sábado, 29 de setembro de 2012

O absoluto é Deus, e o coabsoluto são os pobres. Entrevista especial com Jon Sobrino

  

Do sitio IHU
"Fazer teologia é ajudar, a partir do pensar, para que Deus seja mais real na história e que os pobres – no caso, a fome – deixem de sê-lo", afirmar o teólogo jesuíta.

Já são 40 anos de Teologia da Libertação e permanece a dúvida em relação às razões pelas quais ela é tão criticada, perseguida, difamada pelos poderes do mundo, inclusive pela hierarquia da Igreja. Pois quem ajuda nessa compreensão é o renomado teólogo jesuíta salvadorenho, de origem espanhola, Jon Sobrino, que aceitou conceder a entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail, afirmando que para responder a essa pergunta não é necessário nenhum estudo sofisticado, nem de discernimento diante de Deus. Tal perseguição ocorre “ou por má vontade ou por ignorância”, pelo fato de que aquela teologia “foi vista como uma ameaça”. E explica: “certamente, ameaça ao capitalismo, e daí a reação de Rockefeller em 1969 e dos assessores de Reagan, em 1980. E ameaça à segurança nacional, e daí as reações dos generais na década de 1980. Também no interior da Igreja, por ignorância, por medo de perder o poder ou por obstinação de não querer reconhecer a verdade com que se respondiam às críticas”.
Sobrino pensa que, no Concílio Vaticano II, “a Igreja sentiu o impulso de humanizar o mundo e de se humanizar juntamente com ele, sem se envergonhar diante do mundo moderno e de usar o moderno para tornar mais crível o Deus cristão”. E o teólogo acredita que, o que se chamou de Teologia da Libertação, “pode aportar a ambas as coisas: racionalizar a fé em um mundo de injustiça e oferecer uma imagem mais limpa de Deus, não manchada com a imundície das divindades que dão morte aos pobres”.
 
 
Jon Sobrino é professor da Universidade Centro-Americana - UCA -, de San Salvador. Doutor em Teologia pela Hochschule Sankt Georgen, em Frankfurt (Alemanha) e diretor da Revista Latinoamericana de Teologia e do informativo Cartas a las Iglesias.
Ele é autor de, entre muitos outros livros, Cristologia a partir da América Latina: esboço a partir do seguimento do Jesus histórico (Petrópolis: Vozes, 1983). Ele estará na Unisinos participando do Congresso Continental de Teologia, com a conferência inaugural do evento, intitulada “Um novo Congresso e um Congresso novo”.
 
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Para o senhor, qual o significado de celebrar os 50 anos do início do Concílio Vaticano II e os 40 anos da publicação do livro de Gustavo Gutiérrez  – Teologia da Libertação? Que perspectivas podem se abrir a partir do Congresso Continental de Teologia?
Jon Sobrino – Naqueles anos, de 1966 a 1974, estive em Frankfurt estudando Teologia. Tive notícias do Concílio, mas parciais. Por Medellín e o livro de Gustavo Gutiérrez, só cheguei a me interessar em 1974, com a minha chegada a El Salvador. Com isso quero dizer que, diferentemente de muitos da minha geração, eu fui um ignorante do que estava acontecendo e obviamente não fui nenhum apaixonado. Depois, tudo mudou. Mais do que acontecimento, penso que foi a realidade salvadorenha dos pobres e os companheiros que se entregavam a eles que me levaram a valorizar os acontecimentos que haviam ocorrido e a ler os textos de bispos e de teólogos que os acompanhavam. Esse esclarecimento talvez ajude a compreender as respostas que vou dar a seguir. Perguntam-me qual é o significado de celebrar, e penso que, se levarmos a sério a pergunta, cada um terá uma resposta própria.
Dos acontecimentos mencionados, eu continuo celebrando que foram rupturas profundas e humanizadoras na história da Igreja. Fizeram-nos respirar. Pensando no Concílio, “o impossível se fez possível”. Pensando em Medellín, Gustavo Gutiérrez e depois em Dom Romero, a Igreja decidiu se voltar ao pobre e a Jesus. E deu “ultimidade” à justiça e à esperança de que fosse possível “que o rico não triunfe sobre o pobre, nem o verdugo sobre a vítima”. Nessa tarefa, assomava-se com clareza o Deus de Jesus. E se eu me centro mais em Medellín do que no Concílio é porque eu o conheço melhor.

Outro cristianismo é possível
Isso produziu alegria e esperança de que, como se diz hoje, não sei se com demasiada facilidade, outra Igreja, outra fé, outro cristianismo “é possível”, e o era porque “era real”. Hoje celebramos o despertar “do sonho de séculos de cruel desumanidade”, como nos pedia Montesinos, a decisão de trabalhar pelos pobres e sua libertação, e a lançar a sorte com eles. Celebramos a difícil conversão e o novo que foi aparecendo: liturgias, catequese, música popular, poesias, nova teologia, a de Gustavo, um compromisso desconhecido e uma luta contra os ídolos. E, sobretudo, a entrega da vida de centenas e milhares de fiéis cristãos. De bispos e sacerdotes. Na vida e na morte se pareceram com Jesus. Os feitos são evidentes. Dom Pedro Casaldáliga escreveu “São Romero da América, pastor e mártir nosso”, embora várias cúrias romanas não sabem o que fazer com esse mártires, tantos e tão numerosos são eles. As normativas às que devem ser fiéis não são pensadas para aceitar o evidente.
Hoje, no continente, mudaram algumas coisas, persistem a pobreza, as estruturas de injustiça e de opressão, e aumenta a crueldade das migrações.
Mudaram mais as coisas na Igreja. De Puebla em diante, deslizou-se por uma ladeira sem que Aparecida tenha impedido isso significativamente. Há coisas boas e inovadoramente boas, mas já não é o de antes. Havia honradez institucional, abundante, ao menos o suficiente, com o real, denúncia vigorosa e analisada contra o horror dos pobres, utopia pela qual trabalhar e lutar, cartas pastorais que lembravam Bartolomé de las Casas e a ciência de Vitória, homilias proféticas de sacerdotes, teologias audazes... Agora isso não fica claro. Fizeram presente um Deus mais latino-americano, pobre, esperançoso, libertador e crucificado. E devolveram ao continente e a suas igrejas um Jesus que esteve sequestrado durante séculos.

Olhar para trás
O que significa, então, celebrar anos depois o Concílio, o livro de Gustavo Gutierrez, Medellín, o martírio de Dom Romero? O que ocorreu foi muito bom e muito humanizador. Hoje, já não abunda. E por isso é preciso olhar para trás, embora as palavras não soem politicamente corretas. Certamente é preciso prosseguir com o novo no pensar teológico: a mulher, os indígenas, as religiões, a irmã terra, a utopia de outros mundos, igrejas, democracias “possíveis”. Mas é preciso ter cuidado para não cair na ameaça de Jeremias: “Abandonaram a mim, fonte de água viva, e cavaram para si poços, poços rachados que não seguram a água” (2, 13). O que mencionamos antes são fontes de água viva até o dia de hoje. E mais o serão se voltarmos a elas ativa e criativamente. É certo, “o Espírito nos move para frente”. Mas tal como estamos, menos se pode esquecer que “o Espírito nos remete a Jesus de Nazaré”, eterna fonte de água viva.

IHU On-Line - O que significa fazer e pensar a Teologia a partir da realidade da América Latina e do Caribe?
Jon Sobrino – A teologia não é o primeiro a ser pensado. O primeiro é a realidade e, no caso da Teologia, a realidade absoluta. Com sua agudeza habitual, Dom Pedro Casaldáliga, ao se referir ao absoluto, diz que “tudo é relativo, menos Deus e a fome”. O absoluto é Deus, e o coabsoluto são os pobres. Fazer teologia é, então, ajudar, a partir do pensar, para que Deus seja mais real na história e que os pobres – a fome – deixem de sê-lo. Para que o pensar possa ajudar nessa tarefa, lembremos o que Ellacuría entendia por inteligir a realidade. Explicava-o em três passos:

- O primeiro é “assumir a realidade”; em palavras simples, captar como são e como estão as coisas. Em 2006, olhando o mundo universo, Casaldáliga escrevia: “Hoje, há mais riqueza na Terra, mas há mais injustiça. Dois milhões e meio de pessoas sobrevivem na Terra com menos de dois euros por dia, e 25 mil pessoas morrem diretamente de fome, segundo a FAO. A desertificação ameaça a vida de 1,2 milhões de pessoas em uma centena de países. Aos emigrantes é negada a fraternidade, o solo abaixo dos pés. Os Estados Unidos constroem um muro de 1,5 mil quilômetros contra a América Latina. E a Europa, ao sul da Espanha, levanta uma cerca contra a África. Tudo o que, além de iníquo, é programado”. O presente não o desmente.

- O segundo passo é “encarregar-se da realidade”. Sua finalidade não consiste simplesmente em fazer crescer conhecimentos por bons e necessários que sejam, mas em fazer crescer a realidade. E em uma direção determinada: a da salvação, da compaixão, da misericórdia e do amor. A teologia é intellectus amoris.

- O terceiro passo é “carregar a realidade”, e com uma realidade que é pesada. Sob ela vivem os anawim da Escritura, os encurvados. A carga que pode fazer até com que privem a vida de alguém. Teólogos e teólogas sofreram perseguição, e alguns acabaram mártires. Isso pode acontecer quando o fazer teologia está perpassado de atitude ética.

Costumamos acrescentar um quarto passo: “deixar-se carregar pela realidade”. O trabalhar e o sofrer assim também podem ser graça para quem faz teologia. Então, o teólogo sabe que faz parte do povo pobre, não é externo a ele. Sabe que é levado por ele e recebe o agradecimento dos pobres. Fazer teologia é, então, “uma pesada carga leve”, como dizia Rahner, que é o Evangelho.

IHU On-Line - Como o senhor analisa a atual conjuntura cultural, socioeconômica e político mundial, a partir do horizonte latino-americano? Nesse contexto, quais os desafios e tarefas que implicam à teologia?
Jon Sobrino – Creio que na atualidade há muitos rostos de Deus na América Latina. Uns emergiram no passado e ali ficaram. Seguem mantendo muita gente com vida e dignidade – embora com a limitação de não animar ao compromisso. Outros coexistem com superstição desumanizante. Hoje proliferam novas Igrejas e movimentos de todo o tipo, em sua maioria carismáticos e pentecostais, com seus novos rostos de Deus. Pessoalmente, compreendo e às vezes aprecio a bondade das pessoas que os veneram, pois, em parte, deve-se a longas épocas de desamparo eclesial. Mas nem sempre é fácil para mim colocá-los junto ao Jesus de Nazaré do Evangelho. Entre intelectuais e antigos revolucionários existem agnósticos e alguns ateus. São minorias, mas estão aumentando. Creio que, em poucos lugares, surgiu o rosto de um Deus crucificado, de que fala Moltmann, mas não creio que em países como El Salvador e Guatemala seja possível aceitar, a longo prazo, um Deus que não afeta o seu sofrimento, que o próprio Deus sofra em seus filhos e filhas crucificados. Em meio a esses rostos, creio que a novidade maior é a dupla formulação que Puebla fez em 1979. Positivamente, Deus é essencialmente um Deus libertador. Defende e ama os pobres – e nessa ordem – pelo mero fato de serem-no. Seja qual for sua situação pessoal e moral. Dialeticamente, Deus é essencialmente um Deus de vida contra divindades da morte. Puebla analisou isso cuidadosamente e apresentou os ídolos de acordo com uma hierarquia: o ídolo da riqueza, o poder, as armas... Dom Romero, junto com Ignacio Ellacurría, explicou-o admiravelmente para a situação salvadorenha.

IHU On-Line - Qual é o rosto de Deus que emerge da realidade latino-americana? E como a Igreja tem assumido esse rosto?
Jon Sobrino – É preciso perguntar isso a eles, e não tomarmos, nós, o seu lugar. Mas podemos dizer algo. Em Morazán, em meio às atrocidades da guerra dos campesinos, perguntavam ao sacerdote que os acompanhava: “Padre, se Deus é um Deus de vida, como acontece tudo isso conosco?”. É a pergunta de e de Epicuro . Para responder a essa pergunta não me ocorrem conteúdos nem razões, mas sim atitudes. A primeira é lhes falar “com proximidade”. E não qualquer proximidade, mas a de Dom Romero: “Peço ao Senhor durante toda a semana, enquanto vou recolhendo o clamor do povo e a dor de tanto crime, a ignomínia de tanta violência, que me dê a palavra oportuna para consolar, para denunciar, para chamar ao arrependimento”. A segunda é falar “com credibilidade”. E, de novo, não qualquer credibilidade, mas a de Dom Romero: “Eu não quero segurança enquanto não a deem a meu povo”. O bispo não respondia apelando a milagres celestiais, mas sim mostrando em sua própria carne o amor terrenal. O que sentiam em seu coração os campesinos que sofriam e perguntavam, pertence a seu mistério. Aqueles que o viam de fora acreditam que o bispo lhes falou do amor de Deus. E que as suas palavras foram uma boa notícia. Resta aos intelectuais dialogar com Epicuro e Dostoiévski , acolher Paulo e Moltmann. E não é tarefa ociosa. Mas, entre nós, o que mais ressoa é a proximidade e a credibilidade do Monsenhor.

IHU On-Line - Como falar de Deus a partir da realidade de sofrimento que vivem os excluídos, os que estão à margem da sociedade privilegiada?
Jon Sobrino – As teologias não crescem, perduram ou decaem como sistemas formais de pensamento, não contaminadas pelo real. A Teologia da Libertação formulou com rigor e vigor que no Êxodo Deus “libertou os escravos”, que na sinagoga de Nazaré, Jesus “libertou os cativos”. O que, como e quanto disso guiou o pensamento nesses 40 anos é uma coisa a se analisar. Já disse que antes isso ocorreu mais do que agora. Desde já, a Teologia da Libertação não está na moda. Mas não me parece correto responsabilizar disso o que começou com Gustavo Gutiérrez, Juan Luis Segundo, Leonardo Boff, Ignacio Ellacuría e com Dom Helder Camara, Leonidas Proaño, Angelelli e Romero. Às pessoas mencionadas é preciso continuar agradecendo que ao longo desses 40 anos se mantiveram impulsos de teologia libertadora e se estenderam a novos âmbitos, como o do gênero, das religiões, da mãe terra... E aqueles de boa vontade que lamentam a queda da teologia da libertação, que voltem ao Deus do Êxodo e a Jesus de Nazaré. Indubitavelmente, houve limitações, erros, exageros. Pode ter havido reducionismos anti-intelectuais em favor da práxis, preguiça intelectual diante de escritos como os de Juan Luis Segundo ou Ellacuría, vislumbres de demagogia diante do pensamento científico de outros lares, ignorância das críticas ou prepotência diante delas. Mas, pessoalmente, não vejo que tenha surgido outro impulso teológico tão humano, frutífero, evangélico e latino-americano como o que surgiu há 40 anos.

IHU On-Line - Como o senhor analisa esses quarenta anos da Teologia da Libertação? Por que ela foi tão criticada, perseguida, difamada pelos poderes do mundo, inclusive pela hierarquia da Igreja?
Jon Sobrino - Outra coisa é a menor qualidade na produção da teologia da libertação. Não é fácil que se repita a geração dos fundadores, embora tenham surgido novos teólogos e teólogas de qualidade. E não se pode esquecer que algo parecido pode ocorrer hoje em outras escolas, tradições e movimentos de teologia. Os Barth, Rahner, de Lubac, von Balthasar, Bultmann, Käsemann não têm muitos sucessores dessa altura.
A resposta à segunda pergunta não precisa de nenhum estudo sofisticado, nem de discernimento diante de Deus. Ou por má vontade ou por ignorância, aquela teologia foi vista como uma ameaça. Certamente, ameaça ao capitalismo, e daí a reação de Rockefeller em 1969 e dos assessores de Reagan, em 1980. E ameaça à segurança nacional, e daí as reações dos generais na década de 1980. Também no interior da Igreja, por ignorância, por medo de perder o poder ou por obstinação de não querer reconhecer a verdade com que se respondiam às críticas. Lembre-se de Dom López Trujillo e de vários bispos e cardeais. E a instrução da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1984, sem que a de 1986 conseguisse consertar totalmente o anterior.

IHU On-Line - Qual o significado teológico e antropológico da expressão “libertação”, a partir do contexto latino-americano? Como essa perspectiva teológica se implica no atual contexto de sociedade e de Igreja?
Jon Sobrino – Se me lembro bem, o conceito de “libertação” foi usado para superar o conceito de “desenvolvimento”, a solução que o mundo ocidental propunha para superar a pobreza. Na Igreja, redescobriu-se que era um termo-chave no Êxodo e em Lucas para expressar salvação. Parece-me importante ter presente que “a libertação” foi redescoberta na América Latina, o chamado terceiro mundo, por ser um continente não só atrasado ou subdesenvolvido, mas também oprimido e escravizado pelo primeiro mundo, europeus e norte-americanos. E em Igrejas, se não oprimidas pelas europeias, fortemente dependentes delas. O termo “libertação” remetia de forma muito importante à opressão e à repressão, isto é, à privação injusta e cruel da vida, o que se mantém até os dias de hoje. Outra coisa é que, felizmente, o conceito foi estendendo seu significado na teologia para designar libertação da indignidade, da opressão de gênero, do despotismo de uma religião... E é preciso ter presente também que a teologia da libertação, diferentemente de outras teologias e ideologias, dá prioridade ao “povo” sobre o “individualismo”, e à “abertura à transcendência” sobre o “positivismo”, como disse Ellacuría em uma reunião de religiões abraâmicas. Em todo caso, embora com o retorno massivo a individualismos espiritualistas, a teologia da libertação introduziu a dimensão religiosa do humano no âmbito do mundo exterior. Ela a tornou presente na realidade social, por direito próprio e sem que possa ser facilmente ignorada. É religião política, afim à de Metz, o que não é um pequeno benefício.

IHU On-Line - Fazendo memória de Dom Oscar Romero, Ignácio Ellacuría e Companheiros, dentre tantos outros rostos que foram assassinados porque assumiram a causa dos empobrecidos e marginalizados, o que significa ser Igreja, hoje, no limiar do século XXI?
Jon Sobrino – Menciono duas sentenças. Ignacio Ellacuría, no funeral celebrado na UCA, disse: “Com Dom Romero, Deus passou por El Salvador”. Ser Igreja é trabalhar com decisão e simplicidade, para que Deus passe por esse mundo desumano. E para o não crente trabalhar para que a solidariedade e a dignidade, o melhor do humano, passe por este mundo, que embora seja mais secular, continua sendo desumano. Dom Romero, na Universidade de Louvain, no dia 2 de fevereiro de 1980, poucos dias antes de ser assassinado, disse: “A glória de Deus é que o pobre viva”.
Ser Igreja é trabalhar pela glória de Deus. E para o não crente “a glória da humanidade é que os pobres vivam, cheguem a formar parte da família humana”. Por isso, é preciso trabalhar. E termino com algo que me faz pensar. Penso que no Concílio a Igreja sentiu o impulso de humanizar o mundo e de se humanizar juntamente com ele, sem se envergonhar diante do mundo moderno e de usar o moderno para tornar mais crível o Deus cristão. A finalidade é magnífica. Em Medellín, a Igreja sentiu o impulso de não se envergonhar dos pobres e de não escutar a repreensão da Escritura: “Por causa de vocês, blasfema-se o nome de Deus entre as nações”. E com humildade se pôs a “limpar o rosto de Deus”. Acredito que o que se chamou de Teologia da Libertação pode aportar a ambas as coisas: racionalizar a fé em um mundo de injustiça e oferecer uma imagem mais limpa de Deus, não manchada com a imundície das divindades que dão morte aos pobres.