sábado, 23 de maio de 2015

Syriza tem que fracassar - Carta Maior

Syriza tem que fracassar

Syriza tem que fracassar, senão, como os governos dos outros países da União Europeia continuarão dizendo a seus povos que não há alternativa?


por Emir Sader 







Syriza tem que fracassar, senão, como continuar pedindo sacrifícios a governos e a povos de outros países, como a Espanha, Portugal, a Itália, a França, entre outros?
Syriza tem que fracassar, senão, como manter as políticas de austeridade, pelas quais juram os governos da União Europeia e suas instituições financeiras?
Syriza tem que fracassar, senão, como o FMI poder continuar exigindo dos países que assinaram suas cartas de intenções, que continuem pagando os empréstimos com os juros respectivos?
Syriza tem que fracassar, senão, como os governos dos outros países da UE continuarão dizendo a seus povos que não há alternativa – ou se submetem à austeridade ou tem que sair do euro e ser vitimas de um massacre global?
Syriza tem que fracassar, senão, como continuar dizendo que as alternativas na Europa se reduzem aos conservadores ou à social democracia, ambos gestores da austeridade?
Syriza tem que fracassar, senão os espanhóis vão crer que é possível sair do bipartidismo e entregar ao Podemos a condução do pais.
Syriza tem que fracassar, senão logo vão dizer que o que fazem países como a Argentina, o Brasil, o Uruguai, a Venezuela, o Equador, a Bolivia, de sair do modelo neoliberal, é também a solução para a Europa.
Syriza tem que fracassar, para que seu mau exemplo não se propague pela Europa e pelo mundo todo, que faça com que o exemplo da Argentina de enfrentar os fundos abutre não prospere.
Syriza tem que fracassar, se não Angela Merkel e seu discurso da inevitabilidade da austeridade e de que os que assinaram tem que pagar não importa os danos que causem ao povo de um pais e que este decida por outro caminho, se desmoralizam.
Syriza tem que fracassar, senão aparecerá outro Alex Tsipras e outro Pablo Iglesias, que traduzam a indignação em novas forças políticas e cada eleição será ainda mais desesperada para os partidos tradicionais.
Syriza tem que fracassar, senão é a desmoralização definitiva do “Não há alternativa”, de que a História acabou, de que haveria um Consenso de Washington inevitável. etc., etc.
Syriza tem que fracassar. Por isso é preciso diabilizar o Syriza, o Podemos e toda alternativa que apareça, antes que todos se deem conta que o mundo atual não éinevitável.
Salvo que o Syriza não fracasse.

Estudante que vendia bombons no ônibus se gradua em medicina – PORTAL DO AMAZONAS

Estudante que vendia bombons no ônibus se gradua em medicina



Jessé Soares, 25, nasceu em Limoeiro do Ajuru, cidade localizada no nordeste do Pará, perto da ilha do Marajó. Ele conta que passou mais da metade dos seus 25 anos no município, completando o ensino médio graças ao esforço da mãe, agente comunitária de saúde, e do pai, carpinteiro. Como outros ribeirinhos, Soares aprendeu a pescar, colocar armadilhas no rio para capturar camarões, subir no açaizeiro, e as técnicas da marcenaria para produzir móveis e utilitários.
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Sua primeira aprovação no ensino superior foi no curso de licenciatura em física, mas a pontuação obtida pelo então calouro garantiria vagas em cursos mais concorridos, foi daí que ele decidiu, em 2009, tentar cursar medicina.
O jovem foi aprovado e se mudou para um quitinete no bairro do Guamá, em Belém. No mesmo ano, a namorada dos tempos de cursinho ficou grávida da primeira filha do casal. Com isso, aumentaram os gastos, e o jovem precisou completar a renda vendendo bombons por R$ 0,50 nos coletivos da capital.
Porém, o tempo que o jovem gastava nos coletivos limitava as horas disponíveis para o estudo. Para conseguir se graduar, Jessé fez uma campanha nas redes sociais em 2013, arrecadando dinheiro suficiente para se manter até o final do curso.
Foram vários momentos em que batia uma angústia de querer estudar e não ter condições, mas sempre vinha um sentimento de que, quando eu terminasse, as coisas seriam melhores. E estão melhorando”, comemora.
Segundo Soares, sua dificuldade serviu de motivação para garantir o futuro das filhas Ewelyn e Ana Clara. “Eu vou investir na educação delas, para que não aconteça com elas o que aconteça comigo. A minha história é legal porque terminou bem, mas não desejo o que eu passei para ninguém. Espero que elas tenham uma vida mais fácil“, disse.
Jessé concluiu o curso de medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e conseguiu registro profissional na última quarta-feira, 20, agora trabalha no hospital de Limoeiro do Ajuru, onde espera para receber seu primeiro salário como médico.
Fonte: G1 Pará

Sociedade civil e MPF ganham prêmio por fazer o trabalho do governo — CartaCapital

Sociedade civil e MPF ganham prêmio por fazer o trabalho do governo


Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação moveu ações contra o arrendamento de programação e outras práticas ilícitas praticadas pelos donos da mídia em São Paulo

Por Pedro Ekman*
No início deste mês, a Associação Nacional dos Procuradores da República entregou o Prêmio República, categoria Direito Constitucional, para o Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac). O fórum é composto por quatro procuradores do Ministério Público Federal de São Paulo e quatro organizações da sociedade civil: Intervozes, Artigo 19, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e Núcleo de Estudos de Violência da USP.
Não precisa ser advogado ou jurista para perceber as ilegalidades cometidas e divulgadas ao vento, via rádio ou TV, pelos donos da mídia. No entanto, as violações são ignoradas pelos órgãos que deveriam fiscalizá-las. Diante disso, o prêmio é o reconhecimento da atuação do Findac no setor de comunicação social e das vitórias do interesse público e republicano sobre os interesses privados e corporativos. Duas ações recentes exemplificam isso: as recomendações de fiscalização de rádios comerciais na cidade de São Paulo e as ações civis públicas contra o aluguel de tempo de programação para igrejas.
O Findac pediu para que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fiscalizasse 16 rádios comerciais em São Paulo que não tinham licença para atuar na capital, mas sim em cidades próximas. Isso porque a empresa ganhava a licitação para ter uma rádio em Mogi das Cruzes, por exemplo, mas acabava operando em São Paulo. Pode isso, Arnaldo? Pelo regulamento, pode. A empresa pode solicitar o deslocamento da antena para outro município se for para a rádio pegar melhor na cidade original. Assim, caso exista uma montanha na cidade vizinha que ajude na colocar a antena em um ponto mais alto isso poderia se justificar. Mas a regra detalha mais: o estúdio principal da rádio deve ficar na cidade de origem; a maior parte da programação também tem que ser feita nela e, obviamente, a rádio tem a obrigação de pegar na localidade de origem.
Vejam vocês que, das 16 rádios fiscalizadas, 16 estavam irregulares e algumas ainda tentaram impedir a realização da fiscalização. Mas como descobrimos essas irregularidades? Meses de intensa investigação e elaboradas operações policiais? Não, o próprio site da Anatel informava que as 16 rádios tinham licença para operar em cidades distintas das que de fato operavam. Se você ligasse o rádio, por exemplo, da Rádio Sulamérica Trânsito, que é do grupo Bandeirantes e tinha licença para operar em Mogi das Cruzes, iria facilmente perceber que as 24 horas de programação sobre o trânsito da cidade de São Paulo produzidas no bairro do Morumbi pareciam não respeitar o regulamento.
Como a Anatel e o Ministério das Comunicações, que têm a obrigação de fiscalizar o setor, nunca perceberam essas irregularidades tão “esculhambadamente” evidentes, se eles estão acostumados a caçar e descobrir rádios comunitárias nos lugares mais remotos, apreender e destruir seus equipamentos, perseguindo e criminalizando os comunicadores populares? Evidentemente, a conduta do governo e de seus órgãos de fiscalização trata com dois pesos e duas medidas a mídia comercial e a comunitária. O que o Ministério Público Federal (MPF) fez foi simplesmente aplicar para os ricos a lei que, até então, era exclusivamente reservada aos pobres. Isso de fato merece ser premiado.
O MPF também ajuizou três ações contra o aluguel de programação de rádio e TV para igrejas. A regra é clara: se uma empresa privada vence uma licitação pública para explorar um serviço público, como o de uma estrada, de transporte coletivo, de limpeza urbana ou de comunicação social eletrônica, ela não pode terceirizar sua atividade fim para outra empresa, pois não foi essa outra empresa que venceu a licitação. Mas a empresa pode vender até 25% do seu tempo de programação na exploração do serviço, o que significa que, das 24 horas do dia, ela poderia colocar no máximo 6 horas de propagandas, merchandising e outros conteúdos pagos no ar.
Regra fácil de entender, mas ao que parece difícil de ser cumprida. Pois bem, o ex-vereador de São Paulo Carlos Apolinário, que também foi pego na fiscalização das 16 rádios, havia resolvido alugar toda a programação da Rádio Vida para a Comunidade Cristão da Paz. A prática pode fazer com que Apolinário tenha que pagar 20 milhões de reais, valor estabelecido na ação civil pública.
A Justiça bloqueou os bens do ex-vereador e suspendeu a programação da rádio, que está longe de ser a única a terceirizar boa parte da sua programação. Assim como ela, a TV CNT aluga 22 horas da concessão que possui para a Igreja Universal do Reino de Deus. O Canal 21, do grupo Bandeirantes, faz o mesmo, repassando 22 horas para a mesma igreja. Outras emissoras como a Record, a Rede TV! e a própria Band cometem a mesma ilegalidade em números não tão absolutos, por isso o Findac fez a opção de levar à Justiça primeiramente os casos de descumprimentos mais gritantes.
A simples atuação do MPF na pauta já movimentou o setor de forma nunca antes vista. Grandes emissoras que têm boa parte de sua receita gerada pelo aluguel irregular aguardam desesperadamente pelo desfecho judicial das primeiras ações. A pergunta que fica é: por que o Ministério das Comunicações permitiu, por tanto tempo, que o setor se consolidasse com tantas irregularidades? Se o governo não faz o seu papel, a partir das ações ele agora está sendo obrigado, como réu, a ter que defender o interesse público.
Prevendo uma derrota judicial em relação aos alugueis, a Igreja Universal já anunciou – alô ministro, está na imprensa, não precisa investigar muito – que pretende comprar a CNT. Mas como uma licença que foi conquistada por licitação pública pode ser vendida no mercado? Pode isso, Arnaldo? Não pode. Isso burla a lei de licitações, a qual obriga o serviço a retornar à União para ser licitado novamente. E por que não se pode vender um bem público no mercado?
Poderíamos elencar os motivos:
- Desrespeita a Constituição Federal;
- Causa prejuízo ao patrimônio público e promove o enriquecimento ilícito;
- Prejudica outros concorrentes que podem ter interesse em obter a outorga pelo procedimento público aberto a todos, com isonomia e impessoalidade.
Caso a empresa tenha conseguido a licença antes de 1995, teríamos ainda o agravante do fato dela nem sequer ter pagado pela licença. Esse é o caso da MTV, que foi vendida por módicos R$ 200 milhões pelo Grupo Abril para a Igreja Mundial, do apóstolo Valdomiro Santiago. Perguntado pelo MPF, o Ministério das Comunicações afirmou que não há autorização para a venda da MTV, mas ele certamente já deve ter percebido que a programação de clips musicais deu lugar aos cultos religiosos. Também já deve saber que o Grupo Abril declarou a venda no seu balanço financeiro. É, Arnaldo, não está fácil. E tem mais.
Nos últimos dias, o Estadão anunciou, também na imprensa, que pretende vender sua rádio para o pastor R.R. Soares, que já aluga a programação no horário nobre da TV Bandeirantes. Não é possível que não se esteja percebendo que a radiodifusão brasileira a passos largos vai deixando de ter conteúdo informativo e cultural para se tornar um reduto religioso (e de determinadas religiões, o que gera outros problemas). Boa parte da colonização evangélica dos espaços antes dominados por grupos jornalísticos se deve ao fato deste mercado ser extremamente concentrado, com uma única empresa abocanhando 70% do mercado publicitário, o que também contraria os preceitos constitucionais. Mas esse é um capítulo à parte.
Com tamanha omissão do governo em relação à defesa do interesse público no que diz respeito ao setor comercial da comunicação brasileira, dar um prêmio a um grupo que está fazendo o trabalho que ninguém quer fazer é não apenas reconhecer o esforço quase histórico, mas também enviar um recado aos envolvidos: não dá mais para fechar os olhos às irregularidades da mídia. Agora, o governo federal precisa decidir se quer continuar atuando na pauta desde o banco dos réus ou se vai adotar como conduta os dizeres da frase do governo petista, inclusive, da Prefeitura de São Paulo: “Fazendo o que precisa ser feito".
* Pedro Ekman é integrante da Coordenação Executiva do Intervozes

domingo, 10 de maio de 2015

NAKBA: 67 anos de limpeza étnica na Palestina

NAKBA: 67 anos de limpeza étnica na Palestina
Nabka 2015

Comemora-se em 15 de Maio o aniversário da NAKBA, que em árabe quer dizer Catástrofe, e que marca o princípio da tragédia que se abateu sobre o Povo Palestino, perseguido, massacrado e expulso da sua terra pelos novos ocupantes judeus.
A data será assinalada  com uma Sessão de Solidariedade com a Palestina em que será exibido o filme "A Terra Fala Árabe" e que contará com intervenções do Embaixador da Palestina, Dr. Hikmat Ajjuri, e de Jorge Cadima, dirigente do MPPM. 
É no Clube Estefânia, na sexta-feira 15 de Maio, a partir das 18.30 horas.
"A Terra Fala Árabe", da realizadora palestina Maryse Gargour, documenta as circunstãncias e os acontecimentos que levaram a implantação de um estado judaico na Palestina e à expulsão dos seus habitantes árabes.

Mário Scheffer: Com capital estrangeiro avança a privatização do sistema de saúde brasileiro – Blog da Saúde

Mário Scheffer: Com capital estrangeiro avança a privatização do sistema de saúde brasileiro

capital estrangeiro na saúde
 O capital estrangeiro e a privatização do sistema de saúde brasileiro 


Mário Scheffer, em Cadernos de Saúde Pública*
Os fundamentos políticos e econômicos do Sistema Único de Saúde (SUS) foram abalados no início de 2015, com a aprovação da Emen­da Constitucional n86 (EC 86), que cristaliza o subfinanciamento do SUS, e da Lei nº 13.097, que permite a participação de empresas e do capital estrangeiro, direta ou indiretamente, nas ações e cuidados à saúde.
Ao impor à União o financiamento de emen­das parlamentares individuais e ao vincular a despesa federal da saúde à receita corrente líqui­da, a EC 86 levará à diminuição de recursos em relação aos valores garantidos pela legislação vi­gente, que já eram por demais restritivos.
Assim, a norma legal potencializa restrições ao financiamento do SUS, que vêm desde o des­cumprimento da Constituição Federal, que desti­nava no mínimo 30% do orçamento da Segurida­de Social para a saúde, passando pela retirada do Fundo da Previdência Social da base de cálculo dos recursos, até o desvirtuamento da Contribui­ção Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), dentre outras subtrações.
Como agravante, a EC 86 inviabiliza politi­camente, pelo menos em curto prazo, o projeto de iniciativa popular, o Saúde+10, subscrito por mais de dois milhões de brasileiros, que alcan­çaria orçamento mais razoável com a aplicação de no mínimo 10% da receita corrente bruta da União para a saúde.
A atuação do capital estrangeiro na saúde – definido como aquele correspondente a em­presas multinacionais, no caso dos investimen­tos e do comércio, aos grandes bancos, no ca­so dos financiamentos, e aos fundos de pensão que operam o capital especulativo1  – foi vedada pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica da Saúde, com as exceções de empréstimos de orga­nismos internacionais, de cooperação técnica ou vinculados às Nações Unidas.
Mas desde 1998 a Lei dos Planos de Saúde per­mitiu o capital estrangeiro nos negócios de assis­tência suplementar, o que levou à interpretação de que mesmo as empresas de planos de saúde proprietárias de hospitais poderiam se beneficiar do investimento exterior.
A saúde já estava, portanto, parcialmente aberta a investidores internacionais que torna­ram-se acionistas de empresas de planos de saú­de e de grupos hospitalares ligados a elas. Recur­sos de origem estrangeira também haviam sido aportados em laboratórios de exames diagnós­ticos, neste caso de modo não autorizado, mas consentido pelos órgãos governamentais.
A inconstitucionalidade da lei foi defendida pela Advocacia-Geral da União (AGU), que re­comendou, sem ser ouvida, o veto à permissão generalizada de capital estrangeiro em hospitais e clínicas, gerais e especializados, inclusive de natureza filantrópica.
Ações diretas de inconstitucionalidade já levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) por entidades da sociedade civil enfatizam o disposi­tivo constitucional que prevê a vedação expressa à participação do capital estrangeiro na saúde, e levantam uma situação esdrúxula: conserva-se o texto original da lei do SUS mas acrescenta-se, após uma vírgula, conteúdo contrário. Na prática designa-se, por exceção, a possibilidade do capital estrangeiro entrar em toda e qualquer ação e serviço de saúde. Agora, a legislação bra­sileira sobre saúde traz duas políticas opostas na mesma norma.
Para além da controvérsia judicial, a constitu­cionalização do subfinanciamento público com­binada com a abertura irrestrita à participação do capital estrangeiro na saúde deverá impulsio­nar a privatização, na medida em que lideranças do setor privado afirmam seus objetivos imedia­tos de expandir a capacidade instalada de leitos e serviços para clientes de planos de saúde.
A privatização consiste na transferência das funções e responsabilidades do setor público, completamente ou em parte, para o setor priva­do2 . Aqui interessa também a privatização ati­va3 , ou seja, o processo no qual o governo toma decisões políticas que encorajam ativamente o crescimento da participação privada na saúde.
Em meio a uma série de orientações e inações que têm por resultado o desmonte do SUS, a am­pla abertura do sistema de saúde ao capital es­trangeiro foi uma medida tomada sem que suas reais motivações tenham sido anunciadas, e sem que suas consequências tenham sido discutidas abertamente pelo Congresso Nacional ou avalia­das pelos fóruns de participação social.
Trata-se de vitória da coalizão de interesses de hospitais privados, empresas farmacêuticas e operadoras de planos de saúde que, além da defesa do capital estrangeiro, pretendem am­pliar a participação do setor privado na formu­lação das políticas nacionais de saúde4, expan­dir o mercado privado e obter desonerações e reduções tributárias.
O aceno aos fundos que vêm de fora se presta também como álibi para justificar a redução de gastos públicos com saúde, em tempos de ajus­te fiscal e de perenidade do subfinanciamento do SUS.
O Governo Federal será o grande avalista do capital estrangeiro na saúde, seja por meio de desregulação e incentivos ao crescimento do mercado de planos de saúde, que se beneficia­rá diretamente da rede privada hospitalar e de diagnóstico expandida com recursos externos, seja comprando estes mesmos serviços para atenuar a insuficiência da oferta da atenção de média complexidade no SUS. Talvez resida aí o motor do programa Mais Especialidades, defini­do na campanha eleitoral de 2014 como “uma rede de clínicas com especialistas e exames de apoio diagnóstico”.
A experiência na educação é elucidativa. A atração dos fundos internacionais para investir em fusões e aquisições no mercado de ensino su­perior no Brasil está ligada aos créditos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Su­perior (FIES) e do Programa Universidade para Todos (PROUNI), o que levou à profusão de cur­sos de graduação privados sem contrapartidas mínimas de qualidade.
Com volatilidade e vocação especulativa, in­vestimentos estrangeiros escolherão leitos, exa­mes e procedimentos que geram altos retornos financeiros, principalmente serviços baseados em valores e preferências particulares, e que pra­ticam a seleção adversa, afastando-se do atendi­mento a populações que vivem em áreas distan­tes de recursos assistenciais, do atendimento a idosos, crônicos graves, portadores de transtor­nos mentais e outros pacientes que demandam atenção contínua.
A expansão de rede privada com essas carac­terísticas fará aumentar a individualização das demandas, os pagamentos diretos em clínicas populares e o consumo de planos de saúde ba­ratos no preço mas com armadilhas contratuais e sérias restrições de coberturas. Mais uma vez o SUS, o fundo público, será utilizado como fiador e resseguro das operações privadas.
À proporção que gastos privados substituem as despesas públicas, aumentam os obstáculos para a justiça e a equidade. Sempre que presta­dores privados têm garantida a venda de seus serviços por produção, sem compromisso com os resultados de saúde, os riscos de desperdício de recursos e explosão dos custos do sistema de saúde são enormes.
Capitais que buscam caminhos de valorização dificilmente terão compromissos com necessi­dades de saúde, o que requer políticas voltadas à redução de adoecimentos e mortes, com atuação sobre os determinantes sociais da saúde.
O sistema universal, o sistema único para po­bres e ricos, baseado na saúde como direito, na redistribuição da riqueza, financiado por toda a sociedade por meio de impostos e contribuições sociais, cede, assim, espaço ao sistema segmen­tado, incapaz de assegurar o acesso a todos os níveis de atenção, em todas as regiões, inclusive nos vazios sanitários e para populações vulnerá­veis e negligenciadas, onde e para quem o setor privado não tem interesse em ofertar serviços.
O setor privado de saúde em mercados emer­gentes oferece retornos atrativos para os inves­tidores5 . Em contrapartida, investimentos es­trangeiros em estruturas privadas de saúde de países de renda média e baixa melhoraram pon­tualmente a qualidade de serviços hospitalares altamente especializados acessíveis à clientela restrita, mas também foram responsáveis pela disputa predatória por recursos humanos, agra­vando a falta de médicos e de outros profissio­nais de saúde nos estabelecimentos públicos e nas áreas remotas6 . No Brasil, os padrões atuais já sugerem que o uso excessivo do setor privado promove concorrência desleal com o setor pú­blico, drenando serviços, recursos humanos e financeiros do SUS7.
Apologistas do capital estrangeiro são os mesmos que financiam campanhas eleitorais e que dispõem de redes midiáticas para erigir o mito do setor privado apresentado como mais eficaz, e para promover a tese de que o sistema universal é insustentável. Empregam a palavra privatização o mínimo possível, atenuada por termos como parcerias público-privado, con­corrência, qualidade, eficiência. Contam com a oposição tranquila do movimento sanitário, o encurralamento dos conselhos e conferências de saúde, o silêncio dos sindicatos e trabalhadores organizados, e a omissão dos partidos políticos que, em ano eleitoral, eliminaram dos progra­mas dos candidatos qualquer menção ao capital estrangeiro na saúde.
As modalidades de financiamento da saúde exprimem os valores de uma sociedade8 . O prin­cípio de igualdade das pessoas face à doença e à morte, sejam quais forem suas condições sociais e suas origens, é compartilhado pelos ideais re­publicano, ético e humanitário.
Com o desfinanciamento do SUS e a supres­são de barreiras para atuação do capital estran­geiro, o Brasil segue o caminho inverso, das ini­quidades geradas pela comoditização da saúde e pela sua conversão em mercadoria. Cidadãos de­tentores de direitos transformam-se em clientes; serviços de saúde que poderiam comprometer-se com o sistema universal transformam-se em empresas concorrentes.
O capital estrangeiro na atenção à saúde é um tema pouco explorado pela literatura inter­nacional, na medida em que a presença de em­presas e fundos americanos, tanto no setor de seguro saúde quanto na assistência hospitalar, de diagnose e terapia, ficou limitada às fronteiras nacionais até os anos 2000. O tema também pas­sa à margem das produções sobre saúde global. Mas há referências sobre investimentos estran­geiros relacionadas ao turismo médico em países em desenvolvimento9.
O Brasil emerge como país que vem mobili­zando recursos privados de bancos comerciais e fundos internacionais para expandir a assis­tência à saúde para os que possuem capacidade direta ou indireta de pagamento dos cuidados.
Urge uma agenda nacional de pesquisas que ofereça terreno para acompanhar o impacto do capital estrangeiro no processo de privatização nos vários componentes do sistema de saúde: no financiamento, na prestação de serviços, na ges­tão e nos investimentos em saúde.
Sem a produção de novos conhecimentos à altura da complexidade da conjuntura atual da saúde no Brasil, e sem o engajamento democráti­co, ainda a ser despertado e construído, na ampla defesa do sistema universal inscrito naConsti­tuição Federal há mais de duas décadas, pode-se assistir passivamente a inflexão que impõe ao SUS condições cada vez mais desfavoráveis à sua legitimidade.
*Mário Scheffer é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina, da USP. mscheffer@usp.br Este artigo foi publicado em Cadernos de Saúde Pública, Seção Perspectivas, edição de abril de 2015.
Referências
1.Guimarães SP. Capital nacional e capital estrangei­ro. Estud Av 2000; 14:143-60.
2.European Observatory on Health Systems and Policies. The observatory health system glossary. http://www.euro.who.int/en/about-us/partners/ observatory (acessado em 04/Mar/2015).
3.Muschell J. Privatization in health. Health eco­nomics technical briefing note. Geneva: World Health Organization; 1995.
4.Associação Nacional de Hospitais Privados. Livro Branco. Brasil Saúde 2015: a sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro. Cadernos de propos­tas. http://www.antares-consulting.com/images/ LVBpropostas.pdf (acessado em 04/Mar/2015).
5. International Finance Corporation; World Bank Group. Guide for investors in private health care in emerging markets. http://www.banyanglobal. com/pdf/Guide_for_Investors_in_Private_Health_ Care_in_Emerging_Markets.pdf (acessado em 04/Mar/2015).
6.Organisation for Economic Co-operation and Development. DAC guidelines on poverty and health. http://www.oecd.org/development/ povertyreduction/33965811.pdf (acessado em 04/Mar/2015).
7. Marten R, McIntyre D, Travassos C, Shishkin S, Longde W, Reddy S, et al. An assessment of prog­ress towards universal health coverage in Brazil, Russia, India, China, and South Africa (BRICS). Lancet 2014; 384:2164-71.
8.Grimaldi A. Les différentes facettes de la privati­sation rampante du système de santé. https:// france.attac.org/nos-publications/les-possibles/ numero-1-automne-2013/dossier-protection-so ciale/article/les-differentes-facettes-de-la (aces­sado em 04/Mar/2015).
9. Bell D, Holliday R, Ormond M, Mainil T. Transna­tional healthcare, cross-border perspectives. Soc Sci Med 2015