quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Guantánamo ou "Existe o inferno?"


“O inferno é aqui mesmo”. Há uma sabedoria popular que diz isso, não é? A idéia é mais ou menos esta, a de réplica a padres e pastores: “não digam que ainda há o perigo de eu ir para um lugar pior, pois já estou nele, não estou?”.

Muitas pessoas que não estão lendo essas linhas estão no inferno, neste momento. Algumas tiveram o azar de nascer em partes do Terceiro Mundo onde todas as chances de uma vida minimamente digna estão acabadas. Outras estão sendo vítimas de uma “revolta da Terra”, que são os efeitos crescentemente devastadores do “efeito estufa”. Lutas contra esses infernos são “grande lutas”. São lutas permanentes. Mas há uma luta específica, neste momento, acontecendo. Há um inferno na Terra que tem endereço e é muito bem delimitado. E não foi criado pelo “Homem”, foi criado por homens que possuem endereço tanto quanto o inferno. Sabe do que estou falando, não?

Sim, estou falando de Guantánamo. Trata-se de uma prisão fechada em uma base naval estadunidense na ilha de Cuba. Ali não há os presos não possuem chance de contato com advogados ou com a Anistia Internacional. Qualquer um de nós pode cair naquele inferno. Pois não há segurança nenhuma para nós. Podemos ser confundidos com terroristas. Lembram-se do caso do brasileiro na Inglaterra? Ele era igualzinho a qualquer um de nós. Além disso, o que se faz ali em Guantánamo, mesmo que fosse algo, com certeza, feito contra terroristas, não é algo que possamos permitir. Em certo sentido, é a repetição dos campos de concentração. As pessoas que mantém isso funcionando estão hoje no Governo dos Estados Unidos. A população americana não tem nenhuma culpa direta a respeito disso. Ou quase: é a mesma culpa que temos quando nosso governo faz um ato ilícito com o qual não concordamos, mas não saímos às ruas protestando. Todavia, hoje, há um movimento crescente contra a Guerra, interno aos Estados Unidos. E isso pode significar, também, acoplar essa luta à luta da Anistia Internacional no sentido de fechar de uma vez por todas Guantánamo. Há uma campanha para isso e você pode colaborar de modo fácil, fazendo um viagem virtual para Guantánamo. Veja isto, uma viagem virtual para lá, para o protesto: http://web.amnesty.org/

Não podemos concordar que a nação mais rica do planeta e, enfim, exatamente a nação que mantém a democracia mais duradoura, mais estável e mais próspera, possa criar a prisão mais distante de qualquer legislação atual. A incomunicabilidade dos presos de Guantánamo é uma mancha na história. Não é uma mancha na história dos Estados Unidos somente. É uma mancha na nossa história – a de todos nós que achamos que somos humanos e, por humanos entendemos algo que tem a ver com a justiça e a generosidade ou, enfim, com a racionalidade. Guantánamo é uma afronta à razão.

Filósofos como eu tem a obrigação moral de se colocarem contra o inferno, principalmente o inferno na Terra. Nós fomos os que, no Iluminismo, gritamos contra os padres: “o inferno não existe”. Mas e agora? O inferno está aí. Temos de fazer alguma coisa! “O inferno não existe” deixou de ser um grito, tem de ser uma prática. Não havemos de voltar a acreditar na existência do inferno. Então, se alguém o criou, temos de dizer para essa pessoa: não, o inferno não pode existir. Vamos fechá-lo. Contamos, dentro dos Estados Unidos, com milhares de pessoas que querem que a democracia americana não seja algo de poucos, mas que tenha valor para as formas de tratamento dos chamados “inimigos da democracia”. Qual a razão disso? Simples: junto com os Estados Unidos, fazemos parte daqueles que assinaram a Carta dos Direitos Humanos vigente. Não podemos jogar isso no lixo, deixar a barbárie se instaurar. Ela pode parecer longe de nossos lares. Mas não está.

Paulo Ghiraldelli Jr. – o filósofo da cidade de São Paulo”
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