileiro. Havia um diretor superintendente (que era um político), um diretor técnico (um engenheiro da KWU-Siemens), um diretor industrial (um engenheiro brasileiro) e um diretor comercial (um economista-contador alemão). No começo, era uma empresa razoavelmente enxuta e eficiente. Agora é 100% estatal e, com a moda da politização e aparelhamento do governo, eu não sei como vai aquela empresa.
 
Correio da Cidadania: E quanto à CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear, uma autarquia federal vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia), trata-se hoje do órgão mais relevante na regulação do setor? Tem uma composição e estruturação adequadas ao cumprimento deste papel?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: O próprio ministro Mercadante respondeu a esta pergunta. Segundo o noticiário, há duas semanas ele demitiu toda a diretoria da CNEN. Foi o único que procedeu corretamente nessa história. Agora vamos ver se os diretores saem mesmo, ou se vão conseguir "apoio político" para continuarem "pendurados" nos empregos.
 
Correio da Cidadania: Neste sentido, o que dizer do fato de a usina de Angra 2 estar há mais de uma década em atividade sem a devida licença ambiental, além de envolvida até hoje em contestações do Ministério Público sobre a legalidade de sua atuação?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: Tem-se por aí uma boa idéia da irresponsabilidade dos supostos responsáveis pelo setor, pela conivência e omissão da CNEN, que deveria fiscalizar e controlar as instalações nucleares. E pela atitude ilegal da Eletronuclear, que opera uma usina sem a devida licença do órgão competente.
 
Correio da Cidadania: Como imagina que nosso governo vá proceder de agora em diante com relação às políticas de energia nuclear? Acredita que haverá apoio para a expansão do setor, como declaram alguns integrantes do próprio governo?
Joaquim Francisco de Carvalho: A julgar pelas declarações das autoridades que deveriam ser responsáveis pelo setor, não vai mudar nada.
 
Correio da Cidadania: Por que tamanho ‘interesse’ do Brasil em investir em energia nuclear, a despeito de todos os riscos e dificuldades de manutenção, da existência de um enorme potencial hidro-eólico, além da incógnita sobre os rejeitos nucleares no futuro?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: Na falta de alternativas para gerar energia elétrica, alguns países europeus, além do Japão e dos Estados Unidos, optaram pelas usinas eletro-nucleares, que custam muito caro, portanto geram eletricidade a custos que não podem ser suportados pelas indústrias desses países, que dependem desse insumo.
 
Uma das formas encontradas para amenizar esse problema foi a de ratear os custos dos investimentos nucleares em mercados expandidos sobre países que, embora dotados de fontes naturais abundantes, como a energia hidrelétrica, eólica e solar, são governados por políticos despreparados, que se deixam convencer pelo poderoso (e corruptor) lobby da indústria nuclear, que vende facilmente a ilusão de que "esse é o cara e esta é a solução".
 
Veja só a leviandade com que o ministro de Minas e Energia dizia em sua primeira gestão que o Brasil iria implantar 58 mil megawatts nucleares até 2030 e agora afirma que o Brasil vai construir quatro usinas nucleares no Nordeste...
 
Correio da Cidadania: Como o senhor enxerga a atual composição do Ministério das Minas e Energia? Imagina que o governo Dilma vá se distinguir, de alguma forma, do de Lula?
 
Joaquim Francisco de Carvalho: No tocante e este ministério, o atual governo é um prolongamento do anterior. Muitos cargos – a começar do ministro, um modestíssimo "jornalista-sarneysista" do Maranhão – foram preenchidos mediante indicações políticas, sem nenhum compromisso com a qualificação do nomeado. Basta dizer que o grande "padrinho" desse ministério é o lamentável senhor Sarney, personagem dos mais deletérios da cena política brasileira.
 
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.