terça-feira, 22 de maio de 2012

O que é a Syriza, a esquerda que pode chegar ao poder na Grécia

Por Esquerda.net


Em 2001, o movimento altermundista atingia um dos seus pontos mais altos, com centenas de milhares de europeus nas ruas de Gênova contra os senhores do mundo que eram hóspedes de Berlusconi na cúpula do G8. A repressão policial demorou anos a ser condenada na justiça italiana, mas as cúpulas passaram a realizar-se ainda mais às escondidas. 

A mobilização grega para esse protesto foi uma das primeiras tarefas do Espaço de Diálogo para a Unidade e Ação Comum da Esquerda, que agrupava várias correntes que já se tinham encontrado noutras lutas, como a oposição à intervenção militar no Kosovo, as privatizações ou a legislação antiterrorista que ameaçava as liberdades civis na Grécia. O "Espaço" foi também determinante para organizar o Fórum Social Grego em 2003.

A figura de referência do "Espaço" era Manolis Glezos, o conhecido resistente ao nazismo que em maio de 1941 subiu à Acrópole e tirou de lá a bandeira da suástica, no que ficou conhecido como o primeiro ato de resistência do povo de Atenas contra a ocupação da cidade no mês anterior. Glezos foi o candidato da aliança eleitoral promovida pelo "Espaço" em 2002 à super-autarquia de Atenas-Piraeus, obtendo 10,8% dos votos. Dez anos depois, voltou a aparecer ao lado de Alexis Tsipras na campanha da Syriza em Atenas antes de encerrar a campanha eleitoral.

A coligação Syriza apresenta-se pela primeira vez a votos com programa eleitoral próprio nas legislativas de 2004 e consegue passar a barreira dos 3% para eleger seis deputados, todos pertencentes à corrente maioritária, o Synaspismos. A coligação conseguiu sobreviver à tensão interna com a substituição da liderança do Synaspismos no fim desse ano e ganhou novo fôlego com a organização do Fórum Social Europeu em Atenas dois anos depois.

2006 foi também ano de eleições autárquicas, com um jovem de 32 anos sendo lançado para a disputa eleitoral em Atenas com o objetivo de abrir o movimento às novas gerações. Alexis Tsipras, líder estudantil nos anos 90 e responsável pelo setor juvenil do Synaspismos, repetiu o resultado de Glezos quatro anos antes e tornou a Syriza na terceira força política na capital grega.

As eleições seguintes (legislativas em 2007 e 2009 e europeias de 2009) vieram confirmar a coligação como uma força ascendente no panorama político nacional, ao mesmo tempo que registaram um alargamento das forças que compõem a coligação. Alexis Tsipras sucedeu a Alekos Alavanos na liderança do Synaspismos e tornou-se líder parlamentar após as eleições de 2009. No ano seguinte enfrentou uma cisão importante no seu partido, que retirou quatro dos treze deputados da coligação para formarem um novo partido, a Esquerda Democrática.

A luta persistente contra a austeridade do governo da troika e os efeitos desastrosos das políticas da crise impostas pela direita e pelo PASOK, bem como a atitude de abertura para a unidade da esquerda por um governo de alternativa aos diktats de Berlim e Bruxelas, tudo isso ajudou a catapultar a Syriza para a primeira linha da oposição na Grécia. Ao contrário do KKE, que se entricheirou na sua linha política nacionalista e cujas práticas sectárias no movimento dos trabalhadores e nas lutas populares não tem paralelo hoje na Europa, a Syriza conseguiu nos últimos anos alargar a sua base de apoio também entre os Indignados da Praça Syntagma e transmitir ao povo grego a esperança de que é mesmo possível derrotar a troika e evitar o colapso do país.

Atualmente, fazem parte da Syriza doze organizações. A corrente maioritária é o Synaspismos, uma antiga coligação entre comunistas que se transformou em partido na sequência da purga de 45% do Comitê Central do PC grego após o fim da URSS. As outras organizações são a AKOA (Esquerda Comunista Ecológica e Renovadora, membro observador do Partido da Esquerda Europeia); DEA (Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores, próxima da tendência trotskista internacional IST, fundada por Tony Cliff); DKKI (Movimento Democrático Social, corrente que saiu do PASOK em 1995); KOE (Organização Comunista da Grécia, de inspiração maoísta, integrou a Syriza em 2007); Kokkino (Vermelho, corrente de inspiração trotskista); Ecosocialistas da Grécia; Cidadãos Ativos (corrente fundada pelo herói da Resistência Manolis Glezos); KEDA (Movimento pela Esquerda Unida na Ação, cisão do PC grego em 2000); Rizospastes (Radicais, cisão dos Cidadãos Ativos, sublinham o patriotismo no discurso); Omada Roza (Grupo Rosa, esquerda radical); e APO (Grupo Político Anticapitalista, corrente de inspiração trotskista).

Para além destas organizações e partidos, e principalmente durante este ano, o Syriza tem sido apoiada por pessoas com diferentes experiências de militância. Nesta campanha para as eleições de 6 de Maio, as mais fortes na polarização contra a troika, deram a cara pela coligação antigas figuras do PASOK como a ex-deputada e atleta olímpica Sofia Sakorafa - que acabou por ser a candidata mais votada – ou Alexis Mitropoulos, responsável pelo desenho das leis laborais nos anos 80. Também Stathis Kouvelakis, professor de Filosofia no King´s College em Londres e Despina Spanou, dirigente do sindicato da função publica Adedy, deram o seu apoio à Syriza nesta campanha.

Ensino à distância não é uma solução, e sim outro problema a ser superado

Otaviano Helene no CORREIO DA CIDADANIA  


Em qualquer direção que se olhe o cenário da educação no Brasil, há algum projeto “salvador” que serve como uma espécie de barreira a dificultar uma análise objetiva da realidade. Como em uma batalha, esses inúmeros projetos funcionam como proteção dos muitos flancos frágeis de nossa política educacional. Qualquer análise crítica pode ser “respondida”  apontando-se para algum desses projetos e afirmando-se que ele permitirá superar o problema analisado, bastando esperar. E sempre que um projeto se mostra inoperante, outro surge para ocupar seu lugar.

Um desses projetos, o Ensino à Distância (EaD) em nível superior, é apresentado como uma solução, em especial para a falta de professores no país. Entretanto, como veremos, é, de fato, um enorme problema.

O EaD cresceu de forma muito expressiva ao longo da década de 2000, passando de pouco mais do que seis mil vagas para 1,7 milhão de vagas em 2010, número praticamente igual ao de concluintes do ensino médio, que foi da ordem de 1,8 milhão em 2010 (1). Não há nenhum sentido nisso, ainda mais se considerarmos que o número de vagas em cursos presenciais é muito superior ao número de formados no ensino médio. Quem ganha com isso é certamente o setor privado, que detém mais do que 97 % das vagas em EaD, conquistando, assim, um enorme poder de barganha e de pressão sobre ações que eventuais órgãos de controle do sistema educacional possam vir a ter no futuro para corrigir a distorção criada.

Quem oferece EaD e para que áreas?

Nos processos de estudo, ensino e aprendizado, não devemos abrir mão de nenhuma possibilidade: aulas expositivas, laboratórios, estudos individuais ou em grupo, apostilas, listas de exercício, visitas a museus, consultas a bibliotecas etc. Os instrumentos de ensino à distância, sejam na forma de emails, telefonemas, sites, vídeos, sons, ambientes virtuais, blogs etc., também podem e devem ser usados. Portanto, não há nada contra o ensino à distância como um instrumento a mais que possa favorecer o processo de aprendizado.

No entanto, isso que foi dito acima nada tem a ver com a forma que o EaD se instalou no Brasil: entre nós, o EaD não é algo a mais para se oferecer aos educadores e educandos, mas algo que pretende substituir o ensino presencial, em especial no que diz respeito à formação de professores.

De fato, a maior parte das vagas oferecidas no EaD é na área de Educação (36% delas), que inclui a formação de professores nas diversas modalidades. A área de Gerenciamento e Administração ocupa o segundo lugar, com 31% das vagas, apesar de uma das distorções do sistema de ensino superior brasileiro ser exatamente o fato de a proporção de estudantes e formados nessas áreas ser excessivamente alta quando comparada com o que ocorre nos demais países. Ciências Sociais, Computação, Serviço Social e Contabilidade têm, cada uma, cerca de 5% das vagas.

Áreas com maior prestígio social e maior controle por parte de conselhos de classe e de outros órgãos ou ministérios além do MEC (como ocorre com cursos na área de saúde) têm uma participação nas vagas bem menor ou mesmo nula. Assim, a área de Engenharia, apesar da importância da profissão para o desenvolvimento do setor produtivo, a reconhecida carência desses profissionais e a grande procura por parte dos estudantes, tem menos do que 1% das vagas oferecidas em EaD. Enfermagem também tem menos do que 1% das vagas e Odontologia e Medicina, nenhuma.

Evidentemente, poder-se-ia argumentar que é natural que Medicina e Odontologia sejam incompatíveis com o EaD por exigirem uma experiência prática com pessoas; mas o mesmo argumento não valeria para Enfermagem? E para professores, cuja totalidade da vida profissional será em contato direto com pessoas (os estudantes), o argumento não seria ainda mais forte? E para professores nas áreas de Biologia, Física e Química, como formá-los sem um intenso contato com práticas experimentais e de laboratório?

Não restam dúvidas de que as proporções das vagas oferecidas em EaD não estão relacionadas às necessidades nacionais de profissionais, mas, sim, são em número tão maior quanto mais frágil e menos controlada é a profissão e mais “vendável” for o curso.

A quem se destina o EaD no Brasil, hoje

As argumentações em defesa do EaD no Brasil são baseadas em uma série de erros de avaliação ou de desconhecimento do por quê a realidade é como é. Uma constante nas justificativas do EaD é a necessidade de professores no país, em especial de professores para o ensino médio e as séries finais do ensino fundamental. A premissa é correta: realmente, faltam professores em salas de aula, em especial nas escolas públicas, e os que atuam são sobrecarregados. Mas qual a causa disso? É realmente a falta de professores formados ou a impossibilidade de formá-los em cursos presenciais?

A resposta a essa última pergunta é não. Não é verdade que não existam professores em quantidade suficiente para atender à demanda: eles e elas existem, mas cerca de um milhão de pessoas com cursos de licenciatura estão fora das salas de aula. Esse número de professores que não se dedicam ao ensino corresponde a cerca de 70% das pessoas que concluíram cursos de licenciatura nos últimos 25 anos e que, portanto, estão na idade profissionalmente ativa. E a explicação para esse fato é fornecida pelas condições de trabalho, pelo baixo prestígio da profissão, pelo desrespeito profissional que sofrem até mesmo por parte das pessoas responsáveis pela execução das políticas educacionais do país e pelas condições salariais.

Há apenas duas únicas áreas em que o número de professores é inferior à demanda: Física e Química. Mas, mesmo nessas duas áreas, há um enorme número de professores formados fora das salas de aula. Grande parte deles poderia ser incorporada ao quadro de professores ativos caso houvesse melhores condições de trabalho. Se na média de todas as áreas cerca de 70% dos licenciados formados não dão aulas, em Física esse percentual chega a 75% e em Química, a 80%.

A falta de professores não é, portanto, devido a uma real inexistência de pessoas formadas e nem mesmo falta de vagas em cursos de licenciatura presenciais ou de jovens interessados pela profissão. Mesmo nas duas áreas citadas acima, Química e Física, além de haver um grande número de formados fora das salas, há uma possibilidade de formação de um número significativamente maior em cursos presenciais. A procura de jovens por cursos superiores que levem à formação de professores nas áreas de Física e Química é maior do que a média de todas as profissões: como mostra a tabela, mais de 60% das vagas oferecidas nos cursos de formação de professores de Física e Química são ocupadas, porcentagem significativamente superior à média em todas as áreas, da ordem de 51%. O problema surge posteriormente, no abandono durante o curso: enquanto a relação entre concluintes e ingressantes é 52% em todas as áreas, em Física e Química as relações são de 26% e 38%, respectivamente. Conclusão: há jovens interessados; entretanto, e possivelmente alertados pelas condições salariais e de trabalho que encontrarão pela frente, grande parte deles abandona seus sonhos. E, finalmente, como já dito, cerca de 75% a 80% dos formados estão fora das salas de aula.

Portanto, se conseguíssemos preservar boa parte desses candidatos a professores de Química e Física, em poucos anos superaríamos a deficiência de professores nessas áreas, um tempo certamente inferior ao tempo já decorrido desde que experiências com EaD, como a Universidade Aberta do Brasil (federal) ou a Univesp (no estado de São Paulo), começaram a ser implantadas.O problema de formação de professores, portanto, é bem diferente daquele que os defensores do EaD dizem que esse sistema solucionará.

Vagas, ingressantes e concluintes em cursos presenciais.

Vagas oferecidas Ingressantes
(porcentagem em
relação às vagas)
Concluintes
(porcentagem em relação
aos ingressantes)
Física 10.630 6.712 (63%) 1.751 (26%)
Química 15.738 9.487 (60%) 3.573 (38%)
Todos os cursos superiores 3.120.000 1.590.000 (51%) 829.300(52%)

Talvez o EaD seja um bom exemplo de uma coisa que acontece freqüentemente no Brasil: quando um problema é localizado, ao invés de se tratar de resolvê-lo ou, pelo menos, reduzi-lo, tenta-se tirar proveito dele. Assim, há um enorme interesse por parte das instituições de ensino privado no sentido de explorar as possibilidades mercantis do EaD. E, para isso, nada melhor do que disfarçar esse interesse na forma de uma preocupação social, a formação de professores.

alt

Mais justificativas falsas em defesa doEaD

Embora seja o setor privado o grande beneficiário do EaD, o setor público tem colaborado, e muito, para defendê-lo e, ao oferecer, ele mesmo, cursos a distância, acaba por legitimar esse tipo de ensino. Vejamos alguns argumentos usados pelo setor público para defender o EaD.

Nos discursos e documentos, além dos argumentos relacionados à falta de professores, aparecem argumentos econômicos. Um deles, usado pelo governo estadual paulista e publicado na página eletrônica da então existente Secretaria de Ensino Superior, afirmava que o estado de São Paulo “investe 10% de sua receita líquida na educação superior”, argumento que soa forte para justificar o EaD, em especial junto a uma população que tem pouca familiaridade com os temas relacionados aos detalhes dos orçamentos públicos e dos orçamentos das universidades. Levando em conta esses detalhes, verifica-se que os investimentos em ensino de graduação são inferiores à terça parte daquele valor! Ou seja, aquela é uma informação simplesmente falsa.

Outro argumento também repetido pelo setor público na defesa do EaD baseia-se na hipótese de  que as pessoas não têm acesso à educação presencial, o que torna necessário implantar o EaD. Ora, o EaD está sendo oferecido basicamente à população urbana, não havendo, portanto, o problema da distância. Se pessoas não têm acesso ao ensino presencial, não é por dificuldade de deslocamento, falta de tempo ou qualquer outra razão equivalente. A principal razão para explicar a “dificuldade de acesso” é a simples inexistência de vagas nas universidades públicas: no Brasil e, em especial, no estado de São Paulo, muitos dos estudantes matriculados em cursos à distância residem em municípios ou mesmo em bairros onde há instituições públicas de ensino superior presencial e de qualidade, mas que não oferecem vagas em quantidade suficiente.

Se há jovens interessados e preparados que querem freqüentar cursos superiores e não podem fazê-lo por razões econômicas, devem ser usados instrumentos adequados de gratuidade ativa que os permitisse freqüentar cursos presenciais. O retorno social e econômico seria muito maior do que oferecer EaD.

Alguns problemas do EaD (2)

O EaD apresenta vários problemas de ordem acadêmica e social. Entre eles, estão a quase inexistência da possibilidade de programas de iniciação científica e a falta de perspectiva de prosseguir os estudos em nível de pós-graduação. No EaD, muito provavelmente os estudantes também não terão acesso fácil a boas bibliotecas nem ao necessário contato pessoal com outros estudantes e professores da mesma área e, muito menos, com estudantes e professores de áreas diferentes (ao freqüentarem disciplinas optativas ou encontrá-los nos espaços comuns, por exemplo), coisas fundamentais e uma das características essenciais das universidades.

No ambiente universitário presencial ocorre uma série de atividades extremamente importantes para a formação geral, tais como seminários, debates, cursos de extensão, diversas programações culturais, além da possibilidade de se freqüentar uma enorme gama de disciplinas. Essas atividades, bem como as aulas práticas e de laboratório, são inexistentes ou muito raras no EaD.

O ambiente universitário oferece oportunidades importantes para estudantes provenientes dos segmentos menos favorecidos (e que serão os principais usuários do EaD), como, por exemplo, o acesso a práticas esportivas, alimentação subsidiada, atendimento médico e odontológico, entre várias outras. No EaD, essas coisas ou não existem ou são de difícil acesso.

O EaD pressupõe que o processo de ensino e aprendizado ocorra, majoritariamente, em casa. Ora, o ambiente de moradia não é, em geral, um bom ambiente de estudo, em especial para jovens das camadas menos favorecidas, para os quais uma moradia isolada e silenciosa é algo simplesmente inexistente. As aulas presenciais, nas quais os estudantes ficam imersos em um — e apenas um — assunto, são fundamentais no processo ensino e aprendizado.

Adotar o EaD como substituto do ensino presencial poderá comprometer gravemente a qualidade da formação dos profissionais de que o país precisa. Os diversos países que usam o EaD, em proporções muito inferiores àqueles números citados anteriormente, o fazem direcionando essa forma de ensino àqueles que realmente não podem ter acesso ao ensino presencial, como prisioneiros, pessoas impossibilitadas de locomoção, aqueles que trabalham em tempo integral (estes últimos, sobretudo nos países e em cursos nos quais a educação superior é exclusivamente, ou quase exclusivamente, em tempo integral), militares engajados, entre outros. No Brasil, entretanto, tem se adotado o EaD em substituição ao ensino presencial, o que poderá comprometer gravemente a qualidade da formação inicial dos profissionais, em especial se o profissional assim “formado” tiver que atuar na “formação” de outros profissionais, como é o caso do professor.

Em particular, formar professores por meio do EaD poderá comprometer duas gerações, a dos próprios professores formados e a de seus alunos. Além disso, contribuirá ainda mais para um rebaixamento dos critérios que a sociedade tem para julgar o que é e o que não é educação superior e ensino universitário.

Como transformar solução em problema

Atualmente, o Brasil tem um número de doutores já superior a 100 mil e talvez perto de 200 mil mestres que não completaram o doutoramento, perfazendo um total de 300 mil pessoas preparadas para a docência em nível superior. Esses profissionais têm plenas condições de contribuir com um ensino superior presencial de qualidade e o fariam com competência, pois foi para isso que se formaram. Entretanto, grande parte desse contingente é subutilizada, em especial os que concluíram a pós-graduação mais recentemente. Perder a oportunidade de associar o interesse e a capacidade de trabalho dessas pessoas às necessidades e possibilidades do país é um erro duplo: a um mesmo tempo, desperdiçamos os esforços feitos para formar essas pessoas e ofereceremos um ensino superior, via EaD, precário. Descartarmos a possibilidade de aproveitar os quadros já formados em nosso ensino superior presencial e enveredarmos pelo caminho do EaD não parece muito inteligente.

Os países desenvolvidos que adotam o EaD  o fazem como algo adicional à educação presencial, não como algo que a substitua. E as elites certamente não optam pelo ensino à distância, nem para a formação de seus jovens nem para a escolha dos profissionais que as assistem. E, também certamente, as profissões de maior prestígio social jamais considerariam a hipótese de optar pelo EaD.

Resolver velhos problemas é bem melhor do que criar novos

Atualmente, quase a metade dos jovens é obrigada a abandonar a educação básica antes da conclusão. Como menos da metade dos que a concluem o fazem no período diurno, podemos estimar que não mais do que um em cada quatro jovens termina a educação básica com as condições mínimas necessárias para a continuidade de seu processo educativo. Se, além desses fatores, considerarmos a precariedade das escolas públicas na maior parte dos casos, onde está a enorme maioria dos jovens que terminam a educação básica, concluímos que a fração de jovens que completa o ensino médio com bases suficientemente sólidas para continuar seus estudos é muito pequena. Dentro dessa dura realidade, o EaD nada resolverá. Ao contrário, oferecer EaD a um contingente de jovens que, já nas atuais circunstâncias, tem dificuldades em entender o que é um ensino universitário contribuirá para rebaixar ainda mais os critérios do que sejam um sistema e um processo educacional de formação humana, técnica, cultural, científica e social.

Oferecer uma aparente alternativa, na verdade um desvio, levará a reduzir, ainda mais, o aproveitamento da capacidade intelectual de nossos jovens e não resolverá o problema da exclusão, apenas mudará a forma pela qual ela ocorre. Não é preciso ser um especialista em Brasil para perceber que o EaD é destinado aos mais pobres e cujos filhos terão professores formados, também, à distância.

Com certeza, não é isso que queremos. Tendo deixado o EaD aparecer nessa quantidade, descontroladamente e quase totalmente dominado pelo setor privado mercantil, passamos a ter mais uma tarefa pela frente: lutar para reverter essa situação.

E cabem algumas perguntas finais. Por que os órgãos responsáveis permitiram que o EaD atingisse as enormes proporções que atingiram? Por que governos legitimam o EaD da forma que fazem?

Notas:
(1) Fonte: Sinopses Estatísticas da Educação Básica e da Educação Superior, Inep, 2010
(2) Muitos dos argumentos desta seção foram levantados pelo grupo de trabalho de política educacional da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp - Seção Sindical, e divulgados em publicações dessa entidade.

Militante dos seringais fala da luta em defesa da floresta e políticas atuais



Por Flavia Alli
Especial para Caros Amigos

Osmarino-seringalOsmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasileia (Acre), esteve presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos embates na Floresta Amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à destruição da região pelas madeireiras desde a década de 1970. Cercado por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência, organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o capitalismo.
Osmarino viajou pelo Brasil nesse semestre em um circuito de debates e palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos povos indígenas e nativos. Denunciou a compra de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde de Marina Silva, e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo Código Florestal. No movimento sindical, reafirma a importância da organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade e o fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na luta de classes.
Na entrevista abaixo, Osmarino Amâncio fala da luta na defesa da floresta e suas dificuldades, de agronegócio como política de estado e do trabalho junto aos seringueiros.

Em relação à organização dos trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas, no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques que ele vem apresentando junto à burguesia?

Osmarino Rodrigues - Primeiro são as instancias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o sindicato, uma cooperativa dos extrativistas depende de caminhar muito para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio que eles tem é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente só escuta a ideia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é mesmo a falta de educação, pois é um local precário, em que a educação é muito fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série do ensino primário. Isso tudo não tem impedido da classe trabalhadora resistir contra aqueles grandes megaprojetos de madeireiras, de mineradoras, de barragens, de hidrelétricas. É um processo que chamamos de um processo revolucionário na luta pela reforma agrária adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, que nós não reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem criminalizado as lideranças dos seringueiros, -os quais antes podiam colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Então, eles estão criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da reserva, andando armado. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das ONGS. E, veio a serviço do grande capital, com essa ideia da nova política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios naturais. Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos trabalhadores. E a alternativa que eles estão dando para a gente é uma “bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de farinha e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão proibindo de fazer ramais para escoação do produto dentro da reserva; e ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se você não fizer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer plano de manejo, pois este exige uma assistência técnica, um trabalho especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.
O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma política do estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto. Tem-se um grande investimento do BNDES e do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) para as barragens na Amazônia, para o programa de manejo madeireiro e à política do mercado de carbono. Na nossa região tem mais de 20 megaprojetos que vai (sic) detonar com aquele bioma! Se não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das multinacionais, a destruição será total. O cerrado, por exemplo, está sendo implementado naquela região para a monocultura da soja, cana para o etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também atendem a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico que corta a região meio a meio para escoação dos produtos de exportação. Então, são investimentos para a “integração” da América do Sul, e que precisa ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de fora da Amazônia para que possamos fazer um grande empate (e não é um empate contra os fazendeiros e madeireiras) contra o estado, contra a legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de Manejo Florestal (selo FSC). Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política “auto-sustentável” que, ao conseguir a certificação, é liberado para você fazer qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo!

O governo e as empresas têm muito dinheiro para injetar em organizações para combater os trabalhadores na Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles têm intervido na realidade e a resposta dos trabalhadores frente a esta situação?

Osmarino - Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Osmarino-iMas, eles tinham uma vontade de defender a vida. Então, quando se tem vontade de viver, você cria as condições, o “anticorpo” como chamamos na floresta. Na Amazônia, para você viver, você tem que se adaptar e criar anticorpos. Pois, você não vai enfrentar somente o estado, só a UDR, só as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar, também, a cobra, a febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas, o seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal que consegue sobreviver com a dor, por conta da vontade de viver! Não tem um dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por tucandeira, cobra, marimbondo, topada, sofre um corte... Mas, ele convive diariamente com dor. Então, ele está adaptado a estas questões.
Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade, estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos sindicatos, das oposições sindicais, estamos, também, na discussão de desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores, e enfrentar o grande capital contra a depredação dos meios naturais. Essas são algumas das entidades. Outro movimento é em direção às universidades, fazendo um desfio à juventude, ao setor acadêmico e intelectual. Vamos intervir na Rio+20, com todas nossas ideias e documentos, denunciando o governo, inclusive as ONGs, como USAID, WWF, Greenpeace - todas as entidades que defendem o desenvolvimento sustentável para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível evitar isso colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à política do mercado de carbono, por exemplo, que libera para o Norte e os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) continuarem poluindo no resto do mundo, e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e dizendo “Nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na Amazônia”. E tem um povo nativo que não é levado em consideração nessa região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência. Esse povo está se tornando para os governantes o principal empecilho para implementar os megaprojetos. Estão sendo criminalizados por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região “fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar “fogo zero” quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida e queimar o seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através do plano de manejo. Quando o governo o implementa, ele está incentivando essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil ficam sem floresta alguma.
Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é muito difícil devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação, um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar um salário para algumas lideranças para fazerem propaganda dos programas governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento naquela região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada; e estamos organizando a oposição sindical em Brasileia. Será um processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos expulsos e eles farão toda a destruição na Amazônia.

Como é feita a cooptação dos trabalhadores para que se retirem dos movimentos e eleições sindicais e qual a interferência na luta de classes?

Osmarino - Essa “compra” das pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia, para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no governo. O último investimento foi 500 mil reais, na compra de tratores, dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje estamos com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão assinando, a qual dura apenas por dois anos – e não sabem que qualquer “deslize” que ele tiver será expulso da reserva. A criminalização é tática para o governo do estado. Ele atrelou todo o movimento. Levou os parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos comissionados e salários do governo para fazer o comercial do manejo madeireiro, ficar contra o movimento e defender o governo. Nós estamos resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT teríamos um alívio. Mas, essas entidades se voltaram contra nós, contra os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência, disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram demarcadas e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 mi de hectares de floresta para fazer a biopirataria. O próprio estado cria, aparelha, atrela o movimento e as pessoas.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede... Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.

A aprovação do Novo Código Florestal vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica, ou apenas é para legitimar burocraticamente uma prática e uma política existente no país há décadas?

Osmarino - O Novo Código Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do desmatamento que foi feito e consolidado a proposta da economia verde, facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem tem condição financeira, vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor o estrago que fizeram. Essa política vem para oficializar as práticas do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o etanol... E em nome do “desenvolvimento sustentável” se tem uma lei que garante, sem critério algum, a implementação dessa política, na Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou de ser consumada. O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais etc extraídos pelas empresas e pelo latifúndio.
Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia. Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembleia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder. Hoje, quem decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos e ao fim deste prazo, após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30 anos. Então, a lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a terra!
A Belo Monte, por exemplo, tem 500 quilômetros quadrados que serão inundados. A Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o problema da educação; da saúde; implementar bancos de hemoplasma; investir em pesquisa; e evitar os desastres ecológicos, consequências do desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do hidronegócio.

Nesse cenário, de que modo tem se dado a repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?

Osmarino - Primeiro, eles tentam usar essas populações que tem dificuldade de entender o que está por trás de cada projeto e passam a fazer a tal da “formação” para convencer os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios, e mandar eles para o céu. Então, todos lá estão virando evangélicos, obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada e sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que eles têm usado.
A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens quando completam 16 anos casam-se. Então, eles acusam de estupro esses jovens ou até mesmo as lideranças para exterminar esse povo e também impedir que se reproduzam. Os índios estão casando e ficando escondidos, pois não podem mais se relacionar por serem acusados de estupradores. A justificativa é que tem uma lei no Brasil que diz que ter relações sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade. Eles confundem a população e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros também.
Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais (Bolsa Verde, Plano de Manejo, etc.) que eles criminalizam. Outras leis, como a questão da prostituição infantil têm sido usadas para este fim. Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o governo não tem fiscalizado. O exemplo disso é Belo Monte. Altamira tem 100 mil pessoas. Mas, está chegando 120 mil para trabalhar, é um caos social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai se aproveitar da juventude e como o estado vai evitar o estupro e a barbárie? Não vai evitar! O estado cria mecanismos, a gente vê como exemplo as obras da Copa do Mundo, em que estão expulsando as populações dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos centros urbanos, e indenizando com migalhas. As obras da Copa institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde, transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e que nós estamos no meio disso tudo.
Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas, para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, que colocaram o nome de “remoção”. O estado tem utilizado de vários nomes para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de riqueza na mão de poucas pessoas.

Como o capitalismo Verde de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?

Osmarino - Virou uma doença! As pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a fonte de renda, pois, por exemplo, a Belo Monte não é sustentável – tem gerado energia para um grupo de empresas para continuar depredando a natureza, explorando trabalhadores e inundando uma grande área da floresta, que vai acabar com várias espécies, culturas - e tampouco a energia da usina vai servir para a população.
Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta para o manejo - sendo que ela é fonte de renda da população local -, é ela que evita, também, o aquecimento global, desequilibra ambiental e socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de exportação pode destruir o que é ilegal, que por conta do selo vira “legal”.
O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito milhões de hectares de floresta – que é mais da metade do estado. A MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do meio ambiente. Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial natural. As barragens são feitas sem se quer discussão em audiência pública. É uma vergonha! Os projetos vem todos prontos para serem implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.
E a Rio+20 nesse cenário?
Osmarino - A Rio+20 será para selar como um todo entre sociedade e governo um proposta de “economia sustentável”. Esta proposta é uma ideia do modelo capitalista que temos, que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro, sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de ONGs e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e privatiza em nome da “sustentabilidade”.
É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa proposta que será selada na Rio+20. Essa é uma discussão que vem desde a década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda de açudagem em complemento às barragens, tudo pensando na exportação dos meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência, da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso, mas eles vivem há centenas de anos na floresta e nunca destruíram. No entanto, é ignorado que o grande capital faz, e é criminalizado o seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na região.
Qual projeto que você acredita que falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos?
Osmarino - O que todo mundo tem que ter consciência é que esse projeto que está colocado não se deve aderir, pois ele é do sistema capitalista. Ele tem que ser descartado! Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária. Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo indígena é uma nação... índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma sociedade libertária. E vai se respeitando cada categoria, que implemente a sua arte, a sua cultura.
A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na elaboração do que vai ser investido nela. Tem que ter transparência do calendário aos currículos formulados. A comunidade tem que participar deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de cada realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável - um projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais, pelo agronegócio e o latifúndio.
Estamos em luta de classes, e temos que ter consciência disso. Temos que fazer um desafio à juventude, que em sua maioria, está “viajando” na internet, e acredita que vai fazer uma mudança por ela; ou então passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. E vai ser preciso três planetas para suportar essa demanda. Se não tivermos cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra da concentração da mão de poucas pessoas. Esse projeto não presta, temos que construir um novo. E, este novo projeto, todos sabem qual é: discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da educação, da saúde. Temos que ir nos apropriando de acordo com a capacidade de mobilização que precisamos.