quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Vítimas de pornografia infantil na internet são cada vez mais jovens

Renate Kriege

Autoridades que investigam crime estimam que haja 200 mil websites de pornografia infantil no mundoPornografia infantil e pedofilia na internet vitimam crianças de menos de três anos; para especialistas, rede mundial de computadores facilita crimes. Tendência no combate é harmonizar legislação e ação policial.

Alimentada pela internet, a pornografia infantil se tornou uma crise mundial de dimensões alarmantes. E as vítimas são cada vez mais jovens. Para combater o crime de maneira mais eficaz, a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) organiza a primeira conferência internacional sobre o assunto, a partir desta quinta-feira (20/09), Dia Mundial da Criança.

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Tim Del Vecchio, diretor da unidade policial da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)"O que mais preocupa é que, quando conseguimos prender os suspeitos, as fotos que encontramos são de crianças muito jovens. 19% das imagens descobertas recentemente pelo Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos são de crianças de menos de três anos", alerta Tim Del Vecchio, diretor da unidade de Polícia Estratégica da OSCE e organizador da conferência que termina nesta sexta-feira.

Crime organizado

"É mais que uma tragédia humana porque envolve crianças", comenta Del Vecchio. "A distribuição de pornografia infantil é apenas uma das fontes de lucro para o crime organizado. Mas, diferentemente do tráfico de drogas e das atividades tradicionais, existe o elemento humano, extremamente trágico", disse Del Vecchio à DW-WORLD.

A Internet Watch Foundation britânica registrou um aumento de 1.500% no número de imagens de pornografia infantil na rede mundial desde 1997. Em 2001, a organização internacional ECPAT (Pelo fim da Prostituição e do Tráfico Infantil, em inglês) calculou a existência de cem mil websites de pedofilia na internet. "Hoje, estima-se que haja o dobro", diz Del Vecchio.

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Operação "Mikado", na Alemanha, desmantelou rede de pedofilia com rastreamento de cartões de créditoPara o alemão Torsten Meyer, chefe do departamento de investigação da região de Sachsen-Anhalt, no Leste do país, a internet facilita o crime de abuso sexual infantil. "A pornografia infantil e a pedofilia sempre existiram. A internet facilita a criação da pornografia. Com as possibilidades da rede, os criminosos de várias áreas podem se encontrar, trocar idéias e achar mais material. Era mais difícil quando redes de dados eram menos desenvolvidas", diz Meyer, que este ano ganhou as manchetes da Alemanha com a "Operação Mikado", uma ação de rastreamento de criminosos por meio da análise de cartões de crédito.

Ação policial e legislação internacional são prioridade

Segundo Tim Del Vecchio, os 56 países-membros da OSCE querem dar prioridade à ação policial e políticas de prevenção do crime em diferentes países. "Não investigamos os casos, há mais peso para a ação da polícia que para o atendimento a vítimas. Mas queremos saber quais as dificuldades encontradas pelos diferentes países, quais as novas tecnologias disponíveis, que treinamentos policiais existem a custo zero. Assim, as investigações se tornam mais eficazes".

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Jovens e crianças são assediadas pelo computador; salas de chat apresentam maior riscoÁustria, Bélgica e Rússia vão apresentar casos exemplares de combate a redes de pornografia infantil. Em fevereiro deste ano, a polícia da Áustria desmantelou uma rede global de pedofilia que envolvia mais de 2.600 suspeitos em 77 países, com atos sexuais explícitos com crianças.

Em junho, foi a vez de a Grã-Bretanha implodir uma rede de pedofilia. Trinta e uma crianças, algumas com apenas alguns meses de idade, foram libertadas na operação, que rastreou mais de 700 suspeitos. 200 deles estavam na Grã-Bretanha. O material difundido no site "Crianças, a Luz de nossas vidas" (  incluía imagens de abuso explícito de crianças, com alguns vídeos transmitidos ao vivo).

As reuniões da OSCE ocorrem a portas fechadas por causa do conteúdo explícito das apresentações.

Tecnologia de ponta

No caso da Grã-Bretanha, as autoridades disseram ter usado táticas de investigação contra suspeitos de terrorismo e tráfico de drogas. Em Viena, empresas como Microsoft e Visa e provedores de internet vão mostrar novos softwares de rastreamento de suspeitos de pedofilia.

Um deles é o sistema "Marina", utilizado pelo Centro Francês de Análise para Imagens de Pornografia Infantil. Disponível para todos os investigadores do país, o software reconhece as assinaturas de pornografia infantil nos discos rígidos de computadores.

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Para agência britânica Internet Watch Foundation, imagens de pornografia infantil aumentaram 1.500% desde 1997Outra tecnologia é a de reconhecimento facial da empresa Asia Software, para identificar o rosto das vítimas de abuso sexual na Internet. "Mesmo se a aparência física mudar, ainda é possível reconhecer quem está na foto", explica Del Vecchio. O software é utilizado no Cazaquistão e na Rússia, ambos membros da OSCE.

A Microsoft também mostra o CETS (em inglês, Sistema de Rastreamento de Crianças Exploradas), um software gratuito que permite aos investigadores identificar tendências e criminosos, e pode ser instalado em sistemas de delegacias em todo o mundo.

Legislação transfronteiriça

A legislação sobre pedofilia varia de país para país. "Não queremos que uma investigação seja suspensa apenas porque o suspeito comete o crime em outro país", diz Del Vecchio. "Por isso, um dos primeiros assuntos a tratar é a legislação local", explica.

Del Vecchio também destacou a importância da cooperação de órgãos internacionais como a Interpol e a Europol, uma vez que o problema da pornografia infantil na internet é mundial, e não concentrado em certas regiões. "Todos dividem a culpa. Nos Estados Unidos, por exemplo, prenderam um casal no Texas que distribuía fotos de crianças pela rede. Eles ganhavam cerca de um milhão de dólares mensais, mas as fotos vinham de países do Leste Europeu".


Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Para o investigador alemão Torsten Meyer, o problema também afeta o mundo todo. Mas o material vem de países muito pobres. "América Latina, Leste da Ásia ou Leste Europeu fornecem esse tipo de imagens. São regiões onde os direitos das crianças não são tão valorizados como na Alemanha, por exemplo. As famílias são muito pobres, têm até dez filhos e até vendem a criança para criminosos que filmam atos sexuais e vendem essas imagens", diz Meyer.

Lula cria empresa para administrar Hospitais – a lógica do lucro chega à saúde pública

Por Elaine Tavares - jornalista

Enquanto era carregado nos braços do povo brasileiro em emocionante despedida, o presidente Lula deixava sobre a mesa de trabalho uma medida provisória que terá conseqüências dramáticas para a maioria da população empobrecida do país. Nesta medida, que tem força de lei com implantação imediata, Lula golpeia de morte uma luta que foi travada ao longo de todo seu mandato contra a privatização dos Hospitais Universitários, responsáveis hoje pela pesquisa de ponta na saúde e pelo atendimento gratuito à população. A medida provisória autoriza a criação de uma empresa pública, de direito privado, chamada de Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.. - EBSERH, que, vinculada ao Ministério da Educação, poderá prestar atendimento à saúde e servir de apoio administrativo aos hospitais universitários.

Numa primeira mirada isso pode parecer ótimo e muitos perguntarão como alguém pode ser contra uma idéia como essa. Mas, observando as letras pequenas da lei, pode-se perceber o grau de perversidade que está contido nesta MP. Em primeiro lugar é bom contextualizar o problema. Desde há alguns anos que o Tribunal de Contas da União vem observando algumas ilegalidades nos HUs. Uma delas é a contratação indiscriminada de trabalhadores através de Fundações. Mas, esta foi a forma encontrada pelas administrações para dar atendimento nos HUs, uma vez que não havia concurso público para novas contratações e muito menos vontade política dos reitores em enfrentar o problema de frente. O movimento de trabalhadores sempre se colocou contra essa forma de contrato porque acabava criando duas categorias dentro dos hospitais, a dos servidores públicos, com todos os direitos garantidos e a dos contratados, sempre na berlinda por conta de serem celetistas. Não bastasse essa discriminação funcional, ainda havia intensa rotatividade prejudicando o bom andamento dos trabalhos.

A solução imediatamente apontada pelo governo Lula foi a regularização das fundações privadas dentro das universidades, o que provocou um grande movimento contrário nas Instituições Federais de Ensino Superior. Isso porque, ao longo destes anos, foram divulgados inúmeros escândalos envolvendo as fundações em várias IFES, mostrando o quão funesto era esse sistema de burlagem da lei, no qual as fundações captavam recursos privados para serem aplicados nas universidades, em operações muitas vezes envoltas em irregularidades que beneficiavam pessoas em vez das instituições.

Batendo de frente com o movimento docente e técnico-administrativo o governo do presidente Luis Inácio recuou e, mais tarde, lançou nova ofensiva com a proposta de uma Fundação Pública de Direito Privado que assumiria o papel de todas as fundações já existentes, com possibilidade, inclusive, de administrar as instituições de Educação, Saúde e Cultura. Isso, na prática, era privatizar o sistema público de atendimento à população. Mais uma vez os movimentos de trabalhadores dentro das instituições se mobilizaram e empreenderam longa luta contra esse projeto.

Mas, agora, no apagar das luzes do seu governo, em pleno final do ano, quando os trabalhadores públicos, na sua maioria, estão em férias, Lula cria uma empresa, de administração privada, para administrar os hospitais universitários. A estatal será uma sociedade anônima e terá seu capital oriundo do orçamento da União, portanto pertence à nação. Mas, como é de direito privado, toda a lógica administrativa se prestará a busca do lucro e da produtividade. Coisa que sempre foi combatida pelos trabalhadores, pois, na saúde, não há como trabalhar com produtividade. O que pode ser produtivo num hospital? A doença...

No corpo da medida provisória que cria a estatal de direito privado, o governo promete a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar e laboratorial à comunidade, assim como a prestação, às instituições federais de ensino ou instituições congêneres, de serviços de apoio ao ensino e à pesquisa, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública. De novo, isso parece muito bom. Mas, como é uma empresa de direito privado, sua meta é o lucro e aí se inserem as armadilhas.

Como seu papel será o de administrar unidades hospitalares, abre-se o caminho já apontado pelo governo de separação dos hospitais-escola do Ministério da Educação, passando ao campo da Saúde. Pode parecer lógico, mas não é. Os hospitais universitários estão hoje visceralmente ligados à universidade. Têm como função servir de espaço de ensino para os estudantes das mais variadas áreas médicas. Todos os trabalhadores ali lotados estão igualmente ligados à universidade. Com a nova empresa e sua lógica administrativa privada, isso muda. Os trabalhadores poderão ser contratados pela CLT, sem acarretar qualquer vínculo com o Estado e estarão submetidos a metas e produtividade. Isso igualmente cria uma profunda divisão na categoria, com a presença de dois tipos de trabalhadores, os públicos e os privados, ocasionando conflitos e freando as lutas. Segundo a medida, os trabalhadores especializados, ainda que CLT, passarão por concurso, mas o pessoal de nível técnico-administrativo poderá ser contratado sem qualquer concurso e por tempo determinado com contratos temporários. Esta era uma vontade muito antiga do governo, pois, com isso, consegue superar qualquer movimento grevista que venha a ser construído.

Na medida provisória está bem claro que a nova empresa poderá incorporar os trabalhadores que já estão nos quadros dos hospitais assim como os bens móveis e imóveis necessários para o início das atividades. Também diz a MP que a nova estatal estará autorizada a patrocinar entidade fechada de previdência privada, nos termos da legislação vigente, o que significa a abertura para o atendimento aos planos de saúde, também um antigo desejo do agora ex-presidente.

Para os reitores e provavelmente para a maioria dos trabalhadores que ainda estavam vinculados às Fundações, esta medida vem como uma luva para seus interesses. Os reitores poderão seguir contratando trabalhadores sem concurso, resolvendo a questão da terceirização. Além disso, também poderão captar recursos privados de forma mais tranqüila, sem precisar usar subterfúgios ou ilegalidade. Também poderão cobrar uma administração mais enxuta, aos moldes da privada, estabelecendo metas de produtividade. Em suma, tratando a saúde da população como mais uma mercadoria. Os trabalhadores terceirizados, que hoje estão sob a ameaça de perder o emprego, ficam mais tranqüilos e tudo segue dentro da “ordem”. Com isso não haverá mais a necessidade de lutar pelo concurso público.

Para quem faz a luta nas universidades este foi um duro golpe. A criação da nova empresa pública estilhaça uma luta de anos pela manutenção dos Hospitais Universitários 100% SUS. Com o artigo que permite a contratação de previdência privada, os HUs poderão, enfim, criar as famosas duas portas de entrada: uma para os que dependem da saúde pública e outra para os que têm plano de saúde. Pode parecer que isso está bem, que não vai mudar em nada a vida daqueles que hoje dependem do SUS e que sempre encontraram guarida nos HUs, mas, quando um hospital passa a se mover dentro da lógica privada, tudo muda. É certo que as pessoas vão sentir o peso desta medida bem mais na frente, inclusive, esquecendo como isso aconteceu. Mas, para quem está na luta pela universidade e pela saúde pública é hora de mostrar os funestos efeitos que virão.

É sempre difícil para os lutadores sociais serem os “arautos da desgraça”, aqueles que estão sempre a ver problemas e apontando as críticas. Mas, é o compromisso com a vida digna para todos que leva a essa prática. Nosso papel é mostrar as graves consequências que advirão desta medida e preparar o terreno para as lutas que se farão necessárias quando a privatização da saúde tomar conta de um dos últimos bastiões do atendimento público: os hospitais universitários.

Os ataques implacáveis a Marisa Letícia

Marisa Letícia Lula da Silva: as palavras que precisavam ser ditas
Hildegard Angel em seu blog
Foram oito anos de bombardeio intenso, tiroteio de deboches, ofensas de todo jeito, ridicularia, referências mordazes, críticas cruéis, calúnias até. E sem o conforto das contrapartidas. Jamais foi chamada de "a Cara" por ninguém, nem teve a imprensa internacional a lhe tecer elogios, muito menos admiradores políticos e partidários fizeram sua defesa. À "companheira" número 1 da República, muito osso, afagos poucos.
dirão os de sempre, e as mordomias? As facilidades? O vidão? E eu rebaterei: E o fim da privacidade? A imprensa sempre de olho, botando lente de aumento pra encontrar defeito? E as hostilidades públicas? E as desfeitas? E a maneira desrespeitosa com que foi constantemente tratada, sem a menor cerimônia, por grande parte da mídia? Arremedando-a, desfeiteando-a, diminuindo-a? E as frequentes provas de desconfiança, daqui e dali? E - pior de tudo - os boatos infundados e maldosos, com o fim exclusivo e único de desagregar o casal, a família?
Ah, meus queridos, Marisa Letícia Lula da Silva precisou ter coragem e estômago para suportar esses oito anos de maledicências e ataques. E ela teve.
Começaram criticando-a por estar sempre ao lado do marido nas solenidades. Como se acompanhar o parceiro não fosse o papel tradicional da mulher mãe de família em nossa sociedade.
Depois, implicaram com o silêncio dela, a "mudez", a maneira quieta de ser. Na verdade, uma prova mais do que evidente de sua sabedoria. Falar o quê, quando, todos sabem, primeira-dama não é cargo, não é emprego, não é profissão?
Ah, mas tudo que "eles" queriam era ver dona Marisa Letícia se atrapalhar com as palavras para, mais uma vez, com aquela crueldade venenosa que lhes é peculiar, compará-la à antecessora, Ruth Cardoso, com seu colar pomposo de doutorados e mestrados.
Agora, me digam, quantas mulheres neste grande e pujante país podem se vangloriar de ter um doutorado? Assim como, por outro lado, não são tantas as mulheres no Brasil que conseguem manter em harmonia uma família discreta e reservada, como tem Marisa Letícia.
E não são também em grande número aquelas que contam, durante e depois de tantos anos de casamento, com o respeito implícito e explícito do marido, as boas ausências sempre feitas por Luís Inácio Lula da Silva a ela, o carinho frequentemente manifestado por ele. E isso não é um mérito? Não é um exemplo bom?
Passemos agora às desfeitas ao que, no entanto, eu considero o mérito mais relevante de nossa ex-primeira-dama: a brasilidade.
Foi um apedrejamento sem trégua, quando Marisa Letícia, ao lado do marido presidente, decidiu abrir a Granja do Torto para as festas juninas. A mais singela de nossas festas populares, aquela com Brasil nas veias, celebrando os santos de nossas preferências, nossa culinária, os jogos e brincadeiras. Prestigiando o povo brasileiro no que tem de melhor: a simplicidade sábia dos Jecas Tatus, a convivência fraterna, o riso solto, a ingenuidade bonita da vida rural. Fizeram chacota por Lula colar bandeirinhas com dona Marisa, como se a cumplicidade do casal lhes causasse desconforto.
Imprensa colonizada e tola, metida a chique. Fazem lembrar "emergentes" metidos a sebo que jamais poderiam entender a beleza de um pau de sebo "arrodeado" de fitinhas coloridas. Jornalistas mais criteriosos saberiam que a devoção de Marisa pelo Santo Antônio, levado pelo presidente em estandarte nas procissões, não é aprendida, nem inventada. É legitimidade pura. Filha de um Antônio (Antônio João Casa), de família de agricultores italianos imigrantes, lombardos lá de Bérgamo, Marisa até os cinco de idade viveu num sítio com os dez irmãos, onde o avô paterno, Giovanni Casa, devotíssimo, construiu uma capela de Santo Antônio. Até hoje ela existe, está lá pra quem quiser conferir, no bairro que leva o nome da família de Marisa, Bairro dos Casa, onde antes foi o sítio de suas raízes, na periferia de São Bernardo do Campo. Os Casa, de Marisa Letícia, meus amores, foram tão imigrantes quanto os Matarazzo e outros tantos, que ajudaram a construir o Brasil.
Outro traço brasileiro dela, que acho lindo, é o prestígio às cores nacionais, sempre reverenciadas em suas roupas no Dia da Pátria. Obras de costureiros nossos, nomes brasileiros, sem os abstracionismos fashion de quem gosta de copiar a moda estrangeira. Eram os coletes de crochê, os bordados artesanais, as rendas nossas de cada dia. Isso sim é ser chique, o resto é conversa fiada.
No poder, ao lado do marido, ela claramente se empenhou em fazer bonito nas viagens, nas visitas oficiais, nas cerimônias protocolares. Qualquer olhar atento percebe que, a partir do momento em que se vestir bem passou a ser uma preocupação, Marisa Letícia evoluiu a cada dia, refinou-se, depurou o gosto, dando um olé geral em sua última aparição como primeira-dama do Brasil, na cerimônia de sábado passado, no Palácio do Planalto, quando, desculpem-me as demais, era seguramente a presença feminina mais elegante. Evoluiu no corte do cabelo, no penteado, na maquiagem e, até, nos tão criticados reparos estéticos, que a fizeram mais jovem e bonita.
Atire a primeira pedra a mulher que, em posição de grande visibilidade, não fez uma plástica, não deu uma puxadinha leve, não aplicou uma injeçãozinha básica de botox, mesmo que light, ou não recorreu aos cremes noturnos. Ora essa, façam-me o favor! Cobraram de Marisa Letícia um "trabalho social nacional", um projeto amplo nos moldes do Comunidade Solidária de Ruth Cardoso. Pura malícia de quem queria vê-la cair na armadilha e se enrascar numa das mais difíceis, delicadas e técnicas esferas de atuação: a área social.
Inteligente, Marisa Letícia dedicou-se ao que ela sempre melhor soube fazer: ser esteio do marido, ser seu regaço, seu sossego. Escutá-lo e, se necessário, opinar. Transmitir-lhe confiança e firmeza. E isso, segundo declarações dadas por ele, ela sempre fez. Foi quem saiu às ruas em passeata, mobilizando centenas de mulheres, quando os maridos delas, sindicalistas, estavam na prisão. Foi quem costurou a primeira bandeira do PT. E, corajosa, arriscou a pele, franqueando sua casa às reuniões dos metalúrgicos, quando a ditadura proibiu os sindicatos. Foi companheira, foi amiga e leal ao marido o tempo todo.
Foi amável e cordial com todos que dela se aproximaram. Não há um único relato de episódio de arrogância ou desfeita feita por ela a alguém, como primeira-dama do país. A dona de casa que cuida do jardim, planta horta, se preocupa com a dieta do maridão e protege a família formou e forma, com Lula, um verdadeiro casal. Daqueles que, infelizmente, cada vez mais escasseiam. Este é o meu reconhecimento ao papel muito bem desempenhado por Marisa Letícia Lula da Silvanesses oito anos.
Tivesse dito tudo isso antes, eu seria chamada de bajuladora. Esperei-a deixar o poder para lhe fazer a Justiça que merece.

“O Brasil é ao mesmo tempo imperialismo e motor imprescindível para a integração”


O economista e diretor da versão boliviana do Le Monde Diplomatique, Pablo Stefanoni, faz um balanço da política sul-americana



Elena Apilánez e
Vinicius Mansur
de La Paz (Bolívia) via Brasil de Fato

Passados mais de dez anos da ascensão de presidentes de esquerda na América do Sul, o economista Pablo Stefanoni, diretor da versão boliviana do Le Monde Diplomatique, é cético com relação às transformações trazidas por eles ao continente e relativiza a existência de governos de esquerda “radicais” e “moderados”.
Traçando um panorama da conjuntura política do continente, o ex-assessor de comunicação do governo Evo Morales prevê sérias limitações para o crescimento da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e muitas possibilidades para a Unasul (União das Nações Sul-Americanas). Na entrevista a seguir, Stefanoni analisa, ainda, a política na Argentina pós-Kirchner, destaca o surgimento de uma direita reciclada na Colômbia e no Chile e debate o papel do Brasil na região.

Brasil de Fato – Como você avalia a categorização dos governos sul-americanos entre esquerda radical, com Bolívia, Venezuela e Equador, e esquerda moderada, liderados por Brasil e Argentina?
Pablo Stefanoni – Esse esquema tem aspectos reais, mas há que relativizá-los. Primeiro, a radicalidade assumida, muitas vezes, não se dá porque os movimentos sejam particularmente mais radicais, senão porque a trajetória institucional e política foi diferente. Os três países considerados de esquerda radical tiveram a implosão do sistema partidário com forte mobilização popular, e era normal que houvesse uma grande demanda por refundação do país, do sistema político. No caso de Uruguai, Brasil e, sobretudo, Chile, a esquerda ganha em um contexto de desmobilização. Além disso, há continuidade institucional e o sistema de partidos continua o mesmo. Em segundo lugar, essa esquerda radical necessita da outra esquerda. Nos momentos-chave, Lula apoiou a Venezuela, como na greve petroleira, na crise da Bolívia houve um apoio importante da Unasul etc. Por isso, se valorizava a vitória de Dilma Rousseff [nos países da América Latina governados pela esquerda], mais do que qualquer debate interno, com a ideia de manter a correlação de forças. Em terceiro lugar, esse esquema supõe que uma esquerda é socialista e outra não, mas, vendo as políticas públicas concretas, nenhuma é socialista. Nem Venezuela nem Bolívia estão avançando rumo a um projeto pós-capitalista. Claro, há diferenças no trato com os EUA, no papel que joga o Estado, mas, vendo o que de fato mudou, o socialismo ainda é bastante retórico. E há muitas coincidências, por exemplo: a legitimidade do Evo não é tão distinta da do Lula. Uma mescla de autoidentificação popular com um líder que surgiu de baixo e políticas sociais. Inclusive, o Bolsa Família é mais radical, por sua abrangência, do que a política de bolsas da Bolívia, que é mais fragmentada.

O senhor não acha que a Venezuela, por exemplo, se diferencia dos outros com suas nacionalizações e políticas públicas que caminham para a transição ao socialismo?
Há tentativas, testes, mas com muitos problemas de eficácia. Promove-se cooperativas, conselhos comunais. Claramente, há um nível de participação popular maior do que havia antes de Chávez. Entretanto, os balanços sobre a geração de uma participação de baixo são complexos. Os conselhos comunais se ocupam de questões bastante locais e vinculadas à falta de Estado nos bairros. Começaram a falar menos de política nacional e aceitar os antichavistas nos conselhos, sempre e quando haja um pacto de não falar muito de política. Há também os conselhos em bairros de classe média alta de Caracas, que são antichavistas, mas que usaram essa fórmula. Quanto à economia, os números mostram que a privada não diminui em relação à estatal. E ainda há dificuldades enormes, para além da vontade do governo, de se pensar uma agenda pós-petroleira. Nisso, coincidem todos. O rentismo [referência à dependência da economia Venezuela da renda do petróleo que exporta] não distribui exatamente a riqueza, porque capta uma renda do mercado internacional e gera uma cultura não do trabalho, mas de como agarrar-se a essas fatias. É bom que se democratize [a renda], mas, depois, o problema sério é pensar um modelo produtivo. O problema venezuelano, hoje, talvez não seja tanto como transitar ao socialismo, mas a essa agenda, ainda que seja a médio prazo, porque não é fácil. Não é que o Chávez não tem vontade: inclusive, ele levou o Instituto de Tecnologia Industrial da Argentina para o país.

O senhor vê uma disputa pela liderança do continente?
Houve uma luta entre Brasil e Argentina, mas a Argentina perdeu. A Venezuela não tem condições, porque o Brasil já não joga em nível sul-americano, mas mundial, inclusive associado ao Bric [Brasil, Rússia, Índia e China]. Ninguém está pensando em competir com o Brasil, que aposta num rumo claro e complexo. O Brasil mescla um “imperialismo” com o papel de motor imprescindível para a integração regional. O Lula viaja com 200 empresários e, quando concede algum crédito, este país tem que contratar uma empresa brasileira. O Brasil é como um monstro ao lado de um monte de economias pequenas, que não têm visão muito clara sobre o que fazer com o Brasil. Há uma atitude de denunciar, como fizeram na Bolívia com a Petrobras, com a Odebrecht no Equador, ou a relação complicada com Itaipu, no Paraguai, mas, depois, chega o Marco Aurélio Garcia [assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais na gestão Lula] e tudo se ajeita.

Qual futuro o senhor vê para a Unasul e a Alba?
A Alba não avançou porque uma integração ideológica é mais complexa, depende de que os governos continuem. A Unasul não depende tanto dos governos coincidirem em tudo. A Bolívia não tem muitas relações com a Nicarágua ou Honduras. Ou seja, não está muito claro qual é o papel da Alba além do alinhamento político. É interessante que esses países possam jogar um certo papel juntos, mas a Alba não deve ser uma alternativa para outras vias de integração. A Unasul avançou muito mais rápido e existe essa coisa de que onde entra o Brasil se avança em nível diplomático, não? Quando o Brasil disse não à Alca, acabou a Alca.

Qual o impacto da morte de Néstor Kirchner para a política argentina?
A oposição fazia mais oposição ao Kirchner, que era uma espécie de copresidente, do que à própria Cristina. Kirchner era o grande disciplinador do peronismo e isso era muito necessário às vezes. Cristina era a presidente da nação e ele do peronismo. Então, temos que ver como ela vai operar isso. Pelas características meio necrófilas, a morte dele fortaleceu Cristina, pois recuperaram toda a figura de Kirchner, com a tentativa de torná-lo um mito, alguém que morreu em combate contra um monte de inimigos, corporações... o velório foi bem político. Ele recuperou todo um discurso e mística dos anos 1970, aproveitando que foi militante da juventude peronista, reativou uma parte de sua biografia muito distante. Porque, na verdade, Kirchner, nos anos 1990, apoiou basicamente o programa neoliberal. Na ditadura, ele era advogado que comprava casas de arremate, aproveitando uma lei de indexação feita pelo governo militar, e é nessa época que aconteceu sua acumulação. Ele tinha um patrimônio declarado de 14 milhões de dólares. Morreu à frente nas pesquisas para as próximas eleições pra presidente, com boa possibilidade de ganhar no primeiro turno. Kirchner não pensava a política como utopias, pensava o poder em seu sentido duro, construir dependências, interesses, redes. Então, há que se ver se Cristina consegue manter esse efeito gerado pela morte do marido. Tampouco há bons candidatos da oposição, além de haver uma parte dos votantes que se tornam “antiantikirchneristas”, ou seja, um rechaço à oposição sem ser kirchneristas. É o que acontece com tantos governos populares, cujas oposições são inapresentáveis. E isso dá vida a Cristina.

E quanto aos países que estão à direita?
[Os presidentes] Juan Manuel Santos, na Colômbia, e Sebastián Piñera, no Chile, surpreenderam um pouco porque se mantiveram olhando para a América Latina, mais do que se esperava. Deram início a uma direita muito mais hábil, pragmática, empresarial, menos conservadora em uma série de temas, inclusive morais. Uma direita parecida à nova direita europeia de [Nicolas] Sarkozi [presidente da França]. Não quero dizer que os conservadores não estão com Piñera, mas ele é liberal, não é pinochetista. Quando seu embaixador na Argentina defendeu Pinochet, ele o retirou 24 horas depois. Santos surpreendeu porque se esperava que fosse uma mera continuidade de Álvaro Uribe [presidente que o antecedeu], mas ele mostrou mais flexibilidade, com a Venezuela, por exemplo. Há razões econômicas também, porque a Venezuela começou a importar alimentos da Argentina e do Brasil. Mas ele ainda prometeu reforma agrária, devolvendo as terras que os paramilitares tomaram de camponeses. Não sei se o fará e não é que ele seja menos de direita, mas se adaptou mais a certas coisas.

E com relação às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia?
Existe uma possibilidade que a Unasul contribua. De fato, as Farc pediram que Dilma participe como mediadora, apelando um pouco para o seu passado guerrilheiro. O Brasil pode jogar um papel importante nisso, algo que era impensável há dez anos. Mas as Farc são o grande obstáculo para que a esquerda possa disputar algo na Colômbia.

E o Peru?
Aí não se sabe, porque [o presidente] Alan García está de saída e todos creem que o Apra [Alianza Popular Revolucionaria Americana, seu partido] também. Mas o Peru é um pouco surpreendente, porque há alguns dias a relação com a Bolívia era malíssima e, agora, o Peru está deportando os prófugos da Justiça boliviana. Aceitaram também fazer um acordo sobre o mar. E a esquerda ganhou as eleições da capital Lima, apesar de parecer um pouco desarticulada para desafios mais sólidos. Para as próximas eleições, há cinco candidatos que estão com aproximadamente 20% dos votos cada um e dizem que o Apra não ganharia um segundo turno. E olha que a economia do Peru está crescendo 10%.



Pablo Stefanoni é economista e jornalista argentino radicado em La Paz desde 2003. Foi assessor de comunicação do governo Evo Morales. Atualmente, é diretor da versão boliviana do Le Monde Diplomatique e faz doutorado sobre a história das ideias do indigenismo.