segunda-feira, 14 de julho de 2008

"Revolução":


Manifesto dos juízes tem 400 assinaturas


"Um evento assim é uma revolução", confidenciou o presidente da Associação dos Juizes Federais de São Paulo, Ricardo de Castro Nascimento, a participantes do ato desta segunda-feira (14) no Fórum Criminal de São Paulo. Mais de 400 magistrados já assinaram o texto de desagravo a Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal, que mandou prender o banqueiro Daniel Dantas, e crítica ao presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes.


O ato em defesa da independência do Judiciário, na Sala do Juri do Fórum Pedro Lessa, foi circunscrito à magistratura e durou pouco mais de 10 minutos. Mereceu o qualificativo de "revolução" por questionar na prática um gesto do presidente do Supremo, autoridade máxima do Judiciário. Estavam presentes uma centena de juízes, e um número equivalente de jornalistas.


Aplausos de desagravo


O ministro Gilmar Mendes atraiu na semana passada a crítica dos juízes federais, e também dos procuradores da República, ao conceder por duas vezes habeas corpus libertando o controvertido banqueiro, e classificar de "desrespeito a decisão do Supremo Tribunal Federal" as ordens de prisão emitidas por De Sanctis.


O juiz da 6ª Vara, elogiado por sua humildade e por viver dos rendimentos que o cargo lhe faculta, foi recebido como uma figura simbólica no ato de desagravo. Mereceu aplausos prolongados e entusiásticos de seus pares, apesar do comedimento que a profissão na maioria das vezes impõe.


Durante a manifestação de desagravo, foi anunciado que o manifesto dos integrantes da Justiça Federal da 3ª Região, que engloba os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, já conta com mais de 400 assinaturas de juízes. As assinaturas de apoio estão sendo coletadas por meio eletrônico.


O Manifesto dos magistrados, que justifica o ato público, caracteriza-o como "um ato de apoio" a De Sanctis. Tem o cuidado de explicitar que "não estamos discutindo o mérito de nenhuma decisão judicial, mas sim a determinação do Ministro Presidente do STF de encaminhar cópias para órgãos correicionais". Mesmo assim, é eloqüente e incisivo no seu "inconformismo".


"Não podemos aceitar passivamente que um juiz seja punido por suas convicções, com o desrespeito ao sistema judicial. Estamos atentos aos desdobramentos destes fatos, e não deixaremos nosso colega Fausto sozinho. Hoje, ele não é só o juiz Fausto, hoje ele é a Magistratura", afirma o texto.


O Manifesto dos magistrados


Veja abaixo a íntegra do Manifesto dos magistrados e também do pronunciamento de De Sanctis. Os dois textos foram tomados do site oficial da Justiça Federal de São Paulo (http://www.jfsp.gov.br/), o que dá uma dimensão da polêmica que toma conta do Judiciário a partir do prede-solta envolvendo Dantas.


"Manifesto dos magistrados em defesa da independência funcional dos membros do Poder"


"Este é um ato de apoio, um ato de leitura de um manifesto que brotou espontaneamente na magistratura da terceira região. Exatamente por isto, embora se agradeça sumamente as presenças de todos neste dia, pedimos compreensão para a limitação dos objetivos que ora se propõem, e a palavra será circunscrita a este Juiz Federal, que ora vos fala.


Nós, juízes federais da terceira região, vimos neste ato nos solidarizar com o colega Fausto De Sanctis. Deve ficar bem claro que não estamos discutindo o mérito de nenhuma decisão judicial, mas sim a determinação do Ministro Presidente do STF de encaminhar cópias para órgãos correicionais ao final de decisão em Habeas Corpus.


Não podemos concordar com o ataque desferido contra a independência funcional que representa a abertura de procedimento investigatório a partir do próprio conteúdo de uma decisão judicial. Corregedoria, Conselho da Justiça Federal e Conselho Nacional de Justiça existem para apurar desvio de conduta de magistrado, não para investigar o que o juiz decide ou deixa de decidir. Sua liberdade decisória está no centro do sistema democrático.


O colega Fausto De Sanctis é magistrado honrado e respeitado na carreira, e decidiu de acordo com sua convicção. Não pode ser punido por isto de forma alguma.

Devemos fazer constar também que, embora o Ministro Gilmar Mendes já tenha comunicado formalmente que não ordenou a extração de cópias para a instauração de procedimento investigativo, sua determinação continua nos autos, e nem mesmo o Ministro pode exercer controle sobre as determinações que os órgãos destinatários dos ofícios podem realizar a partir das cópias enviadas.


Enfim, este momento de inconformismo deve ser registrado. Não podemos aceitar passivamente que um juiz seja punido por suas convicções, com o desrespeito ao sistema judicial. Estamos atentos aos desdobramentos destes fatos, e não deixaremos nosso colega Fausto sozinho. Hoje, ele não é só o juiz Fausto, hoje ele é a Magistratura."


De Sanctis: "Minha ambição se restringe..."


Veja também o pronunciamento do juiz Fausto Martin De Sanctis:


"Necessito externar meu profundo agradecimento a todos que neste momento delicado solidarizaram-se comigo.


Ao longo de minha carreira na magistratura federal, desde 17.10.1991, deparei-me sempre com situações que demandaram reflexões reiteradas. Na verdade, em se tratando de crimes financeiros, pode-se mesmo falar em casos artesanais, que demandam horas, dias e muito estudo.


Antes do papel do juiz, há o ser humano, que, como tal, é passível de erros diante do dedicado e delicado exercício intelectual e físico na busca da melhor solução e da verdade, tomando as cautelas para desembaraçar-me de quaisquer influências sem pretender desacatar qualquer autoridade deste país.


Em todas as situações, sempre tive a necessidade de me valer dos meus princípios, da minha crença e dos valores consagrados pela nossa sociedade, os quais se encontram insertos na Constituição e nas leis infraconstitucionais.


Os brasileiros podem se certificar que este magistrado, aliás, como a imensa maioria da magistratura, toma suas decisões, independentemente da origem, cor, sexo, idade, religião e condição social, com igual presteza, aplicando o direito penal do fato, jamais do autor.


Tenham certeza que continuarei perseguindo minha atividade jurisdicional porquanto abracei a carreira pública por convicção, sendo certo que minha ambição se restringe aos limites dos meus vencimentos líquidos. Nada mais espero.


O apoio dos colegas, do Ministério Público (Federal e Estadual), da Polícia Federal, de várias associações de classe, de advogados e juristas, da sociedade civil e da imprensa, na verdade, busca defender a independência e a livre convicção do exercício de toda a magistratura, preservando-se, em última análise, uma sociedade livre e soberana."


Da redação, com agências


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