Alexandre Haubrich
O
imperialismo, enquanto braço forte do capitalismo moderno, é a
principal bandeira da velha mídia internacional quando a pauta é
política exterior. No Brasil, da mesma forma como ocorre nos outros
países da América Latina, o mundo ideal da mídia (ainda) dominante é
aquele no qual o próprio país é entregue aos mais poderosos (EUA, por
exemplo, no nosso caso) ao mesmo tempo em que domina e explora os países
menos “competitivos”. Assim as empresas – nacionais e internacionais –
que financiam esses conglomerados de mídia seguem crescendo, avançando
sobre a autonomia das nações menos desenvolvidas, e os grupos de
comunicação crescem junto. Ao mesmo tempo, é sabido que as influências
políticas externas acabam, de uma forma ou de outra, chegando aos países
próximos. A guinada à esquerda da América Latina na última década segue
esse caminho.
É nesse contexto que cada eleição em qualquer país latino-americano é
motivo de preocupação para os conglomerados de mídia brasileiros. A
consciência de autonomia dos povos, o anti-imperialismo, o
fortalecimento do Estado e o empoderamento do povo vêm, obviamente,
acompanhados da perda de força dos grupos que historicamente dominam a
política, a economia e, por consequência, a mídia. E é isso o que, em
medidas diferentes, tem acontecido na América Latina. A tendência é
flagrante.
A estratégia é aplicada em conjunto pela grande imprensa
internacional aliada ao capital multinacional: vincular os candidatos de
esquerda a Hugo Chávez ao mesmo tempo em que constroem em Chávez a
imagem do demônio. Essa última construção já foi mostrada aqui no
Jornalismo B por diversas vezes.
Nos mais diversas veículos da direita brasileira, Chávez é
ridicularizado, apontado como louco, ignorante, ansioso por mais poder,
autoritário, ditador, cruel, etc etc etc. Raríssimas reportagens dão
conta das mudanças na sociedade venezuelana, na política do país, enfim,
do que acontece de importante por lá. Apenas intriguinhas aparentemente
infantilóides, que, no desespero por atacar os avanços da esquerda
latino-americana, infantilizam os leitores ou a audiência como forma de
criar uma imagem estereotipada do presidente venezuelano.
Agora, a eleição no Peru. No último domingo aconteceu a votação em
primeiro turno, com o candidato da esquerda, Ollanta Humala, aparecendo à
frente nas pesquisas, seguido de Keiko Fujimori (filha do
ex-presidente, hoje presidiário, Alberto Fujimori), com Pedro Paulo
Kuczynski e o atual presidente Alejandro Toledo logo atrás. Como o
jornal gaúcho Zero Hora destacou o dia do pleito? Uma cobertura de duas
páginas: na segunda, uma entrevista com Humala; na primeira, a matéria
“Peru vota temendo o chavismo”.
Nessa reportagem, da página 16, Keiko é citada uma vez, assim como
Kuczynski. Toledo é lembrado em duas oportunidades. O foco do texto é
Humala, cujo nome é citado nove vezes. Mas e o que dizer de Chávez? Seu
nome e a palavra “chavismo” estão presentes no texto em sete
oportunidades. Chávez é mais importante para a eleição do Peru do que os
próprios candidatos? Como disse o
sociólogo Cristóvão Feil no domingo, “Quem ler Zero Hora (grupo RBS) de
hoje vai achar que Hugo Chávez é candidato a presidente do Peru”.
Na entrevista com Humala, três das cinco perguntas se referem às
ligações do presidenciável com Chávez ou com o PT! Sim, porque há também
uma retranca à matéria principal que conta a participação de
brasileiros na campanha do candidato esquerdista. O texto tenta dar a
entender que o PT estaria intervindo nas eleições peruanas.
A cobertura de Zero Hora é inteira um desrespeito à autonomia e à
capacidade do povo peruano de escolher seus representantes com
independência. Usa a eleição peruana para voltar a atacar Chávez e
colocar sobre os movimentos de esquerda da América Latina a sombra de
uma grande conspiração “subversiva”, “autoritária”.
Em tempo: ao menos no primeiro turno a tentativa de amedrontar e
despolitizar o processo não funcionou, e Humala venceu. Vai enfrentar
Keiko Fujimori no segundo turno. A mídia internacional segue perdendo
batalhas na América Latina. E os ataques deverão ser cada vez mais
violentos, é o instinto do animal acuado.
*Ressalte-se que a cobertura da Folha de S. Paulo não foi por esse
caminho. Nas edições de sábado e domingo, trouxe reportagens
equilibradas e realmente informativas.
*Sobre quem são os candidatos à presidência do Peru, vale a leitura de artigo do Altamiro Borges.